Lei 9.714/98 e o tráfico de entorpecentes

1. Em
novembro de 1998, foi editada a Lei nº 9.714/98,
modificando dispositivos do Código Penal, dentre os quais os relativos às penas
restritivas de direitos, sustitutivas da privativa de
liberdade. De acordo com a redação da nova Lei, passou a constar do inc. I, art. 44, do CP, que “as penas restritivas de direitos
são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando aplicada pena
privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido
com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada,
se o crime for culposo”.
Esta nova regra, por alguns setores da doutrina
(1) e jurisprudência (2), em uma contestável e isolada interpretação literal,
tem sido endereçada a agentes do crime do art. 12 da Lei de Tóxicos.

2.
Quando uma regra jurídica é elaborada, e entra em vigor, passa a integrar a
ordem jurídica, como conjunto de normas ordenadas em institutos e sistemas. Sua
vigência e comandos se correlacionam com a vigência e comandos das normas
preexistentes, podendo, eventualmente, umas influir
sobre o sentido de outras, cabendo ao intérprete, em decorrência, visualizar e
compreender o conteúdo das várias normas, garantindo o equilíbrio e a unidade
do sistema jurídico. Nesta tarefa de descortinamento,
ajusta a norma à realidade, onde o Direito se impõe, com força que impera sobre
o modo de viver dos homens, na expressão de Fabrício Leiria
(3).

3.
Diversos os  métodos interpretativos que o conduzem à descoberta de mens legis, mas que
não os fazem excludentes uns de outros, ao contrário, complementam-se em um
processo mental para atingir um resultado final de interpretação que mais se
ajuste da justiça real. Sempre oportuno lembrar, a interpretação não se
restringe ao esclarecimento do significado das palavras ou dos pontos obscuros,
mas a toda elucidação a respeito da exata compreensão da regra jurídica a ser
aplicada aos fatos concretos (4), tendo como guia, recomendado pela
hermenêutica, que as leis do Direito foram inspiradas nas fontes mais puras da
Justiça.

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4.
Dentre os métodos disponíveis, o primeiro utilizado, e o mais singelo de todos,
é o literal ou gramatical. Através do método gramatical, examina-se a
morfologia das palavras que o texto legal encerra, para encontrar o mais
correto sentido dos termos. Estuda-se o relacionamento lógico que as palavras
da lei guardam entre si, para fazer valer o Direito. Apesar
de valioso, até para o fim de afirmar que a lei é clara, o método literal, por
si só, em face da sua superficialidade, pode implicar, se isoladamente utilizado,
em uma conclusão que não corresponda à verdadeira mens
legis
, não atenda ao valor que deu fundamento e
conteúdo à norma, nem se compatibilize com outras normas que tratam do mesmo
assunto. A interpretação literal, em termos de resultado, tende a fazer
valer a máxima de Montesquieu, ditada em plena efervescência do Iluminismo do
século XVIII, época de um protesto santo contra a interpretação das leis
penais, de acordo com a qual os juízes se devem ater à letra da lei, não lhes
sendo dada a faculdade de interpretar os textos legislativos. Por isso a
necessária complementação por outros métodos, hábeis a conduzir o intérprete a
uma análise mais densa, mais profunda, que considere a totalidade do
ordenamento jurídico-penal e suas raízes valorativas, na medida em que os
comandos e proibições penais possuem raízes nas normas de valoração,
fundamentam-se em aprovações e desaprovações.

5. Na
busca da harmonizá-la com os comandos das demais normas que integram o
ordenamento, ao intérprete cabe comparar o dispositivo com outros referentes ao
mesmo objeto, estejam no próprio diploma interpretado, na Constituição ou nas
leis esparsas, verificando e compreendendo o conjuntural tratamento jurídico. A respeito, oportuno reproduzir passagem de artigo subscrito
por Sidney Eloy Dalabrida, publicado no site da
Associação Catarinense do Ministério Público: “Para o equacionamento da questão
levantada, portanto, não pode o intérprete confinar-se no exame do novo texto
legal, ignorando a posição que este ocupa no novo modelo punitivo, corolário do
direito penal democrático, devendo, ao contrário, observando os passos da
interpretação sistemática, parafraseando o notável Carlos Maximiliano, elevar
seu olhar dos casos especiais para os princípios dirigentes a que eles se acham
submetidos, indagando se, ao obedecer a um, não estará violando outro”.

