Resumo: Artigo que trata das limitações, codificadas e presentes em leis extravagantes, à antecipação de tutela e liminares cautelares, analisando seus pressupostos e diferenças à luz de uma perspectiva instrumental do processo e visualizando a eficácia plena da tutela jurisdicional.
Sumário: 1-Tutelas de cognição sumária: a nova dimensão do processo civil; 2- Parênteses: Por um direito material de cautela; 3- Mais um parênteses: o fundamento esquecido da antecipação de tutela; 4- As limitações codificadas à antecipação de tutela; 5- Limitações codificadas às liminares cautelares; 6- As Lei nº 8.437/92 e 9.494/97. 7- Conclusões.
1-Tutelas de cognição sumária: a nova dimensão do processo civil
Há algum tempo atrás, em meu “Jurisdição, Ação e Processo à Luz da Processualística Moderna”, já teci algumas considerações acerca da sumarização como a grande tendência para o processo civil moderno. É, pois, hoje gritante a defasagem entre a percepção do tempo na lei processual civil e a realidade da dinâmica social.
A necessidade de tutelas de urgência, porém, não foi percebida se não muito recentemente, mais precisamente a parti do final do século XIX. À evidência que não se quer afirmar, com isso, que não existisse antes a sumarização em menor ou menor grau no processo, ou que não houvessem tutelas cuja feição pode ser associada às modernas formas de tutela sumária ou de urgência.
Mas uma estruturação dogmática consistente somente passou a ser urdida a partir dos estudos destinados ao processo cautelar, sobretudo por Calamandrei.
E a concepção de tutela sumária tipificada no processo cautelar tomou uma nítida função proteção processual, significa dizer, sem ser destinada a operar diretamente sobre o plano do direito material.
Destarte, na clássica construção do processo cautelar, adotada inclusive pelo nosso processo civil, o processo cautelar destina-se a proteger a eficácia de um outro processo de conhecimento, ou seja, a tutela opera “oficialmente” no plano processual, não material, destinando-se a salvaguardar a eficácia uma decisão em vista de pretensão judicial.
Por este fato, operou-se a produção de uma grande lacuna na tutela jurisdicional, pois em certos casos somente com uma decisão, obtida ainda por cognição sumária, quer seja no sentido vertical, quer no sentido horizontal, que opera igualmente no plano do direito material, se lograria conceder uma tutela útil à parte.
Escusado referir que uma tal concepção rompe com uma tradição sedimentada de há muito no processo de origem romano-germânica, ou romano canônica, onde a cognição plenária e o dogma da certeza suplantaram os poderes interditais, e encontraram largo esteio para vicejar, fulcrados na aplicação de métodos estanques que sempre imperaram na forma como o direito é entendido e produzido.
De qualquer forma, em diversos ordenamentos criaram-se mecanismos que, de uma forma ou outra, operam no campo do direito material, e rompem com o dogma da certeza jurídica.
Estes mecanismos atentam para uma nova compreensão do tempo no processo, como um elemento que também deve ser considerado, e atualmente com primazia, no jogo do equilíbrio de forças entre as partes.
O tempo de duração do processo é, como já apontou prestigiosa doutrina, fonte de prejuízo, e interfere, sem dúvida, na funcionalidade da tutela jurisdicional como mecanismo de regulação social, principalmente no que se refere sua aceitação e institucionalização pela sociedade como tal.
A estrutura do processo civil ocidental de origem continental não se produziu com vistas a ensejar mecanismos céleres de tutela jurisdicional. O acréscimo de uma nova série de direitos fundamentais, de segunda, terceira e quarta geração, hoje alçados ao foro constitucional, sendo a efetividade da tutela jurisdicional um deles (artigo 5º, inc. XXXV, da CF/88), só agrava esta defasagem.
Os direitos previdenciários, os direitos sociais e a tutela das liberdade públicas contra a ação do Estado compreendem a maior parte das lides atualmente decididas em nossos tribunais.
A proeminência destes direitos muitas vezes tem por corolário a urgência, e o seu reconhecimento inequívoco também não recomenda a demora na concessão de sua fruição.
Durante muito tempo, a função se contornar estas dificuldades foi exercida pela tutela cautelar, que, por construção jurisprudencial, acabou por desbordar sua verdadeira vocação para servir a funções de cunho nitidamente satisfativo.
