Medicamentos e o dever do Estado de tutelar a saúde e vida

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Resumo: A dignidade da pessoa humana é finalmente reconhecida como um princípio superior neste início de século. Mais ainda, este princípio é ressaltado pela doutrina e jurisprudência como norma primeira sobre qual deve ser feita interpretação teleológica de todo o nosso ordenamento jurídico. A saúde, aspecto fundamental da seguridade social, é meio imperativo para a efetivação de uma vida digna. Por isso, o Estado, que tem obrigação constitucional de prezar pela saúde de seu povo, vê-se diante de um desafio que lhe remonta a um passado distante: a implantação de uma política pública de saúde eficiente. Um dos principais meios de se garantir a saúde é possibilitar o acesso a todos aos meios terapêuticos necessários a cura e prevenção das patologias. O presente trabalho analisará esta forma de se viabilizar a saúde: o fornecimento de medicamentos pela União, que conjuntamente com outras medidas tornam possível o bem-estar da pessoa.


Palavras-chave: saúde, justiça, direito, Estado do Bem Estar Social, medicamentos.

Abstract: The human rights are finally recognized as main principles at the beginning of the current century. Moreover, those rights and principles are recognized by scientists and law courts as a master principle, in which lays the whole juridical ordainment. Thus, the Welfare State is raising and consolidating its concepts. Health is central issue of the social security. Indeed, it is a way to guarantee a healthy lifestyle and the common good. Therefore, the State shall take care of its population health, not only because it is a moral duty, but it is a constitutional command. The most common methods of effective health care is make possible accessing all resources necessaries to prevent and heal pathologies, such as doctors appointments, exams, and medicine supply sponsored by the government. The paper will analyze that last method: medicine supply sponsored by the Brazilian federal government.


Keywords: health, justice, right, Welfare State, medicine.


Sumário: 1. Introdução. 2. Conceito e acepções de saúde. 3. A saúde como direito fundamental. 4. Da competência administrativa dos entes políticos federativos no desenvolvimento política de saúde nacional. 4.1. A saúde e o orçamento público. 4.2. O SUS. 5. O Poder Judiciário e a saúde. 5.1. Do mérito administrativo na consecução das políticas que tenham por fim saúde pública e a reserva do possível. 5.1.1. O STF e a STA 105/AL – Alagoas. 5.2. Aspectos processuais da lide que tenha por objeto fornecimento de remédios. 6. O legislativo e a saúde. 7. Considerações finais. Referências bibliográficas. Apêndice.


1. INTRODUÇÃO


O homem é um ser social e político. A necessidade de se relacionar e interagir, demonstrou que viver em grupo é mais que um mero capricho ou invenção sem utilidade; é uma necessidade imposta pela nossa genética e pelo impulso de sobrevivência. Assim, logo nasceram os primeiros grupos e tribos, que evoluíram para uma estrutura mais complexa: a sociedade. Esta fez com que houvesse a necessidade de regras. A normatização foi ferramenta imperiosa na construção e manutenção da sociedade. O direito veio para regular fatos da vida e permitir a convivência em uma estrutura na qual se precisa respeitar o espaço alheio e renunciar a bens e pretensões que, a priori, pertenceriam ao patrimônio da pessoa. Toda essa gênese do direito e as discussões sobre o seu nascimento é bem conhecida dos operadores de direito e dos acadêmicos, desde os primeiros contatos com a ciência jurídica.


Sabe-se que os fatos que o direito passaria a regular com a estruturação de uma sociedade seriam aqueles ligados a fatos adversos e infortúnios que poderiam surpreender o homem durante a sua vida. Não é de hoje que o ser humano se preocupa com o futuro.


Sendo racional, e assim tendo a capacidade de se diferenciar de outros seres pelo intelecto, o homem se viu impelido a projetar o futuro e com isso prever malsinados fatos que poderiam ocorrer consigo mesmo e com terceiros. Fatos que viessem a ter sérias conseqüências para família, célula da sociedade, para bens da vida, e coisas de valor jurídico, econômico e sentimental dentre outros. Daí nasceria o direito securitário. O seguro é, em suma síntese, negócio jurídico que pretende anular ou mitigar riscos de um outro negócio ou de determinada atividade.


A sociedade moderna, por sua vez, demandava, quando do seu início, um seguro para as pessoas que abrangessem o tecido social do país como um todo. Com isso, valoriza-se não somente o elemento povo do Estado, mas também se põem em voga direitos fundamentais dos indivíduos que viriam a ser destacados em Constituições da era do Iluminismo, quando a política do Estado Liberal resultava, predominantemente, de uma imposição da burguesia. Este modelo de Estado Liberal mostrou-se equivocado. Depois de diversos marcos históricos e acontecimentos desabonadores do modelo, a maioria dos legisladores constituintes em todo o mundo passou a adotar, como opção política nas Constituições, normas que valorizassem o Bem-Estar social das pessoas. Fala-se, então, no Estado do Bem-Estar Social, característico por ser um Estado prestador. Aqui o seguro social teve grandes avanços e foi implementado com o fim de prover os seus cidadãos de condições materiais de viver uma vida digna, atingindo o devido grau de maturidade dos seus institutos de forma mais completa nos ordenamentos jurídicos positivos contemporâneos. Este seguro, ou seguridade social, como é mais conhecido, funda-se em três pilares segundo a Constituição da República: a previdência social, assistência social e saúde. Estes por sua vez são regulamentados infraconstitucionalmente pelas leis n° 8.213/91, 8.742/93 e 8.080/90 respectivamente.


A previdência social é, em suma, um seguro de natureza estatutária ou institucional e compulsório que objetiva cobrir riscos sociais, sendo característica marcante e diferenciadora da saúde e assistência social, a necessidade de uma contribuição pecuniária prévia por parte do segurado. Este deverá preencher uma série de requisitos para vir a gozar de um benefício, como por exemplo, cumprir carências e observar requisitos de lei, no caso a Lei  federal n° 8.213/91, que dispõe sobre os planos de benefícios da previdência social e dá outras providências.


A assistência social é prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição. Ela tem por objetivo a proteção à família, maternidade, infância, adolescência e velhice. Objetiva, ainda, amparar crianças e adolescentes carentes, promoção da integração do mercado de trabalho, a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária e a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família (art. 2° da Lei n° 8.742/93, que dispõe sobre a organização da Assistência Social).


Por fim, a saúde, que é a área da seguridade social em que se aprofundará em nosso trabalho. A saúde será prestada a qualquer pessoa, independentemente de contribuição, por toda rede pública. Trata-se de setor autônomo da seguridade social, com organização própria e diferenciada. Esta é garantida através de políticas públicas do Estado, que visará a redução das doenças e os seus agravos na população. O Sistema Único de Saúde – SUS –, regido pela Lei nº 8.080/90, que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências, foi criado com o objetivo de assegurar a universalização do acesso à saúde. O art. 196 da Constituição da República reza que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. O objeto do nosso trabalho é a análise desse artigo, e o cumprimento dele por parte do Poder Público, bem como a fiscalização do Judiciário e sua atuação na aplicação da lei e efetivação de direitos fundamentais. Delimita-se o tema mais ainda quando buscamos o papel da União no fornecimento de remédios e o da jurisdição federal.


Assim, nesta monografia, debateremos, a adequação da tutela jurisdicional na República Federativa Brasileira do bem-estar social, tendo a área da saúde como relevo precípuo.


Nesse contexto trataremos das práticas sociais, garantidas inclusive constitucionalmente, acerca do Direito à Saúde. Estudar as atividades jurídicas pertinentes ao tema, os limites do Judiciário nas políticas públicas do Poder Executivo, e os deveres da União para com os indivíduos no papel constitucional de fornecer saúde e remédios[1], garantindo a dignidade da pessoa. Ao final, apontamos sugestões e alternativas possíveis, no Brasil, para que agentes funcionais, encarregados de instrumentalizar as proteções, e a comunidade, trabalhem conjuntamente e de forma harmônica em prol do objetivo comum, e da eficiência das medidas voltadas para saúde pública prestadas por cada ente da federação.


Destaque-se que as razões do presente trabalho estão nas fontes materiais do direito. A justificativa é ligada aos fatos diuturnos das grandes cidades, nos anseios sociais e demandas da população relacionada à saúde. Este é um tema que não escapa a qualquer ser humano, que possivelmente será acometido de doenças durante a sua vida. Para que se erijam a patamares superiores os valores da vida e da dignidade da pessoa humana, é necessária uma boa saúde antes de tudo. Esta sem dúvida envolve diversas acepções. Esse conceito será tratado no primeiro tópico do estudo.


Em um segundo ponto, passa-se a uma abordagem do conceito de saúde e de seus aspectos. Discute-se de forma sucinta um conceito de saúde, que é eminentemente metajurídico.


No terceiro ponto, far-se-á referência do direito a saúde como direito fundamental. O direito a saúde é consagrado topologicamente fora do art. 5º da Constituição Federal, mas nem por isso pode ser considerado como um direito “não-fundamental”. A própria Constituição ressalva que os direitos fundamentais não se exaurem nos longos e extensos incisos do artigo quinto, podendo inclusive serem incorporados tratados de direitos humanos ao nosso ordenamento com status direito fundamental, em função do advento da Emenda  Constitucional n° 45/2004.


