Resumo: O presente trabalho visa aclarar as questões controversas que envolvem a tipificação dos crimes tributários descritos na Lei 8.137/90, expondo de forma didática e amparado em doutrina e jurisprudência, as questões relativas a consumação do crime, requisitos para inicio da persecução penal estatal e a competência para apuração e julgamento desses casos.
Sumário: introdução 1. Princípios de direito penal. 1.2. Principio da Intervenção Mínima. 1.3. Princípio da Fragmentariedade. 2. Princípios de direito processual penal. 2.1. Princípio do Devido Processo Legal 2.2. Princípio da ampla defesa. 3. Natureza penal. 3.1. Natureza dos crimes tributários descritos nos artigos 1º e 2º da Lei 8.137/90. 4. Requisitos necessários para o inicio da persecutio criminis. 4.1. Justa causa para o inicio da persecutio criminis nos crimes tributários. 5. Estudo de caso. 5.1. Síntese da Controvérsia. 5.2. Dos Possíveis fatos típicos e a competência para julgamento do feito. 5.3. Do Crime descrito no art. 1º da Lei 8.137/90. 5.4. Do crime de Falsidade Ideológica – Art. 299 do CP. 5.5. Da Competência para processamento do feito 6. Conclusão. Referências bibliográficas.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por finalidade o estudo dos institutos de Direito Penal e Processual Penal no que tange a competência processual para instauração de inquérito e processamento de expedientes e processos que tem por objeto infrações penais descritos na Lei 8.137/90 bem como os pressupostos processuais para um regular andamento processual.
A motivação sobre esse tema nasceu das constantes impetrações de Habeas Corpus com o intuito de trancar Ações Penais e Inquéritos Policiais que estariam a violar direitos e garantias fundamentais.
Como cediço, a natureza humana encontra-se em constante mutação, bem como o pensamento jurídico acerca de temas dessa importância sofrem constante modificação quanto à devida aplicação das normas.
O problema central do trabalho se desenha da seguinte forma: levando em consideração o inter criminis nos casos de incidência penal nos crimes contra a ordem tributária, em especial no que tange a cobrança de Imposto Sobre Propriedade de Veículo (IPVA) de veículo registrado em certa unidade da Federação que transita definitivamente em outro, quando poderemos instaurar o competente Inquérito Policial? Quem é competente para investigação e processamento eventual ação penal futura?
Para uma melhor compreensão do estudo, faz-se necessário, antes de adentrarmos no cerne da questão que nos propomos a expor, trazer a baila conceitos e princípios inerentes ao Direito Processual Penal e o próprio Direito Penal, realizando uma analise sistemática entre os conceitos, a norma e sua aplicação.
Posteriormente, faremos considerações sobre a natureza jurídica dos crimes tributários, bem como dos crimes subsidiários que vinham a causar enorme divergência doutrinaria e jurisprudencial que foi apaziguada pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal.
Por fim, traremos comentários acerca de todo o exposto, amparando-nos nos princípios norteadores do nosso ordenamento jurídico, em doutrina moderna sobre o tema e nos recentes julgados dos nossos Tribunais Superiores.
1. PRINCÍPIOS DE DIREITO PENAL
Na forma como consignamos na introdução do presente trabalho, para uma melhor análise do cerne da questão que trazemos a discussão, é extremamente prudente apresentarmos de forma sucinta alguns princípios de direito penal que serão importantes para chegarmos a conclusão do presente estudo.
1.1. Principio da Intervenção Mínima
O próprio nome do principio já é capaz de levar a uma conclusão de qual seria a sua função na ordem jurídica penal.
Como sabemos, o convívio em sociedade regido pelo Estado Democrático de Direito traz, a todos os integrantes, direitos e deveres que devam ser seguidos. Ocorre que, por vezes, indivíduos entendem a norma de forma distinta, vindo a causar dano a terceiros. Ora, com efeito, o direito penal não se vale para solucionar todos os problemas que venham a ocorrer entre os cidadãos.
Com efeito, o direito penal é direito de ultima racio que tem por finalidade e proteção dos bens jurídicos mais importantes existentes em uma sociedade mediante severas punições aos que sobre esses bens jurídicos venham a direcionar sua conduta.
Luiz Regis Prado define o referido principio afirmando que:
“[…] A intervenção da Lei Penal só poderá ocorrer quando for absolutamente necessário para a sobrevivência da comunidade – como ultima racio legis -, ficando reduzida a um mínimo imprescindível. […]” [1]
Rogério Greco, citando André Copetti, torna clara e simples a definição desse principio, vejamos:
“Sendo o direito penal o mais violento instrumento normativo de regulação social, particurlarmente por atingir, pela aplicação das penas privativas de liberdade, o direito de ir e ir dos cidadãos, deve ser ele minimamente utilizado. Numa perspectiva político-jurídica, deve-se dar preferência a todos os modos extrapenais de solução de conflitos. A repressão penal deve ser o último instrumento utilizado, quando já não houver mais alternativas disponíveis.”[2]
O Eminente Ministro Hálio Quaglia Barbosa, do Egrégio Superior Tribunal de Justiça (STJ), assim se manifestou sobre o tema:
“A missão do Direito Penal moderno consiste em tutelar os bens jurídicos mais relevantes. Em decorrência disso, a intervenção penal deve ter o caráter fragmentário, protegendo apenas os bens jurídicos mais importantes e em casos de lesões de maior gravidade.”[3]
1.2. Princípio da Fragmentariedade
Esse princípio encontra-se intrinsecamente vinculado ao principio da intervenção mínima, todavia, dispõe que com as devidas cautelas pois não são idênticos.
O princípio ora sob exame se nos diz que o direito penal vai se restringir em atuar no caso de bens jurídicos fundamentais que, comprovada a lesividade e a inadequação das condutas que os ofendem, esses bens farão parte de uma parcela tutela pelo direito penal.
Nesse sentido, podemos entender o referido principio como sendo a matéria tutelada pelo Direito Penal um fragmento dos bens jurídico tutelados pelo direito em sua totalidade.