Assim foram implantadas em nosso processo as cautelares inominadas satisfativas, até que se atingisse a antecipação de tutela.
Era, destarte, um tanto preocupante o resultado a que conduzia a admissão irrestrita da cautelar inominada satisfativa, pois permitia uma tutela jurisdicional que, na prática, operava no plano do direito material, e às vezes de forma irreversível, escudada, porém, nos pressupostos do processo cautelar, que, por ser a “segurança da segurança”, eram extremamente permissivos, baseando-se na mera verossimilhança das alegações, ou seja, na plausibilidade da pretensão diante dos fatos narrados e superficialmente comprovados.
É por isso que podemos dizer que o artigo 273 do CPC veio antes para regular excessos do que para criar algo novo, já que o largo emprego, por vezes indiscriminado, das cautelares inominadas satisfativas, fazia, por deturpação, as vezes da antecipação de tutela e com invocação de requisitos pródigos.
Mas sem dúvida que a antecipação de tutela, sob o ponto de vista dogmático, representou uma grande inovação, abrindo uma nova perspectiva para a tutela jurisdicional civil.
Seu emprego, porém, foi regulado pelo legislador com inserção de certas limitações, aspecto negativo dos seus pressupostos. De par com estas limitações codificadas, legislação extravagante posterior também lhe reduziu o espectro de aplicação em certos casos.
Por tratar-se a antecipação de tutela de um mecanismo de uso cada vez mais amplo, sem, porém, ter ainda a compreensão de boa parte dos operadores, urge produzir-se uma contínua discussão acerca da sua natureza, finalidade e limites, e é embuído deste sentimento que nos pomos a questionar aspectos das limitações à antecipação de tutela e à liminar cautelar e as Lei 8.437/92 e 9.494/97.
2- Parênteses: Por um direito material de cautela
Embora não diga diretamente com o tema em apreço, sinto-me autorizado, pela importância do tema, que chama por uma reflexão urgente, a “fazer um parênteses” para questionar o direito material de cautela.
A existência de um direito material de cautela, em contraponto à concepção, vigente em nosso processo de um direito processual de cautela, tem sido veemente negada pela esmagadora maioria da doutrina, salvo raras exceções, como é o caso de Ovídio Baptista da Silva.
Segundo a doutrina predominante, inexiste um direito material de cautela, estando esta espécie de tutela ligada necessariamente à eficácia da tutela jurisdicional de outro processo. Parte-se, nesta perspectiva, de uma dicotomia entre “execução para a segurança” e “segurança para a execução”, já tornada célebre.
De fato, de lege lata, é inquestionável a vocação do processo cautelar a operar somente no campo do direito processual, gerando-se efeitos indiretos no campo do direito material, por via reflexa.
Determinado provimento é tomado com vistas à condição processual de uma determinada pretensão. Seus reflexos concretos, porém, poderão ter repercussão no campo do direito material, mas tal ocorre como conseqüência lógica, não porque tais reflexos sejam consectários jurídicos do provimento em questão, pois sequer são levados em conta quando de sua prolação.
Este quadro de estruturação dogmática, pode, contudo, conduzir a situações paradoxais, onde evidencia-se a sua fragilidade e torna-se clara a necessidade de restruturação das tutelas de urgência a partir da consideração da antecipação de tutela e de sua compatibilização com o processo cautelar.
Com efeito, a partir do ponto em que o legislador concebe a antecipação de tutela submetida a princípios mais rígidos e pressupostos mais estreitos, e a ela destina o espectro de situações antes abrangidas anomalamente pelo processo cautelar, tem-se que está suprimida a utilização anômala da cautelar inominada satisfativa, pois se concebemos a coexistência de dois institutos destinados a mesma finalidade, sendo que um apresenta maior dificuldade de manejo que o outro, é certo que o primeiro irá desaparecer, tornar-se excrescência legislativa.
Quem podendo com mera verossimilhança obter uma liminar irá ocupar-se em produzir prova inequívoca?
Esta a conclusão a que cheguei em meu “Cautelares Satisfativas”. Pois bem, e como ficam as situações que não podem ser abarcadas pela antecipação de tutela e que não poderão estar calçadas pelo processo cautelar por implicarem providências que atuam no campo do direito material?