No quarto tópico do estudo, examinaremos a estrutura administrativa do sistema de saúde do Brasil. A repartição de competências e as responsabilidades serão expostas de forma a propiciar uma análise do objeto central da monografia trazida no quinto ponto. Aspectos técnicos relevantes, a descentralização e regionalização e a forma de implementar políticas públicas de saúde são relevantes. Elas são relevantes por si só, bem como para a compreensão de demandas judiciais de saúde, bem como a solidariedade do Poder Público em todas as esferas. Não é esquecida também a relação da saúde com o orçamento público, e seus constantes conflitos que são analisados no item seguinte.


No quinto ponto analisaremos o objeto central da monografia: as lides processuais que envolvam o direito a saúde. Principais obstáculos pragmáticos e jurídicos a uma efetiva tutela jurisdicional condizente com o direito material a ser defendido. Recente decisão do STF é trazida a lume, bem como seus efeitos no mundo jurídico. Apontaremos sugestões e tendências jurídica num novo ramo do direito que passa a ser reconhecido pelo seu valor e pelo ponto de vista antropocêntrico adotado nesse início de século na interpretação das leis.


Por fim, no item seis, conclusões do nosso estudo. Traremos os principais e mais relevantes aspectos do estudo bem como algumas sugestões a serem refletidas.


2. CONCEITO DE SAÚDE E SUAS ACEPÇÕES


A saúde é um estado de equilíbrio. Um equilíbrio físico, psíquico e espiritual do indivíduo que tem seu corpo e mente em perfeita homeostase.


A OMS[2] foi a primeira organização internacional de saúde a considerar-se responsável pela saúde mental, e não apenas pela saúde do corpo. Ela conceituou “saúde”. A definição adotada pela OMS é alvo de inúmeras críticas desde então, pois a Organização definiu a saúde como um estado de completo bem-estar faz com que a saúde seja algo ideal, inatingível, não podendo ser usada como meta pelos serviços de saúde. Por outro lado, a definição utópica de saúde é útil como um horizonte para os serviços de saúde por estimular a priorização das ações. A definição pouco restritiva dá liberdade necessária para ações em todos os níveis da organização social.


A doutrina especializada na seara já definiu a saúde como a simples ausência de doença; pretendia apresentar uma definição “naturalista”[3]. Em 1981, questionou-se que o bem-estar mental fosse parte do campo da saúde; assim a definição de saúde foi: “o bem-funcional de um organismo como um todo”, ou ainda “uma atividade do organismo vivo de acordo com suas excelências específicas.” Ainda definiu-se a saúde como um estado físico e mental em que é possível alcançar todas as metas vitais, dadas as circunstâncias. Enfim, conceitos de saúde são inúmeros, a maioria imperfeitos e meramente teóricos. Fato é que qualquer pessoa sabe diferenciar um estado doentio, da saúde. Isso em razão de experiências da vida e empíricas, e não por causa de conhecimentos teóricos.


A saúde é, portanto, vista como um recurso para a vida diária, não o objetivo dela; abranger os recursos sociais e pessoais, bem como as capacidades físicas, é um conceito positivo. Essa visão funcional da saúde interessa muito aos profissionais de saúde pública e de atenção primária à saúde, pois pode ser usada de forma a melhorar a eqüidade dos serviços de saúde, e aos operadores do direito que para garantirem a eficácia dos direitos fundamentais do homem tem de laborar não só ao lado das ciências jurídicas, mas da saúde.


Resta, então, claro o vínculo entre Estado e os administrados na promoção do bem-estar social e do indivíduo, bem como a interferência do Judiciário nas políticas públicas de saúde é o que se põe como o núcleo do estudo.


Conclui-se, então, que o conceito de saúde pode ser resumido no bem-estar físico, psíquico e mental do indivíduo. Os seus conceitos adotados pelos estudiosos e doutrina não podem ser empregados como parâmetros ou metas a serem usados pelos administradores públicos, pois na grande maioria as definições teóricas são utópicas.


3. A SAÚDE COMO DIREITO FUNDAMENTAL


Os direitos fundamentais são classificados pela doutrina constitucional em dois grandes grupos: os direitos fundamentais na condição de defesa (ou direitos fundamentais “negativos”) e os direitos fundamentais como direitos a prestações – de natureza fática e jurídica (ou direitos fundamentais “positivos”)[4].


Ao exigirem uma prestação por parte do Estado, os direitos fundamentais, por sua vez, dividem-se em direitos de proteção e direitos à participação na organização e procedimento – e os direitos a prestações em sentido estrito, ou direitos fundamentais sociais (direitos a prestações materiais sociais)[5].


A saúde pública está incluída dentro dos direitos fundamentais de ação ou prestação, exigindo assim ações dos poderes públicos, consistentes em uma atuação positiva e são direitos próprios do Estado Democrático e Social, fruto, em um segundo momento, dos ideais de igualdade.


No tocante ao direito à saúde, a norma constitucional determina que sua efetivação deverá ser realizada por meio de um serviço nacional de saúde, de acesso universal e gratuito, ou seja, em atenção ao princípio da igualdade. Senão vejamos:


“Art. 196, da CF: A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”


Observa-se, dessa forma, que, embora estejamos diante de normas consagradoras de direitos sociais, estas são, para a melhor doutrina[6], auto-aplicáveis, pois, sendo direitos fundamentais, devem observar o que preceitua o art. 5°, § 1° da CF. Assim, estas normas traçam princípios ou programas que deverão nortear a atuação dos poderes públicos a longo prazo, que podem ser implementadas de imediato pelo administrador e reclamadas ao Judiciário, que, usando sempre ponderação de interesses nos casos concretos, fará valer os princípios e normas aplicáveis ao caso.


Ante ao fato de os direitos fundamentais sociais exigirem prestações positivas do Estado, põe-se em relevo a sua dimensão econômica e a análise, não apenas da conveniência e oportunidade na adoção da medida que objetiva satisfazer o interesse público, mas, principalmente, da possibilidade, significando que a efetiva realização das prestações reclamadas não é possível sem que se desprenda algum recurso, dependendo, em última análise, da conjuntura econômica e financeira.


Daí concluir-se que, ao gerir os recursos destinados à saúde, o administrador deve considerar a situação do sistema de saúde como um todo, observando o princípio da conveniência e oportunidade na aplicação de atos administrativos discricionários, de modo a atender a todos os brasileiros, de todas as classes sociais, e não só os totalmente desamparados, ou seja, atendendo a toda a coletividade conforme a situação em que se encontrem, de maneira universal e igualitária.


Tem-se, então, que em relação à saúde, optou o Administrador brasileiro, com base na teoria alemã, por concretizar os direitos sociais, levando-se em conta “a reserva do financeiramente possível”, utilizando-se de escolhas que alcançassem a maior parte da população, ainda que, para tanto, algumas situações específicas tivessem de ser excluídas[7].


Destarte, a saúde é direito fundamental de segunda geração. É direito social que demanda uma intervenção estatal e uma conduta positiva do Poder Público, pois a Constituição determinada ser dever do Estado aquilo que corresponde a um direito fundamental do indivíduo, dotado de eficácia imediata[8]: a saúde.


4. DA COMPETÊNCIA ADMINISTRATIVA DOS ENTES POLÍTICOS FEDERATIVOS NO DESENVOLVIMENTO E CUSTEIO POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE[9]


A Constituição da República de 1988 prega a descentralização dos ônus dos entes da federação no que tange à distribuição da saúde no país. De fato, isso acontece não somente com o sistema de saúde, mas com a esfera tributária e administrativa dos Estados e Municípios. Em termos tributários, Estados e Municípios detêm autonomia para tributar e havendo, ainda, um incremento nos mecanismos de partilha de receita (as transferências intergovernamentais).


O marco da descentralização das verbas orçamentárias e principal conseqüência foi a municipalização da receita. Há um aumento na arrecadação dos Municípios e o fortalecimento do sistema de transferência de impostos. A arrecadação municipal direta foi fortemente incrementada apresentando um desempenho digno satisfativo nos últimos anos, passando de R$ 6.227 bilhões, em 1988, para R$18.438 bilhões, em 2000.[10]


No entanto, o supracitado movimento descentralizador foi mitigado. A União voltou a ter o poder de um membro estatal característico dos Estados Unitários, pois o governo federal adotou medidas nas últimas décadas que fizeram com que o poder e capacidade de arrecadação da União Federal fosse revigorado e desequilibrado frente aos demais membros, e ao mesmo tempo criou-se mecanismos inibidores da participação dos outros entes da federação no processo. De um lado, o governo promoveu a ampliação das contribuições sociais na arrecadação fiscal, de competência exclusiva da União, revertidas unicamente à União e não repartidas com Estados e Municípios. Além do mais, conseguiu-se inibir a atuação e até autonomia dos Estados e Municípios através das dificuldades para renegociar as dívidas destes[11].


Apesar da centralização tributária e arrecadatória acima referida, cada ente federativo tem responsabilidade solidária em fornecer tratamento ou medicamento ao indivíduo, bem como o dever de vincular diversos recursos de seu orçamento à saúde em consonância com os parágrafos do art. 198 e art. 23, II, ambos da CR, o que é fruto de um “federalismo cooperativo”, que foi adotado na CF/88.


4.1. A SAÚDE E O ORÇAMENTO PÚBLICO


Nossa Constituição Federal é classificada doutrinariamente como sendo do tipo analítica, no que tange a sua extensão. Assim, reservou não somente espaço dedicado a matéria relacionada à estrutura do Estado, a forma de investidura no Poder, e a normas materialmente constitucionais, mas também dedicou capítulos a outras searas como o das Finanças Públicas (arts. 163 a 169 da CF). Neste capítulo o autor tratou de orçamento público[12] e de vários princípios que o regem, elevando tais normas à categoria de constitucionais, então.