Assim, podemos afirmar que em razão do principio da fragmentariedade, deve-se defender penalmente apenas certas formas de ação e/ou omissão (conduta) consideradas altamente agressivas e intoleráveis pela sociedade.
2.PRINCÍPIOS DE DIREITO PROCESSUL PENAL
2.1.Princípio do Devido Processo Legal
Trata-se de principio constitucional de aplicação necessária no processo penal. O due process of Law teve sua origem no Direito Anglo-Americano sendo posteriormente trazido para compor o corpo da Constituição Federal do Brasil de 1988.
Por este princípio, tem-se que a todos são garantidos todos os meios de provas em direito admitidos, bem como estão postos a disposição do acusado (restringindo a esfera penal) todos os recursos e remédios constitucionais para que possa se defender das acusações que estão sendo formuladas, bem como o acesso a defesa técnica, ser o acusado ouvido perante o Juiz, revisão criminal em decisões condenatórias, observância ao rito processual especifico para o caso, regular duração do processo, dentre outros.
2.2.Princípio da ampla defesa
Esse princípio constitucional, descrito no art. 5º, inciso LV da Contituiçao Federal, dispõe de forma inequívoca o direito irrenunciável daquele que esta sendo processado de provar sua inocência da forma mais completa.
Válido ressaltar que o referido princípio é aplicável, da mesma forma e com as mesas garantias, aos procedimentos administrativos, em especial, aos procedimentos administrativos que visam à apuração de suposto débito fiscal.
3.NATUREZA PENAL
3.1.Natureza dos crimes tributarios descritos nos artigos 1º e 2º da Lei 8.137/90
Antes da edição da Lei 8.137/90, havia no campo jurídico enorme divergência sobre o tempo consumativo do tipo penal descrito no art. 1º da Lei 4.729/65 uma vez que o caput do artigo não trazia em seu texto nenhuma elementar, bem como havia divergência sobre se o crime seria classificado como material ou forma. Válido a transcrição do referido artigo. Vejamos:
“Art 1º Constitui crime de sonegação fiscal:
I – prestar declaração falsa ou omitir, total ou parcialmente, informação que deva ser produzida a agentes das pessoas jurídicas de direito público interno, com a intenção de eximir-se, total ou parcialmente, do pagamento de tributos, taxas e quaisquer adicionais devidos por lei;
II – inserir elementos inexatos ou omitir, rendimentos ou operações de qualquer natureza em documentos ou livros exigidos pelas leis fiscais, com a intenção de exonerar-se do pagamento de tributos devidos à Fazenda Pública;
III – alterar faturas e quaisquer documentos relativos a operações mercantis com o propósito de fraudar a Fazenda Pública;
IV – fornecer ou emitir documentos graciosos ou alterar despesas, majorando-as, com o objetivo de obter dedução de tributos devidos à Fazenda Pública, sem prejuízo das sanções administrativas cabíveis.”[4]
Ocorre que com a edição da Lei 8.137, a discussão antes existente não subsistiria a uma analise acurada do tipo penal inserido no ordenamento jurídico pela lei nova. Confira-se:
“Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:
I – omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;
II – fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;
III – falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável;
IV – elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato;
V – negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação.”[5]
De fato, como pode ser claramente percebido, com a alteração do texto legislativo e a inclusão de elemento normativo específico do tipo relacionado à efetiva supressão ou redução de tributos, os delitos previstos no artigo 1º, da lei nº 8.137/90, passaram a ser considerados crimes materiais.
Pacificando o tema, o E. STF no julgamento do Habeas Corpus 81.611/DF assentou o entendimento acima perfilhado, confirmando que os crimes tratados nos artigos 1º e 2º da Lei 8.137/90 são materiais, sendo necessário resultado. Vejamos a ementa do julgado acima citado da lavra do E. Ministro Sepúlveda Pertence:
“EMENTA: I. Crime material contra a ordem tributária (L. 8137/90, art. 1º): lançamento do tributo pendente de decisão definitiva do processo administrativo: falta de justa causa para a ação penal, suspenso, porém, o curso da prescrição enquanto obstada a sua propositura pela falta do lançamento definitivo. 1. Embora não condicionada a denúncia à representação da autoridade fiscal (ADInMC 1571), falta justa causa para a ação penal pela prática do crime tipificado no art. 1º da L. 8137/90 – que é material ou de resultado -, enquanto não haja decisão definitiva do processo administrativo de lançamento, quer se considere o lançamento definitivo uma condição objetiva de punibilidade ou um elemento normativo de tipo. 2. Por outro lado, admitida por lei a extinção da punibilidade do crime pela satisfação do tributo devido, antes do recebimento da denúncia (L. 9249/95, art. 34), princípios e garantias constitucionais eminentes não permitem que, pela antecipada propositura da ação penal, se subtraia do cidadão os meios que a lei mesma lhe propicia para questionar, perante o Fisco, a exatidão do lançamento provisório, ao qual se devesse submeter para fugir ao estigma e às agruras de toda sorte do processo criminal. 3. No entanto, enquanto dure, por iniciativa do contribuinte, o processo administrativo suspende o curso da prescrição da ação penal por crime contra a ordem tributária que dependa do lançamento definitivo.”[6]
Assentado esse entendimento, então, na Corte Suprema, findou-se a questão que tanto causava divergências entre os doutrinadores, advogados, juízes e desembargadores.
4.REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA O INICIO DA PERSECUTIO CRIMINIS
4.1Justa causa para o inicio da persecutio criminis nos crimes tributários
Como cediço, o inquérito policial tem por objetivo buscar indícios para subsidiar eventual denuncia do Ministério Publico. Sabe-se ainda que o inquérito policial só pode ser instaurado quando presente a materialidade do delito e deve haver indícios de autoria.
Assim, no que tange aos inquéritos policiais que visam a apuração de delitos contra a ordem tributária, é de suma importância que o expediente seja instruído com copia da certidão de transito em julgado do processo administrativo vinculado sob penal de nulidade cabível por correção pela estreita via do Habeas Corpus.
