Resumo: O presente trabalho tem como objetivo analisar os benefícios e efeitos que a lei n 13.142/2015 poderá ter e os pontos de vista favoráveis e contrários de escritores relacionados a este tema. Ainda o presente trabalho compreendeu-se do respaldo nos direitos fundamentais direitos humanos dignidade da pessoa humana direito a vida e a Constituição Federal este trabalho analisa a referida lei que tem como objetivo principal o amparo do servidor público principalmente no que diz respeito aos agentes de segurança que possui como principal finalidade no serviço a proteção dos cidadãos e o combate ao crime que estão submetidos aos riscos da função que desempenham e que por tal fato foram agraciados pela inserção da qualificadora no artigo 121 do Código Penal e acrescido ao rol de crimes hediondos para que desta forma pudesse amparar os problemas que eles enfrentam dando a eles uma proteção fidedigna.
Palavras-chave: direitos fundamentais; homicídio funcional; Lei 13.142/2015; qualificadora; segurança pública.
Abstract: The purpose of this study is to analyze the benefits and effects that law 13.142 / 2015 can have as favorable and contrary views of writers related to this topic. Still the present work included support for fundamental rights human rights dignity of the human person right to life and the Federal Constitution this work analyzes a law whose main objective is the support of the public servant mainly With respect to security agents whose main purpose is not the service of protection of citizens and the fight against crime which are subject to the risks of the function they perform and which for this reason have been awarded by the insertion of the qualifier in article 121 Of the Criminal Code and added to the heinous crimes roll so that it could support the problems they face giving them reliable protection.
Keywords: fundamental rights; functional murder; Law 13.142/2015; qualifying; public safety
Sumário: Introdução. 1.Contexto histórico dos direitos fundamentais. 1.1. A evolução dos direitos fundamentais e direitos humanos. 1.2. A dignidade da pessoa humana como princípio fundamental da CF de 1988 sobre o viés no Estado democrático de Direito. 1.3. A primazia do direito a vida. 1.4. As características dos direitos humanos. 2. As instituições protegidas pelo homicídio funcional conforme os artigos 142 e 144 da CF. 2.1. Das forças armadas – marinha exército e aeronáutica frente à defesa da pátria e garantia dos poderes constitucionais. 3. Do homicídio qualificado. 3.1. Hipóteses previstas no art. 121 2 inciso VII do CP. 3.3. Da competência para julgar o homicídio funcional. 4. Da des necessidade da Lei n 13.142/2015. 4.1. Posicionamentos contrários. 4.2. Posicionamentos favoráveis 5. Considerações finais. Referências.
INTRODUÇÃO
Este trabalho tem como objetivo analisar os benefícios e efeitos que esta nova lei nº 13.142/2015 poderá ter e os pontos de vista a favor e contrário de escritores relacionados a este tema, bem como aprofundamento à justificativa apresentada pelo Congresso para sanção da lei no sentido de prevenir ou diminuir os crimes, bem como, o fortalecimento do Estado Democrático de Direito e as instituições legitimamente instituídas para combater o crime, em particular, o crime organizado, o qual demonstra maio repugnância e descontrole social quando um agente de segurança pública e combatente da criminalidade é vítima de homicídio.
Possuindo como base o respaldo nos direitos fundamentais, direitos humanos, dignidade da pessoa humana, direito a vida e a Constituição Federal, este trabalho analisa a lei, que tem como objetivo principal o amparo do servidor público, principalmente no que diz respeito aos agentes de segurança, que possui como principal finalidade no serviço a proteção dos cidadãos e o combate ao crime, que estão submetidos aos riscos da função que desempenham e que por tal fato, foram agraciados pela inserção da qualificadora no artigo 121 do Código Penal e acrescido ao rol de crimes hediondos, para que desta forma pudesse amparar os problemas que eles enfrentam, dando a eles uma proteção fidedigna.
É imprescindível que o homicídio tenha ocorrido no exercício da função ou ter sido cometido em decorrência desta condição, uma vez que o bem tutelado é a função desempenhada por eles.
Utilizando como autores como base para tal pesquisa, Rodrigo Picon e Manoel Alves que possuem um embasamento a favor desta lei e explicam os motivos pelo qual acreditam que esta alteração foi de fato necessária. E de outra banda Cezar Bittencour e Eduardo Cabette tentam explicar em seus textos como a lei está somente mascarando um problema que tem como base a falta de segurança e combate digno à criminalidade.
Deste modo, se traçará dois comparativos buscando entender qual seria o provável efeito que a lei produzirá ao longo de seu período de regime inicial na sociedade, correlacionando este efeito com os direitos humanos e direitos fundamentais e seus conceitos e aspectos históricos.
O direito à vida é contemplado na Constituição Federal e é dever do Estado de velar pelo bem jurídico de maior valor (a vida) de toda a nação, compreendendo ao civis e aos oficiais.
Esta é uma lei relativamente nova, que vem de encontro a um problema de proteção da dignidade da pessoa humana dos agentes de segurança do Brasil. Problema este visto que muitas vezes atinge as diretrizes fundamentais e vai contra a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que foi a primeira organização internacional que abrangeu quase a totalidade dos povos, de modo a afirmar que o direito é inalienável.
Questiona-se: será que nenhum criminoso se repreenderia com o aumento da pena sabendo que consequentemente passaria por um processo criminal mais rigoroso causado pelo crime cometido contra os integrantes da segurança pública? Será que a nova legislação realmente pode levar mais tranquilidade ao servidor de segurança pública e sua família?
Deste modo, buscará analisar no presente trabalho se com o advento da nova lei e agravante do homicídio os agentes de segurança realmente estarão protegidos pelo seu Estado e Código Penal.
1 CONTEXTO HISTÓRICO DOS DIREITOS HUMANOS
Sabe-se da existência de duas histórias sobre a origem dos direitos humanos. A primeira é baseada na ideia de direitos humanos a uma ética ou uma moral comum a todas as culturas e religiões, que pode ser expressa em termos de direitos. Já no que diz respeito a segunda história, esta considera que os direitos humanos são os efeitos de um longo processo de evolução[1].
O conceito de direitos humanos só recebeu maior relevância no decorrer da história humana, vez que seus princípios possuem como desígnio a observação e proteção da dignidade da pessoa humana de modo extenso, ou seja, este direito compreendendo a todos, sem nenhuma exceção ou distinção.
Posto isto, tem-se que a evolução dos direitos humanos, inicia-se no período axial, criando grandes princípios e diretrizes fundamentais. Sobre tal período, Fábio Konder Comparato[2] comenta que:
“(…) é a partir do período axial que, pela primeira vez na História, o ser humano passa a ser considerado, em sua igualdade essencial, como ser dotado de liberdade e razão, não obstante as múltiplas diferenças de sexo, raça, religião ou costumes sociais(…)”.
Já Karl Jaspers[3] relata que:
“(…)ter-se-ia encontrado para todos os povos um quadro comum, permitindo a cada um melhor compreender sua realidade histórica. Ora este eixo da história nos parece situar-se entre 500 a.C. no desenvolvimento espiritual que aconteceu entre 800 e 200 anos antes de nossa era. É aí que se distingue a mais marcante cesura na história. É então que surgiu o homem com o qual convivemos ainda hoje. Chamamos breve essa época de período axial”.
É possível entender dos autores que foi a partir desse momento que houve uma preocupação em analisar as diferenças que existem entre os povos, principalmente colocando em pauta a necessidade de ter-se liberdade, nunca antes pensada. A partir desse momento, os seres humanos passaram a ser ponderados como seres possuidores de liberdade e razão, apesar de várias diferenças significativas, como sexo, raça, religião ou até mesmo costumes[4].
Observa-se ainda que toda a interferência do pensamento religioso e que as conjeturas sobre os direitos humanos encontram-se relacionadas a hierarquia vivenciada naquela época. É necessário ainda, mencionar que com a reforma religiosa, ocorreu a reivindicação do primeiro direito fundamental, o da liberdade religiosa[5].
Com a criação da lei escrita, idealizada com o objetivo de impor uma regra geral e igualitária, houve a possibilidade de descrever que todas as pessoas que coexistem em uma sociedade organizada estão subordinadas a ela[6]. Ressalta-se que com a evolução da sociedade surgem novas modalidades de pessoas, e consequentemente de direitos humanos e de direitos fundamentais[7].
Tem-se que foram dois, os fatores que asseguraram a consagração dos direitos humanos e fundamentais em textos escritos, sendo eles a laicidade do direito natural e as teorias contratualistas[8], a partir do ano de 1776[9].
Sobre isto, Pérez-Luño[10] diz que:
“São ingredientes básicos na formação histórica da ideia dos direitos humanos duas direções doutrinárias que alcançam seu apogeu no clima da Ilustração: o jusnaturalismo racionalista e o contratualismo. O primeiro, ao postular que todos os seres humanos desde sua própria natureza possuem direitos naturais que emanam de sua racionalidade, como um traço comum a todos os homens, e que esses direitos devem ser reconhecidos pelo poder político através do direito positivo. Por sua vez, o contratualismo, tese cujos antecedentes remotos podemos situar na sofística e que alcança ampla difusão no século XVIII, sustenta que as normas jurídicas e as instituições políticas não podem conceber-se como o produto do arbítrio dos governantes, senão como resultado do consenso da vontade popular”.
Neste sentido, a dignidade da pessoa humana começou a ter uma real importância, principalmente com o desenvolvimento laico do pensamento jus naturalista. Sobre isto, Immanuel Kant[11], pensa que:
“A dignidade da pessoa humana não consiste apenas no fato de ser ela, diferentemente das coisas, um ser considerado e tratado, em sim mesmo, como um fim em si e nunca como um meio para a consecução de determinado resultado. Ela resulta também do fato de que, por sua vontade racional, só a pessoa vive em condições de autonomia, isto é, como ser capaz de guiar-se pelas leis que ele próprio edita”.
