A
partir da zero hora deste próximo domingo (13.01.02) mais de cem delitos
deixarão de admitir a prisão em flagrante porque passam a constituir infrações
de menor potencial ofensivo. Nesta data entra em vigor a Lei 10.259/01, que
criou os juizados criminais federais e ampliou o limite das infrações de menor
gravidade para dois anos. Esse novo patamar, por força do princípio da
igualdade e da proporcionalidade e ainda conforme fundamentado detalhadamente
no nosso site www.estudoscriminais.com.br estende-se aos juizados
estaduais e do distrito federal, que até agora somente cuidavam de infrações
punidas com pena até um ano de prisão.
Em
razão dessa importante mudança legal, crimes como porte ilícito de drogas para
uso próprio, porte ilegal de arma de fogo, desacato, assédio sexual, lesão
corporal no trânsito etc. (cf. Veja de 09.01.02, p. 24) não mais permitirão a
prisão em flagrante e tampouco a autoridade policial
poderá instaurar inquérito policial. Em conseqüência da lei nova, o que
se lavra é apenas um termo circunstanciado, que nada mais é que um boletim de
ocorrência minuciosamente elaborado. A competência para julgar esses crimes,
que era da Justiça comum, está passando para os juizados criminais.
No
caso de alguém ser surpreendido praticando um delito (por exemplo: posse de
drogas para uso próprio, porte ilegal de arma de fogo etc.), será devidamente
capturado e levado à repartição policial, para as providências legais cabíveis,
porém, já não irá para o cárcere, ao contrário, deve ser liberado tão logo
termine a lavratura do citado termo circunstanciado. Se a autoridade policial
contar com autorização dos juizados, nada impede que já faça a intimação
de todos os presentes para a data da audiência em juízo.
Embora
liberado, isso não significa que o autor do fato não tenha que sofrer nenhuma
conseqüência jurídica. Chegando o termo circunstanciado nos juizados criminais,
o juiz marca audiência preliminar de conciliação, que tem dupla finalidade:
tentar acordo sobre eventual indenização em favor da vítima do delito (no caso
de lesão corporal no trânsito, por exemplo) e proceder à transação penal, que
culmina com a aplicação de uma pena alternativa (prestação de serviços à
comunidade, pagamento de cestas básicas, pagamento de multa etc.).
O
apontado autor do fato não é obrigado a fazer nenhum desses acordos (civil ou
penal), que dependem de sua anuência. Caso não admita nenhuma culpa, isto é, se
ele se julga inocente, não aceitará nenhum tipo de conciliação e então o
Promotor, se entender o caso, poderá dar início a um processo criminal,
apresentando, na audiência, denúncia oral. O autor do fato terá direito de
apresentar defesa, o procedimento será o sumaríssimo (todos os atos processuais
são concentrados) e no final o juiz decidirá (pode condenar ou absolver).
Os
juizados criminais surgiram no Brasil no ano de 1995, por força da Lei
9.099/95. Com a nova lei (Lei 10.259/01) sua competência está sendo ampliada.
Não se trata de um acréscimo insignificante, mesmo porque esta última lei não
ressalvou os casos de procedimentos especiais. Conclusão: crimes até dois anos,
com ou sem procedimento especial, passam a admitir a transação penal, se
presentes todos os seus requisitos legais.
O
modelo de Justiça que se pratica nos juizados criminais é muito mais célere que
o tradicional e, ademais, respeita os direitos das vítimas do delito, que, em
geral, quando há acordo, recebem indenização na própria audiência preliminar.
Os juizados criminais, de outro lado, são tidos como a salvação da Justiça
criminal brasileira porque desafogaram os juízos e tribunais. Em conseqüência
disso diminuíram muito os casos de prescrição e liberaram a Justiça tradicional
para cuidar com mais eficiência dos crimes graves, que realmente perturbam o
convívio social.
Outra
virtude que assinalam aos juizados consiste na não aplicação da pena de prisão.
Aliás, nasceram justamente para se evitar o encarceramento de infratores que
praticaram (ou venham a praticar) crimes de menor gravidade. Com as novas Varas
Especializadas ou Centrais de Apoio às penas alternativas melhorou
consideravelmente o problema da fiscalização e execução dessas penas, que está
se tornando cada vez mais certa.
Como
se vê, a ampliação da competência dos juizados criminais é muito positiva, mas
é preciso recordar que esse novo modelo de Justiça, chamado “consensual”,
também conta com uma série de garantias que devem ser rigorosamente respeitadas
(garantia de assistência jurídica, constatação de que o fato é efetivamente
criminoso etc.), sob pena de sua total desmoralização e deslegitimação.
Por
outro lado, é de se esperar que cada Estado cuide do aprimoramento das (ainda
precárias) estruturas dos juizados criminais para que, com o novo volume de
casos, não venham a perder a sua celeridade, informalidade e rapidez na solução
dos litígios. E que o Estado de São Paulo, o único na Federação que ainda
absurdamente não conta com tais juizados, não só aproveite a ocasião para institui-los como também incorpore tudo que há de positivo
em outras experiências no país. Para ver a lista completa de todas as infrações
penais punidas com penas até dois cf. www.estudoscriminais.com.br.
Doutor em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madri
Mestre em Direito Penal pela USP
co-editor do site www.ibccrim.com.br e
Diretor-Presidente do Centro de Estudos Criminais (www.estudoscriminais.com.br).
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