Assim, é imperioso reconhecer que os princípios constitucionais orçamentários estão no mesmo patamar de hierarquia das demais normas constitucionais, inclusive as que dizem respeito à saúde. Desta forma, quando em conflito os citados princípios, deve-se proceder a uma ponderação de interesses no caso concreto.


Na doutrina dos estudiosos do direito financeiro, não há um consenso sobre a nomenclatura e o número de princípios orçamentários, razão pela qual destacamos tão somente aqueles relevantes ao estudo. Primeiramente, trazemos à baila o princípio da gratuidade, com base empírica no art. 1°, III, e art. 3ª, I a IV da CF/88, que é corolário da justiça orçamentária e apregoa que cada indivíduo deve arcar com os custos administrativos dos benefícios auferidos pessoal ou coletivamente[13]. Existem, ainda, princípios como o da anualidade, anterioridade, redistribuição de renda, solidariedade, desenvolvimento justo gasto do tributo arrecadado, transparência fiscal e legalidade orçamentária[14]. Por hora, somente nos interessa este último, que freqüentemente está em colisão com o direito à saúde. Como já sabido, o princípio da legalidade orçamentária dialoga com os demais princípios no âmbito da ponderação de interesses, sem que haja revogação entre eles, mas tão somente uma prevalência entre eles no caso concreto[15]. O fundamento legal e de validade de tal princípio é o art. 167 da CF, segundo o qual toda despesa pública tem que estar prevista no orçamento, sob pena de nulidade da despesa. Assim, toda despesa oriunda de ordem judicial que determine a compra de remédios, senão vem fundamentada e analisada frente a este princípio restaria nula, ainda que estivéssemos diante de um direito fundamental, social, que não necessita de lei orçamentária para ter eficácia. É essencial que no caso concreto o julgador sopese os interesses envolvidos, e faça prevalecer a vontade o interesse a ser protegido pela razoabilidade, pois o interesse individual (ainda que relativo a saúde) pode ter de ceder diante do coletivo (não se pode prejudicar toda política pública de saúde em detrimento de um indivíduo ou indivíduos), ou vice e versa a depender das circunstancias.


De mais a mais, ainda que o direito a saúde seja um direito social, que juridicamente não depende de lei, como já afirmado, é inegável que está adstrito a condição da “reserva do possível”, que é impedimento fático e material ao cumprimento de determinadas decisões judiciais.


4.2 O SUS


Quase que simultaneamente nasceram o Sistema Único de Saúde (SUS) e a Constituição Federal de 1988, marcos referenciais, tanto para a renovação democrática, quanto para o aperfeiçoamento e organização dos direitos sociais. Para que toda a população brasileira tivesse acesso ao atendimento público de saúde, em padrões de razoáveis e de acordo com a conformação jurídica constitucional, a Constituição reservou artigos que de forma analítica discorrem sobre o Sistema de Saúde no Brasil.


De fato, a Constituição Federal tratou no Título VIII da Ordem Social, subdividindo-o em oito capítulos dedicados a seguridade social, educação, cultura, desporto, ciência, tecnologia, comunicação social, meio ambiente, família, criança, adolescente, idoso e índios. Como já salientado alhures, a saúde é um dos aspectos, dos três, da seguridade social, que ao lado da previdência social e assistencial social compõem o sistema securitário da sociedade brasileira.


O Sistema Único de Saúde estabeleceu suas normas vetores na sua Lei Orgânica, a Lei n° 8.080/90. Este dispositivo busca seu fundamento de validade no 196 e seguintes da Constituição Federal de 1988. Os princípios da universalidade, integralidade e da eqüidade, são lá abarcados. Estes são também conhecidos como princípios ideológicos ou doutrinários. Por sua vez, os princípios da descentralização, da regionalização e da hierarquização de princípios organizacionais, também são erigidos a categoria de norma vetor. Tais princípios são auto-explicativos, mas suas nuances são a fundo discutida pela doutrina. Discorreremos sucintamente sobre eles.


De acordo com o princípio da universalidade, “A saúde é um direito de todos”, como afirma a Constituição Federal. Não há exclusão de uma pessoa ou paciente em virtude de renda.[16]


 


Por sua vez, compreende-se a Integralidade como a atenção à saúde incluindo tanto os meios curativos quanto os preventivos; tanto os individuais quanto os coletivos. Em outras palavras, as necessidades de saúde das pessoas (ou de grupos) devem ser levadas em consideração mesmo que não sejam iguais às da maioria.


Pela eqüidade todos devem eficazmente ter igualdade de oportunidade em usar o sistema de saúde; como, no entanto, o Brasil contém disparidades sociais e regionais, as necessidades de saúde variam. Por isso, enquanto a Lei Orgânica fala em igualdade, tanto o meio acadêmico quanto o político consideram mais importante lutar pela eqüidade do SUS.


O capítulo reservado à participação da comunidade é sinônimo do efetivo controle social, como também é chamado esse princípio, que foi melhor regulamentado pela Lei nº 8.142. Os usuários participam da gestão do SUS através das Conferências de Saúde, que ocorrem a cada quatro anos em todos os níveis e através dos Conselhos de Saúde, órgãos colegiados em todos os níveis. Nos Conselhos de Saúde ocorre a chamada paridade: enquanto os usuários têm metade das vagas, o governo tem um quarto e os trabalhadores outro quarto.


Há ainda a descentralização político-administrativa, que vincula e consubstancia o SUS em três níveis, também chamados de esferas: nacional, estadual e municipal, cada uma com comando único e atribuições próprias. Os municípios têm assumido papel cada vez mais importante na prestação e no gerenciamento dos serviços de saúde; as transferências passaram a ser “fundo-a-fundo”, ou seja, baseadas em sua população e no tipo de serviço oferecido, e não no número de atendimentos.


A hierarquização e regionalização é o que permite que os serviços de saúde sejam divididos em níveis de complexidade; o nível primário é aquele onde se oferece diretamente aos serviços e remédios mais comuns e ordinários a população, enquanto os outros devem ser utilizados apenas quando necessário. Quanto mais bem estruturado for o fluxo de referência e contra-referência entre os serviços de saúde, melhor será a eficiência e eficácia dos mesmos[17]. Cada serviço de saúde tem uma área de abrangência, ou seja, é responsável pela saúde de uma parte da população. Os serviços de maior complexidade são menos numerosos e por isso mesmo sua área de abrangência é mais ampla do que à abrangência da área de vários serviços de menor complexidade.


A Lei 8.080/90 fixa, ainda, os princípios enumerados: direito de decisão sobre a própria integridade física e moral, com a devida autonomia; direito à informação e verdadeiro estado da própria saúde; divulgação de como ter acesso aos serviços de saúde e sua correta utilização pelo usuário; utilização da epidemiologia para o estabelecimento de metas prioridades na alocação de recursos e na orientação programática; integração, em nível executivo, das ações de saúde, meio-ambiente e saneamento básico; conjugação dos recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, na prestação de serviços de assistência à saúde da população; capacidade de resolução dos serviços em todos os níveis de assistência e organização dos serviços públicos de modo a evitar duplicidade de meios para fins idênticos.


Dentro desta nova ordem, o a Administração Pública federal, estadual e municipal deveriam efetivar o Estado do Bem-Estar social, cada qual sem seu âmbito. A atuação positiva desses governos nesse sentido não é uma faculdade, mas um dever que o Estado Democrático de Direito impõe. Nesse contexto, a problemática da adequada tutela jurisdicional para a revitalização do Estado do bem-estar social e saúde vem à lume, pois é de notório conhecimento que a Administração Pública, no âmbito federal, estadual e municipal, não se desincumbe dos seus misteres relacionados à saúde de forma satisfatória.


Analisamos aqui a estrutura e os princípios do SUS (Sistema Único de Saúde), bem como suas competências e instituições de forma sucinta para embasar a matéria relacionada as lides relacionadas à saúde. Trouxemos à lume, assim, a idéia de que em grande parte das vezes há necessidade de intervenção judicial para o cumprimento de determinado dever legal do Poder Público correspondente ao direito do indivíduo.


A intervenção judicial é saudável, mas não pode ser executada de forma infundada. A ponderação de interesses, a análise do caso concreto e o respeito às competências do Executivo, a sua organização e estrutura, da execução do orçamento público e de preceitos constitucionais do mesmo devem ser observadas sob pena de uma ingerência judicial maléfica, ao interesse público. A questão do fornecimento de remédios em virtude de decisão é delicada e sem correntes definidas, pois o caso concreto definirá qual princípio o interesse deve prevalecer, conforme se verá adiante.


5. O PODER JUDICIÁRIO E A SAÚDE


O Poder Executivo tem limites de atuação bastante amplos para atuar na área de saúde no Brasil. É o Poder Executivo, geralmente através do Ministério da Saúde, que define quais serão as políticas públicas prioritárias durante a gestão de um governo.


A partir daí, muito se discute, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, a respeito da possibilidade de implementação de políticas públicas pelo Poder Judiciário, tais como a concessão de medicamentos e tratamentos financiados pelo Poder Público em razão de ações judiciais.


5.1. DO MÉRITO ADMINISTRATIVO NA CONSECUÇÃO DAS POLÍTICAS QUE TENHAM POR FIM SAÚDE PÚBLICA E A RESERVA DO POSSÍVEL


Dentre os diversos argumentos, em especial o referente ao conteúdo programático das normas garantidoras do direito à saúde, é preciso ressaltar a preocupação com respeito aos princípios da igualdade e da impessoalidade, a harmonia existente na tripartição das funções inerentes aos poderes, os limites da atuação judicial no controle da atividade administrativa, bem como as limitações de ordem orçamentária e financeira.