Extrai-se dos autores o pensamento de que o ser humano não pode ser empregado como meio para obter um determinado fim, isto porque, deve se levar em consideração sua dignidade, tal qual não admite ser trocada por qualquer coisa semelhante[12].
Ainda, para Norberto Bobbio[13]:
“Os direitos humanos nascem como direitos naturais universais, desenvolvem-se como direitos positivos particulares (quando cada Constituição incorpora Declaração de Direitos) para finalmente encontrar a plena realização como direitos positivos universais.”
Nota-se que, para que estes direitos fossem alcançados foi imprescindível a utilização de um discurso internacional dos direitos humanos, tal discurso possuía como intenção a garantia de que todos possuíssem direitos[14]. Entretanto, somente depois do período de pós-guerra que se pode falar em internacionalização dos direitos humanos. Somente com o advento da assinatura da Carta das Nações Unidas que se iniciou uma nova ordem internacional protetiva dos direitos humanos[15].
João Arriscado Nunes[16] dispõe acerca do tema:
“[…] no período do pós-Guerra Fria, os direitos humanos continuam a ser um terreno de conflitos entre concepções diferentes do que são esses direitos, e sobre as condições da sua aplicação e das sansões à sua violação. No momento presente, estamos a entrar numa nova fase desses conflitos: por um lado, parece desenhar-se uma tendência, por parte de alguns Estados e, em particular, da única potência global, os Estados Unidos, para subordinar a defesa dos direitos humanos aos seus imperativos estratégicos, justificados pela “guerra contra o terrorismo” e, mais recentemente, pelo uso da “guerra preventiva” contra aqueles que forem considerados como ameaças reais ou potenciais aos seus interesses e à sua segurança”.
Nesta esfera, estabelece-se o pensamento contemporâneo do binômio liberdade-individualismo, podendo ser observado nas primeiras declarações de direitos da América do Norte[17]. Sabe-se que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, foi a primeira organização internacional que abrangeu quase a totalidade dos povos, isto porque, esta declaração afirmava que os direitos naturais eram inalienáveis, passando a soberania para o povo e destituindo o poder do rei, ao afirmar que: “todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos.” Esta declaração assegurou a universalidade dos direitos afirmados naquele documento[18].
É necessário ressaltar que esta declaração foi fonte de inspiração para outras que vieram posteriormente, como à declaração universal dos direitos humanos de 1948. Esta declaração, em seu artigo VI relata que todo ser humano tem o direito de ser reconhecido como pessoa perante a lei. Para abstrair melhor o que seria os direitos humanos, será trabalhado mais a fundo a relação dos direitos fundamentais e direitos humanos e sua correlação com o homicídio funcional.
1.1 A EVOLUÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E DIREITOS HUMANOS
Apesar de direitos humanos e direitos fundamentais serem utilizados como sinônimos, estes possuem significados diferentes. Sabe-se que o surgimento dos direitos fundamentais se deu pela fusão de diversas fontes, possuindo em suas raízes desde as tradições das diversas civilizações até mesmo da conjugação dos pensamentos filosófico-jurídicos. Também é remetida a criação dos direitos fundamentais os ideais de que o homem possui uma liberdade absoluta que nenhuma sujeição política ou social pode exterminar vez que todos foram criados a imagem e a semelhança de Deus, ideia nascida com o cristianismo. Estes ideais deram origem mais tarde (século XVIII) ao fenômeno do constitucionalismo[19].
Alexandre de Moraes[20] afirma que: “a noção de direitos fundamentais é mais antiga que o surgimento da ideia de constitucionalismo, (…)” de modo que, “(…) tão-somente consagrou a necessidade de insculpir um rol mínimo de direitos humanos em um documento escrito, derivado diretamente da soberana vontade popular”.
Ingo Sarlet[21] os distingue, abordando o tema de modo significativo:
“O termo "direitos fundamentais" se aplica para aqueles direitos reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão "direitos humanos" guardaria relação com documentos de direito internacional por referir-se aquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independente da sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto aspiram a validade universal para todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional”.
No entendimento de José Joaquim Canotilho[22] os direitos fundamentais são: "(…) direitos do particular perante o Estado, essencialmente direito de autonomia e direitos de defesa". Por pertencerem exclusivamente à pessoa, estes direitos são classificados como individuais, já no que diz respeito ao Estado, este como titular de direitos, possuiria o dever de proteger o cidadão velando pelo cumprimento de todos os direitos/deveres exercidos pelo seu povo.
No que tange aos direitos humanos este estaria relacionado aos direitos fundamentais, sempre presente no direito internacional, inerente a condição de dignidade humana, independente da vinculação com uma ordem constitucional. Afirmam Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins[23] neste mesmo sentido, que:
“O desenvolvimento do direito internacional público no século XX e, principalmente, após o fim da Segunda Guerra Mundial, teve como consequência a crescente internacionalização dos direitos fundamentais, que são designados, em âmbito internacional, com o termo “direitos humanos”.
Observa-se que na parte histórica, tanto os direitos humanos quanto os direitos fundamentais, situam suas raízes no reconhecimento de direitos naturais do homem, inerentes sua condição de humano, e indispensáveis a sua dignidade, não sendo deste modo sem fundamento as suas utilizações como sinônimas.
Com o passar do tempo, o conceito dos direitos fundamentais e direitos humanos ganhou suma importância, uma vez que seus princípios e seus pressupostos são incisivos na proteção da dignidade do indivíduo.
Constando na Constituição Federal de 1988, os direitos fundamentais são dispostos a partir do artigo 5º. Vale dizer que, ao contrário das anteriores, a Constituição Federal de 1988 tem no indivíduo um fim, e o Estado como meio para atingir determinados fins. Esse artigo da Constituição classifica os direitos e garantias fundamentais em cinco importantes grupos, quais sejam: direitos e deveres individuais e coletivos; direitos sociais; direitos de nacionalidade; direitos políticos e partidos políticos.
Conforme manifestou o Supremo Tribunal Federal, os direitos e deveres individuais e coletivos não se restringem ao artigo 5º da CF/88, logo, podendo ser encontrado ao longo do texto constitucional[24] ou decorrentes dos tratados e convenções internacionais de que o Brasil faça parte.
Pedro Lenza[25] parte dos lemas da Revolução Francesa, ou seja, liberdade, igualdade e fraternidade, como sendo os direitos de 1ª, 2ª e 3ª dimensão, os quais, com o passar do tempo e evolução doutrinária, surgiriam a 4ª e 5ª dimensão. Veja:
Com este fracionamento, tem-se que os direitos de primeira geração corresponderiam ao valor de liberdade (direitos civis e políticos), já os direitos de segunda geração condiz aos valores de igualdade (compreendido aqui os direitos sociais, culturais e econômicos), e por fim os direitos de terceira geração teriam por correspondência a fraternidade (direitos de solidariedade)[26].
A cerca dos direitos fundamentais da 4ª dimensão, decorrentes dos avanços genéticos, que colocam em risco a própria existência humana através da manipulação do patrimônio genético, Norberto Bobbio[27] orienta:
“[…] já se apresentam novas exigências que só poderiam chamar-se de direitos de quarta geração, referentes aos efeitos cada vez mais traumáticos da pesquisa biológica, que permitirá manipulações do patrimônio genético de cada indivíduo”.
Na esfera da normatividade jurídica, Bonavides[28] afirma que: “a globalização política na esfera da normatividade jurídica introduz os direitos da 4ª dimensão, que, aliás, correspondem à derradeira fase de institucionalização do Estado social”, e dá destaque aos direitos à democracia direta, informação e pluralismo.
Ainda, segundo Ingo Sarlet[29]:
“A proposta do Prof. Bonavides, comparada com as posições que arrolam os direitos contra a manipulação genética, mudança de sexo etc., como integrando a quarta geração, oferece nítida vantagem de constituir, de fato, uma nova fase no reconhecimento dos direitos fundamentais, qualitativamente diversa das anteriores, já que não se cuida apenas de vestir com roupagem nova reivindicações deduzidas, em sua maior parte, dos clássicos direitos de liberdade.”
Embora o direito a paz tenha sido classificado por Karel Vasak[30] como sendo da 3ª dimensão, Bonavides entende que o direito a paz deve ser tratado em uma dimensão autônoma, chegando a afirmar que a paz é axioma da democracia participativa ou supremo direito da humanidade[31].
Na seara dos direitos humanos, ressalta-se que anterior a Declaração Universal dos Direitos Humanos, os direitos humanos eram denominados de direitos do homem. A esse respeito têm-se alguns conceitos doutrinários. Veja:
Para João Batista Herkenhoff[32], os direitos humanos são “aqueles direitos fundamentais que o homem possui pelo fato de ser homem, por sua natureza humana, pela dignidade que a ela é inerente”.
Robert Alexy segue o mesmo pensamento e entende que os direitos humanos podem ser definidos a partir de cinco características, qual seja: “a universalidade, a fundamentalidade, a abstratividade, a moralidade e a prioridade”[33].
Nesta ótica, Edilson Farias[34] amplia aos conceitos acima citados e têm-se que:
“Os direitos humanos podem ser aproximadamente entendidos como constituídos pelas posições subjetivas e pelas instituições jurídicas que, em cada momento histórico, procuram garantir os valores da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da igualdade e da fraternidade ou da solidariedade.”
Os valores da fraternidade então a partir deste ponto de vista pode ser entendido como sendo constituição parte dos Direitos Humanos, dependente de entendimento de acordo com o momento histórico. Portanto, tem-se o conceito de que o ser humano é sempre progressivo, bem como o ser humano é visto como um ser essencialmente moral com unicidade existencial e dignidade.
1.2 A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO PRINCÍPIO FUNDAMENTAL DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 SOBRE O VIÉS NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
O princípio da dignidade da pessoa humana é fundamento base do Estado. Constitui este princípio um valor universal, de modo que, não importa as diversidades sócio-culturais dos povos, todas as pessoas são detentoras de igual dignidade. Embora diferentes em sua individualidade, apresentam, pela sua humana condição, as mesmas necessidades e faculdades vitais[35].