Não
deve descurar o bem jurídico que as normas tutelam, sempre atento ao fato de
que o Direito é organizado em princípios informadores e hierárquicos, que
subordinam as leis em um conjunto harmônico, o ordenamento jurídico. Também não
deve desprezar a perspectiva histórica da formação da nova lei e da lei com a
qual possa conflitar, desde seu projeto, exposição de motivos, emendas etc, assimilando os anseios da sociedade à época de sua criação,
para, então, conclusivamente, chegar a uma justa aplicabilidade da norma,
consentânea com os valores sociais, políticos e jurídicos que a subjazem.

6. Nessa ótica interpretativa, o Ministro da
Justiça, na Exposição de Motivos da Lei nº 9.714/98,
expressou que a ampliação das alternativas à prisão foi idealizada com base na
compreensão de que,  para os crimes de menor gravidade, a melhor
solução consiste em impor restrições aos direitos do condenado, que não o
estigmatizem de forma tão brutal como a prisão, que permitam de forma bem mais
rápida e efetiva a integração social.

Com
este propósito de ampliar as alternativas à prisão, preservando o valor
liberdade, é que o projeto foi elaborado. A não-imposição de limite máximo da
pena para conversão nos crimes culposos, e o poder que reconhece ao juiz para
operar a conversão, até para o reincidente, claramente revelam esta sua ratio. A finalidade que busca atingir, porém, não é a de beneficiar agentes de crimes graves, de séria e aflitiva
afetação aos mais caros bens penalmente protegidos. Sua
finalidade, correlata ao valor que inspirou o legislador a elaborá-la, é de
preservar a liberdade, compatibilizando, adequadamente, nos casos de ausência
de reclamo social e escassa lesividade aos bens
jurídico-penais, os imperativos de prevenção geral e prevenção
especial,
mediante imposição de sanção penal cuja execução não seja
aflitiva nem estigmatize de forma tão brutal como a prisão, antes
permitindo, de maneira bem mais célere e efetiva, a reintegração social do
condenado. Nessa linha de propósitos é que o projeto de ampliação das
alternativas à pena de prisão foi elaborado.

7.
Este ideal (ou ratio) que revela, e que também
é correlato a política criminal que visa à diminuição dos
gastos da lotação do sistema penitenciário, evidentemente não se
compatibiliza (e para que assim se afirme não precisaria estar expresso na
Constituição ou na Lei nº 8.072/90) com o ideal (ou ratio) inspirador do regramento penal dos crimes
hediondos, de modo especial do relativo ao tráfico de entorpecentes, que
reserva a mais grave reprimenda penal dentre as disponíveis (privação de
liberdade), inclusive no tocante ao seu cumprimento (regime
integralmente fechado).

8. Cotejada a nova Lei com o ordenamento
constitucional e infraconstitucional dos crimes hediondos e assemelhados,
em uma interpretação contextualizada, na qual o aplicador não perde de vista a
unidade e a harmonia da ordem jurídica, o descortinamento
não será outro, senão o da manifesta incompatibilidade em
substituir-se a pena privativa de liberdade por restritiva de direitos aos
agentes de tais crimes, pois:

a)
A CF, no art. 5º, inc. XLIII, pela gravidade
sócio-jurídica que lhes reconhece, dispõe: “a lei considerará inafiançáveis
e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito
de entorpecentes e drogas afins
, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos”;

b) A CF, ao mesmo tempo em que
estabelece como regra que nenhum brasileiro será extraditado, permite a
extradição do naturalizado que tiver comprovado envolvimento em tráfico ilícito
de entorpecentes e drogas afins
, sendo este o único crime pelo qual admitiu
a extradição de brasileiro naturalizado, em mais uma inequívoca demonstração da
severidade do tratamento jurídico dispensável ao narcotráfico, um dos
principais flagelos da atualidade;