Com efeito, apesar de ser notório e conhecido o princípio da separação das instancias, o que, em tese, não vincularia o Ministério Publico a aguardar o final do procedimento fiscal para, somente depois, propor eventual denuncia, em se tratando de crimes contra a ordem tributária, vemos como necessária essa “subordinação” do Ministério Público ao final do procedimento administrativo. Caso contrário, estaríamos a afirmar que o Judiciário, ou o próprio Ministério Público, estariam invadindo a seara administrativa pois, com o recebimento da denuncia, estariam reconhecendo a materialidade de uma crime que ainda não foi materializado, visto que não houve lançamento definitivo do credito tributário pela administração publica competente para realização de tal ato.
Com efeito, o tributo somente é constituído após o lançamento, definitivo, com expedição da certidão da dívida ativa, de modo que qualquer ato atentatório causa constrangimento ilegal e é obstáculo insuperável para o inicio da persecução penal.
O Egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (“TJDFT”) instado a analisar o tema, assim decidiu a matéria:
“HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. TRANCAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL. PENDÊNCIA DE PROCESSO ADMINISTRATIVO. DISCUSSÃO SOBRE A EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO DEVIDAMENTE COMPROVADA. RECURSO PROVIDO.
Na hipótese, sustenta-se a falta de justa causa para o inquérito policial instaurado contra os pacientes, em razão da pendência de procedimento administrativo fiscal.
Devidamente comprovada por elementos constantes dos presentes autos a discussão sobre a exigibilidade do crédito tributário, a situação dos pacientes encontra guarida na nova orientação jurisprudencial da Suprema Corte, no sentido de que o processo criminal encontra obstáculo na esfera administrativa.
Se o lançamento do crédito tributário é condição objetiva de punibilidade em casos de crimes contra a ordem tributária, a pendência do procedimento administrativo fiscal instaurado com o fim de apuração de tal crédito é óbice não só à instauração da ação penal, mas também do inquérito policial.
Ordem de habeas corpus concedida.”[7]
No mesmo sentido são as decisões do Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais que de forma pacífica tem o seguinte entendimento. In verbis:
“HABEAS CORPUS – CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA – AÇÃO PENAL – CRÉDITO FISCAL – AUSÊNCIA DE LANÇAMENTO DEFINITIVO – REABERTURA DE PRAZO PARA DEFESA ADMINISTRATIVA – PENDÊNCIA DE RECURSO ADMINISTRATIVO – TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL – DELITO NÃO CONFIGURADO – FALTA DE JUSTA CAUSA – SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL – ORDEM CONCEDIDA. Se os elementos fornecidos ao Ministério Público lhe permitiam exercer o poder de formalizar denúncia, posto que, até então, os recursos administrativos interpostos restavam sem êxito, vê-se, entretanto, em consonância com posterior decisão do Supremo Tribunal – ao determinar a reabertura da defesa administrativa tributária – que a mencionada decisão esparge efeitos sobre a ação penal, estancando a justa causa que respaldara a denúncia, porque a materialidade delitiva já não pode ser reconhecida, devido à inexistência de lançamento definitivo do débito fiscal, devido à pendência de recurso na esfera administrativa. O esgotamento do processo administrativo-fiscal constitui condição objetiva de punibilidade. Ordem concedida.”[8]
“HABEAS CORPUS – CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA – SONEGAÇÃO FISCAL – ART. 1º, INC. I, DA LEI 8.137/90 – NECESSIDADE DE EXAURIMENTO DA FASE ADMINISTRATIVA COM CONSEQUENTE LANÇAMENTO DO TRIBUTO DEVIDO NA DÍVIDA ATIVA PARA O INÍCIO DA PERSECUÇÃO PENAL – JUSTA CAUSA PARA AÇÃO PENAL – INOCORRÊNCIA – TRANCAMENTO. A consumação do crime tipificado no art. 1º da lei 8.137/90 somente se verifica com a constituição do crédito fiscal, através do lançamento do tributo devido na dívida ativa, após a conclusão do procedimento administrativo. Inexistindo procedimento administrativo para apuração de sonegação quanto ao tributo pelo qual foi o paciente denunciado, impõe-se o trancamento da ação penal instaurada em seu desfavor.”[9]
Não é outro, aliás, o posicionamento pacífico do E. Superior Tribunal de Justiça em casos semelhantes ao vertente. Confira-se:
Por oportuna, traz-se ainda à colação a lição de HUGO DE BRITO MACHADO que, com peculiar clareza, explicita a necessidade de que a esfera administrativa previamente reconheça que o agente efetivamente infringiu as normas tributárias, veja-se:
“Nos crimes contra a ordem tributária tem-se, para a configuração do tipo, a necessidade de afirmação, pela autoridade administrativa competente, da existência de tributo devido, para que se possa no juízo penal afirmar a ocorrência da conduta consistente na supressão ou redução de tributo, e assim tipificado o crime.
Podemos, portanto, afirmar que é exatamente em atenção ao princípio da autonomia das instâncias que não se poder admitir o desencadeamento da jurisdição penal antes de que se tenha manifestado a autoridade administrativa.
Pudesse o juiz penal dizer que se configurou o crime de supressão ou redução de tributo, sem respeitar a competência da autoridade administrativa para dizer se no caso existe ou não existe um tributo devido, elemento normativo daquele tipo penal, estaria violada a autonomia das instâncias. A instância judiciária teria penetrado na instância administrativa. Teria feito afirmação que constitui atribuição própria daquela.
E não se trata de mera questão formal. Trata-se na verdade de uma questão substancial da maior importância, relacionada à especialização das funções do Estado. Enquanto cobrador de tributos o Estado age corporificado por órgãos especializados nessa tarefa. Do mesmo modo, enquanto outorgante de incentivos fiscais para o desenvolvimento econômico, o Estado age corporificado por órgãos especializados nessa atividade.