Estabelece-se como fundamento da República Federativa do Brasil, já no artigo 1º, III da Constituição Federal de 1988, a dignidade da pessoa humana. Mas, o que seria dignidade humana? Alguns conceitos formais são facilmente encontrados no dicionário Aurélio[36], sendo eles: respeito, autoridade moral, honra, decência, honestidade, entre outros.
Nas palavras de Ingo Sarlet[37], dignidade é:
“A qualidade intrínseca e distintiva de cada Ser Humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.”
Bem como, Chaves Camargo[38] afirma:
“[…] pessoa humana, pela condição natural de ser, com sua inteligência e possibilidade de exercício de sua liberdade, se destaca na natureza e diferencia do ser irracional. Estas características expressam um valor e fazem do homem não mais um mero existir, pois este domínio sobre a própria vida, sua superação, é a raiz da dignidade humana. Assim, toda pessoa humana, pelo simples fato de existir, independentemente de sua situação social, traz na sua superioridade racional a dignidade de todo ser”.
Nelson Nery[39] destaca que: “É o fundamento axiológico do Direito; é a razão de ser da proteção fundamental do valor da pessoa e, por conseguinte, da humanidade do ser e da responsabilidade que cada homem tem pelo outro”.
Entende-se que a ideia do que seria a dignidade humana não vem somente da doutrina ou da legislação, mas de uma compreensão da sociedade, como relata Vicente de Paulo Barreto[40]:
“[…] falar da dignidade humana sem que se situe esta ideia no quadro de uma ética e antropologia filosófica determinada resulta lançar o valor que ela representa no vazio dos discursos políticos e jurídicos. Isto porque a ideia de dignidade humana é um conceito ético, que, de acordo com alguns autores expressa-se politicamente no conceito político moderno da ‘Democracia’.”
Na ideia de dignidade do autor, acredita-se que esta dignidade também citada nos direitos humanos deve ser íntegra e não deve ser delimitado pela etnia, credo, política, país ou qualquer outra forma de desigualdade.
Para Rizzatto Nunes[41] “a dignidade da pessoa humana é como um supraprincípio constitucional, entendendo que se encontra acima dos demais princípios constitucionais”.
Neste sentido, o Estado tem o dever de preservar e proteger a dignidade humana. Segundo Celso Antônio Pacheco Fiorillo[42]:
“[…] cabe reiterar que o princípio fundamental da República Federativa do Brasil consagra a dignidade da pessoa humana deve não só ser estabelecido como “piso” determinante de toda e qualquer política de
desenvolvimento, como, necessariamente, projetar-se sobre o modo como devam ser assegurados todos os demais direitos da sociedade previstos na Constituição Federal.”
Dispõe Immanuel Kant[43]:
“No reino dos fins tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode pôr-se em vez dela qualquer outra como equivalente, mas quando uma coisa está acima de todo preço, e, portanto não permite equivalente, então tem ela dignidade […] Esta apreciação dá, pois a conhecer como dignidade o valor de tal disposição de espírito e põe-na infinitamente acima de todo preço. Nunca ela poderia ser posta em cálculo ou confronto com qualquer coisa que tivesse preço, sem de qualquer modo ferir a sua santidade”?
Observa-se que segundo o autor, somente o ser humano era considerado pessoa, pois somente ele era um ser racional, composto por valores, virtudes, consciência e experiência de sua própria vida. Posto isto, tem-se que a pessoa não pode ser tratada como coisa, ou seja, como meio em si, entretanto deve ser tratada como fim, pois esta é detentora de uma das maiores qualidades destinada a um indivíduo, a dignidade, constituindo para ele um valor absoluto o qual não tem preço, ou seja, um valor condicionado.
Tem-se neste sentido que, a dignidade da pessoa humana esta na base de todos os direitos fundamentais[44]. Cabe ressaltar que o Brasil apenas incluiu tal princípio como um de seus fundamentos após ter passado pela tortura, sequestro e perseguições políticas no Regime Militar[45]. A partir disto, reconhece-se que é o Estado que existe em função da pessoa humana, e não o contrário[46], e a pessoa passa a ser o fim a que se destina o exercício do poder estatal, e nunca um meio para que o Estado alcance os seus objetivos[47].
Todos estes autores seguem a mesma linha de raciocínio em relação à dignidade humana. Todos eles acreditam que é algo que já deve nascer com a pessoa e não se deve em hipótese nenhum retirar dela. É um direito que deve ser garantido pelo governo e pode ser utilizado por ele para gerar maior desenvolvimento no país.
1.3 A PRIMAZIA DO DIREITO À VIDA
O direito à vida é contemplado na Constituição Federal, no título Dos Direitos e Garantias Fundamentais, sendo consagrado como o mais fundamental dos direitos, uma vez que, é dele que derivam todos os demais direitos. Em seu artigo 5º, a Constituição Federal dispõe que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.
Carolina Alves de Souza Lima[48] entende que o direito à vida é fonte primária, requisito para a titularidade dos demais direitos.
Nesta mesma ótica, Alexandre de Moraes[49] acrescenta que o direito à vida é o mais fundamental de todos os direitos, já que se constitui em pré-requisito a existência e exercício de todos os demais direitos, bem como, indica que a Constituição Federal de 1988 proclama o direito à vida, cabendo ao Estado assegurá-lo em sua dupla acepção, sendo a primeira relacionada ao direito de continuar vivo e a segunda de se ter vida digna quanto à subsistência. Isto porque, o homem tem direito a vida e não sobre ela, de modo que cabe ao Estado tutelar este direito.
Ângela Mara Piekarski Ribas[50] diz que:
“Embora existisse correntes em nossa Assembleia Constituinte no sentido de que o direito à vida deveria ser assegurado desde a concepção ou desde o nascimento, o legislador constituinte simplesmente o garantiu sem traçar qualquer outra referência, delegando a demonstração do exato momento do surgimento da vida humana à doutrina e à jurisprudência, com a utilização dos conhecimentos científicos obtidos com os diversos ramos da ciência. Difícil tarefa, porém, é a definição do direito à vida, em função do grave risco de ingressarmos no campo da metafísica, porém, deve-se considerar que a vida não se restringe apenas a seu sentido biológico de incessante auto atividade funcional, inerente às matérias orgânicas, mas é constituída por um processo vital instaurado com a concepção (ou germinação vegetal), sendo alvo de inúmeras transformações, até sucumbir-se com a morte”.
Assim, deve-se associar o direito à vida a um direito à conservação da vida, ou seja, o indivíduo pode gerir e defender sua vida, porém, não pode dispor dela, exceto em casos lesivos contra a vida, como por exemplo, legítima defesa e estado de necessidade. Ainda, ao consagrar o direito a vida, o Estado veda a morte provocada, como exemplo o aborto e a eutanásia, vez que estas são tratadas como uma ameaça a este direito.
Sobre o aborto, é perceptível que no Brasil a vida extrauterina é valorada com mais intensidade que a intrauterina, bastando apenas comparar as penas previstas nos tipos penais. Neste sentido, Daniel Sarmento[51] entende que:
“Por mais que se trate de um fato extremamente doloroso para a maioria das famílias, o evento não costuma representar um sofrimento comparável a perda de um filho já nascido, pois a percepção geral é a de que a vida vale muito mais depois do nascimento”.
De outra banda, Capelo de Souza[52] entende que não existe apenas um direito de vida, mas que existe um direito à vida propriamente dita, em suas próprias palavras:
“A vida humana, qualquer que seja sua origem, apresentasse-nos, antes de mais, como um fluxo de projeção coletivo, contínuo, transmissível, comum a toda a espécie humana e presente em cada indivíduo humano, enquanto depositário, continuador e transmitente dessa energia vital global… Constitui um elemento primordial e estruturante da personalidade… A vida humana é susceptível de diversas perspectivações (…)”.
Resta claro que se o direito a vida não for resguardado, os demais direitos perdem o sentido de ser, visto que, como já dito anteriormente, é tido como o mais fundamental dos direitos e é pré-requisito a existência e exercício de todos os demais direitos.
Luiz Regis Prado[53] se manifesta a respeito do crime de homicídio da seguinte forma:
“O bem jurídico 'vida humana' pode ser compreendido do ponto de vista estritamente físico-biológico ou sob uma perspectiva valorativa. Para uma concepção naturalista, a presença da vida é aferida segundo critérios científicos-naturalísticos (biológicos e fisiológicos). De conseguinte, resulta inconcebível, de acordo com tal concepção, a descriminalização do aborto ou do induzimento, instigação ou auxilio ao suicídio, bem como a legalização de uma ou de todas as formas de eutanásia. Também seria incompatível com o texto constitucional a justificação da morte em legítima defesa ou em estrito cumprimento do dever legal. Todavia, com o Direito Positivo, em sintonia com a Constituição, autoriza em determinadas circunstâncias a morte de outrem, conclui-se que um conceito estritamente naturalístico de vida não pode esgotar o conteúdo do bem jurídico.”
Tem-se que o direito a vida deve ser protegido acima de qualquer situação, não dependendo de particularidade fisiológica ou social da pessoa. Além da Constituição Federal, acordos internacionais acerca dos direitos humanos defendem a inviolabilidade do direito à vida, tendo como acordo basilar o Pacto de São José da Costa Rica[54], no artigo 4º, que dispõe que “toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente”. Ainda, dispõe que a vida tem de ser protegida desde a concepção, ou seja, no momento em que o espermatozoide penetra o óvulo.
1.4 AS CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS HUMANOS
Primeiramente se faz importante destacar que os direitos humanos são os direitos e liberdades básicas de todos os seres humanos. A declaração universal dos Direitos Humanos em seu artigo 1º afirma que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos, dotados de razão e de consciência, e devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.
Para melhor compreensão, faz-se necessário um breve estudo a cerca das características dos direitos humanos.
a) Historicidade: Tem-se que os direitos humanos são decorrentes de um processo de formação histórica, de tal modo que com o passar do tempo, estes direitos nascem e acabam por se solidificar em razão das lutas emanadas pela sociedade em prol da dignidade da pessoa humana[55]. Ou seja, estas nascem, alteram-se e esvaecem no tempo.