Estas situações existem. Requer-se uma providencia que não é objeto da ação de conhecimento que dimanará da situação fática considerada, e, portanto, não pode ser pleiteada através de tutela antecipatória, pois somente se antecipam pedidos do processo de conhecimento. Por outro lado, tal providência tem reflexos no direito material. Se abrirmos uma brecha para utilização da cautelar inominada satisfativa, surgirá a questão de estabelecer-se quando uma situação implicará antecipação de tutela ou não.
Ora, a operacionalidade do sistema tem por conseqüência necessária uma incompatibilidade invencível entre cautela e antecipação, sob pena de uma sucumbir.
O exemplo veio-me de um caso concreto em que determinada comunidade do interior do buscou providências para a aplicação de uma rede elétrica a fim de instalar uma bomba d´água de maior potência, o que era negado pela concessionária, que somente o faria se fossem pagos os custos adicionais, pois achava-se desobrigada.
Claro que, a priori, tal situação ensejaria uma ação judicial, baseada no direito consumerista, mais especificamente o artigo 22 do CDC, permitindo-se a antecipação de tutela para determinar a imediata instalação da rede. Mas suponhamos que isso fosse implicar em ofensa ao contrato de concessão, criando encargo insuportável para a concessionária o quebrando o equilíbrio do contrato, de modo que a concessionária não pudesse ser compelida à providência, ou enfim, ocorre-se qualquer fato obstativo da propositura de uma ação onde a instalação da rede pudesse ser pedida. Ou, ainda, tenhamos por base que o serviço fosse, consoante parâmetro legal pertinente, considerado adequado e que não restasse outra alternativa que não esperar que o poder público negociasse uma alteração do contrato de concessão.
Ora, neste caso, não seria possível conceber-se uma ação onde pudesse ser antecipada a tutela, tampouco se pode falar em cautelar, ao menos não na sua visão ortodoxa, de proteção de eficácia processual, pois não há ação cuja eficácia se pretenda salvaguardar.
Para esta espécie de problema somente uma concepção de um processo cautelar puro, significa dizer, de um direito material de cautela, poderia fornecer uma tutela adequada.
Pelo que se nota, de lege ferenda, seria de todo conveniente uma reformulação no processo cautelar, que fosse atingir mesmo as suas bases, reformulando-se suas feições e funções como um processo cuja tutela vise proteger não somente a eficácia de uma outra demanda, mas sim de um processo apto a proteção de direitos em si.
Nas hipóteses acima aventadas, uma tutela desta natureza seria apta a proteger o direito a um serviço adequado à situação, independentemente de formulação de qualquer outra ação.
É por isso que razão assiste a Ovídio Baptista da Silva ao apregoar um direito material de cautela.
3- Mais um parênteses: o fundamento esquecido da antecipação de tutela
Diante do paradigma vigente, é certo que a antecipação de tutela significou uma inovação, e de pronto buscou-se no processo cautelar subsídios nos quais se fundar parâmetros para o novo instituto.
Mas a antecipação de tutela não tem o mesmo fundamento da cautelaridade. É preciso, pois, pensar-se em sumarização e satisfatividade, o que há, grosso modo, é uma queima de etapas, que pode, ou não, ter a sua base a urgência.
Destarte, o inciso II do artigo 273 do CPC condensa uma fórmula que nada tem com urgência. Este aspecto tem notadamente sido esquecido pelos aplicadores e intérpretes do direito, que olham para a antecipação de tutela embebidos pela visão do processo cautelar.
Nos casos do inciso segundo, cuida-se de aferir a plausibilidade das defesas provavelmente oponíveis à pretensão, considerando que não é justo que a parte autora espere até o fim da realização de uma cognição exauriente e plenária para ver um direto reconhecido quando, prima facie, verifica-se que este será o desfecho da demanda.
Note-se: não se há aferir a urgência ou não. Invocam-se dados objetivos referentes à espécie de pretensão manejada e às prováveis defesas que lhe serão opostas.
Mas quando há um propósito protelatório ou abuso do direito de defesa referidos pelo dispositivo?
Uma primeira hipótese, se nos parece ocorrer de forma clara nos casos enquadrados na litigância de má-fé, elencados no artigo 17 do CPC. Assim sendo, se o réu maneja como defesa, por exemplo, fatos inverídicos, ou invoca leis absolutamente impertinentes, sem dúvida que está abusando do direito de defesa.