A constatação da ocorrência das condutas que tipificam os crimes contra a ordem tributária constitui atribuição da autoridade administrativa. Em respeito à autonomia das instâncias, o Estado, no exercício da jurisdição penal, somente pode agir quando esteja constatada e afirmada, pela autoridade competente, aquela conduta que atinge a integridade da ordem tributária, objeto jurídico protegido nesses tipos penais.” [12]
Nesse exato sentido, confira-se a lição de CRISTIANO VARVALHO e EDUARDO JOBIM[13]:
“Com a entrada em vigor da Lei nº 8.137, de 27.12.1990, o tipo penal em questão foi redefinido. Seu art. 1º estabeleceu que ‘constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributos, da contribuição social e qualquer acessório, mediante as condutas descritas nos incisos I a V desse artigo’.
Verificou-se que o tipo do crime descrito no inc. I do referido artigo teve por núcleo a ‘supressão’ ou ‘redução’ de tributos, contribuições ou qualquer acessório. Nesse ponto, ficou evidente a presença do elemento subjetivo do dolo específico, que consistente na vontade livre e consciente de realizar a conduta descrita pelos verbos apontados.
Constatamos que com a mudança dos testos legislativos (pelo menos no tocante ao art. 1º da Lei superveniente), que substituíram os crimes de mera conduta por crimes de dano, onde os fatos praticados pelo agente por si só não caracterizavam o crime, existindo o mesmo se, e somente, se, (i) houver a intenção voltada ao resultado colimado, bem como (ii) a efetiva ‘supressão’ ou ‘redução’ dos tributos.
Dessa classificação dos crimes, advêm conseqüências jurídico-penais muito importantes.
A distinção entre crimes formais e materiais, leva em consideração o momento consumativo do delito. A distinção entre os crimes de dando, ou de perigo, leva em consideração o efeito da ação delituosa. Dessa distinção decorre que os crimes de dano só se consumam com a efetiva produção do resultado previso no tipo e efetiva lesão ao bem jurídico protegido pela Lei.
Tendo em vista a definição legal dos crimes contra a ordem tributária (supressão ou redução de tributos), verificamos que eles só se consumam com a efetiva produção desse resultado, que somente ocorre quando da constituição definitiva do crédito tributário.
Assim, em consonância com o ponto acima firmado, entendemos só poder falar em ‘supressão’ ou ‘redução do tributo’ após o término do procedimento administrativo, atividade privada das autoridades fazendárias.”
Assim, concluímos que, para que possa ter inicio a persecução penal contra acusados de praticantes de crimes tributários descritos nos artigos 1º e 2º da Lei 8.137, faz-se necessário, preliminarmente, a constituição definitiva do credito tributário por meio de decisão definitiva no âmbito administrativo.
Importante frisar ainda que o parcelamento do débito existente é causa impeditiva para a instauração de inquérito policial tendo me vista a suspensão da exigibilidade do crédito. Tal situação existe por força do artigo 151, inciso VI da Lei 5.172 de 25 de outubro de 1966. Confira-se:
“Art. 151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário:
I – moratória;
II – o depósito do seu montante integral;
III – as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo;
IV – a concessão de medida liminar em mandado de segurança.
V – a concessão de medida liminar ou de tutela antecipada, em outras espécies de ação judicial;
VI – o parcelamento.
Parágrafo único. O disposto neste artigo não dispensa o cumprimento das obrigações assessórios dependentes da obrigação principal cujo crédito seja suspenso, ou dela conseqüentes.”
Nesse sentido é o entendimento do E. TJDFT. Confira-se:
“HABEAS CORPUS. COAÇÃO PRATICADA POR PROMOTOR DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL. COMPETÊNCIA. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. APROVEITAMENTO DE CRÉDITO EXTEMPORÂNEO ORIUNDO DE DIFERENÇA DE ALÍQUOTAS DE ICMS. PARCELAMENTO DO DÉBITO. TRANCAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL.1. COMPETE AO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS PROCESSAR E JULGAR, ORIGINARIAMENTE, HABEAS CORPUS EM QUE A COAÇÃO É IMPUTADA A MEMBRO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS.2. TRANCA-SE O INQUÉRITO POLICIAL INSTAURADO PARA APURAR A OCORRÊNCIA DE CRIME DE SONEGAÇÃO FISCAL SE O INDICIADO, MEDIANTE COMPENSAÇÃO DO DÉBITO TRIBUTÁRIO COM CRÉDITOS ORIUNDOS DE PRECATÓRIOS, CELEBROU ACORDO COM O FISCO PARA PARCELAMENTO DA DÍVIDA E NÃO HÁ SEQUER INDÍCIOS DE DOLO NO APROVEITAMENTO DE CRÉDITO EXTEMPORÂNEO DE ICMS.”[14]
Feitas essas considerações preliminares, mas imprescindíveis para melhor cadenciar o raciocínio sobre o tema nodal que pretendemos trazer a analise, passemos a aplicação dos institutos expostos a um caso concreto.
5.ESTUDO DE CASO
5.1.Síntese da Controvérsia
Em 22.11.2007, foi deflagrada conjuntamente pelas Secretarias da Fazenda e de Segurança do Estado de São Paulo a operação –“De olho na placa”–, com o objetivo de apurar alegada fraude fiscal decorrente da utilização em território paulista de veículos emplacados em outros Estados da Federação.
Para tanto, com base em efetivo composto por 3.180 policiais militares, 500 policiais civis e 1.100 fiscais de renda, as Secretarias da Fazenda e de Segurança do Estado de São Paulo lograram apreender documentos de 1.826 automóveis no mesmo dia, em 212 pontos de bloqueio estabelecidos ao longo de todo o território estadual.
Buscou, o Estado de São Paulo, com essa operação, retirar de circulação das ruas paulistanas veículos que, na visão das autoridades locais estariam em débito com a administração estadual uma vez que o licenciamento dos automóveis eram registrados e pagos em estados da federação em que a alíquota da base de cálculo seria menor.