Para Norberto Bobbio[56]:
“Os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas. […] o que parece fundamental numa época histórica e numa determinada civilização não é fundamental em outras épocas e em outras culturas. “
De outro lado, Gilmar Ferreira Mendes[57] relata que:
“A ilustração de interesse prático acerca do aspecto da historicidade dos direitos fundamentais é dada pela evolução que se observa no direito a não receber pena de caráter perpétuo. Tanto a Constituição atual quanto a anterior estabeleceu vedação à pena de caráter perpétuo. Esse direito, que antes de 1988 se circunscrevia à esfera das reprimendas penais, passou a ser também aplicável a outras espécies de sanções. Em fins de 1988, o STF, confirmando acórdão do STJ, estendeu a garantia ao âmbito das sanções administrativas. A confirmar o caráter histórico-evolutivo – e, portanto, não necessariamente uniforme – da proteção aos direitos fundamentais, nota-se, às vezes, descompasso na compreensão de um mesmo direito diante de casos concretos diversos. Assim, não obstante o entendimento do STF acima mencionado, a Corte durante bom tempo continuou a admitir a extradição para o cumprimento de penas de caráter perpétuo, jurisprudência somente revista em 2004”.
Desta forma, os direitos fundamentais tem natureza histórica, advindos de uma construção do cristianismo, ou seja, os direitos humanos passaram por diversas revoluções até chegarem aos dias atuais.
b) Universalidade: Tal característica se vincula ao princípio da liberdade, conduzido pelo princípio da dignidade da pessoa humana, ou seja, se aplica a todos os indivíduos independentemente de sexo, raça, entre outros.
Nesta banda, Manoel Gonçalves Ferreira Filho[58] destaca que:
“A ideia de se estabelecer por escrito um rol de direitos em favor de indivíduos, de direitos que seriam superiores ao próprio poder que os concedeu ou reconheceu, não é nova. Os forais, as cartas de franquia continham enumeração de direitos com esse caráter já na Idade Média.”
Já Rafael Barreto[59], ilustra como:
“A universalidade pode ser ilustrada na Declaração Universal dos Direitos Humanos, que enuncia direitos comuns a todos os homens pela simples condição humana, sem nenhuma discriminação, e que afirma que todos os seres humanos integram uma família única – a família humanidade -, merecedora de respeito e dignidade de todos os lugares”
Como se pode extrair dos autores, tal característica não é nova, já era possível se observar tal ato na Idade Média. E até hoje este direito alcança a todos os seres humanos indistintamente.
c) Essencialidade: Os direitos humanos são essenciais por excelência, uma vez que são intrínsecos do ser humano.
d) Inalienabilidade: Por se tratar de direitos indisponíveis e por não possuírem conteúdo econômico-patrimonial, são considerados direitos intransferíveis. Esta característica visa proteger a vida biológica e os que intentassem para a preservação das condições normais de saúde física e mental.
e) Inexauribilidade: Podem ser ampliados a qualquer tempo, bem como, podem surgir novos direitos.
f) Irrenunciabilidade: Via de regra, os direitos fundamentais não podem ser renunciados pelo seu titular, isto porque o detentor do direito não pode fazer o que bem entender com ele, vez que é um interesse coletivo. Deste modo, não se pode abrir mão da sua própria natureza. Entretanto, o STF tem admitido à renúncia de certos direitos, tais como o da intimidade e o da privacidade.
Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo[60] exemplificam este entendimento do STF:
“[…] o que ocorre nos programas de televisão conhecidos como reality shows (Big Brothrer Brasil, por exemplo), em que as pessoas participantes, por desejarem receber o prêmio oferecido, renunciam, durante a exibição do programa, à inviolabilidade da imagem, da privacidade e da intimidade (art. 5º , X, CF).”
g) Imprescritibilidade: Os direitos fundamentais não se perdem com o passar do tempo, ou seja, não são atingidos pelo instituto da prescrição. Dispõe José Afonso da Silva[61] que:
“Prescrição é um instituto jurídico que somente atinge coarctando, a exigibilidade dos direitos de caráter patrimonial, não a exigibilidade dos direitos personalíssimos, ainda que não individualistas, como é o caso. Se são sempre exercíveis e exercidos, não há intercorrência temporal de não exercício que fundamente a perda da exigibilidade pela prescrição.”
Portando, há direitos atingidos pela prescrição, como é o caso da propriedade.
h) Inviolabilidade: Ressalta-se que esses direitos não podem ser descumpridos por nenhuma pessoa ou autoridade, visto que é dever do Estado, bem como dos indivíduos, resguardarem os direitos humanos. Caso ocorra tal violação estão sujeitos à responsabilização civil, penal e administrativa.
i) Vedação ao retrocesso: Os direitos humanos não podem ser objeto de retrocesso, quer dizer, jamais poderão ser diminuído ou reduzido em questão de proteção. O rol dos direitos humanos pode ser ampliado, mas jamais minorado. Desta forma, Estado não pode proteger menos do que já esta protegendo.
Neste sentido, Luís Roberto Barroso[62]dispõe:
“Apesar de o princípio do não-retrocesso social não estar explícito, assim como o direito de resistência e o princípio da dignidade da pessoa humana (para alguns, questão controvertida), tem plena aplicabilidade, uma vez que é decorrente do sistema jurídico-constitucional, entende-se que se uma lei, ao regulamentar um mandamento constitucional, instituir determinado direito, ele se incorpora ao patrimônio jurídico da cidadania e não pode ser absolutamente suprimido.”
De outra banda, José Joaquim Gomes Canotilho[63] demonstra que:
“A ideia aqui expressa também tem sido designada como proibição de contra-revolução social ou da evolução reacionária. Com isto quer dizer-se que os direitos sociais e econômicos (ex: direito dos trabalhadores, direito à assistência, direito à educação), uma vez obtido um determinado grau de realização, passam a constituir, simultaneamente, uma garantia institucional e um direito subjectivo. (…) O princípio da proibição do retrocesso social pode formular-se assim: o núcleo essencial dos direitos sociais já realizado e efectivado através de medidas legislativas (…) deve considerar-se constitucionalmente garantido sendo inconstitucionais quaisquer medidas estaduais que, sem a criação de outros esquemas alternativos ou compensatórios, se traduzam na prática numa ´anulação` pura e simples desse núcleo essencial. A liberdade de conformação do legislador e inerente auto-reversibilidade têm como limite o núcleo essencial já realizado.”
j) Limitabilidade: Nenhum direito fundamental possui caráter absoluto, devendo ser interpretado e aplicado levando sempre em consideração os limites existentes. Paulo Gustavo Gonet Branco[64] entende que:
“(…) os direitos fundamentais podem ser objeto de limitações, não sendo, pois, absolutos. (…) Até o elementar direito à vida tem limitação explícita no inciso XLVII, a, do art. 5º, em que se contempla a pena de morte em caso de guerra formalmente declarada.”
Neste mesmo sentido, Konrad Hesse[65] dispõe que:
“A limitação de direitos fundamentais deve, por conseguinte, ser adequada para produzir a proteção do bem jurídico, por cujo motivo ela é efetuada. Ela deve ser necessária para isso, o que não é o caso, quando um meio mais ameno bastaria. Ela deve, finalmente, ser proporcional em sentido restrito, isto é, guardar relação adequada com o peso e o significado do direito fundamental.”
k) Complementariedade: Um direito completa o outro, ou seja, devem ser interpretados conjuntamente a fim de alcançar os objetivos impostos pelo legislador.
l) Efetividade: É a transformação do “dever ser” em “ser”, isto é, o Estado deve garantir a efetivação dos direitos fundamentais.
Bernardo Fernandes Gonçalves[66] diz que:
“Em termos teóricos temos que o Poder Público em suas ações deve sempre se voltar para o cumprimento dos direitos fundamentais. Todavia, aqui cabe pontuar que uma vez assumindo uma ou outra teoria sobre os direitos fundamentais, as consequências práticas serão radicalmente opostas: na perspectiva liberal, por serem os direitos fundamentais direitos subjetivos de todos os indivíduos de uma sociedade que se reconhece livre e igual, devem ser efetivados na mesma medida para todos, sem exceção. Além do mais, sua condição de norma pré-estatal não transmite o dever de efetivação ao Poder Público, garantindo-se desde o início, o mesmo catálogo de direitos fundamentais aos seus cidadãos; por outro lado, na perspectiva do comunitarismo, a tese dos direitos fundamentais como ordens de valores, delega ao Poder Público a sua implementação na sociedade, que se pode dar em graus, ou seja, de modo não efetivo para todos, mas sempre buscando um resultado otimizado.”
m) Concorrência: Em regra, tem-se que os direitos humanos coexistem, podendo ser exercidos cumulativamente, sem um anular o outro.
Desta forma, pode-se afirmar que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos, dotados de razão e de consciência, e que os direitos fundamentais tem natureza histórica, vindos de uma construção do cristianismo. Ainda, estes direitos nunca poderão sofrer diminuição ou redução em seus textos, podendo apenas ser ampliados.
Sabendo disto, entende-se que os direitos humanos funcionam como a base de proteção do ser humano, resguardando o direito de todos os cidadãos, bem como as instituições relatadas no próximo capitulo.
2 AS INSTITUIÇÕES PROTEGIDAS PELO HOMICÍDIO FUNCIONAL CONFORME OS ARTIGOS 142 E 144 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
A Lei nº 13.142/2015, que alterou o Código Penal e a Lei de Crimes Hediondos, entrou em vigor no dia de sua publicação, em 7 de julho de 2015, acrescentando ao artigo 121, §2º, o inciso VII, o qual dispõe da qualificadora de homicídio cometido contra autoridades ou agentes descritos nos artigos 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição.