A Constituição Federal determina que o direito à saúde é garantido mediante a elaboração de medidas políticas, sociais e econômicas, fazendo, dessa forma, alusão expressa as atividades do Poder Legislativo e do Poder Executivo.


Assim sendo, não cabe ao Poder Judiciário interpretar qual é a melhor conduta a ser tomada pelo Poder Executivo, sob pena de afronta à tripartição dos poderes prevista no artigo 2º da Constituição Federal, in verbis: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”(grifo nosso).


Observaremos, então, que a concretização do direito à saúde, em que pese seu conteúdo programático, deve ser implementada por atos eminentemente políticos, através de uma legislação que a concretize (no caso a Lei 8.080/90, a qual estabelece as diretrizes do SUS) e de atos administrativos que a realizem segundo critérios de conveniência e oportunidade, além da possibilidade.


Atualmente, existe no país uma significativa demanda de ações judiciais individuais através das quais cidadãos brasileiros, geralmente assessorados por bons escritórios de advocacia (fato que, em regra, evidencia a existência de poder aquisitivo médio), buscam junto ao Estado o fornecimento gratuito de medicamentos, muitas vezes de baixo custo.


Ocorre que, devido a se tratar de verba pública, a exigência dos trâmites legais na aquisição e fornecimento de medicamento concedido por ordem judicial onera gravemente os cofres públicos em detrimento de toda a sociedade, especialmente daqueles que efetivamente dependem do SUS para o tratamento de suas enfermidades.


Apesar de controvertida a matéria, sabe-se que a concessão de medicamentos e tratamentos médicos, por meio de liminares concedidas indiscriminadamente em processos judiciais, tende a desestabilizar a harmonia do sistema, propiciando uma ingerência do Poder Judiciário sobre a esfera precípua das funções institucionais dos demais Poderes, mormente nas do Poder Executivo[18].


Tal atuação pelo Judiciário traz ainda repercussão direta, como visto acima, sobre a alocação de recursos públicos, atingindo, ainda que não intencionalmente, toda a população beneficiada pelo Sistema Único de Saúde.


Obviamente não se defende a ausência de um controle judicial no âmbito das atividades administrativas, as quais devem estar sempre pautadas pelo critério da legalidade. Além disso, os juízes brasileiros têm um importante papel a desempenhar, qual seja, o de fazer com que as políticas públicas já aprovadas pelo Congresso Nacional sejam fielmente executadas, garantindo o acesso de todos os cidadãos ao sistema público de saúde em igualdade de condições.


Entretanto, se uma política pública foi formulada pelo governo eleito ou se está prevista em lei, os juízes devem garantir que as “promessas da lei” sejam cumpridas. Não devem, todavia, criar políticas públicas que não tenham amparo na lei ou na Constituição, porque não têm legitimidade democrática para tanto. É certo que apenas uma ou poucas decisões não têm o condão nem a força de alterar o orçamento e por isso uma política pública. No entanto, de um ponto de vista macro, vários julgados e múltiplas interferências afetam sim uma política estatal, seja relacionada a saúde ou a qualquer outro setor.


Ao se examinar os problemas concernentes reestruturação da saúde, conclui-se que os remédios são prioridades. Em regra, esse destaque é conseqüência de uma série de fatores: fatores técnicos, econômicos, político-sociais e estratégicos: tecnicamente, os remédios são de grande valia para o sistema de saúde, sendo o principal instrumento utilizado na atualidade no processo cura de uma pessoa; economicamente, apresentam uma participação elevada e crescente enquanto componente dos custos dos cuidados de saúde, tanto privados quanto públicos; na esfera político-social, além do Estado, outros sujeitos são afetados e interessados – as detentoras de patentes, as empresas que tenham como atividade a farmácia e a própria sociedade. Os últimos, por sua vez, detém grande poder de influência no âmbito político-social; estrategicamente, há que se ressaltar a importância dos medicamentos no que se refere ao crédito que tem o sistema de saúde perante a população e à conseqüente adesão social.


Tem-se, então, que o objetivo maior a ser perseguido é a implementação de políticas que viabilizadoras e optimizadoras das verbas públicas disponíveis sem afetar a qualidade dos tratamentos, ampliando o acesso da população aos medicamentos, com ênfase àquelas estratégias que promovam a melhoria da eqüidade.


Neste sentido foi a recente decisão do Superior Tribunal de Justiça, Ministro Edson Vidigal:


Com efeito, compete à Administração Pública, através da aplicação de critérios médico-científicos, fixar e autorizar os tratamentos e remédios que devem ser fornecidos à população no País, buscando garantir a segurança, a eficácia terapêutica e a qualidade necessárias.


Tal atividade envolve uma gama e procedimentos técnicos e de caráter oficial, inerentes à política nacional de saúde e realizados por diversos órgãos governamentais, objetivando restringir a possibilidade  de riscos graves aos pacientes e, sempre que viável, uma maior racionalização entre o custo e o benefício dos tratamentos que devem ser fornecidos gratuitamente, a fim de que seja atingido o maior número possível de beneficiários.


Dessa forma, a decisão liminar reclamada, a meu sentir, efetivamente afronta a ordem administrativa, na medida em que interfere em matéria de política nacional de saúde, de seara exclusiva da Administração Pública.


Por outro lado, também tenho configurada a potencialidade lesiva à própria saúde pública, uma vez que a liminar privilegia os pacientes necessitados do fornecimento indiscriminado de prótese e cirurgia para esse fim, podendo inviabilizar a realização de outros tratamentos à população carente.” (STA-81-SC, rel. Min. Presidente do STJ, despacho publicado no DJ em 01.03.05, em notícias no site do STJ de 04.03.05).


Destarte, faz-se absolutamente necessária a ponderação entre os direitos subjetivos em confronto: se de um lado concede-se pedido para financiar tratamentos individuais, implicando gastos extremamente dispendiosos ao erário e não disponíveis na rede pública ou se, por outro lado, opta-se por considerar o perigo de implementar tais medidas sem estudos sérios e comprometidos com a realidade orçamentária, refletindo diretamente o custeamento do mínimo existencial garantido a todos aqueles que dependem do sistema de provimento público em saúde.


É possível concluirmos que, em regra, nesta inevitável colisão de direitos, deverá prevalecer a saúde coletivamente considerada e a garantia de implementação de políticas públicas mínimas, verdadeiramente indispensáveis aos cidadãos.[19]


Considerando ainda a enorme importância dos Programas já financiados pela União, por intermédio do Ministério da Saúde, indispensáveis para a garantia de um mínimo existencial à coletividade, evidencia-se o risco do tratamento da saúde pública, em seu sentido mais abrangente, ser inviabilizado no país.


5.1.1. O STF E A STA 91/AL – ALAGOAS[20]


Recentemente o Supremo Tribunal Federal enfrentou mais uma demanda em que estavam em conflito o direito fundamental da saúde e a reserva do possível. Em Pedido de Suspensão de antecipação de tutela de número 91, da Procuradoria Geral do Estado de Alagoas, a Ministra Presidente do STF, Ellen Gracie, afirmou que “não se deve confundir direito a saúde com direito a remédio”[21]. O pronunciamento da Ministra da forma como posto merece esclarecimentos, pois a redor de tal afirmação já surgiram notícias[22] de que os juízes de primeiro grau poderiam tratar de rever seus posicionamentos bem como estava nascendo uma nova forma corrente interpretativa. Nem tanto ao céu, nem tanto ao mar.


Inicialmente, é de bom alvitre salientar que a decisão em comento foi exarada em sede de pedido de suspensão de efeitos de antecipação de tutela, uma medida processual de natureza jurídica extremamente controvertida. No entanto, há um consenso na doutrina de que o pedido de suspensão não envolve argumentação técnico-jurídico, mas é fundado em razões eminentemente política. Assim, o STF, que por si só, já é um Tribunal que analisa seus feitos e recursos de forma política em decorrência da sua própria natureza e da competência que lhe é atribuída pela Constituição Federal, teve que decidir um feito baseado em argumentação política (no caso a “saúde” econômica do Estado de Alagoas e a “reserva do possível”)[23].


De mais a mais, a decisão emanada no bojo dessa Suspensão de Antecipação de Tutela não tem efeitos erga omnes como acontece em se controle concentrado, e até no difuso, desde que obedecidos alguns requisitos. A decisão em tela não provoca efeitos nenhum em lides outras, nem muito menos em processos semelhantes, uma vez que, em face dos princípios envolvidos e da natureza do objeto processual, cada caso deve ser analisado por si só e em conformidade com as circunstâncias que o rodeiam. Isto quer dizer que casos semelhantes podem ter perfeitamente decisões diferentes[24].


Assim, é imperioso entender que a decisão em tela não vincula o Judiciário quando este se depare com casos concretos semelhantes, com causas de pedir fundadas em matéria jurídica e não política. Não há que se falar em nascimento de uma nova corrente jurisprudencial, nem de uma revisão dos juízes de primeiro grau, que decidem de forma técnica as lides que lhe são colocadas, e não políticas.