Assim, os veículos que transitavam em São Paulo e adjacências foram parados e tiveram a documentação apreendida pelas autoridades. Em ato continuo, foram instaurados inquéritos policiais com o fito de apurar eventual pratica de crime tribuário e falsidade ideológica por parte dos proprietários dos veículos.
5.2.Dos Possíveis fatos típicos e a competência para julgamento do feito
As autoridades paulistanas, de posse da documentação dos veículos apreendidos, instauraram um inquérito policial para cada documento apreendido, instruídos apenas com o Boletim de Ocorrência, Certificado e Registro de Licenciamento do Veículo e depoimentos dos condutores, tipificando a conduta dos proprietários dos veículos como incurso no art. 1º da Lei 8.137/90, bem como ao tipo penal descrito no artigo 299 do Código Penal.
Não obstante, no que se tange a competência para processamento do feito, entenderam ainda por aplicável o art. 70 do Código de Processo Penal, que dispõe “A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução.” Assim, em cada ponto em que haviam postos de fiscalização da operação “De olho na placa”, os veículos apreendidos eram encaminhados os Distritos Policiais das áreas respectivas.
Delimitando a atuação das autoridades, bem como os crimes vislumbrados pelas Autoridades passemos então a tratar de cada tipo penal específico, demonstrando a impropriedade da ação estatal.
5.3.Do Crime descrito no art. 1º da Lei 8.137/90
Como já dito alhures, após a alteração legislativa ocorrida em 1990 com a edição da Lei 8.137 e o julgamento relativo ao HC 81.611/DF pelo Pretório Excelso, pacificou-se a divergência existente no âmbito jurisprudencial, acadêmico e doutrinário, definindo que os crimes descritos nos artigos 1º e 2º da Lei em comento são crimes materiais, ou seja, que exigem resultado. Importante apresentar a ementa do referido julgado tendo em vista a sai importância como Leading Case sobre a matéria:
“EMENTA: I. Crime material contra a ordem tributária (L. 8137/90, art. 1º): lançamento do tributo pendente de decisão definitiva do processo administrativo: falta de justa causa para a ação penal, suspenso, porém, o curso da prescrição enquanto obstada a sua propositura pela falta do lançamento definitivo. 1. Embora não condicionada a denúncia à representação da autoridade fiscal (ADInMC 1571), falta justa causa para a ação penal pela prática do crime tipificado no art. 1º da L. 8137/90 – que é material ou de resultado -, enquanto não haja decisão definitiva do processo administrativo de lançamento, quer se considere o lançamento definitivo uma condição objetiva de punibilidade ou um elemento normativo de tipo. 2. Por outro lado, admitida por lei a extinção da punibilidade do crime pela satisfação do tributo devido, antes do recebimento da denúncia (L. 9249/95, art. 34), princípios e garantias constitucionais eminentes não permitem que, pela antecipada propositura da ação penal, se subtraia do cidadão os meios que a lei mesma lhe propicia para questionar, perante o Fisco, a exatidão do lançamento provisório, ao qual se devesse submeter para fugir ao estigma e às agruras de toda sorte do processo criminal. 3. No entanto, enquanto dure, por iniciativa do contribuinte, o processo administrativo suspende o curso da prescrição da ação penal por crime contra a ordem tributária que dependa do lançamento definitivo.”[15]
No referido julgamento o E. Relator, Ministro Sepúlveda Pertence, de forma clara e acertada, assim expôs seu voto:
“33. A questão não comporta solução unívoca.
34. A resposta há de partir da distinção – a luz da lei penal incriminadora-, se se cuida de crime material, de dano ou de resultado, ou de crime formal ou de mera conduta.
35. O voto do Ministro Neri, no HC 77002.parece que endossa o parecer então oferecido pela Procuradoria-Geral, a teor do qual “os crimes previstos na lei 8137, em particular aqueles capitulados nos arts. 1º e 2º, são formais, ou seja, não se exige a produção de um resultado para a sua consumação.”, para concluir daí que “não fica impedido o Ministério Público de instaurar ação penal, apesar de ainda pendente o procedimento administrativo.”Omissis
36. O silogismo, formalmente correto, perde-se, contudo, data vênia, pela errônea premissa menor. Omissis
45. Com efeito. Certo que o crime se consuma com o evento supressão ou redução do tributo e no momento em que se verifiquem, uma visão ortodoxamente declarativa do lançamento quiça pudesse ser chamada, em tese, para sustentar a retroação de sua eficácia ao tempo do fato gerador, que coincidiria com o do aperfeiçoamento do delito e conseqüente viabilidade da ação penal.”
Nesse sentido, resta claro então que, para que tenha inicio qualquer procedimento criminal que tenha por objetivo a apuração de crimes contra a ordem tributária faz-se necessário que haja, de fato, a comprovação do resultado material da conduta. Em outras palavras, é imprescindível que tenha havido a constituição definitiva e lançamento do crédito tributário que se tem por sonegado.
Além disso, sendo admitido pelo artigo 34 da Lei nº 9.249/95 a extinção da punibilidade do crime pela satisfação do tributo, resta evidente que o precipitado início da atividade persecutória penal constitui inadmissível tentativa de supressão do direito do particular de questionar a matéria perante a autoridade fazendária.
5.4.Do crime de Falsidade Ideológica – Art. 299 do CP
O raciocínio dos mentores da operação em referência utilizaram de evidente má-fé para por em prática a ação policial, bem como criou meios articulosos com o intuito de que o inquérito policial subsistisse até que se tivesse findado o procedimento relativo a cada veículo autuado na operação.
Para tanto, decidiram por bem instaurar inquérito tipificando a conduta dos proprietários dos veículos como incurso no art. 299 do Código Penal. Vejamos o teor do citado artigo:
“Art. 299 – Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa, se o documento é particular”.
Ora, mais uma vez incidiu em erro crucial a autoridade policial. Senão vejamos.
Com efeito, o núcleo do tipo ora sob exame é omitir ou fazer declaração falsa. Seguindo na analise detida do tipo, vê-se que o mesmo traz em seu texto o elemento normativo nele devia constar, demonstrando a existência de um juízo de valor sobre a declaração que devia constar no referido documento.