As autoridades e agentes elencados nos artigos 142 e 144 da CF estão relacionados aos integrantes das Forças Armadas, quais sejam, Marinha, Exército e Aeronáutica, bem como, as autoridades que exercem atividades de segurança pública, como polícia federal, polícia rodoviária federal, polícia ferroviária federal, polícia civil, polícia militar e corpo de bombeiros.
Com o acréscimo da qualificadora do artigo 121, §2º, inciso VII, houve uma extensão para os guardas municipais, agentes de segurança viária, integrantes do sistema prisional, ou seja, agentes penitenciários, diretores de presídio, carcereiro, integrantes da Força Nacional de Segurança Pública, e ainda, o cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até 3º grau das pessoas já mencionadas.
O benefício desta mudança, conforme a Casa de Leis era fortalecer o Estado Democrático de Direito e as instituições legalmente constituídas para combater o crime, em especial o organizado, o qual planeja criar pânico e o descontrole social, quando um ator do combate à criminalidade é vítima de homicídio[67].
Deste modo, para que seja caracterizado, é essencial que o homicídio tenha relação com a função exercida pelos integrantes de segurança pública, ou seja, o bem jurídico tutelado é a função desempenhada por essas pessoas.
Ressalta-se que a violência contra os membros da segurança pública, militares e seus respectivos familiares tem aumentado consideravelmente nos últimos tempos. É entendido que quando um policial é atacado, é o Estado que acaba sendo vítima, isto porque as Instituições de Segurança Pública e as Forças Armadas são consideradas um dos pilares mais importantes da Democracia, sendo plausível a aplicação da pena imposta pelo Estado. Essa pena diferenciada é baseada na ideia de que seja necessário que exista uma proteção legal em benesse daqueles que realizam o juramento para defender uma nação.
2.1 DAS FORÇAS ARMADAS – MARINHA, EXÉRCITO E AERONÁUTICA FRENTE À DEFESA DA PÁTRIA E GARANTIA DOS PODERES CONSTITUCIONAIS.
Conforme o artigo 142 da Constituição Federal, as Forças Armadas, constituídas pela Marinha, Exército e Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem[68].
Sobre o tema, Walber de Moura Agra[69], citando Paulo Napoleão da Silva, relata que:
“Embora a Marinha seja o menor dos ramos das Forças Armadas, ela sempre figura em primeiro lugar na enumeração constitucional. A razão disso é histórica e cerimonial: o Ministério da Marinha foi o primeiro dentre os militares a ser criado no País; e mais, o Brasil foi descoberto por mar. Essa precedência cerimonial, inclusive, faz com que em igualdade de condições um oficial da Marinha tenha precedência aos das outras Armas em qualquer ato ou cerimônia oficial, e esteja teoricamente em comando”.
Já, José Afonso da Silva[70] dispõe que:
“[…] constituem, assim, elemento fundamental da organização coercitiva a serviço do Direito e da paz social. Esta nelas repousa pela afirmação da ordem na órbita interna e do prestígio estatal na sociedade das nações. São, portanto, os garantes materiais da subsistência do Estado e da perfeita realização de seus fins. Em função da consciência que tenham da sua missão está a tranquilidade interna pela estabilidade das instituições. É em função de seu poderio que se afirmam, nos momentos críticos da vida internacional, o prestígio do Estado e a sua própria soberania”.
De acordo com Pontes de Miranda[71], as Forças Armadas, declaram-se permanentes, para que nunca possam ser dissolvidas. Deste modo, ainda que não constem taxativamente, no rol das cláusulas pétreas, estas não podem ser revogadas, suprimidas ou extintas por meio de emenda constitucional, mas, tão somente, por Assembleia Nacional Constituinte. Ressalta-se que enquanto nacionais, as Forças Armadas, embora incorporadas ao Poder Executivo, devem servir a Nação, constituindo-se em uma garantia da Pátria[72].
São funções de tais instituições militares: assegurar a integridade do território nacional, defender os interesses e os recursos naturais, industriais e tecnológicos brasileiros, proteger os cidadãos e os bens do país e garantir a soberania da nação[73]. Ainda, tem como missão a garantia dos poderes constitucionais constituídos e, por iniciativa destes, atuar na garantia da lei e da ordem para, em espaço e tempo delimitados, preservar o exercício da soberania do Estado e a indissolubilidade da Federação[74].
Como outrora explanado, a Marinha do Brasil é a mais antiga Força Armada a atuar no país, desde o século XVIII, à época do período colonial. Cabendo a esta desenvolver uma ampla estratégia de monitoramento e controle para a proteção do litoral do país, bem como, fortalecer o conhecimento sobre o meio ambiente marítimo e posicionar os meios operacionais disponíveis a eventuais crises emergenciais no mar territorial brasileiro, bem como, desenvolve diversas atividades sociais em locais isolados, levando procedimentos de saúde a populações ribeirinhas e fazendo o patrulhamento fluvial em regiões fronteiriças, na preservação a crimes transnacionais e à exploração ilegal de recursos naturais[75].
A Lei Complementar 97/1999 conferiu as Forças Armadas, atribuições subsidiárias, gerais e particulares. Cabendo deste modo, a Marinha, ao Exercito e à Aeronáutica como atribuição comum, subsidiária geral, cooperar com o desenvolvimento nacional[76] e a defesa civil[77]. Portanto, conforme dados do ano de 2014, o Ministério da Defesa informou à época que a Marinha do Brasil contava com cerca de sessenta e cinco mil homens e mulheres[78].
O Exército Brasileiro exerce papel relevante na manutenção da unidade e da integridade nacional. Presente em todo território nacional, o Exército tem a missão condicionada pelas dimensões continentais do Brasil, caracterizadas pela variedade de ambientais geográficos e por uma faixa de fronteira que se estende por quase dezessete mil quilômetros[79]. Importante ressaltar que as policias militares e o corpo de bombeiros militares são considerados como força reserva e auxiliares do Exército[80].
Para o efetivo cumprimento da missão constitucional de defesa à pátria, o Exército Brasileiro tem de manter preparados efetivos superiores a 200 duzentos mil homens e mulheres para atuação no apoio as atividades de Defesa Civil, participando de ações de socorro e assistência a vítimas de desastres naturais, procedimentos de recuperação e reconstrução, bem como, em operações de paz e ajuda humanitária[81].
Trabalhando ao lado das forças aliadas, a Força Aérea Brasileira tem a missão de manter a soberania do espaço aéreo nacional, prevenindo e impedindo a prática de atos contrários aos interesses do país. Esta possui a capacidade para atuar tanto na vigilância, quanto no controle e na defesa do espaço aéreo. Para tanto, dispõe de modernos recursos para detecção, interceptação e eliminação de equipamentos aéreos, terrestres e aquáticos[82].
As atribuições do Comando da Aeronáutica são amplas, isto é, inclui o provimento da segurança da navegação aérea, a operação do Correio Aéreo Nacional, o apoio logístico, de inteligência, de comunicações e instrução na repressão a delitos que envolvam o uso do espaço aéreo e as áreas aeroportuárias; além do controle do espaço aéreo brasileiro em cooperação com os organismos de fiscalização competentes[83].
Os jornalistas Clara Roman e Valmar Hupsel Filho, relatam que os dados oficiais apontam ao menos que 229 policiais civis e militares foram mortos no ano de 2014 no Brasil, sendo que a maioria deles, 183 (79%), estava de folga. Contudo, este número pode ser ainda maior, vez que no Rio de Janeiro e Distrito Federal não discriminam as causas das mortes de policiais fora do horário de expediente[84].
Já o estado de São Paulo registrou, nos três primeiros meses de 2015, 185 mortos em confrontos com policiais militares em serviço, uma média de 2,05 pessoas mortas por dia, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública[85].
Diante o exposto, tem-se que o dever de velar pelo bem jurídico maior valor (a vida) compete aos oficiais, entretanto observa-se que para eles esta proteção é incerta, podendo ser claramente observada nos dados acima demonstrados. Como pode ser dever do estado velar sobre todos e quaisquer direito a vida e dignidade humana se ao seu próprio servidor, que deveria ter como o direito primazia, a este o direito está condicionado à característica de seu serviço, como uma condição inerente ao serviço prestado à comunidade. Neste âmbito, será feita análise dos quesitos que contribuem para que seja aplicada a pena para um homicídio de funcionário público, aqui dito como homicídio funcional ou policídio.
3 DO HOMICÍDIO QUALIFICADO
Sabe-se que ao atingir o bem jurídico de maior valor – a vida – o homicídio é considerado um dos crimes mais repugnantes para a sociedade, sendo consequentemente o ato de maior reprovação por todos, seguido pelas suas variantes, como o suicídio e o aborto.
No entendimento de Nelson Hungria[86] o homicídio é:
“[…] o tipo central dos crimes contra a vida e é o ponto culminante na orografia dos crimes. É o crime por excelência. É o padrão da delinquência violenta ou sanguinária, que representa como que uma reversão atávica às eras primeiras, em que a luta pela vida, presumivelmente, se operava com o uso normal dos meios brutais e animalescos. É a mais chocante violação do senso moral médio da humanidade civilizada”.
O homicídio é previsto no artigo 121 do Código Penal, visando à proteção à vida. Tal artigo está tutelado com base na Constituição Federal, no caput do artigo 5º, o qual diz que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida[87]”. Deste modo, o Código Penal brasileiro inicia sua parte especial tipificando o crime de homicídio, sendo a vida um pressuposto da personalidade[88].
Tem-se então que o crime de homicídio é disposto como simples pelo fato de atingir o bem jurídico tutelado, a vida. Entretanto, será considerado qualificado quando a conduta do agente é diferenciada, requerendo uma reprovação maior, seja pelos motivos, meios ou a forma do ato de matar alguém[89].
Portanto, quando o legislador qualifica o crime de homicídio, neste ato, sua preocupação é a de colocar uma punição mais severa para aquelas condutas com uma gravidade maior[90]. Neste mesmo sentido, Julio Mirabete, entende que será qualificado o crime de homicídio quando os meios, as formas e os motivos revelarem maior periculosidade do agente fazendo com que o Estado deseje uma punição maior pelo crime praticado[91]. Em suas próprias palavras[92]:
“São casos em que os motivos determinantes, os meios empregados ou os recursos empregados demonstram maior periculosidade do agente e as menores possibilidades de defesa da vítima, tornando o fato mais grave do que o homicídio simples”.