c) A Lei nº
8.072/90, editada em atendimento à determinação constitucional e também como
resposta a considerável reclamo social, expressamente veda a concessão
de anistia, graça, indulto, fiança e liberdade provisória aos agentes do
tráfico devido à lesividade deste delito, que
compromete a força de trabalho, prejudica, sobremodo, a saúde da juventude,
provoca corrupção, homicídios, chacinas, seqüestros, extorsões e toda sorte de
crimes violentos, estabelecendo, como expressão máxima do rigor com pretende
sejam punidos, o cumprimento da pena em regime integralmente fechado,
sendo sempre oportuno lembrar que a constitucionalidade deste diploma legal foi
assentada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal (5);

d)
Aos autores do delito do art. 12, como regra, não é dado
o direito de apelar em liberdade (6), mesmo sendo primários e gozando de
bons antecedentes, e o processo, quando provisoriamente presos, tem seus prazos
computados em dobro, à despeito do status libertatis,
pela compreensão de que os prazos para formação da culpa  são fixados em
favor da sociedade, interessada na completa apuração dos fatos e inflexível
aplicação da lei penal, o que por vezes pode demandar tempo, e não em favor da
liberdade dos agentes de tão grave delito;

e)
O crime do art. 12 integra o rol dos delitos que admitem a prisão temporária
(Lei nº 7.960/89, art. 1º, inc. III, alínea n),
verdadeira prisão para averiguações,  cujo
prazo de vigência é seis vezes superior ao dos demais crimes em que a
mesma custódia é permitida, com previsão de prorrogação por igual período
(trinta dias), pela evidente razão de que sua investigação é objetivo
primordial da polícia judiciária;

f)
A gravidade de uma condenação pelo delito do art. 12 da Lei de Tóxicos, ainda
que não caracterize reincidência e mesmo sem trânsito em julgado, por si só,
conduz a agravamento da pena do porte ilegal de arma (art. 10, § 3º, inc. IV da
Lei nº 9.437/97);

g)
Todo este regramento especial ao crime de narcotráfico traz à baila a norma do
art. 12 do Código Penal, de uníssona interpretação doutrinária: “As regras
gerais do Código aplicam-se aos fatos incriminados por lei especial, se este
não dispuser de modo diverso”
. Deste dispositivo decorrem dois princípios
que estão logicamente conectados: princípio da primazia da lei penal especial
quando seu comando colidir com regra da Parte Geral do CP; e princípio da supletividade das normas gerais do CP, que os estendem às
leis penais especiais nos casos em que estas se mostram silentes
a respeito do assunto. A combinação dos dois princípios lógicos lança a ponte
que permite relacionar o Direito Penal codificado ao Direito Penal não
codificado, na expressão de Aníbal Bruno;

h)  O próprio art. 44
do CP, em seu inc. III, com a redação dada pela Lei nº
9.714/98, condiciona a substituição da pena privativa de liberdade por
restritiva de direitos quando, dentre outros requisitos, a personalidade do
condenado, os motivos e circunstâncias do crime indicarem a suficiência
da substituição em termos de repressão e prevenção do crime,
condição a que o tráfico de entorpecentes, seja pelo rigor que lhe destinam as
normas especiais, seja pela própria natureza como fato social, seja pelos
malefícios que produz, não tem como atender.

9.
Por conseguinte, com base em uma interpretação globalizada do ordenamento
jurídico-penal sobre ao crime hediondos e
assemelhados, inafastável conclusão é a de não ser
substituível por restritiva de direitos a pena privativa de liberdade infligida
a agente do crime previsto no art. 12 da Lei de Tóxicos, pouco importando se
grande, médio ou pequeno traficante, tendo em vista que todos os esforços se
unem para que o tóxico seja comercializado, todos os envolvidos na cadeia de
distribuição são concausas da destinação final e
disseminação das drogas.