Nesse sentido, se apenas fosse esse o eventual crime perpetrado pelo proprietário do veiculo, a saber: inserir declaração falsa referente ao domicílio, o tipo penal estaria, em tese, configurado.
Ocorre que a operação policial foi realizada para fins de averiguação de veículos que estariam em débito com a administração estadual, conduta esta devidamente descrita nos artigos 1º e 2º da Lei 8.137/90.
Assim, no caso trazido a analise, eventual conduta de falsidade ideológica é crime-meio para fim, qual seja, o crime tributário. Assim, resta evidente a aplicação do principio da consunção ao caso, devendo o crime meio ser mero fato impunível.
É evidente, na hipótese em foco, a subsidiaridade do crime do art. 299 em relação ao suposto crime contra a ordem tributária. Isso porque, segundo as próprias autoridades estaduais, o crime contra a ordem tributária só teria sido possível pela inserção de informações falsas no documento do veículo no que tange a unidade da federação a que pertencia o veículo.
A jurisprudência é uníssona nos seus julgados sobre o tema, todavia, os órgãos acusadores insistem em dar início a persecução penal sem as devidas cautelas processuais. Certo que o judiciário é atento ao tema e rechaça essa dupla punição.
Os julgados são vastos em todos os tribunais pátrios. Vejamos:
“PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. PRELIMINARES. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. TEMPESTIVIDADE. RAZÕES. APRESENTAÇÃO EXTEMPORÂNEA. MERA IRREGULARIDADE PROCESSUAL. REPRESENTAÇÃO FISCAL. CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE. AÇÃO PENAL TRIBUTÁRIA. INVIABILIDADE. DENÚNCIA. INÉPCIA. CRIMES SOCIETÁRIOS. NARRAÇÃO GENÉRICA. LEI N. 4.729/65 (SONEGAÇÃO FISCAL). DERROGAÇÃO. LEI N. 8.137/90 (CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA). CONTINUIDADE DELITIVA. LEI NOVA MAIS GRAVOSA. APLICABILIDADE. PRESCRIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. DELITO DE FALSIDADE IDEOLÓGICA. DOCUMENTO PARTICULAR. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. NÃO INTERRUPÇÃO. PRESCRIÇÃO. MÉRITO. FALSIDADE IDEOLÓGICA. CRIME-MEIO PARA A SONEGAÇÃO FISCAL. ABSORÇÃO. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. AÇÕES FRAUDULENTAS. LANÇAMENTOS DE OPERAÇÕES MERCANTIS. OMISSÃO. SONEGAÇÃO DE IMPOSTOS. CONDENAÇÃO. Tratando-se de recurso tempestivo, o oferecimento das razões fora do prazo constitui mera irregularidade processual, não ensejando nulidade. Inexistindo relação de dependência entre os agravos de instrumento interpostos e o presente feito, não há nenhuma prejudicialidade em se prosseguir com o julgamento. A representação fiscal prevista no artigo 83 da Lei n. 9.430/96 não constitui condição de procedibilidade para a propositura da ação penal tributária. A peça inicial atendeu o estabelecido no artigo 41 do Código de Processo Penal. Nos chamados crimes societários, a denúncia pode conter uma narração genérica, não sendo necessária a individualização pormenorizada da conduta específica de cada agente. A Lei n. 8.137/90 (crimes contra a ordem tributária), reproduzindo as normas típicas da Lei n. 4.729/65 (sonegação fiscal), derrogou-a e entrou em vigor na data da sua publicação. Em se tratando de continuidade delitiva, aplica-se a lei nova, mesmo sendo mais gravosa ao réu, quando a sua vigência é anterior à cessação da continuidade do delito. Restando derrogado o artigo 1º, inciso II, da Lei n. 4.729/95 pelo artigo 1º, inciso II, da Lei n. 8.137/90, não ocorreu a prescrição da pena in abstrato. Quanto ao delito previsto no artigo 2º, inciso V, da Lei n. 8.137/90, constatando ter decorrido lapso superior a quatro anos entre o recebimento da denúncia e a prolação da sentença, declara-se extinção da pretensão punitiva do Estado. Em relação ao crime do artigo 299 do Código Penal (delito de falsidade ideológica relacionado a documento particular), verificando-se não ter ocorrido a interrupção da prescrição com a prolação da sentença absolutória, decorreu prazo superior a oito anos a ensejar a prescrição. Mérito. A sonegação fiscal absorve a falsificação de documentos, quando esta é o meio utilizado para a consecução do delito tributário. No tocante aos crimes contra a ordem tributária, a prova da autoria e da materialidade dos réus restaram sobejamente demonstradas nos autos. Várias foram as ações físicas consubstanciadas em manobras fraudulentas, objetivando a redução dos tributos devidos. As confissões, aliadas aos depoimentos testemunhais, laudos técnicos e demais documentos são suficientes para lastrear a condenação. Os acusados tinham consciência do caráter ilícito de suas condutas, concorrendo voluntária e dolosamente para a prática delituosa. Constatando-se, também, a omissão de lançamentos de operações mercantis, cujos fatos econômicos deveriam ter sido inseridos nos livros fiscais da empresa, a condenação é medida imperiosa. AFASTADAS AS PRELIMINARES SUSCITADAS PELA DEFESA E ACOLHIDAS AS PRELIMINARES DE PRESCRIÇÃO DOS DELITOS PREVISTOS NOS ARTIGOS 2º, INCISO V, DA LEI N. 8.137/90 E 299 DO CÓDIGO PENAL. UNÂNIME. NO MÉRITO, DEU-SE PARCIAL PROVIMENTO, NOS TERMOS DAS NOTAS TAQUIGRÁFICAS. UNÂNIME.”[16]
Nesse sentido, o E. Superior Tribunal de Justiça tem jurisprudência pacifica sobre o tema, vejamos:
“PENAL. HABEAS CORPUS. FALSIDADE IDEOLÓGICA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. CRIME-MEIO PARA O DESCAMINHO. AÇÃO PENAL JÁ TRANCADA QUANTO A ESTE DELITO POR AUSÊNCIA DE PRÉVIA CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO NA ESFERA ADMINISTRATIVA. ABSORÇÃO DO FALSO PELO DESCAMINHO. DENÚNCIA QUE NARRA O FALSO COMO INSTRUMENTO PARA A SUPRESSÃO DE VASTA CARGA TRIBUTÁRIA. NATUREZA DO FALSO QUE SOBRESSAI NÍTIDA COMO CRIME-MEIO. FALTA DE JUSTA CAUSA PARA A PERSECUÇÃO PENAL DOS PACIENTES EM JUÍZO POR ESSE DELITO. NECESSIDADE DE TRANCAMENTO. DECISÃO CALCADA EM FATORES EMINENTEMENTE OBJETIVOS. EXTENSÃO DOS EFEITOS DO JULGADO AOS DEMAIS CO-RÉUS DA AÇÃO PENAL COGNITIVA. ORDEM CONCEDIDA, COM EXTENSÃO.