Deste modo, tem-se por homicídio qualificado aquele crime doloso contra a vida, isto é, que tenha o intento de matar, e que apresente particularidades, quais sejam, as qualificadoras.
Nas palavras de Luiz Regis Prado[93]:
“Considera-se qualificado o homicídio impulsionado por certos motivos, se praticados com o recurso a determinados meios que denotem crueldade, insídia ou perigo comum ou de forma a dificultar ou tornar impossível à defesa da vítima; ou, por fim, se perpetrado com o escopo de atingir fins especialmente reprováveis (execução, ocultação, impunidade ou vantagem de outro crime)”.
De outra banda, Nelson Hungria[94] dispõe que:
“Homicídio acompanhado de alguma dentre certas circunstâncias agravantes que a lei, no tocante a essa entidade criminal, toma em especial consideração, para o efeito de majoração a priori da pena, dado o maior grau de criminosidade que revelam. Não se dá mudança do ‘titulo do crime, nem da espécie ou qualidade da pena; mas esta é independente (cominada dentro de novos limites) e quantitativamente superior à pena ordinária ou editada in abstracto para o homicídio simples. De simples accidentalia dos crimes em geral, tais circunstâncias passam a ser a essentialia ou elementos constitutivos do homicídio, na sua forma qualificada. Chamadas agravantes qualificativas ou elementares estão elas alinhadas nos ns. I a V do parágrafo acima citado. Dizem umas com certos motivos determinantes, indiciários de maior intensidade da mens rea (ns. I, II, e V), e outras com o modo especialmente perverso da ação ou da execução do crime (ns. IV e II)”.
Já Rogério Greco[95] entende que:
“Tal recurso visa preservar, na verdade, o princípio da isonomia, no qual situações idênticas merecerão o mesmo tratamento pela lei penal. Ou seja, tudo aquilo que for considerado meio insidioso, cruel ou de que possa resultar perigo comum qualificará o homicídio, a exemplo das hipóteses mencionadas expressamente pelo inciso III (veneno, fogo, explosivo, asfixia e tortura)”
Atrelando os pensamentos dos autores, tem-se que o homicídio qualificado é aquele praticado em situações que revelem uma característica de reprovabilidade ou perversidade do criminoso, como por exemplo: o homicídio praticado por cupidez (para receber uma herança, por rivalidade profissional, etc.), ou para satisfazer desejos sexuais.
Segundo Cezar Roberto Bitencourt[96], aplica-se o princípio da legalidade às qualificadoras, portanto, deverá ser certo e determinado o termo qualificador, valendo-se caso necessário, de terminologias abertas para estabelecer a proibição a certas condutas, o que também ocorre nas figuras qualificadoras.
No crime de homicídio funcional tem-se que pode ser considerada como sujeito ativo qualquer pessoa, independentemente de qualquer coisa, vez que como já explanado, o que qualifica o crime de homicídio é a condição ou situação da vítima no presente caso, denominada como sujeito passivo.
Posto isto, sabe-se que os sujeitos passivos serão aquelas pessoas relacionados nos artigos 142 e 144 da Constituição Federal, quais sejam: as autoridades ou agentes, além dos integrantes do sistema prisional e da Força de Segurança Nacional. Podendo ser incluídos também: o cônjuge, companheiro (união estável) ou parente consanguíneo até terceiro grau da autoridade ou agente público, em razão dessa condição (tais como pais, mães, avós, bisavós, filhos, netos, bisnetos, irmãos, tios e sobrinhos). Isto porque estes estão, igualmente, incluídos como possíveis sujeitos passivos, pela abrangência da lei 12.142/2015.
Já o parentesco civil (morte de filho adotivo de policial, por exemplo): não é abrangido pela norma, salvo a incidência de outra qualificadora, deste modo, não podendo fazer uma analogia in malam partem, a qualificadora não poderá ser aplicada quando a vítima for parente por afinidade.[97].
Deste modo, tem-se que as qualificadoras do homicídio são elementos para a majoração da pena do sujeito que cometeu o crime. Estes elementos podem ser elencados como o meio que o agente utiliza para executar o crime, o modo de sua execução e os motivos que levam a este indivíduo a cometê-lo. Neste aspecto o Estado possui o dever de punir o agente infrator na medida de seus atos, utilizando as qualificadoras para que se obtenha uma punição mais gravosa. Para que seja possível elucidar sobre estas qualificadoras, será explicado uma por uma.
3.1 HIPÓTESES PREVISTAS NO ARTIGO 121, §2º DO CÓDIGO PENAL
O homicídio qualificado esta previsto no artigo 121, §2º do Código Penal[98]:
“§ 2º Se o homicídio é cometido:
I – Mediante paga ou promessa de recompensa ou por outro motivo torpe;
II – Por motivo fútil;
III – Com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;
IV – À traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível à defesa do ofendido;
V – Para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade, ou vantagem de outro crime;
Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.”
As qualificadoras podem ter natureza subjetiva e objetiva. As de natureza subjetiva estão previstas no artigo 121, §2º, incisos I, II, V, VI e VII, e as de natureza objetiva estão previstas no artigo 121, §2º, incisos III e IV do Código Penal.
Damásio de Jesus[99] entende que existe a perfeita compatibilidade entre uma circunstância de caráter subjetivo e outra de caráter objetivo, em suas palavras:
“O conflito ocorre entre as circunstâncias legais especiais. As circunstâncias legais contidas na figura típica do homicídio privilegiado são de natureza subjetiva. Na do homicídio qualificado, algumas são objetivas (§ 2º, III,IV e V, salvo a crueldade), outras, subjetivas (ns. I e II). De acordo com nossa posição, o privilégio não pode concorrer com as qualificadoras de natureza subjetiva. Não se compreende homicídio cometido por motivo fútil e, ao mesmo tempo, de relevante valor moral. Os motivos subjetivos determinantes são antagônicos. O privilégio, porém, pode coexistir com as qualificadoras objetivas. Admite-se homicídio eutanásico cometido mediante veneno. A circunstância do relevante valor moral (subjetiva) não repele o elemento exasperador objetivo. O mesmo se diga do fato de alguém matar de emboscada e impelido por esse motivo”.
Luiz Régis Prado[100] afirma que:
“É de enfatizar-se, nesse passo, que são havidas como circunstâncias preponderantes aquelas que resultam dos motivos determinantes do crime (art. 67, CP). Confere-se, pois, maior relevo às circunstâncias que influem na medida da culpabilidade, agravando ou atenuando a reprovabilidade pessoal da conduta típica e ilícita (v.g. motivo fútil, torpe, de relevante valor social ou moral).
Não é possível, porém, no delito de homicídio, admitir a coexistência de um privilégio e de uma qualificadora que atuem exclusivamente sobre a magnitude de sua culpabilidade. No entanto, admite-se o concurso de um privilégio e de uma circunstância qualificadora que afete apenas a magnitude do injusto, importando em maior desvalor da ação (art. 121, § 2º, III).”
Posição do STF: A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é fundamentada no sentido da possibilidade de homicídio privilegiado-qualificado, desde que não haja incompatibilidade entre as circunstâncias do caso. Ou seja, em se tratando de uma qualificadora de caráter objetivo, é possível o reconhecimento do privilégio[101].
Já no que diz respeito a posição do STJ: Este, admite-se a figura do homicídio privilegiado-qualificado, sendo considerado fundamental, a natureza das circunstâncias. Não possuindo um conflito entre circunstâncias subjetivas e objetivas, vez que o motivo de relevante valor moral não constitui empecilho a que incida a qualificadora da surpresa[102].
São motivos determinantes da qualificadora do homicídio: paga, promessa de recompensa ou outro motivo torpe e motivo fútil. A este assunto, Fernando Capez[103] entende que:
“Motivo torpe, dentre os quais a paga ou promessa de recompensa: torpe é atributo do que é repugnante, indecente, ignóbil, logo, provocador de excessiva repulsa à sociedade (ex.: o traficante elimina rival para dominar o comércio de drogas em determinada região). Dentre vários outros motivos desse naipe, enumeram-se no tipo penal dois: paga (receber prêmio) ou promessa de recompensa (ter expectativa de receber prêmio).
Motivo fútil: significa que a causa fomentadora da eliminação da vida alheia calcou-se em elemento insignificante se comparado ao resultado provocado. Portanto, é a flagrante desproporção entre o motivo e o resultado obtido.”
Já Nelson Hungria[104], entende que: “que mais vivamente ofende a moralidade média ou o sentimento ético – social comum. É o motivo abjeto, ignóbil, repugnante, que imprime ao crime um caráter de extrema vileza ou imoralidade”.
Ainda, sobre o motivo fútil, Damásio de Jesus[105] dispõe que “o motivo fútil não se confunde com a ausência de motivo. Assim se o sujeito pratica o fato sem razão alguma, não incide essa qualificadora”. Para tanto os meios empregados são: veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum.
Acerca dos meios empregados, Fernando Capez[106] diz que:
“Meio insidioso é o enganoso, constituindo o veneno típica forma de ação camuflada do agente; meio cruel é o gerador de sofrimento desnecessário a vítima, representando tanto por algumas espécies de veneno, que matam de modo agônico, como pelo fogo, gerador de queimaduras bastante doloridas, além da tortura (suplício extremo, que poderíamos visualizar com forma pura da crueldade) e da asfixia (supressão da respiração por qualquer meio, como, exemplificando, enforcamento, esganadura e estrangulamento), constituindo sofrimento atroz; meio que provoca perigo comum é o construtor de cenário extenso o suficiente para atingir terceiros além da vítima. Tipicamente representado pela explosão de uma bomba ou artefato similar, também pode ser simbolizado pelo emprego do fogo, desde que sua expansão seja vasta e temível de concretizar-se.”