Uma segunda hipótese parece verter daqueles casos nos quais há efeito vinculante, como é o caso das ações diretas de constituticionalidade. Neste caso, manejada defesa afirmando uma inconstitucinalidade já repelida em ADC, se haverá de reconhecer abuso do direito de defesa ou intuito de protelação. O Mesmo vale para o inverso, ou seja, afirmação de uma inconstitucionalidade já assentada em ADIN, conforme a recente feição dúplice do controle de constitucionalidade concentrado.
Uma terceira probabilidade de abuso do direito de defesa ou busca notória de protelação ocorre quando a defesa a ser manejada, ou já exercida, contraria entendimento jurisprudencial já consolidado.
Surge, porém, a pergunta: que se há de entender por entendimento já consolidado? E consolidado onde?
A prior,i devemos entender por entendimento jurisprudencial consolidado aquele já encartado em verbete sumular. Não somente este, porém, mas também aquele notoriamente assentado e cuja discussão já se apresenta infundada.
E consolidado onde? Aqui o problema se complica, mas dentro de um critério de hierarquia e busca de uniformização da jurisprudência, devemos priorizar o entendimento dos tribunais superiores, e na ausência deste entendimento, volta-se ao do tribunal estadual ou regional federal pertinente.
Neste enquadramento, todas as ações de preponderante feição jurídica, onde os fatos tomam menor importância, e nas quais houvesse entendimento firmado na superior instância, a fruição do direito poderia ser garantida desde o início do processo.
Mecanismo para isso já existe, mas lamentavelmente a mentalidade dos operadores jurídicos invariavelmente olvida este fundamento da antecipação de tutela,que prescinde da urgência, e que acaba sendo obscurecido pelas noções hauridas do processo cautelar.
4- As limitações codificadas à antecipação de tutela
As primeiras limitações à antecipação de tutela dizem com seus pressupostos positivos, que, por sua vez, nada mais são do que seus requisitos legais.
Um primeiro requisito diz com o pedido da parte, imprescindível, e aí surge uma diferença da antecipação com a cautela, que pode, em certos casos, ter origem em iniciativa do próprio juiz.[1]
Observa-se também que a antecipação direciona-se a um pedido constante da inicial. Deste fato surge toda a problemática referida no tópico anterior, do direito material de cautela, pois em certos casos a providência necessária à preservação do direito, não obstante sua natureza satisfativa, quiçá com caráter irreversível, não pode ser “pedido” do processo em questão.
Há de haver, diz o caput do artigo 273 do CPC, prova inequívoca. Provam-se ordinariamente fatos, e excepcionalmente o direito[2]. Há uma contradição na locução empregada pela lei, pois inexiste prova inequívoca, ao menos não se pode falar em uma prova dotada desta característica em termos absolutos, antes do contraditório.
Aquilo que é inequívoco é o que está indene de dúvidas, e sem o contraditório não se pode falar em tal característica. Veja-se, um documento, espécie típica de instrumento que gera a “prova inequívoca”, pode ser falso, por exemplo.
Então como preencher a locução “prova inequívoca”. Deve se entender por preenchido este requisito quando a prova juntada permite, prima facie, antever significativa possibilidade de existência do fato probando.
Tal só ocorre, via de regra, com fatos que se presumem existentes, que dispensam prova, ou que se encontram provados por via documental, ou por prévia justificação judicial.
Note-se que a prova “inequívoca” é requerida em relação aos fatos que estão à base da pretensão. Não se tem que provar ter direito a algo. Provam-se fatos sobre os quais há de incidir o direito. Normalmente as petições trazem tentativas de provar se ter, de forma inequívoca, direito ao bem da vida, quando basta a prova dos fatos. A incidência do direito pode e deve ser referida nos argumentos, porém não é o objeto da prova inequívoca a que refere o artigo.
Se busco a prestação, v.g, de um medicamento perante o Estado, tenho de provar a existência da moléstia e a necessidade da medicação. É o quanto basta. A existência ou não de respaldo legal não se inclui entre aquilo que tenho de provar, ainda que deva ser argumentada.
Tanto assim é que o magistrado deve se convencer da verossimilhança da alegação, ou seja, o fato clama prova inequívoca, mas a alegação, ou seja, a invocação do fato-direito (operação de subsunção) é acolhida com mera verossimilhança.