1. Partindo-se exclusivamente da versão contida na denúncia, isto é, que a falsidade ideológica. ocultação da real empresa importadora de produtos na cadeia de importação. foi instrumento para a supressão do pagamento de II, IPI, PIS e COFINS por parte da referida empresa, resta claro que o falso não foi nada mais do que o crime-meio para a execução do descaminho ou outro crime contra a ordem tributária eventualmente incidente à espécie.
2. O pretérito trancamento da ação penal com relação ao crime-fim (descaminho, nos autos do HC 109.205/PR) não autoriza a persecução penal dos acusados pelo crime-meio, sob pena de se praticar absurdos resultados, eis que o crime fiscal pode ser alvo de adimplemento, o que extinguiria a punibilidade dos investigados.
3. Nítida a falta de justa causa para a persecução penal dos acusados em juízo em relação exclusivamente ao crime-meio, claramente absorvido pelo crime-fim, sendo, pois, imperioso o trancamento da ação penal.
4. Calcando-se a decisão em fatores eminentemente objetivos, mister a extensão dos efeitos benéficos do julgado em benefício dos co-réus da ação penal de conhecimento. Inteligência do artigo 580 do Código de Processo Penal.
5. Ordem concedida para trancar a ação penal ajuizada contra os pacientes no que tange ao delito de falsidade ideológica, estendendo-se seus efeitos aos co-réus da ação penal de conhecimento.”[17]
“PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA, FALSIDADE IDEOLÓGICA, USO DE DOCUMENTO FALSO E FORMAÇÃO DE QUADRILHA. DENÚNCIA RECEBIDA ANTES DA CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. CONDIÇÃO OBJETIVA DE PUNIBILIDADE. DELITOS DE FALSIDADE IDEOLÓGICA E USO DE DOCUMENTO FALSO QUE SE APRESENTAM COMO MEIO NECESSÁRIO PARA A PRÁTICA DO CRIME DE SONEGAÇÃO FISCAL. ABSORÇÃO. FORMAÇÃO DE QUADRILHA. NÃO CARACTERIZAÇÃO DE SEUS ELEMENTOS.
I – O trancamento de inquérito, conquanto possível, cabe apenas nas hipóteses excepcionais em que, prima facie, mostra-se evidente a atipicidade do fato ou a inexistência de autoria por parte do indiciado.
II – O Plenário do Pretório Excelso ao julgar o HC 81.611/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU de 13/05/2005, firmou o entendimento, que posteriormente veio a ser seguido também nesta Corte, de que nos crimes contra a ordem tributária a constituição definitiva do crédito tributário e conseqüente reconhecimento de sua exigibilidade (an debeatur) e valor devido (quantum debeatur) configuram uma condição objetiva de punibilidade, ou seja, se apresenta como um requisito cuja existência condiciona a punibilidade do injusto penal. (Precedentes do Pretório Excelso e desta Corte).
III – Dessarte, o início da persecutio criminis in iudicio, ou até mesmo a instauração de inquérito policial somente se justificam após a constituição definitiva do crédito tributário, sendo flagrante o constrangimento ilegal decorrente da inobservância deste dado objetivo.
IV – Em princípio, o crime de sonegação fiscal e os de falsidade ideológica e uso de documento falso apresentam existências autônomas, ainda que, ocasionalmente, se possa reconhecer a ocorrência somente do crime contra a ordem tributária.
V – Os delitos constantes dos art. 299 e 304 do CP, somente são absorvidos pelo crime de sonegação fiscal, se o falso teve como finalidade a sonegação, constituindo, em regra, meio necessário para a sua consumação. (Precedentes desta Corte e do Pretório Excelso).
VI – Na hipótese, os crimes de falsidade ideológica e uso de documento falso estão indissociavelmente ligados a descrição de um potencial crime contra a ordem tributária, razão pela qual são por ele absorvidos.
VII – Para a caracterização do delito de formação de quadrilha é necessário o concurso de pelo menos quatro pessoas, além da finalidade dos agentes voltada ao cometimento de delitos e da exigência de estabilidade e permanência da associação criminosa o que, à toda evidência não se verifica no caso. (Precedente do Pretório Excelso).
Habeas corpus concedido para trancar o inquérito policial nº 19-0286/06/2006.61.21.001667-2 em trâmite perante a Polícia Federal de São José dos Campos/SP.”[18]
Reforçando ainda mais a tese, RUI STOCO e JULIO FABIO MIRABETE ensinam, respectivamente:
“Significa que o crime-fim absorve o crime-meio, ou seja, se para sonegar o agente falsifica um documento, corrompe ou é corrompido, estará cometendo o delito de natureza tributária da Lei especial. Ocorre, pois, a absorção da fraude, da falsidade ou outro meio que, em outras circunstâncias configuraria delito autônomo, de modo a resultar um crime único” [19] (…)
“[…] Tratando-se de crime de sonegação fiscal, a falsidade ideológica, como meio para a execução daquele delito, é absorvida por este, entendendo-se na jurisprudência haver no caso a aplicação do princípio da especialidade […]”[20]
5.5 Da Competência para processamento do feito
Como visto, o caso sob exame trata de crime tributário, que exige resultado por tratar-se de crime material. Não obstante, vimos que a jurisprudência pátria é pacifica no sentido de que o crime de falsidade ideológica fica absolvido pelo crime tributário quando aquele é crime-meio necessário para a concretização deste.