No que diz respeito as formas de execução e as figuras típicas do crime de homicídio qualificado são: traição, emboscada, mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível à defesa do ofendido.
Sobre o tema, Fernando Capez[107] explica que:
“Quando o agente colhe o ofendido de maneira inesperada, gera um contexto até mesmo impossível. A surpresa é normalmente aquilo que é imprevisível. Formas disso são a traição (investida do agente por trás da vítima, que nem mesmo vê o algoz), a emboscada (ficar à espreita, aguardando a passagem inocente da vítima) e a dissimulação (apresentar-se pela frente da vítima, mas ocultando sua verdadeira intenção e simulando gestos opostos á agressão iminente)”.
A conexão com outro crime ocorre por fato praticado para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime. Conforme dispõe Damásio de Jesus[108], “são espécies de motivo torpe”.
Ainda, a esse respeito, Fernando Capez[109] entende que:
“Criou a lei uma situação de peculiar repugnância, consistente na atuação do agente com o fim de assegurar (garantia de que dê certo) a execução (desenvolvimento dos atos de realização da empreitada criminosa), ocultação (encobrimento do fato), impunidade (evitar o castigo, a punição do autor, ainda que o fato seja conhecido) ou vantagem (lucro obtido) de outro crime. Ex.: matar a pessoa que o viu cometendo um roubo anteriormente, somente para ter certeza de que não irá testemunhar”.
Ao passo em que se compreendem quais são as qualificadoras do crime de homicídio e como estas incidem no tipo penal, faz-se extremamente necessário, no presente tema, abordar a qualificadora acrescentada pela alteração da lei 13.142/2015, a qual vem com a função de prevenir ou ao menos minimizar os crimes cometidos em face daqueles que atuam na área da segurança.
3.2 A QUALIFICADORA DO HOMICÍDIO FUNCIONAL: ARTIGO 121, §2º, INCISO VII DO CÓDIGO PENAL
A Lei nº 13.142/2015 acrescentou ao artigo 121, §2º, o inciso VII, para criar uma nova qualificadora ao crime de homicídio: o homicídio funcional, isto é, homicídio cometido contra autoridades ou agentes descritos nos artigos 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela. Da mesma forma, alterou-se a Lei nº 8.072/1990[110] tornando o homicídio funcional crime hediondo.
Conforme o Novo Dicionário Aurélio[111] o conceito de hediondo, é exposto desta forma:
“Hediondo” (do esp. hediondo). Adj. 1. Depravado, vicioso, sórdido, imundo. 2. Repelente, repulsivo; horrendo: “espécie de funâmbulo patibular, face contorcida em esgar ferino, como um traumatismo h e d i o n d o” (Euclides da Cunha), Os Sertões, p. 201). 3. Sinistro, pavoroso, medonho: “Dizem que cometi um crime hediondo” (Almeida Fischer. 10 Contos Escolhidos, p. 65). 4. P. us. Que cheira mal; fedorento.”
Já Antônio Lopes Monteiro[112], conceitua como:
“Teríamos assim um crime hediondo toda vez que uma conduta delituosa estivesse revestida de excepcional gravidade, seja na execução, quando o agente revela total desprezo pela vítima, insensível ao sofrimento físico ou moral a que se submete, seja quanto a natureza do bem jurídico ofendido, seja ainda pela especial condição das vítimas”.
Por sua vez, Franciny Beatriz Abreu, classifica como: “aquele que causasse profunda e consensual repugnância ao ofender valores morais da sociedade, passiveis de manipulação pelos seus segmentos dominantes[113]”.
Para tanto, é possível entender que ao classificar o crime de homicídio funcional como hediondo esta se atribuindo uma característica de excepcional gravidade, isto porque, o meio empregado para a execução revelará total desprezo e repugnância pela sociedade vez que esta conduta ofende os valores morais desta.
Posto isto, se faz necessário ressaltar as consequências que a atribuição da característica de hediondez traz para o agente que o pratica, são elas: a proibição de graça, indulto e anistia, bem como, regras mais severas em relação à progressão de regime tais como: prisão temporária: 30 dias; progressão de regime: primário: cumprimento de 2/5 da pena; reincidente: 3/5; regime prisional inicial: fechado; livramento condicional: 2/3 da pena; se reincidente específico, inadmissível; fiança: inadmissível; prisão preventiva: é possível[114].
Ressalta-se que para que se configure esta qualificadora, é necessário que o crime tenha sido cometido contra o agente público no exercício da função ou em decorrência dela. Deste modo, um eventual assassinato de um policial, por exemplo, em seu dia de folga, em circunstância sem qualquer vínculo com sua função não se caracterizará esta qualificadora[115]. Importante, se faz mencionar que todos os agentes e autoridades integrantes do sistema de segurança pública, com a aposentadoria não podem ser abrangidos pela qualificadora, isto porque com a aposentadoria deixam de ser autoridade[116]. Cabe aqui constar que ao acolher tal qualificadora, seu rol foi ampliado, sendo aplicável sua última parte (inciso VII) quando o homicídio for praticado contra o cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo de um policial, entretanto não estão aqui abrangidos os parentes por afinidade[117].
Por se tratar de uma pena mais gravosa, será considerada como uma lei irretroativa, vez que de acordo com o artigo 5º, inciso XL da Constituição Federal e artigo 2º, parágrafo único do Código Penal, não retroagirá lei penal quando esta prejudicar o réu. O fundamento desta proibição está baseado na ideia de segurança jurídica.
Conforme já relatado, a real intenção desta alteração da legislação vem com os mais nobres motivos, quais sejam proteger os servidores públicos que exercem funções de segurança pública, vez que estes nobres servidores estão constantemente em posição de exposição de riscos, diferentemente das demais pessoas na sociedade.
3.3 DA COMPETÊNCIA PARA JULGAR O HOMICÍDIO FUNCIONAL
Dispõe o artigo 5º, XXXVIII, alínea “d”[118] que reconhece a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, quais sejam: homicídio, infanticídio, induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio, aborto e seus crimes conexos.
O tribunal do júri prevê que sua organização será dada por lei e que nos seus julgamentos serão assegurados: a plenitude de defesa, o sigilo das votações, a soberania dos veredictos, a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida. Como é sabido desde sua criação, tem-se o entendimento de que os jurados são as pessoas que decidem sobre a vida daquele que será julgado, ou seja, se este será condenado ou absolvido. O magistrado por sua vez é presidente do júri, controlando e policiando a sessão, para que tudo transcorra em clima pacífico, sem interferência inconveniente de qualquer pessoa na atuação das partes. Este ainda possui a função de externar essa conclusão dos jurados, conclusão esta que deverá ser conforme sua consciência de forma imparcial[119].
Posto isto, tem-se que a competência para julgar o homicídio funcional pode ser tanto da Justiça Federal quanto da Justiça Estadual, conforme o caso[120], sempre no Tribunal do Júri, pois se trata de um crime contra a vida.
Neste sentido, a súmula 147 do Superior Tribunal de Justiça[121] diz que: “compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes praticados contra funcionário público federal, quando relacionados com o exercício da função”.
Isto porque quando se tratar de um crime de homicídio o qual for praticado contra um funcionário público federal, a competência para julgar tal crime será da Justiça Federal.
Ressalta-se que para que a qualificadora seja incidida no crime, a vítima deverá estar no exercício da função ou ter sido cometida em decorrência dela ou desta condição.
Desta forma, passa-se a analisar os posicionamentos contrários e favoráveis a necessidade da Lei nº 13.142/2015, bem como suas justificativas para tal posicionamento.
4 DA (DES) NECESSIDADE DA LEI Nº 13.142/2015
Como outrora fora explanado, a justificativa apresentada pelo Congresso para aprovar a lei é no sentido de tentar prevenir ou diminuir crimes contra pessoas que atuam na área de segurança pública. Entretanto, existem posicionamentos contrários à alteração desta lei, ressaltando que esta alteração é extremamente punitivista e desnecessária.
4.1 POSICIONAMENTOS CONTRÁRIOS
Adão Mendes Gomes[122] entende que: “No caso dos policiais (civis ou militares), tem-se que o homicídio qualificado quando eles são vítimas no exercício da função (por exemplo, troca de tiros entre policiais e bandidos) é altamente punitivista e até desnecessária”. Segundo este autor esta alteração aumentaria o enquadramento penal dos agentes, tendo em vista que esta é uma circunstância inerente ao serviço policial, ou seja, o perigo de sua profissão é natural. Ainda, relata que a qualificadora é desnecessária, pois:
“Quando os policiais são vítimas no exercício da função, muito provavelmente já incidiria outras qualificadoras, tais como a constante no inciso IV do §2º do art.121 do CP ("à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido") e também no inciso V do §2º do art.121 do CP ("para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime").
“Em primeiro lugar, a suposta “alteração” legislativa não passa de mais uma atuação cosmética. Não se trata e nem poderia, sob pena de violação do Princípio da Igualdade na proteção do bem jurídico vida humana, qualificar um homicídio e torná-lo hediondo somente pelo fato de que a vítima ocupa uma determinada função pública, ainda que ligada à segurança nacional ou pública. Não há justificativa para uma discriminação nesses casos. Uma vida humana não pode ter valor diferenciado de acordo com o cargo ou posição social do indivíduo.”
E continua, neste sentido:
“Tendo em mente a premissa acima, o legislador corretamente estabelece que não é somente o fator objetivo de que a vítima do homicídio seja agente das forças armadas ou de segurança pública ou mesmo seus parentes, cônjuges ou companheiros que vai qualificar o crime e o tornar hediondo. Exige o dispositivo um elemento subjetivo da conduta, qual seja, que a morte tenha se dado em razão ou no exercício da função. Ou seja, o autor do homicídio, para responder pela “nova” qualificadora, deve matar o agente das forças armadas ou de segurança, seus parentes, cônjuges ou companheiros porque tem em mente essa função por ele exercida.”