Os três requisitos acima são pertinentes às duas modalidades previstas nos incisos I e II do Artigo 273 do CPC. Neste inciso surge a dicotomia já referida no tópico anterior: a prescindência da urgência. O inciso primeiro trata de dano irreparável ou de difícil reparação.
Urge considerar aqui que o periculum in mora normalmente associado a este inciso não é a imediatidade. Quando falamos em dano irreparável ou de difícil reparação, estamos falando em um evento que deverá ocorrer durante a tramitação do processo, não necessariamente logo ao seu início.
Hoje isso significa um prazo de dois ou três anos no primeiro grau de jurisdição. Logo, desde que o dano venha a ocorrer dentro deste prazo estimado, poderá e (deverá se preenchidos os demais requisitos), ser concedida a antecipação, que não necessariamente deve sempre ser concedida ou negada já no despacho inicial.
A imediatidade do despacho inicial se destina por óbvio aquelas situações onde realmente periculum in mora se confunde com urgência. Mas note-se, quando falamos em periculum in mora qualificado para a antecipação, temos diante de nós o tempo provável de duração do processo, pois a antecipação refere-se a tutela que será prestada ao fim deste processo.
No mais, quanto a qualificar o que seja dano de difícil reparação, é certo que fica sempre alguma discricionariedade ao julgador, o que não acontece (ao menos é mais difícil), com o a irreparabilidade[3].
Refere o parágrafo segundo do mesmo artigo 273 que a antecipação de tutela é incompatível com a irreversibilidade dos efeitos. Aqui surge tormentoso problema, pois a aplicação direta deste dispositivo sem dúvida pode ser fonte de inúmeras iniqüidades.
Tal se dará, em especial, no choque de valores e direitos constitucionais. De fato, a antecipação de tutela pode, por exemplo, conceder a fruição de um direito de natureza alimentar a um hipossuficiente,. Ora, é cedido que as verbas alimentares ostentam irrepetibilidade, ou seja, há irreversibilidade dos efeitos. Mas pergunta-se, é justo que se comprometa a eficácia de direitos fundamentais para preservação da integridade da eficácia do dispositivo?
Parece que na hipótese é inafastável a invocação do princípio da proporcionalidade como vetor que fornece a resposta diante da perspectiva de uma “ordem jurídica justa”.
Mas note-se, a invocação do princípio da proporcionalidade implica que se contraponham direitos de envergadura díspar. Podemos invocar como paradigmas os direitos fundamentais, elencados no artigo 5º da CF/88 (mas não somente ali), de modo que a aplicação da vedação de antecipação de efeitos irreversíveis não é absoluta quando em voga direitos fundamentais, como a vida e a saúde, dentre outros[4].
5- Limitações codificadas às liminares cautelares
A liminar cautelar inaudita altera parte tem sido muito mal compreendida, o que se observa na prodigalidade com que tem sido postulada e acolhida em nossos juízos e pretórios.
De fato, uma leitura mais atenta do artigo 804 do CPC nos mostra que a liminar cautelar inaudita altera parte somente poderá ser deferida se o réu, citado, puder torná-la ineficaz. No entanto, a concessão da medida pleiteada sem a oitiva do réu tem sido a tônica, no mais das vezes.
Em verdade, a liminar cautelar é uma antecipação liminar da tutela cautelar pleiteada, ou, por outras palavras, é a antecipação de tutela do processo cautelar, e neste passo é preciso lembrar que o processo cautelar já é a tutela da aparência.
Devido a este fato, todo o cuidado dever ser tomado na análise de liminares cautelares, na medida em que representam uma cognição sumária em proteção da aparência, já que o processo cautelar nada mais versa do que uma alegação verossímil, que não requer prova plena.
Assim sendo, temos que a concessão da liminar cautelar está escudada na premência da medida pelo fato de que se for aguardado o pronunciamento final do processo cautelar, haverá dano irreparável ou de difícil reparação à eficácia de um processo de conhecimento, sendo importante lembrar que a praxe em nosso judiciário é a de apensar o processo cautelar ao principal e sentencia-los de forma conjunta, de modo que quando falamos em premência, estamos nos referindo, na verdade, ao tempo de tramitação de um processo ordinário cuja eficácia se visa proteger pelo processo cautelar.