5.2. ASPECTOS PROCESSUAIS DA LIDE QUE TENHA POR OBJETO FORNECIMENTO DE REMÉDIOS


A União Federal é parte passiva legítima para as ações que buscam prestações relacionadas à saúde, pois há solidariedade entre os entes federativos (União, Estados e Municípios). Nesse sentido jurisprudência pacífica sobre o tema:


“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO – FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS – SUS – OFENSA AO ART. 535 DO CPC – INEXISTÊNCIA – RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS – LEGITIMIDADE DA UNIÃO. 1. Em nosso sistema processual, o juiz não está adstrito aos fundamentos legais apontados pelas partes. Exige-se, apenas, que a decisão seja fundamentada, aplicando o magistrado ao caso concreto a legislação considerada pertinente. Inocorrência de violação ao art. 535 do CPC. 3. O funcionamento do Sistema Único de Saúde – SUS é de responsabilidade solidária da União, Estados-membros e Municípios, de modo que, qualquer dessas entidades têm legitimidade ad causam para figurar no pólo passivo de demanda que objetiva a garantia do acesso à medicação para pessoas desprovidas de recursos financeiros. 4. Recurso Especial conhecido em parte e improvido (Superior Tribunal de Justiça. REsp n. 704067/DJ. 23.05.2005 p. 240. Rel. Min. Eliana Calmon)”. (grifei)  


“RECURSO ESPECIAL. SUS. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. PACIENTE COM HEPATITE C . DIREITO À VIDA E À SAÚDE. DEVER DO ESTADO. UNIÃO. LEGITIMIDADE. 1. Ação objetivando a condenação da entidade pública ao fornecimento gratuito dos medicamentos necessários ao tratamento de Hepatite C. 2. O Sistema Único de Saúde-SUS visa à integralidade da assistência à saúde, seja individual ou coletiva, devendo atender aos que dela necessitem em qualquer grau de complexidade, de modo que, restando comprovado o acometimento do indivíduo ou de um grupo por determinada moléstia, necessitando de determinado medicamento para debelá-la, este deve ser fornecido, de modo a atender ao princípio maior, que é a garantia à vida digna. 3. Configurada a necessidade do recorrente de ver atendida a sua pretensão posto legítima e constitucionalmente garantida, uma vez assegurado o direito à saúde e, em última instância, à vida. A saúde, como de sabença, é direito de todos e dever do Estado. 4. A União é parte legítima para figurar no pólo passivo nas demandas cuja pretensão é o fornecimento de medicamentos imprescindíveis à saúde de pessoa carente. 5. Recurso Especial desprovido. (Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 658323. DJ 21.03.2005 p. 272. Rel. Min. LUIZ FUX)”. 


De fato o tema é desprovido de maiores controvérsias, pois a normatização constitucional deixa clara a solidariedade das entidades políticas da federação no que tange à prestação dos serviços de saúde e, por conseguinte, quanto ao fornecimento de remédios.


Por outra mão, tem sido reiteradamente decidido pela Jurisprudência que “a irreversibilidade da medida não constitui óbice ao deferimento de antecipação da tutela, sendo risco inerente ao processo judicial e ao Estado Democrático de Direito, e como tal deve ser suportado por toda a Sociedade”.(Tribunal Regional Federal da 4ª Região. AGRG no RE 271/286/RS)


Na Turma Recursal do Estado do Rio Grande do Sul, relativo a benefícios previdenciários e assistenciais, tem sido decidido, sobre a questão, que “o caráter nitidamente alimentar e de proteção da subsistência e da vida digna, próprio dos benefícios previdenciários, deve prevalecer sobre a genérica alegação de dano ao erário público e de eventual perigo de irreversibilidade”. RECURSO JEF Nº 2002.71.05.008193-8/RS. Relator Juiz Federal Caio Roberto Souto de Moura. 01.03.2005.


Ainda, decidiu-se, no âmbito da Turma Recursal referida, que:


O caráter satisfativo das medidas que determinam o pagamento de prestações previdenciárias não impede a antecipação da tutela, uma vez que a natureza alimentar de tais parcelas sobrepõe-se, por sua essencialidade, à irreversibilidade do provimento antecipado, não havendo risco de esgotamento do objeto da ação”. 


Tais fundamentos, relativos aos benefícios previdenciários e seu caráter alimentar, relacionado à vida digna, podem ser aproveitados para demandas relativas à saúde, que também estão relacionadas à dignidade humana.


O magistrado, ao analisar pedidos que versem sobre fornecimento de medicamentos e internação hospitalar, deve considerar:


1 Há direito subjetivo à saúde como prestação, tendo sido assentado em acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, rel. Desembargador Luiz Felipe Brasil Santos, que há um comprometimento de larga parcela do Poder Judiciário com a causa da vida e da dignidade da pessoa humana. No entanto, prevalece o entendimento de que o direito refere-se às ações básicas nesta área e para pessoas comprovadamente carentes.


2 O direito subjetivo à saúde, no seu aspecto prestacional, deve ser compatível com a realidade econômica do nosso País, não sendo possível se deferir, em ações judiciais, por exemplo, o custeio para tratamento no exterior, de altíssimo custo, que em regra são experimentais.


3 Geralmente, aquele que aporta ao Poder Judiciário na busca deste tipo de tutela demanda por medida liminar, devendo, na medida do possível, ser concedida, no todo ou em parte, quando houver risco de comprometimento da saúde de forma irreversível.


4 Já está assentado que inexiste vedação à antecipação de tutela contra a Fazenda Pública no tocante aos benefícios previdenciários, mormente em face do seu caráter marcadamente alimentar e de proteção da subsistência e da vida, prevalecente sobre a genérica alegação de dano ao erário público e de eventual risco de perigo de irreversibilidade. Esta interpretação pode ser feita, da mesma forma, para ações que digam respeito à saúde, por seu caráter nitidamente emergencial, e também de proteção à vida. A proibição da concessão da tutela prevista na Lei 9.494/97, reconhecida constitucionalmente pelo Supremo Tribunal Federal, diz respeito tão-somente à matéria atinente à reclassificação, equiparação, concessão de aumentos, extensão de vantagens e a pagamento de vencimentos a servidores públicos, não obstando, assim, o deferimento da medida antecipatória contra o ente público. Nesse sentido, algumas decisões do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:


Agravo de Instrumento. Tutela antecipada. Direito à Saúde. Fornecimento de medicamentos. Tendo em vista que a Constituição Federal de 1988 (art. 5º e 196) e a Lei nº 8.080/90 asseguram a assistência terapêutica integral e, ainda, porque é dever do Estado (União, Estados e Municípios) prover as condições indispensáveis ao exercício pleno do direito à saúde, correto se afigura determinar ao Estado de Santa Catarina fornecer ao autor a medicação de que este necessita, segundo prescrição médica.”


Administrativo. Antecipação da tutela. Fornecimento de medicamentos. 1. A vedação de antecipação da tutela contra a Fazenda Pública não é absoluta, restringindo-se às hipóteses previstas no art. 1º da Lei nº 9.494/97, não sendo aplicável ao caso dos autos, em que autor postula o fornecimento de medicação para tratamento de hepatite C. 2. O medicamento é fornecido regularmente segundo a listagem do Ministério da Saúde, no entanto, o agravado deve sujeitar-se à regular dispensação dos remédios, não podendo o Judiciário possibilitar que o paciente burle o fornecimento administrativo de medicamentos. 3. Agravo regimental desprovido.”


5 Em se tratando de pedido para fornecimento de medicamento importado, verificar se não há referências a possível similaridade com medicamentos já produzidos em território nacional ou se há referências sobre a possibilidade de ser utilizado o princípio ativo do medicamento e ser o remédio manipulado no Brasil.


6 Ouvir, na medida do possível, os órgãos responsáveis pela saúde pública, o órgão gerenciador das listas e precedência das pessoas atendidas, atendendo, assim, ao princípio do contraditório, investigando sobre a necessidade e disponibilidade do tratamento, sob pena de desorganizar e tumultuar as prioridades legitimamente estabelecidas e, conseqüentemente, o atendimento à saúde.


“Não é ônus do Judiciário administrar o SUS, nem se pode, sem conhecimento exato sobre as reais condições dos enfermos, conferir prioridades que só virão em detrimento daqueles doentes que já aguardam ou já recebem a medicação e não poderão interromper tratamento. Não se pode deixar de pesar as conseqüências que uma medida como a deferida causa no sistema. Os recursos do SUS são, notoriamente, escassos. Deferir-se, sem qualquer planejamento, benefícios para poucos, ainda que necessários, podem causar danos para muitos, consagrando-se, sem dúvida, injustiça.”


7 A União, como principal mantenedora, gestora, reguladora e fiscalizadora dos recursos destinados à área da saúde, não pode se omitir de seus deveres. A jurisprudência do nosso Tribunal Regional Federal da 4ª Região e do Superior Tribunal de Justiça é no sentido, quase pacífico, de que a União é parte legítima nestas ações, porque há solidariedade dos três entes federativos para integrar o pólo passivo. Nesse sentido, o Agravo de Instrumento nº 2005.04.01.017145-7/PR, Rel. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon, que cita julgado do Superior Tribunal de Justiça nesse sentido; Agravos de Instrumento nos 127906 e 127183 e Apelação Cível nº 618794, sendo em todos relator o Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon.


Fato é que o número de ações judiciais contra Estados e Municípios para fornecimento gratuito de medicamentos aumenta notoriamente. Isso se deve a uma conscientização gradativa da população e maior acessibilidade do Poder Judiciário. Mas tal fato pode acarretar sérias conseqüências às políticas públicas de saúde do Poder Executivo, que tem boa parcela de suas receitas consumidas por mandados judiciais. Some-se a isso, gestões desastradas de políticos, pressão das indústrias farmacêuticas e falhas na formação dos médicos. Estes são alguns dos fatores que impulsionam uma verdadeira bola de neve, que ameaça atropelar outros programas e projetos na área da saúde. Para os envolvidos, a solução do problema passa não só por maior eficiência da gestão, como também por um melhor entendimento entre o Judiciário e os responsáveis pelo Sistema Único de Saúde.