Entende o autor, que tal qualificadora seria totalmente desnecessária, vez que o autor do crime, não possuiria em mente que a qualificadora o prejudicaria, isto porque, se observa no cotidiano que qualificadoras não são consideradas motivos de abstenção das condutas criminosas.
Ainda, sobre o tema, Cezar Bitencourt[124] pensa que:
“O legislador extrapola ao ampliar abusivamente a abrangência dessa nova majoração penal para alcançar não apenas “integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública”, mas também os crimes de homicídio cometidos “contra cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau” daqueles agentes.”
Já Bruno Gilaberte Freitas[125] relata:
“Apesar da aparente boa intenção do legislador, não se trata de uma regra de proteção intensificada à vida dos policiais e das demais pessoas ali mencionadas, ou tampouco demonstra sincera preocupação quanto à salvaguarda de sua integridade física. Apenas nos mais inocentes sonhos de infância poderíamos acreditar que o Estado espera, com a norma, dissuadir os criminosos latentes, a eles opondo mais severa reprimenda. Não. A função preventiva geral negativa da pena é uma completa falácia”.
Para estes autores, a qualificadora também seria desnecessária, porque nenhum criminoso se repreenderia com o aumento da pena causada pelo crime cometido contra integrantes da segurança pública. Ainda, não aceitam sua abrangência acreditando que em nada serviria.
Para Peter Albrecht[126]:
“Com outras palavras: furto de lojas e fraude de serviços, apesar das conhecidas ameaças penais, são cometidos em massa, aqui o Direito Penal fracassa como meio de controle. Os delitos violentos, de menor ocorrência quantitativa em relação aos delitos de massa, são cometidos apesar da alta ameaça penal e dos elevados riscos de descobrimento e de persecução, pelo que mais a socialização do ser humano, menos a intimidação jurídico-penal deveria ser significativa para a generalizada não comissão: desejo de embriaguez, agressividade e potenciais de destruição desenvolvem-se amplamente, independente de determinações de cumprimento normativo postuladas jurídico-penalmente.”
Do autor se extrai que, o problema estaria no controle do direito penal, e mais, estaria também no homem, vez que este independentemente da pena a ser aplicada não se abstém de praticá-la, podendo tal ato ser verificado no cometimento do furto de lojas, como exemplificou o autor.
No que diz respeito à qualificadora, Cezar Bitencour[127], continua explanando que:
“A presente qualificadora não protege a pessoa da autoridade ou a gente da segurança pública, discriminando os demais cidadãos que não desempenhem tais funções, o que poderia gerar suspeita de inconstitucionalidade, por tratá-los diferentemente. A rigor, esta nova qualificadora tutela a função pública desempenhada por essas autoridades. Com efeito, a função pública é o bem jurídico tutelado pela Lei 13.142, de 9 de julho de 2015.”
Entende o autor que ao acrescentar esta qualificadora, o sistema estaria abrindo brechas para a inconstitucionalidade, vez que estaria discriminando os cidadãos que nos desempenham funções de segurança pública.
Desta forma, verifica-se que existem posicionamentos que são contrários a alteração da presente lei, pondo em pauta o caráter altamente punitivista e desnecessário da qualificadora presente no inciso VII do §2º do artigo 121 do Código Penal. Isto porque se acredita que esta qualificadora desconsidera a inerência do perigo na atividade policial, como também o fato da morte de policiais em decorrência da função estar ligada ao motivo torpe. Tem-se por fim, que ambos os autores, entendem que a alteração legislativa em nada deve ajudar a combater a violência contra os policiais.
4.2 POSICIONAMENTOS FAVORÁVEIS
Como visto, o Estado possuindo como norte resguardar seus representantes da segurança pública sancionou a lei, objeto do presente estudo, com a ideia de reduzir o pânico vivenciado pelos militares, membros da segurança e seus familiares, vez que estas pessoas têm sofrido constantemente os terrores da violência aguçada. Ademais, a violência tem se expandido, sendo plausível a aplicação da pena imposta pelo Estado, passando a existir uma lei em favor daqueles que realizam um trabalho rotineiro de defender a sociedade.
Para Rodrigo Picon[128]:
“A ideia do legislador, ao criar a Lei 13.142/15 não foi ruim. Realmente, os agentes de segurança e seus familiares precisam de uma proteção estatal maior. Porém, a execução foi mal feita. Texto com elementares imensamente abertas, motivos dificultosos de averiguação, confronto com princípios constitucionais. É aquela velha história: já que o Estado é fraco em proteger seus cidadãos, aumenta a reprimenda, utilizando-se, para tanto, do Direito Penal, e pronto: "tudo resolvido!”. E assim continuamos nossa caminhada, com mais um problema no Direito Penal a ser resolvido.”
Neste mesmo sentido Manoel Alves Silva[129]:
“Levando em conta a situação de vulnerabilidade por qual passa atualmente os agentes de segurança pública que, muitas vezes, são vítimas de crimes gratuitos, praticados principalmente por integrantes de organizações criminosas, tão somente pelo simples fato de ser policial, chegando ao ponto de ser oferecida recompensa para tanto, conforme é noticiado – com frequência – pela mídia nacional, entendo, sem querer assumir a posição de dono da verdade, que a lei em discussão chegou em boa hora, pois, se não conseguir diminuir a prática desses crimes, ter-se-á, pelos menos, a certeza que a pessoa que, porventura, vier praticá-los – a partir de agora – irá se submeter a um processo criminal mais rigoroso.”
Por sua vez, Vera Batista[130] entende que a polícia brasileira, esta sujeita ao sofrimento físico e psíquico, vez que esta lida diariamente com um trabalho exaustivo e desvalorizado. Conclui ainda autora: “os policiais e os que ganham a vida na segurança privada são as categorias de trabalhadores mais sofridas nos dias de hoje. “Sabe-se que esse sofrimento não se dá somente pela carga excessiva de trabalho, mas deve-se colocar em pauta a presença da tensão inerente à profissão e das péssimas condições fornecidas pelo Estado, sem esquecer-se da letalidade que atinge policial e outros agentes das forças de segurança.
Do histórico comportamento omissivo do Estado, passa-se então a reivindicar, com a criação do homicídio funcional, um comportamento positivo no sentido de oferecer uma maior proteção às autoridades e agentes do Estado que combatem a ascendente criminalidade.
Embora se verifique essa indicação de que o Estado estaria preocupado com esse agravante, tentando combater com leis os motivos que fazem com que a população de militares e de pessoas que estejam dispostas a dar a vida para garantir a segurança de a nação diminuir, devido aos constantes ataques sofridos por eles, não é comprovadamente uma forma simples de ser combatido.
Não é difícil de ver em redes sociais ou em jornais notícias que remetem ao sofrimento da população com relação a atitudes tomadas pelos policiais ou também do sofrimento das forças armadas frente ao descaso com relação aos ataques que sofrem dos marginais e quadrilhas, que tentam tornar a vida criminosa mais fácil.
Infelizmente é necessário mais do que simplesmente uma lei para que haja mudanças significativas nas incidências de agressões e homicídios de pessoas que estejam relacionadas a trabalhos contra a violência. Mas espera-se que com essa mudança na legislação, possa levar mais tranquilidade a vida da família e das pessoas que servem essa nação. Verdade que será verificada daqui uns anos, conforme existam modificações nessa lei, para torná-la mais fidedigna a realidade.
5 CONCLUSÃO
Conclui-se com o presente trabalho que existem dois tipos de posicionamentos contrários, no que diz respeito à necessidade da Lei 13.142/2015, vez que esta lei tenta proteger os agentes de segurança, mas não consegue por si só dar cabo as dificuldades encontradas por estes funcionários que colocam sua vida em risco todos os dias, não obtendo o respaldo necessário do Estado.
Um dos tipos de posicionamento diz que esta lei embora possua como objetivo a diminuição dos tipos de homicídios, esta não cumpre seu propósito, tendo em vista que é extremamente punitivista e desnecessária. Ainda nesta vertente os autores ressaltam que a qualificadora não protegeria a pessoa (autoridade), mas sim a função que ali desempenha.
Já no que diz respeito ao outro posicionamento, este possui respaldo nos direitos humanos, visando à garantia do direito à vida e a segurança, que neste caso deve ser garantida pelo Estado, órgão mantenedor deste mesmo sujeito que está exposto ao risco de acordo com o serviço por ele prestado.
A sociedade tem em mente a visão de que estes agentes de segurança possuem o objetivo de proteger e resguardar a vida dos cidadãos. Nesta visão não está inserida nenhuma imagem de quem é que deveria fazer a proteção destes agentes, já que a vida deles não pertence a eles e sim ao Estado. Isto vai de encontro com os direitos humanos que na sua lei garante a segurança e o direito de liberdade. Entretanto, esquece o Estado que deixando seus agentes desprotegidos e a mercê de uma violência desenfreada, como vem ocorrendo, é o Estado que acaba sendo vítima da violência. Isto ocorre porque a proteção deve emanar dele e deve garantir que ela alcance totalmente os seus agentes, pois negar esta proteção é um ato contra o próprio Estado em si.
Neste dilema, esta lei vem para tentar sanar um problema de falta de legislação, visando garantir esta segurança aos agentes, que não medem esforços para garantir a ordem e o combate à criminalidade. Mas somente esta lei não será suficiente para garantir que mais crimes deixem de acontecer aos que estão trabalhando para nos proteger. É necessário muito mais que uma mudança na legislação para que haja uma diminuição significativa nas taxas de homicídios funcionais. Junto a essa lei, se faz necessário que estes agentes tenham total auxílio do Estado para um combate mais firme aos criminosos e uma mudança no modo de pensamento da comunidade com relação à visão torpe que tem desses mesmos agentes, considerando alguns "fora da lei" por aceitarem desvios de verbas, suborno. Somente deste modo, com a valorização da vida do profissional que protege a sociedade é que se obterá uma resposta mais eficiente da Lei 13.142/2015.
Bacharel em direito pelo Centro Universitário Dinâmica das Cataratas -UDC Foz do Iguaçu – Paraná
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