Se dentro deste prazo pude ocorrer dano irreparável ou de difícil reparação (periculun in mora), então há espaço para a concessão da liminar, se presente verossimilhança na alegação. Mas que alegação? Alegação do direito e dos fatos que afirmam a presença do perigo de comprometimento da eficácia do provimento final ou somente destes últimos?
A questão é pertinente, pois se a liminar cautelar é proteção liminar da aparência, poderia se alvitrar, perfeitamente, que bastaria comprovar os fatos que atestam o perigo na demora da decisão, sendo a questão atinente ao direito efetivo destinada ao mérito do processo. Considerada esta hipótese, teríamos que se poderiam comprovar fatos que atestam perigo na demora da resolução da demanda, significa dizer, possibilidade de dano irreparável ou de difícil reparação, então poderia ser concedida a liminar, ainda que evidentemente não tivesse direito o autor (comumente chamado de requerente no processo cautelar)[5].
Esta não se nos parece e melhor exegese. Se evidentemente não terá direito o autor (requerente) a ser reconhecido ao término do processo, seja o cautelar, seja o principal, não parece justo que se lhe conceda o gozo deste direito em sede liminar.
Assim sendo, somente se deve conceder por liminar cautelar a fruição de um direito que plausivelmente poderá obter o autor ao fim do processo, seja ele o cautelar, seja o principal, sendo de gizar que se todas as eficácias concretas que podem ser objeto do processo principal devem hoje ser pleiteadas via antecipação de tutela, direto no processo de conhecimento.
Conclui-se, por conseguinte, que o postulante da liminar cautelar deve ter a seu lado verossimilhança do direito e quanto aos fatos que atestam a possibilidade de dano se for se aguardar o provimento final,e não só um destes aspectos.
6- As Leis nº 8.437/92 e 9.494/97.
As referidas leis originaram-se de conversão de medidas provisórias. A primeira delas refere-se ao processo cautelar. A segunda à antecipação de tutela.
A aprovação desta conversão causou certa polêmica, pois, a rigor, elas, cada uma a seu tempo e no seu espectro de atuação, trouxe sérias limitações para as grandes conquistas obtidas com a sumarização no processo civil exatamente nas ações voltadas contra o Estado, cujo número ocupa expressiva parcela do trabalho jurisdicional[6].
A Lei nº 8.437/92 iniciou por ampliar para as “ações cautelares ou quaisquer outras ações de natureza cautelar ou preventiva” todas as restrições existentes para o mandado de segurança.
Estas limitações principiam pelo artigo 1º da Lei nº 2.770/56, que impede a concessão de liminares que visem a liberação de mercadorias provindas do estrangeiro, quer seja de forma direta, quer seja indireta.
Da mesma forma, o artigo 5º da Lei nº 4.348/64 impede a concessão de liminares que visem à “reclassificação ou equiparação de servidores públicos, assim como à concessão de aumento ou extensão de vantagens”.
Por óbvio que estas medidas voltavam-se contra as cautelares inominadas de cunho satisfativo, visto que inexistia a antecipação de tutela, e que vinham grassando largo emprego contra a Fazenda em ações de cunho previdenciário e tributário, que constituem a grande massa das ações envolvendo direito público, ao lado das discussões referentes aos famigerados planos econômicos que se seguiram desde meados dos anos oitenta.
Com o advento da reforma processual, foi introduzido o novo artigo 273 do CPC, contemplando a antecipação de tutela, pelo que, de conversão de medida provisória, adveio a Lei nº 9.494/97, para fazer-lhe frente quando a Fazenda estivesse no pólo passivo da demanda.
De início a nova lei, que volta-se especialmente a vedar a satisfatividade que venha a exaurir a demanda, suscitou vivos debates quanto a sua constitucionalidade, pois a rigor, em muitos casos, a antecipação de tutela está intimamente relacionada com a eficácia mesma da tutela jurisdicional, ou sejam temos diante de nós situações nas quais ou a antecipação é concedida ou a utilidade do provimento final restará reduzida ou mesmo inteiramente comprometida.
O artigo 5º, inc. XXXV, da CF/88 contempla o princípio da efetividade da tutela jurisdicional. Não só nenhuma lesão ou ameaça da lesão está indene ao controle juriscicional, como, ainda, a tutela resultante deste controle deverá ser efetiva, não somente sob o prisma hipotético, mas também sob a ótica de resultados concretos no mundo empírico.