O que acontece nos processos judiciais é que basta apresentar laudo assinado por um médico para que se possa entrar com uma ação judicial para obtenção de medicamentos. Se o produto não é registrado no Ministério da Saúde, pede-se, ainda, uma declaração do médico baseada em pesquisas internacionais, atestando a eficiência e a segurança da droga que está prescrevendo. O que causa alguma celeuma é que a maioria das vezes o juiz se baseia apenas nesse laudo para conceder uma liminar obrigando o gestor a fornecer drogas ainda não registradas, ou de altíssimo custo, mesmo quando o SUS já distribui outras, eficientes e mais baratas, para a mesma finalidade. De mais a mais, medicamentos não testados ou não aprovados pela Anvisa podem representar riscos para o paciente.


Hoje, a União, através do Ministério da Saúde, desenvolve alguns programas, diretamente ou através de parcerias com os Estados e Municípios para distribuição de medicamentos, incluindo-se a “Farmácia Popular”[25] e o fornecimento gratuito de medicamentos específicos para tuberculose, hanseníase, saúde mental, diabetes e hipertensão arterial, ou excepcionais e de alto custo como os destinados ao tratamento do câncer e da Aids, além da distribuição nacional de vacinas e outros imunobiológicos.


Relativamente aos medicamentos excepcionais ou de alto custo, cabe aos Estados adquiri-los e fazer a distribuição e ao Ministério da Saúde, através de um sistema informatizado de comprovação da aquisição e distribuição, reembolsar os recursos aos Estados. Mas nem sempre isso ocorre, havendo casos em que a União e os demais entes fazem simultaneamente a compra dos medicamentos e em duplicidade em razão de liminares e da falta de comunicação.


Em regra, os medicamentos são oferecidos aos pacientes nos postos onde eles estejam sendo assistidos. Todavia, alguns tipos de medicamentos, utilizados para o tratamento de doenças raras, estão disponíveis somente em determinados serviços de saúde selecionados para este fim. Integram o elenco dos medicamentos essenciais aqueles produtos considerados básicos e indispensáveis para atender a maioria dos problemas de saúde da população.


Destarte, é de extrema relevância a análise acurada das as ações civis visando a obrigar, em regra os Municípios, a fornecerem remédios a pessoas hipossuficientes, muitas das vezes medicamentos que, segundo a repartição de obrigações, acordada por portaria, entre União, Estado e Município, teoricamente caberia àqueles, não a este[26].


Primeiramente, buscar-se-á o fundamento de validade de todas as Leis, nossa Constituição Federal, que, sem seu art. 196, inserido no capítulo da seguridade social, seção dedicada à saúde, estabelece. A saúde, nos termos do art. 6º da mesma Constituição, é também um direito social:


“Art. 6º – São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”


As normas constitucionais citadas não especificam nem dão margem a especificar por lei infraconstitucional, muito menos por portarias ou outros atos normativos de menor hierarquia, que ente federativo – União, Estado ou Município – será obrigado a fornecer este ou aquele remédio. O que há é uma responsabilidade solidária entre União, Estados e Municípios no fornecimento de medicamentos à população.


Desta forma, para aquele que litiga no pólo ativo da demanda, a responsabilidade é do pólo passivo solidária (pólo onde usualmente a Fazenda Pública aparece nas lides) – os três entes são obrigados a fornecerem todos os tipos de medicamento. Trata-se de forma eficiente de se garantir o “acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.


À exaustão reitere-se: se a obrigação é solidária, qualquer dos três entes federativos podem ser demandados, tanto pelo paciente – numa demanda individual, quanto numa coletiva (seja através da Defensoria Pública ou Ministério Público).


Tem-se, então, que os entes federativos terão que cumprir com a obrigação solidária estabelecida pela Constituição de fornecerem o medicamento. Posteriormente, poderão invocar entre si as portarias que repartem suas atribuições, de modo a se ressarcirem entre si, se for o caso.


A resolução de conflitos através de um processo e da jurisdição é tarefa que incumbe ao Judiciário, conforme já ressaltado. No entanto, um dos maiores problemas no desempenhar dessa tarefa é a morosidade. Por diversas razões, a demora na prestação jurisdicional está presente, apesar de diversas reformas processuais que têm tentado amenizar a referida mora.


Tais reformas, apesar de válidas, não são por si só suficientes para eliminar os entraves do processo. Questões de ordem técnica, que refuljam ao direito também se apresentam como obstáculos que pode vir a causar uma mora indevida ou um prestação jurisdicional errônea. Isso é o que pode acontecer em lides em que se reclama medicamentos.


O juiz desconhecedor da matéria farmacêutica e medicinal pode deferir medidas de urgências que não correspondam a melhor solução no caso concreto. Conforme já citado, diversas demandas ajuizadas com meros atestados ou prescrições lançadas sem maiores compromissos por profissionais da saúde têm sido documentos que embasam decisões judiciais. As conseqüências disso, também já apontadas, são ingerências indevidas e errôneas na atividade administrativa do Poder Executivo e nas suas políticas de saúde, e o que pode ser mais grave: dispêndio de verbas públicas sem necessidade nem um resultado que respeite a tão perseguida economicidade e eficiência, princípios do direito financeiro defendidos de forma intransigente pelos Tribunais de Contas do País.


Logo, para que tais entraves não venham a causar prejuízos de monta ao interesse público, sugere-se a implantação de varas especializadas na saúde, assim como já existem em outras matérias. A demanda atual, a complexidade da matéria, os princípios e normas próprias apontam para a necessidade de tal especialização. Ousamos afirmar que o direito da saúde é uma ciência prestes a ganhar autonomia. Assim, varas especializadas na justiça federal principalmente, com profissionais de farmácia e até médicos, não seriam supérfluos. Muito pelo contrario, seria medida de extrema prudência, responsabilidade, sensibilidade e respeito para com os impostos e as verbas públicas, e principalmente para com as pessoas.


Desta forma, ter-se-ia uma duração razoável do processo, medidas antecipatórias e cautelares mais acertadas, e como conseqüência o atendimento do bem estar social e elevação da dignidade da pessoa humana.


6. O LEGISLATIVO E A SAÚDE


A ciência jurídica é essencial no planejamento, gestão e avaliação de políticas de saúde, na medida em que estabelece parâmetros de comparação e julgamento entre situações desiguais e interesses conflitantes, sobretudo importante quando se objetiva promover a eqüidade entre os cidadãos que se beneficiam das políticas públicas. Isso é o que ocorre no Sistema Único de Saúde, em que todo um tecido legislativo abrangente e define os princípios a serem observados no setor público e em sua relação com a iniciativa privada que opera no setor, bem como as responsabilidade de cada esfera de governo na execução e avaliação das políticas de saúde.


Um dogma de suma importância do SUS é a estratégia de descentralização e municipalização da saúde, que compreende, entre outras áreas, o planejamento e gestão dos sistemas municipais e estaduais de saúde, das ações de vigilância em saúde (sanitária, epidemiológica, saúde do trabalhador e cuidados com o meio ambiente), da atenção básica, os ambulatórios de especialidades, da área hospitalar geral e de apoio diagnóstico-terapêutico, além da relação com a iniciativa privada filantrópica e lucrativa. Com freqüência se atribui a uma indefinição de competências para a produção e aplicação de normas legais e regulamentares do SUS o estágio ainda incipiente dessa mudança de cultura político-administrativa, sobretudo nas capitais.


A grande problemática administrativa reside mais na dificuldade existente em cada nível de governo para assumir integralmente suas competências específicas, definidas em legislação, normas técnicas e negociadas nas comissões intergestores e em colegiados de gestão. O problema se torna mais crônico em decorrência do menosprezo ao papel do parlamento, que favorece a descontinuidade das políticas públicas e provoca, com freqüência, um movimento contraditório de centralização de poder na União e nos Estados, colocando em risco as conquistas alcançadas. Assim, portanto, observa-se que mais do que redefinir e distribuir competências, o fundamental é exercê-las em sua plenitude nos Municípios e Estados, criando condições políticas e capacitando-se para tanto, o que vale para os poderes legislativo, executivo e judiciário, ministério público e sociedade civil como um todo.


Para se poder resguardar e avaliar o processo de implementação de políticas de saúde, em especial no SUS e, por conseqüência, verificar avanços ou retrocessos na eficácia da legislação sanitária, deve levar em conta não apenas os resultados obtidos em termos de serviços e ações realizados, mas principalmente sua adequação ao campo de competências definido para cada esfera de governo, para cada parceiro desse processo, e o custo econômico, social e político das opções assumidas. Deve-se, então, mensurar o impacto de cada medida apresentada, de cada dispositivo da legislação em apreço, tomando-se como referência as diretrizes que se pretende fazer observar e os custos correspondentes. A avaliação genérica pode ser ineficaz e inócua, na medida em que não ajuda a capacitar os legisladores, os gestores e os que exercem democraticamente o controle público no SUS a aprimorarem sua contribuição ao processo, de acordo com uma determinada lógica.


