Referindo-se a investigação de “suposta existência de milhões de dólares depositados em contas bancárias, as quais pertenceriam a integrantes de conhecida família de São Paulo, junto a instituições financeiras sediadas em paraíso fiscal”, há quem sustente que, “tendo a Lei n° 9.613/98 entrado em vigência em 3 de março de 1998 – os atos praticados antes da referida data não serão considerados crimes, pois a lei penal não retroage, salvo para beneficiar o réu (art. 5° XL, CF)”. Mas a interpretação mais correta, data venia, não é esta.
Os núcleos dos delitos descritos no artigo 1° caput e § 1° são : “Ocultar” e “Dissimular”[1]. Por “ocultar” entende-se: Não revelar; disfarçar, dissimular, calar; esconder fraudulentamente, sonegar, encobrir – e por “Dissimular”: ocultar ou encobrir com astúcia, disfarçar; não dar a perceber; fingir, simular, proceder com fingimento.[2] Disto se conclui que “dissimular” é espécie do gênero “ocultar”, é na verdade ocultar com astúcia ou fingimento. Ambas as condutas admitem sustentação através do decurso do tempo, é dizer, viabilizam a sua manutenção ou permanência com o transcurso do tempo.
Lembrando MIRABETE: “Crime permanente existe quando a consumação se prolonga no tempo, dependente da ação do sujeito ativo”.[3] Também na doutrina estrangeira ROXIN: “Delitos permanentes son aquellos hechos en los que el delito no está concluido com la realización del tipo, sino que se mantiene por la voluntad delictiva del autor tanto tiempo como subsiste el estado antijurídico creado por el mismo”.[4] E ainda ANTOLISEI: “Si dicono permanenti i reati nei quali il fatto che li costituisce dà luogo ad una situazione dannosa o pericolosa, che protrae nel tempo a causa del perdurare della condotta del soggeto”.[5]
Para viabilizar a analogia e exemplificar, valemo-nos do caso da receptação dolosa (art. 180 caput do Código Penal Brasileiro), que, assim como a lavagem de dinheiro deve ser originário ou proveniente de outro, mas neste caso, daqueles indicados nos incisos do mesmo artigo primeiro da Lei 9.613/98, – o que a doutrina costuma chamar de crime parasitário, e por isso, acreditamos, sirva bem à fundamentação. A comparação torna-se ainda mais perfeita porque um dos núcleos do crime de receptação é igualmente “ocultar”…em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime… A jurisprudência nacional já sedimentou a interpretação em relação a natureza de crime permanente da “ocultação”: Veja-se: – ocultação de coisa – “O crime previsto no art. 180 do CP na modalidade ocultar é delito permanente, colocando o infrator na situação de flagrância, enquanto o objeto permanece escondido, o que patenteia os requisitos para a decretação de prisão preventiva” (STJ – RHC 4.642-2 – Rel. Fláquer Scartezzini – DJU de 21.08.1995, p. 25.380); grifamos, ou “O ato de ocultar coisa proveniente de crime configura, em tese, receptação dolosa, infração de natureza permanente, e, enquanto não cessar a permanência, entende-se o agente em flagrante delito”. (art. 303 do CPP) (TJMS – HC – Rel. Higa Nabukatsu – RT 620/345); grifamos.[6]
A partir desta analogia, inatacável o fato de que, assim como o “ocultar” da receptação caracteriza-se pela permanência delituosa, o “ocultar” da lei de lavagem de dinheiro também prima pela sua manutenção ou sustentação no decurso do tempo, vale dizer, admite a ocorrência de “estar” ou “manter” – ocultando. Então quem, com uma primeira conduta ocultar ou dissimular – natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade – de bens, direitos ou valores – provenientes, direta ou indiretamente de crimes (elencados nos incisos da Lei), mas a partir daí ainda prosseguir “ocultando-os”, incidirá necessariamente, a qualquer momento, na prática criminosa, já que têm natureza de crimes permanentes.
Conclusivo e indisputável portanto que, quem praticou qualquer dessas condutas anteriormente à vigência da Lei n° 9.613/98, mas, após a sua vigência prosseguiu – de qualquer forma – ocultando-os, incidirá nos dispositivos penais. Torna-se ainda mais clara a situação de quem nega ou deixa de declarar às autoridades – quando de dever, por exemplo à Receita Federal ou ao TRE; ou ainda nega publicamente a existência de fundos provenientes dos crimes antecedentes, estando passível não só do enquadramento legal pela permanência do delito, mas também pela clara renovação da prática do delito – já durante a vigência da Lei. Não é demais lembrar que, sendo crimes tecnicamente secundários os de lavagem de dinheiro, que “independem do processo e julgamento dos crimes antecedentes”[7] e “sendo puníveis, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor daquele crime”[8] (grifei), pouco importa se decretada a prescrição do crime antecedente ou mesmo desconhecido o seu autor.
Daí porque, esclarecemos, no referido caso foram tomadas todas as cautelas na apreciação dos fatos, como aliás, no âmbito do Ministério Público sói acontecer.
Promotor de Justiça/SP – GEDEC, Doutor em Processo Penal pela Universidad de Madrid, Pós-Doutorado na Università di Bologna/Italia
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