Em voga, portanto, valores constitucionais: de um lado a legalidade, de outro, a efetividade da tutela jurisdicional. Surgiu, portanto, o questionamento da constitucionalidade da Lei nº 9.494/97, não se podendo olvidar da envergadura dos direitos fundamentais, dentre os quais figura o direito a uma tutela jurisdicional efetiva.
A questão foi dirimida pelo julgamento da Ação Direta de Constitucionalidade nº 04, tendo ficado assentada a constitucionalidade da referida lei.
Tal julgamento, contudo, não responde de forma satisfatória o questionamento formulado a partir do embate, acima suscitado, entre princípios-direitos constitucionais, pois ainda continuam havendo casos em que estão em discussão direitos fundamentais e há imperiosa necessidade de antecipação de tutela, figurando a Fazenda no pólo passivo.
É por isso que podemos afirmar, na esteira das conclusões da jurisprudência majoritária, que os referidos diplomas legais devem ter aplicação parcimoniosa, que não descure da realidade, ou seja, fica afastada uma aplicação rígida das limitações à antecipação de tutela e às liminares cautelares que conduza ao comprometimento de direitos fundamentais.
Solução semelhante, aliás, já deveria ser aplicada aos casos em que pudesse haver irreversibilidade dos efeitos quando da antecipação de tutela, que seria, na hipótese, vedada a teor do parágrafo 2º do artigo 273 do CPC.
É que quando estamos diante de direitos fundamentais, a discussão transcende à dimensão da legalidade formal, sem que, por outro lado, possamos dar azo ao subjetivismo.
A dimensão da legalidade estrita, de seu turno, considerada como apego inarredável à letra da lei, esbarra na realidade conhecida de erros e incongruências vistas nos diplomas legais, que nem sempre, ou quase nunca, conseguem apanhar todos os seus desdobramentos.
Desta forma, podemos concluir que a questão da aplicação e alcance das limitações as tutelas de urgência decorrentes dos diplomas em testilha ainda se encontra aberta. Conforme a postura ideológica do julgador, cuja presença é inafastável, e em vista de sua carga cultural, terá propensão para uma visão mais legalista, ou mais atenta a aplicação do princípio da proporcionalidade.
De minha parte, não vejo outra alternativa viável que não considerar uma hierarquia de direitos e permitir a antecipação de tutela em alguns casos, não obstante a vedação expressa da lei, pois nem sempre a lei corresponde ao bom senso que é a essência do Direito.
7- Conclusões
A antecipação de tutela e as liminares cautelares representaram a seu tempo grandes vetores de celerização da prestação de tutela jurisdicional, ainda que por vezes as liminares cautelares tenham sido utilizadas de forma anômala.
É imperativo que possamos obter o máximo de eficácia destes institutos, pois o tempo não pode ser olvidado como um importante componente na institucionalização, pela sociedade, do processo como mecanismo oficial de distribuição de justiça.
Quando o processo se torna um calvário, uma disputa cujo vencedor de antemão é conhecido (sempre aquele mais aparelhado para suportar o tempo), o crédito que ele recebe da população é cada vez menor. Mais direitos subjetivos violados ficarão sem reparação e cresceram as desigualdades sociais.
É por isso que limitações às tutelas de “urgência”, devem ser cautelosamente aplicadas. Corremos o risco de aplicando ipsis verbis a letra da lei, cometermos graves injustiças.
Não podemos esquecer estas limitações tem uma função proeminentemente reguladora.
Por outro lado, é emblemático que as limitações constantes de legislações extravagantes tenham sido criadas exatamente para proteger o maior de todos os devedores: o Estado.
Nesta ordem de idéias, urge proceder-se a uma profunda reflexão do papel destes institutos no processo civil, não sob vistos sob o prisma estritamente funcional, perspectiva também necessária, pois a antecipação de tutela e as liminares cautelares, como de resto a própria tutela cautelar, não recebem, em regra, a merecida atenção dos operadores jurídicos.
Há que se acrescentar, também, uma perspectiva que tome em conta estes institutos como alicerces de importantes mudanças no processo civil, por séculos submetido ao império da ordinariedade dos ritos. As antigas fórmulas não mais se adaptam à sociedade moderna e aos princípios de solidarismo, cuja marca pretendemos lhe imprimir.
O convite a esta reflexão é que fica.
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