Na esfera nacional e internacional, os critérios de hierarquia já estabelecidos devem estar adequados às variáveis e determinantes que decorrem da conjuntura, em cada período histórico. Então, a participação em organismos de cooperação internacionais e as assinaturas de acordos não podem impor ao país e seus níveis subnacionais restrições ou responsabilidades que não se coadunam com a cultura social e político-institucional existente naquele período ou momento. Assim, deve haver um esforço permanente em que se fiscalize e observe a gestão de políticas públicas, em conformidade com as responsabilidades traçadas no regime federativo e republicano, a fim de que novos posicionamentos estatais como o voltado para uma reforma de Estado como o SUS ou de oferta de medicamentos para os portadores do HIV possam ser utilizadas para reflexão de preceitos estabelecidos em legislação internacional. Deve-se, portanto, buscar o fortalecimento do processo democrático de produção, gestão, execução e avaliação de políticas públicas, em que se respeite à autonomia relativa de cada ente da Federação ou parceiro e se favorece o exercício de competências na plenitude.


Deve-se valorizar a pratica do planejamento participativo em saúde na gestão do SUS e estratégias, para as quais contribuem as normas legais. Sugere-se, então, que o legislativo seja ressaltado e lhe valorizem, pois a participação da sociedade civil no planejamento e aplicação de políticas públicas, como, por exemplo, nos conselhos de gestão, que favorecem essa mediação entre as normas legais e a sociedade e as fontes materiais do direito, assim como constante movimento de atualização legislativa, de reafirmação de autonomias e de soma de competências, através do trabalho conjunto das entidades federativas.


Sugere-se, ainda, uma mais ampla divulgação da legislação sanitária, incluindo os pontos consensuais importantes, que deve ser dirigida não apenas aos setores populares e demais parceiros que compõem os colegiados de gestão e controle do SUS, mas também aos formadores de opinião e aos que tomam decisões em outras esferas, como os membros dos tribunais de contas, do judiciário e os parlamentares. Transpassando o âmbito das mudanças político-institucionais, o efetivo exercício do direito à saúde será resultado de uma mudança comportamental, na qual o indivíduo reconhece os seus direitos e deveres constitucionais, sem deixar de assumir, também, o seu papel de cidadão ativo.


6. CONSIDERAÇÕES FINAIS


A saúde é uma das principais formas, senão a principal, de se concretizar a dignidade da pessoa humana, princípio ao qual todo ordenamento deve observância. Por isso, no presente estudo fixamos o nosso marco teórico no Estado do Bem-Estar social e do seu dever de saúde para com a população. Inicialmente, partimos de uma concepção científica de saúde, explicitando o conceito sócio-científico da saúde como sendo um estado de equilíbrio físico, mental e psicológico, para depois se observar o seu conceito jurídico.


Na seara jurídica, a saúde foi definida como um direito fundamental, um direito social. Por ser um direito fundamental de segunda geração, demonstramos a necessidade da atuação do Estado de forma comissiva para o atendimento dos preceituado no art. 6° e 196 da Constituição Federal em vigor, e, por conseqüência, da prestação de saúde. Em seguida, passamos a explicitar as competências de cada ente da federação e suas responsabilidades para com o desenvolvimento das políticas públicas de saúde. Nesse momento, chamamos atenção para normas de direito financeiro, mais especificamente, princípios orçamentários que se relacionam diretamente com a saúde e a sua implementação pelo Estado, que tem suas políticas e forma de gestão previstas no orçamento, inclusive as gestões relacionadas à saúde pública. Estudamos o SUS, que é o Sistema Único de Saúde, e principal órgão da União, através do qual se implementa as políticas públicas. Este órgão tem seu fundamento de validade alicerçado na Constituição Federal. Esta por sua vez determinou a criação do SUS, que nasceu com a edição da Lei Orgânica própria (lei n° 8.080/90). Estudamos, então, o princípios do SUS, segundo a CF e a doutrina.


Num momento seguinte, o ponto cinco do nosso estudo, analisamos o papel do Poder Judiciário na saúde pública. Esclarecemos que ao lado de outras políticas de saúde, uma das formas de efetivar a saúde é o fornecimento de remédios pelos entes da federação, ponto central do nosso estudo. Estudamos, ainda, as ingerências legítimas e ilegítimas do Poder Judiciário, bem como âmbito de discricionariedade do Poder Público e a escusa da reserva do possível para descumprimento de decisões judiciais ou meio de impugnação das mesmas. A questão da ingerência judicial na saúde pública pode ser caracterizada, em regra, de benéfica. No entanto, muita controvérsia ainda existe acerca dessa ingerência. Do ponto de vista “micro”, ou do processo individual demonstramos que não resta maiores problemas para um juiz singular decidir causas relacionadas ao fornecimento de remédios, pois o direito a saúde é direito constitucional fundamental diretamente conexo ao princípio da dignidade da pessoa humana. No entanto, tendo-se em conta um ponto de vista “macro” da problemática da tutela jurisdicional em estudo, o “efeito multiplicador” e a ingerência constante na alocação de receitas orçamentárias, observamos que o orçamento de um ente estatal (União, Estado ou Município) pode restar desestabilizado, afetando um interesse que vai transindividual. Trouxemos, à baila, posicionamentos recentes do STF a respeito desse tema, e da reserva do possível.


Concluímos dessa análise, que o juiz singular deve continuar julgado de acordo com suas convicções, e com o caso que lhe é apresentado, razão pela qual prevalecerá, no caso concreto, e na maioria das vezes o direito à saúde. A preocupação principal do juiz singular deve ser com o direito individual do autor ação em que se pede medicamentos, uma vez que, em regra, esta instância não tem como avaliar o efeito “macro” da decisão por ela prolatada. Excepcionalmente, quando já estreme de dúvidas o juízo poderá fazer uma análise de efeito externo da sua decisão, o que não é, repita-se, aconselhável ordinariamente.


Em instâncias superiores, resta às entidades políticas da federação se desincumbirem do ônus de provar que as decisões judiciais estão maculando os seus respectivos orçamentos. Para isso, esses entes poderiam se valer de instrumento processual eminentemente político, qual seja as suspensões de liminares, que podem ser intentados sucessivamente, até atingirem a Corte Política Brasileira, o STF.


Desta forma, não há fórmula estabelecida para causas relacionadas ao direito de fornecimento de medicamentos, nem ao direito da saúde. Deve-se ter em conta o caso concreto, e qual princípio ou valor constitucional (saúde, legalidade orçamentária, reserva do possível, etc.) prevalecerá de acordo com aplicação da proporcionalidade. Assim, em certas situações o chamamento ao processo da União pode até se mostrar inconveniente ou meramente protelatória, como demonstrou o Ministro Luiz Fuz no RE 607.381, como também pode ser essencial para garantir a vida de uma pessoa enferma. Isso dependerá, repita-se, do caso concreto.


Por fim, estudamos o papel do legislativo e a sua importância no desenvolvimento das políticas públicas de saúde, que dependem, em seu nascedouro, de atos normativos de abstração e generalidade mais agudas, ou seja, das leis.


Registre-se, ainda, que a ingerência dos Poderes Judiciário e Legislativo sobre a saúde pública, ou sobre área de competência da esfera do Executivo é decorrência dos checks and balances, doutrina em que se apregoa um controle recíproco de um poder sobre o outro para que se mantenha um constante equilíbrio entre eles. Tal ingerência recíproca, efetivada dentro dos limites jurídicos, é saudável e somente faz com que amadureça a democracia e restem fortalecidas as instituições em que se assenta o nosso regime republicano.


 


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Sítios de Internet

Consultor Jurídico: http://conjur.estadao.com.br/static/text/53331,1, 20/06/2007


Notas:

[1] Não concordamos com o entendimento da Ministra Ellen Gracie que afirmou que “não se deve confundir direito à saúde com direito a remédio” após o deferimento de suspensão de efeitos de decisão no processo n° Sta 105 / Al – Alagoas. Fonte: http://conjur.estadao.com.br/static/text/53331,1, consultada em 18/06/2007.

[2] Organização Mundial da Saúde. Constitution of the World Health Organization. Basic Documents. Genebra: OMS, 1946, p. 2.

[3] ALMEIDA Filho, Naomar de; Jucá, Vládia, Richard Magregory (2002). Saúde como ausência de doença: crítica à teoria funcionalista de Christopher Boorse. Ciênc. saúde coletiva 7(4): 879-889.

[4] Cf. SILVA NETO, Manoel Jorge. Curso de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 464.

[5] Cf. MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 1-12.

[6] Nesse sentido: “A saúde comunga, na nossa ordem jurídico-constitucional, da dupla fundamentalidade formal e material da qual se revestem os direitos e garantias fundamentais (e que, por esta razão, assim são designados) na nossa ordem constitucional. A fundamentalidade formal encontra-se ligada ao direito constitucional positivo e, ao menos na Constituição pátria, desdobra-se em três elementos: a) como parte integrante da Constituição escrita, os direitos fundamentais (e, portanto, também a saúde), situam-se no ápice de todo o ordenamento jurídico, cuidando-se, pois, de norma superior hierarquia; b) na condição de normas fundamentais insculpidas na Constituição escrita, encontram-se submetidos aos limites formais (procedimento agravado para modificação dos preceitos constitucionais) e materiais (as assim denominadas ‘cláusulas pétreas’) da reforma constitucional; c) por derradeiro, no termos do que dispõe o artigo 5, parágrafo 1, da Constituição, as normas definidoras de direitos e garantias fundamentais são diretamente aplicáveis e vinculam diretamente as entidades estatais e os particulares. A respeito de cada um destes elementos caracterizadores da assim denominada fundamentalidade formal, notadamente sobre o seu alcance, ainda teremos oportunidade de nos manifestar. Já no que diz com a fundamentalidade em sentido material, esta encontra-se ligada à relevância do bem jurídico tutelado pela ordem constitucional, o que – dada a inquestionável importância da saúde para a vida (e vida com dignidade) humana – parece-nos se ponto que dispensa maiores comentários. Por tudo isso, não há dúvida alguma de que a saúde é direito humano fundamental, aliás fundamentalíssimo, tão fundamental que mesmo em países nos quais não está previsto expressamente na Constituição, chegou a haver um reconhecimento da saúde como um direito fundamental não escrito (implícito), tal como ocorreu na Alemanha e em outros lugares. Na verdade, parece elementar que uma ordem jurídica constitucional que protege o direito à vida e assegura o direito à integridade física e corporal, evidentemente, também protege a saúde, já que onde esta não existe e não é assegurada, resta esvaziada a proteção prevista para a vida e integridade” (SARLET, Ingo Wolfgang. Algumas considerações em torno do conteúdo, eficácia e efetividade do direito à saúde na Constituição de 1988. Revista Diálogo Jurídico n° 10, jan. 2002, www.direitopublico.com.br).