A
propósito, a lei não faz distinção entre o agente que importa toneladas de
cocaína e a mulher do presidiário que o presenteia com pequena quantidade de
maconha. Distinções baseadas no volume ou natureza da substância comercializada,
na organização ou empreitada solitária do narcotraficante, no reduzido ou
considerável âmbito territorial do tráfico, devem repercutir na valoração
jurídica do fato, mas encontram campo adequado a este sopeso na dosimetria da pena privativa de liberdade, pois, dispõe o
Juiz, a quem se reconhece boa dose de arbítrio na fixação da reprimenda, entre
o mínimo de três e o máximo de quinze anos de reclusão cominados pelo tipo do
art. 12, de alta flexibilidade em termos quantitativos para conferir justo apenamento, para dar a cada um o
que realmente é seu.

Dizer-se
que o traficante de pequeno porte é um nada diante do megatraficante, ou que considerá-lo perigoso e merecedor de
severa sanção significa estimular o status quo,
para que continue a polícia a preocupar-se basicamente com quem representa
menor risco à comunidade, é assertiva que só pode ser feita devido a total
desconhecimento da trágica realidade do cotidiano, em que pequenos
traficantes cercam escolas, lancherias, salões de
fliperama, casas de espetáculos, centros comerciais, estádios de esportes e
outros locais de habitual freqüência juvenil, minando, passo-a-passo,
paulatina, mas eficazmente, forma inexorável, a nossa juventude, e quem sabe,
nossos filhos e filhos de nossos amigos. É assertiva que só pode decorrer de um
completo desconhecimento de que os pequenos traficantes são os maiores
interessados em proporcionar a iniciação gratuita aos futuros fregueses,
disseminando o uso dos entorpecentes e favorecendo a dependência; é comum, modo
especial nas mais baixas classes econômico-sociais,
usarem, sem qualquer pudor, crianças e adolescentes como seus laranjas,
a que antes geralmente viciam com práticas de liberalidade na cessão da droga,
fazendo, não raro, que abandonem os bancos escolares e conheçam os bancos dos
Juizados da Infância e Juventude, como primeiro degrau na escalada de
marginalização a que criminosamente os endereçam. Basta olhar através da
janela
.

10. Frente
ao Direito Penal que no Brasil de hoje dispomos, em obediência ao conteúdo de
Justiça que as normas devem traduzir, crimes de desigual gravidade e criminosos
de desigual periculosidade
passam a receber desigual tratamento retributivo, na exata medida em que se desigualam.
Nosso ordenamento penal impõe maior severidade aos crimes mais graves e facilita
o convívio social dos condenados por delitos leves
. Aos agentes de tráfico
de drogas, destina a mais severa reprimenda penal dentre as disponíveis
(privação de liberdade), inclusive no tocante ao seu cumprimento (regime
integralmente fechado). Aos narcotraficantes, por expressa disposição da lei
especial
, os imperativos de prevenção geral e especial não se comprazem com
meras restrições de direitos. A prisão continua sendo a justa e adequada
resposta.

Além
de se constituir em interpretação violadora de
preceitos constitucionais e legais (não é lícito aplicar uma norma jurídica
senão à ordem de coisas para a qual foi feita
), inaceitável, sob qualquer
prisma interpretativo, que se queira dar aos agentes do tráfico de substâncias
entorpecentes a aplicação benigna da nova Lei, que se pretenda fazê-los
destinatários das penas alternativas. As restrições aos direitos do condenado,
que não o retiram do convívio social, ampliadas pela nova Lei, são reservadas
aos crimes de menor lesividade e a agentes que não
exigem afastamento do meio comunitário.