Assim, concluímos que eventual conduta criminosa deve ser investigado e processado no local onde deveria ter sido recolhido o imposto, ou seja, no Estado que diz-se lesado em relação ao imposto, em conformidade com o art. 70 do CPP.
Diante da divergência sobre o tema nos juízos singulares, a matéria foi afetada ao E. STJ que pacificou o tema. Segue:
“CONFLITO DE COMPETÊNCIA. FALSIDADE PRATICADA COM O FIM EXCLUSIVO DE LESAR O FISCO, VIABILIZANDO A SONEGAÇÃO DO TRIBUTO. ABSORÇÃO.
1. Cometida a conduta descrita no art. 299 do Código Penal com a finalidade de suprimir ou reduzir tributo, fica absorvido o delito de falsidade eventualmente perpetrado, pois praticado como meio para a consecução do crime-fim (sonegação fiscal).
CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ART. 1º DA LEI 8.137/90. DELITO MATERIAL. CONSUMAÇÃO. LOCAL DO EFETIVO PREJUÍZO SOFRIDO PELO FISCO.
1. Tratando-se a infração penal prevista no art. 1º da Lei 8.137/90 de delito material, sua consumação ocorrerá no local em que se verificou o prejuízo provocado pelo crime.
2. Conflito conhecido para declarar-se competente o Juízo de Direito da 1ª Vara Criminal de Campinas/SP, o suscitado.”[21]
“PROCESSO PENAL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. INQUÉRITO POLICIAL. DECLARAÇÃO FALSA DE ENDEREÇO DOMICILIAR PARA PAGAMENTO, A MENOR, DE IPVA EM OUTRO ESTADO DA FEDERAÇÃO. FALSIDADE IDEOLÓGICA. CRIME MEIO NECESSÁRIO PARA A FRUSTRAÇÃO DO RECOLHIMENTO DO TRIBUTO NO ESTADO DE ORIGEM. DELITO TRIBUTÁRIO (ART. 1o. DA LEI 8.137/90). CRIME MATERIAL. COMPETÊNCIA DO LOCAL ONDE VERIFICADO O PREJUÍZO FISCAL. PARECER MINISTERIAL PELA COMPETÊNCIA DO JUÍZO SUSCITADO. CONFLITO CONHECIDO PARA DECLARAR A COMPETÊNCIA DO JUÍZO SUSCITADO.
1. O propósito do fato investigado é a frustração do recolhimento do tributo (IPVA). Para a consecução do fim almejado, imprescindível o crime de falso, uma vez que só por ele é possível o registro do veículo no órgão de policiamento de trânsito de Unidade da Federação diferente daquela em que o investigado tem domicílio.
2. Diante desse quadro, fica absorvido a falso pelo fato praticado em detrimento da ordem tributária.
3. Para a apuração de eventual delito fiscal (art. 1o. da Lei 8.137/90), a orientação jurisprudencial deste Tribunal Superior é quanto a competir ao Juízo do local onde verificado o prejuízo fiscal, haja vista ser crime material a exigir resultado previsto na norma para a consumação, de acordo, ainda, com o lançamento administrativo concluído nessa mesma localidade.
4. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo de Direito da 2a. Vara Criminal de Campinas/SP, o suscitado, em consonância com o parecer ministerial.”[22]
6.CONCLUSÃO
Como visto, as questões que envolvem direito tributário são de grande ganância pelos Estados supostamente credores, não poupando trabalho para ver a receita estadual aumentar, mesmo que para isso se valha de meios ineficazes para tentar satisfazer suposto crédito.
Ocorre que, com o intuito de satisfazer seus interesses, a administração acaba por sacrificar princípios basilares do Direito Administrativo, em especial o da economia, eficiência e finalidade, proporcionalidade e razoabilidade.
Com efeito, a mobilização estatal foi vultuosa para a realziação de uma operação conjunta entre a Policial Militar e Civil de São Paulo, Membros do Ministério Publico Estadual e técnicos e analistas do FISCO estadual com o único fim de instaurar procedimentos administrativos que poderiam ter sido instaurados de outra forma, evitando a movimentação da máquina estatal para uma investigação que não sobreviverá, visto que possui obstáculo insuperável para sua regular tramitação, a saber, o lançamento definitivo do crédito tributário supostamente sonegado.
Assim, concluímos que a ação das autoridades paulistanas, no que tange a responsabilização penal dos investigados, foi prematura e impensada, pois agiram em total desconformidade com a melhor doutrina e jurisprudência aplicáveis ao caso pois:
i) Os tipos penais tributários descritos nos artigos 1º e 2º da Lei 8.137/90, são crimes materiais, necessitando assim, para o inicio da persecutio criminis o lançamento definitivo do crédito tributário, ou seja, uma espécie de transito em julgado da decisão administrativa sobre o tributo;
ii) No caso, não subsiste a tese de que resta o enquadramento penal quanto ao crime de falsidade ideológica, visto que, apesar poder ser crime autônomo, no caso em apreço é crime-meio necessário para o sucesso da empreitada criminosa com o fim de sonegar imposto devido.
Como dito na introdução ao presente trabalho, o Direito Penal é direito de ultima racio, devendo ser utilizado somente para solucionar conflitos que os demais ramos do direito não logrem êxito em resolver, todavia, vem sendo utilizado pela administração publica com o único fim de cobrar de forma coercitiva eventuais débitos que se acha credora, devendo, tais atitudes, serem rechaçadas pelo Judiciário Brasileiro.
Advogado, Pós-Graduação em Direito Penal
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