[7] Tópico reservado a este tema trata de forma analítica a questão da “reserva do possível”. A propósito, ver: MENDES, Gilmar Ferreira. Op. cit.. p. 8.

[8] A supernormatividade e máxima eficácia dos princípios e valores constitucionais não podem ser aplicados para alguns direitos fundamentais e outros não. Um princípio constitucional de direito fundamental somente pode deixar de ser aplicado de imediato diante de uma eventual colisão com outro de mesma magnitude e hierarquia no caso concreto, e em função da aplicação da proporcionalidade. Assim, concordamos inteiramente com a manifestação do Prof. J.J. Canotilho, quando afirma que “no caso de dúvidas, deve preferir-se a interpretação que reconheça maior eficácia aos direitos fundamentais” (CANOTILHO, J.J. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 2002, p. 1208.

[9] No que tange a competência legislativa, registra-se que a União a detém para editar normas gerais, e os demais entes, em atendimento ao princípio da predominância do interesse (regional ou local), podem editar atos normativos de acordo com a sua especificidade regional ou local. Nesse sentido é trazemos a lume a seguinte passagem: “Projeto de lei federal, em consulta pública, que cria diretrizes nacionais para implantação de planos de cargos e salários de servidores da saúde pertencentes aos quadros dos Estados e Municípios. A União não tem competência (competência concorrente) para legislar sobre esse tema, editando normas gerais, principiológicas ou de diretrizes. Aliás, esse tema mereceria um artigo à parte. A União (Ministério da Saúde) não tem competência para legislar exaustivamente sobre saúde, uma vez que a competência é das três esferas de governo (União, Estados e Municípios). Nesse caso, a União só pode legislar sobre normas gerais, principiológicas, de diretrizes nacionais, reservando-se ao Estado a competência para editar a legislação exaustiva detalhada. O que temos visto? O MS legislando por portaria (o que já é questionável) de forma exaustiva, invadindo a competência dos Estados. São mais de 2 mil portarias nos últimos dez anos normatizando o SUS…” (SANTOS, Lenir. “Saúde: Ilegalidades e Inconstitucionalidades”. Boletim de Direito Muncipal. n° 10, outubro 2005, p. 756)

[10] Informes-SF do BNDES, nº 28, de junho de 2001. Federalismo Fiscal: Receita Municipal – a importância das transferências do FPM e do SUS.

[11] Além do que foi referido, tem-se ainda que transferências de recursos da União para os Estados e Municípios pelo sistema de adesão a projetos e programas federais (101 formas, em 2004), o que tem o mesmo sentido de transferência convencional, uma vez que a adesão a projetos e programas obriga o aderente a observá-los na íntegra, mitigando a autonomia dos entes públicos na elaboração de plano de saúde, na forma do disposto no art. 36, § 1°, da Lei n° 8.08/90, afora o flagrante desrespeito aos critérios definidos nas Leis n° 8.080/90 e 8.142/90. Cf. SANTOS, Lenir. Op. cit. p. 755.

[12] “Destaque-se a importância do orçamento público para o Estado em toda a sua história: “Ao longo dos anos e da história muito mudou. O orçamento tornou-se um documento muito mais complexo, carregado de conotações sócio-político-econômicas que fazem dele hoje centro de discussões, divergências e interesses. Ele é, hoje, um breve apanhado da política de um Estado e de suas prioridades” (BRITO, Eduardo Valadares. Uma análise do orçamento e dos principais aspectos por ele abrangidos. Revista Estudantes – Caderno Acadêmico. n ° 6. ano 4. Recife, jan/jun. 2000, p. 216.

[13] Cf. NOGUEIRA, Roberto Wagner Lima. Saúde, medicamentos, desenvolvimento social e princípios orçamentários. Revista Tribuária e de Finanças Públicas. n° 61. ano 13. RT: São Paulo, mar-abril/2005, p. 243. Ainda nesse sentido o autor defende que o princípio da gratuidade informa, em primeiro lugar, a entrega de prestações positivas para defesa do mínimo existencial (art. 208, I da CF/88) ensino fundamental gratuito; assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos (art. 5°, LXXIV, CF/88); a garantia de certidões aos reconhecidamente pobres na forma da lei (art. 5°, LXXVI, CF/88); e o fornecimento gratuito de medicamentos essenciais previstos na RENAME (Relação Nacional de Medicamentos Essenciais) elaborada pelo Governo Federal consoante as diretrizes da Lei n° 8.080/90 e Portaria Federal 3.916/98, em atendimento sobretudo ao art. 6° da CF/88, que contempla o direito a saúde como Direito Social.” (Idem, p. 274).

[14] Ibidem, p. 244-251.

[15] SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição Federal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p. 97-117.

[16] Cf. TAVARES, Marcelo Leonardo. Direito Previdenciário. 9. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 14.

[17] É muito importante falar em solidariedade e cooperação. Aliás, qualidade que permeiam toda a forma de organização do SUS. A regionalização e a hierarquização são formas de organização do SUS determinadas pela Constituição. Portanto, todos devem adotá-las. E quem explicitará como serão implementadas? Acordos, compromissos, protocolos de intenções? De nada adianta os entes federativos firmarem termo de compromisso, pacto, acordos, protocolo de intenções. Intenção não obriga ninguém. Há necessidade de se dar efetividade a regionalização, explicitando os compromissos dos dirigentes da saúde, seus limites, a divisão das atribuições, os recursos financeiros, as punições pelo descumprimento de responsabilidades etc.” SANTOS, Lenir. Op. cit. p. 757.

[18] Em sentido contrário, propugnando uma postura mais proativa do Poder Judiciário, ver: KRELL, Andreas J.. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha: os (des)caminhos de um direito constitucional comparado. Porto Alegre: Sergio Fabris, 2002.

[19] Casos excepcionais excetuam a regra aqui posta. Mas para a prevalência de tais exceções, requisitos específicos devem ser observados. Estes serão colocados ao longo deste estudo.

[20] Ao final deste estudo é colacionada a decisão em comento no apêndice.

[21] Consultor Jurídico: http://conjur.estadao.com.br/static/text/53331,1, 20/06/2007.

[22] Idem.

[23] É importante lembrar que não foi a primeira vez que houve julgamento do Excelsior Tribunal levando em consideração a reserva do possível. Importantes decisões da Suprema Corte levaram em consideração a condição financeira do Estado e os seus múltiplos deveres para que houvesse escusa juridicamente oponível a descumprimento de decisões judiciais. Nesse sentindo a IF 2915/SP e 3091/RS.

[24] A Ministra Ellen Gracie fez questão de ressaltar essa peculiaridade dos pedidos de suspensão de antecipação de tutela. Ibidem.

[25] A “Farmácia Popular” é uma das políticas públicas da União que, por meio do Ministério da Saúde, vem buscando a ampliação do acesso da população a medicamentos, como insumo estratégico da Política de Saúde. Assim, assegura-se medicamentos essenciais e básicos à população. Esses propósitos envolvem medidas nas quais se disponibilize medicamentos a baixo custo para aqueles cidadãos que adquirem seus medicamentos e tratamentos na rede privada ou que pelo menos tentam adquiri-los, evidenciando então o aludido princípio da universalidade do acesso às ações e aos serviços públicos de saúde, como também o princípio da integralidade da assistência à saúde. Conforme a Constituição de 1988 e a Lei Orgânica da Saúde (Lei 8.080/90), que consagram a saúde como direito de todos e dever do Estado, reafirmando os princípios da universalidade, integralidade e equidade, respeitando-se o caráter complementar do setor privado, enquadram-se medidas destinadas a assegurar o acesso universal a um elenco de medicamentos classificados como essenciais, fortalecendo as estruturas dos serviços de saúde e garantindo à população a viabilização de optar pela  aquisição de medicamentos a baixo custo, caso se dirija à rede privada de drogarias e não ao SUS.

[26] “O Ministério da Saúde estabelecerá mecanismos que permitam a contínua atualização da RENAME, imprescindível instrumento de ação do SUS, na medida em que contempla um elenco de produtos necessários ao tratamento e controle da maioria das patologias prevalentes no País. NOGUEIRA, Roberto Wagner Lima. Saúde, medicamentos, desenvolvimento social e princípios orçamentários. Revista Tribuária e de Finanças Públicas. n° 61. ano 13. RT: São Paulo, mar-abril/2005, p. 255.

Informações Sobre o Autor

Eduardo Valadares de Brito

Defensor Público Federal de Primeira Categoria com atuação perante o TRF5. Ex-Defensor Público do Estado de Alagoas Ex-Advogado da União Ex-Professor de Direito Tributário Estácio de Sá – Recife/PE Pós Graduado em Direito Constitucional pela Uniplac-DF Graduação pela UFPE


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Equipe Âmbito Jurídico

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