Mesmo
em se considerando a recomendação da hermenêutica para que se dê restritiva
interpretação às normas que limitam direitos individuais, tal recomendação só
tem cabida quando a lógica do razoável não a refutar, exatamente como no caso em questão. A
muralha da Lei é a lógica. E a lógica, funcionando como muralha, afasta
a incidência do regramento da Lei nº 9.714/98 aos
agentes do crime de narcotráfico, conclusiva e definitivamente, porque:

a)
De inconciliável combinação a norma proibitiva de liberdade provisória com a de
permissão da substituição da privativa de liberdade por pena restritiva; não é
lógico nem razoável que o agente permaneça preso durante o processo, porque
pego em flagrante, sem direito a liberdade provisória, deva ser solto, como direito
subjetivo seu
, para cumprir em liberdade, à título
de substituição da privativa, pena restritiva de direitos, exatamente depois de
formada, reconhecida e transitada em julgado sua culpa; realmente, seria de doer
nos olhos
, lembrando conhecida expressão de Tourinho Filho;

b)
De inconciliável coexistência a regra que admite a prisão temporária com outra
que, em sobrevindo condenação, autorize a liberdade mediante substituição da
pena carcerária por restritiva de direitos;  suficiente examinar a
natureza dos crimes em que é a temporária permitida para comprovar-se a excepcionalidade da medida, que só se justifica, como prisão
para averiguações
, devido à gravidade dos delitos homicídio doloso, seqüestro,
cárcere privado, roubo, extorsão, extorsão mediante seqüestro, estupro; atentado violento ao pudor, rapto violento, epidemia com
resultado de morte, envenenamento de água potável, substância alimentícia ou
medicinal qualificado pela morte, quadrilha ou bando, genocídio e contra o
sistema financeiro;

c)
De inconciliável coexistência a norma que impõe o mais grave regime de
cumprimento da pena privativa de liberdade previsto na legislação brasileira
com outra que autorize, aos mesmos destinatários daquele rigor, a substituição
da prisão por restritiva de direitos;

d)
Contraditório possa o agente merecer a restritiva de direitos, como
substituição a privativa de liberdade, porque seu fato se encaixaria nas regras
destinadas aos delitos de menor lesividade, próprios
da substituição, e, no caso de descumprimento da pena substituta, deva cumprir
a pena substituída em regime integralmente fechado;

e)
Incompatível norma concessiva de tamanha benesse em favor de agente de crime
constitucionalizado e que pela Carta Maior foi erigido como de elevada lesividade e considerado merecedor de significativa
severidade em termos de reação penal (7);

f)
De notar que o inc. III do art. 44 do CP requer que a culpabilidade, os
antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os
motivos e as circunstâncias, indiquem a suficiência da substituição; à
luz do regramento jurídico dos hediondos e assemelhados, em expressa
disposição
, os imperativos de prevenção geral e especial não se comprazem
com meras restrições de direitos, sendo a prisão a
justa e adequada resposta; 

g)
Finalmente, In toto juri generi per speciem derogatur, et ilud potissimum
habetur quod ad speciem directum
ets
“em toda a disposição de Direito, o
gênero é derrogado pela espécie, e considera-se de importância preponderante o
que respeita diretamente à espécie”
(Papiano, apud
Digesto, liv: 50, tit. 17, frag.
80) (8).

11. O
juiz, o promotor e o advogado, principais personagens do processo de aplicação
da lei penal, que têm diante de si um sistema de Direito, não o podem receber
apenas como concatenação lógica de proposições. Devem sentir que existe algo de
subjacente ao sistema jurídico, que são os fatos sociais aos quais está ligado
um sentido ou um significado que resulta dos valores, em um processo de
integração dialética, que implica ir do fato à norma e da norma ao fato. As
normas não são todo o fenômeno jurídico, mas apenas os
momentos culminantes de um processo.

