O Estatuto Nacional da Micro Empresa (ME) e da Empresa de Pequeno Porte (EPP), que até mereceu a denominação de “supersimples” enquanto em tramitação o respectivo projeto de lei complementar. Quando se converteu na Lei Complementar nº 123, de 14-12-2006, transformou-se em um instrumento normativo super complicado do ponto-de-vista operacional. Essa complicação se deve à ação de tecnocratas. Logo depois de sua aprovação, os mesmos tecnocratas engendraram outras emendas casuísticas, que resultaram na aprovação da Lei Complementar nº 127, de 14-8-2007, agravando a complexidade até então existente, sem contar a injustificada exacerbação da imposição tributária ao setor de prestação de serviços.
Agora, o Comitê Gestor do Simples Nacional – CGSN –, com base no Decreto nº 6.038, de 7-2-2007, baixou a Resolução nº 30, de 7-2-2008, disciplinando os procedimentos de fiscalização, lançamento e contencioso administrativo das ME e EPP optantes pelo Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições (Simples Nacional).
Essa Resolução, além de dúbia e confusa, avança sobre matéria reservada à lei, gerando conflitos e aumentando o grau de insegurança jurídica.
Vejamos, em rápidas pinceladas, os seus dispositivos principais.
Segundo o art. 2º, a competência para fiscalizar o cumprimento das obrigações principais e acessórias é da Receita Federal do Brasil e das Secretarias de Fazenda ou de Finanças do Estado ou do Distrito Federal, e também dos Municípios em se tratando de prestação de serviços incluídos na competência tributária municipal. Até aqui tudo bem.
Porém, o § 1º dispõe que a competência para fiscalizar abrange todos os estabelecimentos da ME e EPP, observado o disposto no § 3º. O § 2º, por sua vez, prescreve que a fiscalização municipal abrangerá todos os demais estabelecimentos da ME e da EPP, independentemente das atividades por elas exercidas, observado o disposto no § 3º.
E esse § 3º prescreve que na hipótese de realização, por Secretaria da Fazenda ou de Finanças do Estado, do Distrito Federal ou do Município, de ação fiscal em contribuinte com estabelecimento fora do âmbito de competência do ente federativo, este deverá comunicá-la à administração tributária do outro ente federativo para que, havendo interesse, se integre à ação fiscal.
Ora, o exercício da fiscalização de um ente político fora de sua base territorial depende de convênio firmado entre os entes interessados ou de normas gerais veiculadas por lei complementar, nos precisos termos do art. 102 do CTN. É o princípio da territorialidade das leis. Não basta a simples comunicação de que fala o § 3º.
Outrossim, os parágrafos 6º e 9º do art. 2º sob comento criam conflitos inevitáveis com a possibilidade de invasão das competências de cada ente da Federação. O § 6º autoriza o exercício pleno da competência fiscalizatória a qualquer ente da Federação, de forma individual, simultânea ou de forma integrada “mesmo para períodos já fiscalizados”[1], ao passo que, o § 9º estende essa competência fiscalizatória a todos os tributos abrangidos pelo Simples Nacional. Isso significa que um determinado Município pode, em tese, fiscalizar tributos municipais, estaduais e federais, inclusive fora de sua base territorial, mediante simples comunicação aos fiscos estadual e federal, abarcando períodos já fiscalizados pelo Estado ou pela União, por meio de seus órgãos competentes.
É verdade que o art. 4º determina o registro das ações fiscais abertas pelos entes da Federação no sistema eletrônico único disponibilizado no Portal do Simples Nacional, com acesso pelos entes políticos, devendo constar, entre outros dados, a data do início da fiscalização, a abrangência da fiscalização, o resultado e a data do encerramento. Mas isso não purga o vício representado pelo invasão de competência, nem elimina, por completo, o perigo de duplicidade de fiscalização.
Nos termos do art. 6º, verificada infração será lavrado o Auto de Infração e Notificação Fiscal – AINF – a ser utilizado por todos os entes da Federação, salvo nos casos de descumprimento das obrigações acessórias previstas na LC nº 123/06, quando serão utilizados os documentos de autuação e lançamento fiscal específicos de cada ente político.
Regulando o contencioso administrativo, o art. 11 prescreve a competência do órgão julgador integrante da estrutura administrativa do ente político que efetuar o lançamento ou a exclusão de ofício do Simples Nacional, observados os dispositivos legais atinentes aos processos administrativos fiscais desse ente político.
Além de versar sobre matéria reservada à lei em sentido estrito, a norma sob comento é inexeqüível, pois é sabido, por exemplo, que os Municípios só regulam os processos administrativos tributários em relação a seus tributos privativos.
O processo administrativo tributário, por se inserir no âmbito do Direito Administrativo, não é passível de disciplinação uniforme no âmbito nacional. A autonomia político-administrativa dos entes Federados impede a sua codificação. O que é possível é a União editar normas gerais a respeito, porém, reservando a cada ente político os detalhes do procedimento administrativo regulando os respectivos processos administrativos tributários.
Os artigos 13 e 16 são arbitrários. Apesar de respeitar as penalidades definidas nas leis de cada ente político, definem outras infrações apenadas com multas que variam de 75% a 225% da totalidade ou da diferença do tributo não pago ou recolhido mediante remissão aos dispositivos de leis esparsas, que cuidam de tributos diversos.
Mais uma vez, pretende-se implementar o império da ilegalidade eficaz em substituição ao velho princípio da legalidade.
Na elaboração da Resolução sob comento faltou a mão do jurista com visão do ordenamento jurídico global. Com a sua entrada em vigor, certamente, aqueles que optaram pelo Simples Nacional ficarão mais inseguros.
Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.
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