 

Notas:

(1).
“Conforme se vê da redação do artigo 44 do Código Penal nada impede a
concessão da substituição das penas privativas de liberdade –
desde que satisfeitos os requisitos – em penas alternativas, ademais,
inferindo que a presente Lei é posterior a Lei dos Crimes Hediondo e a Lei dos
Crimes de Tortura. Pela estrutura lógica do sistema legal chegamos a conclusão
de que se aplica Lei n.º 9714/98 aos crimes hediondos, claro, quando possível.
A norma geral modificada que se aplica as normas especiais anteriores. Caso
contrário, não se aplicaria o novel dispositivo legal aos crimes contra o meio
ambiente e aos crimes de trânsito. Por certo que as leis, tanto a hedionda,
quanto a definidora dos crimes de tortura, falam de regime prisional a ser
aplicado ao cumprimento da pena, porém, não falam em vedação à substituição da
pena privativa de liberdade por pena alternativa. Se não fala, não veda

(Alexandre Rassi, O crime hediondo e a Lei nº 9.714/97, artigo publicado na Internet, site O
Neófito). No mesmo sentido, Damásio de Jesus (Penas Alternativas, p. 95) e Luiz
Flávio Gomes (Penas e Medidas Alternativas à prisão, Revista dos Tribunais,
1999)

(2).
STJ, Turma, HC 8753/RJ, DJU de 17/05/1999   pág. 244, Relator
Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro.

(3). Teoria e
Aplicação da Lei Penal
, pág. 41.

(4). Plácido e Silva –
Vocabulário Jurídico – Vol. II, pág. 761.

(5). “Tráfico de
entorpecente – Pena – Regime prisional – Cumprimento em regime fechado conforme
preceitua o art. 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90 –
Alegada ofensa ao princípio constitucional contido no art. 5º, XLVI da CF –
Inconstitucionalidade não caracterizada – Individualização da pena que teve sua
regulamentação deferida pela própria norma constitucional ao legislador
ordinário”
(STF, RT 696/438).

(6). “Direito de
apelar em
liberdade. Benefício vedado a condenado por tráfico de
entorpecentes”
(STF, RT 656/383).

(7).
No mesmo sentido aqui defendido:  “Com efeito, é notório que o
legislador ordinário, para elaborar a lei penal ou estabelecer determinado
regime de cumprimento de pena privativa de liberdade deve, em caráter antecedente,
investigar a questão sob duplo enfoque: 1) verificar a existência de bens
jurídicos que estão a merecer tutela penal; 2) perscrutar se determinados bens
jurídicos já valorados penalmente estão necessitando de uma reavaliação
político-criminal, quer através da majoração da pena privativa de liberdade,
quer através da fixação de determinado regime de cumprimento de pena. Nesta
segunda hipótese, incumbe ao legislador individualizar espécies de delitos de
grande potencialidade lesiva para a sociedade para, assim, instituir,
legislativamente, diploma legal mais severo e dissuasivo de intentos
delituosos. A Lei de Crimes Hediondos, certamente, foi produto deste criterioso
estudo político criminal, onde se constatou a
imperiosa necessidade de se proteger a vida humana, a liberdade, física e
sexual, a saúde pública e incolumidade física dos indiciados, ante a
verificação de crimes de extorsões mediante seqüestro, latrocínios, torturas e
tráficos ilícitos de entorpecentes cometidos em número crescente e alarmante,
sem que a lei penal estivesse a cumprir característica que lhe é peculiar –
prevenção e desestimulação de intentos delituosos. A
escalada criminosa deveria, inexoravelmente, ser reprimida a qualquer custo,
para restabelecer a credibilidade no sistema penal e a tranqüilidade do
cidadão. Jescheck, com habitual propriedade, destaca
que  “…el Derecho
penal tiene que cumplir de
forma directa una función
preventiva. Toda pena debe contribuir a consolidar de
nuevo en el condenado el respeto al Derecho y a reconducirle, por su próprio esfuerzo u convición, al orden jurídico. El recuerdo de la pérdida de libertad, patrimonio o reputación sufrida con la
ejecución de la pena há de
servir también al autor como aviso frente a futuros
delitos. La pena en su modalidad de privativa de liberdad debe conseguir asimismo una defensa, al menos
temporal, de la sociedad
frente al autor peligroso. El
efecto preventivo de la
pena sobre el próprio condenado se conece como “prevención
especial. Junto a los efectos de prevención especial
que se pretenden obtener con la pena en
relación com cada condenado, el
Derecho penal tine especiales funciones preventivas frente a determinados
grupos de autores”. Nesta ordem de argumentação, não é admissível que se
pretenda aplicar a Lei n.º 9.714/98 nos crimes
taxativamente delineados na lei de Crimes Hediondos, na medida em que a
substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos é
absolutamente incompatível com a naureza dos crimes
tutelados pela Lei Especial e, sobretudo, não cumpriria a prevenção especial
indissociável da lei penal”
(Renato de Lima Castro, Promotor de Justiça
da Comarca de Assaí, PR,
em artigo publicado no site
Jus Navegandi).

(8).
No mesmo sentido aqui defendido, inclusive com argumentos comuns – Habeas Corpus nº 699028502, da
Câmara de Férias do Tribunal de Justiça do Estado do RGS: “A repressão
penal, estabelecida no
ordenamento pátrio, embora algumas imperfeições,
observa sistema progressivo,, de tal arte que,, na forma do
art. 33 do
Código Penal,, se estabelecem regras em tomo
dos regimes de cumprimento
da pena, dentre as quais sobrelevando o critério objetivo da quantidade de pena

aplicada.  E na fase de execução se evidencia essa progressividade, não
se admitindo, salvo situações peculiares, progressão por salto.  Ou seja,
quem está no regime
fechado haverá de progredir, se mérito para isto
tiver, ao regime semi-aberto, e não, diretamente, ao aberto. Seguindo nessa
linha, o que se tem observado no sistema penal como um todo, é que o
legislador, ao dispor da possibilidade de substituição da pena
privativa
de liberdade por restritiva de direito, estabeleceu exatamente o quantitativo
que corresponde ao admissível no regime aberto: 4 anos.  Vale dizer, a
substituição somente é cabível para as penas que não excedam
4 anos, ou,
em outras palavras – pela necessidade, também, de cumprimento dos requisitos
subjetivos próprios, para os réus os quais imposto o
regime aberto como
sendo o inicial. Há aqui, pois, a preocupação da
observância da
progressividade.  Se não é possível deferir-se o
regime
aberto, pelo não atendimento dos pressupostos do art. 33 do
Código Penal, muito menos será
possível, aplicado regime mais severo,
substituir a pena
por restritiva de direito, que corresponde a
suavização
muito superior. Transpondo para a situação dos autos essas
colocações, o que se tem é que, dispondo a Lei
8072, que equiparou o
tráfico de entorpecentes aos crimes hediondos, que o regime de cumprimento da
sanção
será o fechado, mostra-se incompatível a substituição alvitrada,
que fugiria, por completo, da progressividade
mencionada.
Passar-se-ia,, sem escala,, do regime mais
severo para o mais brando, quando, ressalvo, impossível pela legislação
especial, mesmo a imposição do regime
semi-aberto ou aberto.
Evidencia-se, assim, a absoluta incompatibilidade da substituição de que cogita
a novel legislação com os crimes abrangidos pela Lei 8072, ainda
que
ausente nessa lei nova ressalva expressa de não incidência nos crimes
hediondos.  Aliás, a lei, inspirada na
Constituição Federal, quis,
mesmo, punir com exemplaridade os crimes hediondos
, daí o
estabelecimento do regime fechado. Por outra, há de se convir que a lei
nova
citada trouxe alteração na parte geral do Código
Penal,
por isso que, fazendo parte, agora, os seus dispositivos, dessa parte geral,
incidem eles, pela regra da especialidade, apenas nas situações não regradas
por leis
especiais, ainda que essas leis lhes sejam anteriores.  A
alteração da parte geral do Código, pois, não teria, no caso, o
condão de revogar dispositivos criados para situações especiais. O principio da especialidade orienta esse entendimento”.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Carlos Otaviano Brenner de Moraes

 

Procurador de Justiça no Rio Grande do Sul
Professor de Direito Penal na Escola da Ajuris, ESMP/RS e da PUC/RS

 


 

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Equipe Âmbito Jurídico

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