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Microssistemas e suas interações: Em busca de uma Teoria Geral dos Microssistemas

Resumo: A teoria geral dos microssistemas ainda não se consolidou no direito brasileiro. Motivo pelo qual há que se estruturá-la, por intermédio de pressupostos axiológicos e dogmáticos. Dessa forma, este estudo tenta adequar os elementos por meio dos quais os estudiosos do direito se valerão para identificar um microssistema no direito brasileiro.


Sumário: 1. Introdução; 2. Contextualização cronológica dos microssistemas; 3. Diálogo de fontes; 4. Adequação principiológica dos microssistemas; 5. Identificação de alguns microssistemas; 6. Conclusão; 7. Referências


1. INTRODUÇÃO


Os microssistemas representam uma inovadora onda no Direito brasileiro. É o efeito de uma evolução na forma de se conceber o direito, é efeito de uma superação consistente da estrita legalidade, cominada na teoria pura do direito.


O Direito não mais permite que a teoria pura do direito prospere. Não mais permite que a mais suprema e inconteste fonte do direito seja a lei. O direito superou aparentemente e teoricamente a atribuição mais primeva de relevância ao legislador. O Direito instaurou um precioso espaço ao campo da argumentação, ao campo da hermenêutica.


O Direito não prende mais seus holofotes a uma moldura kelseniana, o direito aspira por axiologia, aspira por um dinamismo maior de uma ciência. Os estudiosos desta ciência têm arrepios por uma ciência engessada, amarrada e imutável.


Nesse momento o direito compreende a sua insuficiência e sua necessidade de constante aprimoramento.


O momento é de constatação de que os ramos do direito precisam de se comunicar, precisam encontrar a melhor ciência e o melhor caminho para dirimir problemas sociais, esses tão contributivos para um processo de desarmonia entre os cidadãos.


Um passo importante dado pelo direito no processo dialético da ciência do direito se perfaz por meio dos microssistemas.


Diante disso, neste trabalho se objetiva identificar elementos ou mecanismos por meio dos quais se faz possível uma teorização geral dos microssistemas.


2. CONTEXTUALIZAÇÃO CRONOLÓGICA DOS MICROSSISTEMAS


O direito é uma ciência que pós-modernamente se preocupa mais com a argumentação do que em outros momentos cronológicos.


Para se vislumbrar um microssistema é essencial, preliminarmente, sopesar o contexto histórico capaz de abraçar os microssistemas no seio do direito brasileiro.


Os microssistemas são frontalmente paradoxais ao afã codificador da ciência do Direito. Isto é, os microssistemas vêm para comprometer a existência dos códigos.


Códigos que têm historicamente maior grau de abrangência temática. O que torna árduo o processo de construção da inteireza de um código. Nesse ponto, é prioritário identificar que a maior abrangência temática é prejudicial ao processo de modificação da estrutura de um código.


Os microssistemas são mais casuísticos, preocupam-se mais com temas específicos. Por isso, estão se alastrando no direito brasileiro.


Ao se inserir, ao se romper a idéia de codificação se tem o contexto da descodificação. Vale afirmar, saem de cena os códigos de larga abrangência temática e dão espaço aos múltiplos microssistemas,


Outro elemento bastante salutar, reputa-se,  para a contextualização dos microssistemas, consiste na disseminação de cláusulas gerais.


As cláusulas gerais ganham corpo no direito a partir da constatação de que estas são capazes de flexibilizar o apego extremado ao texto legal. Dessa maneira, teratológico é constatar que tão somente a fonte legal é aquela aceitável no direito. Em verdade, as cláusulas gerais são mais capazes de sobreviver ao longo do tempo, pois permitem um maior trabalho hermenêutico e, portanto, um maior trabalho de adequação da cláusula geral ao momento vivido.


Exemplo cabalístico da tendência de sobrevivência das cláusulas gerais é a teoria dos atos de comércio, concernente ao artigo 19 do regulamento 737 e o artigo 966 do Código Civil brasileiro, abalizador da teoria da empresa.


A teoria dos atos de comércio de inspiração francesa preconiza que só será considerado um ato comercial se houver previsão rígida e estrita no texto legal. Vale afirmar, esse viés teórico se coaduna intensamente à teoria pura do direito. Posto que há uma preocupação com uma coerência extremada do ordenamento jurídico, trata-se de uma busca incessante pela sistematicidade.


No viés anteriormente propagado é latente que o ordenamento jurídico se vale de fórmulas sobre as quais não incidem questionamentos mais intensos.  Motivo pelo qual o trabalho hermenêutico é reduzido. O dever é perquirir antinomias, incongruências e identificar se a interpretação não foi além da suposta moldura do ordenamento.


A teoria dos atos de comércio, portanto, se coaduna com a teoria pura, e com a estrita legalidade. E firma que somente será considerado ato comercial se estiver minuciosamente previsto no artigo 19 do regulamento 737. Segundo o qual:


a. compra e venda de bens móveis e semoventes para revenda ou locação;


b. câmbio (troca de moeda estrangeira);


c. bancos (comerciante nato; surge junto com o comércio; bancos podem falir, como qualquer comerciante, além de sofrer liquidação extrajudicial ou intervenção extrajudicial pelo Banco Central; nestes dois últimos casos, não poderá falir, exceto se requerido pelo liquidante ou interventor;


d. transportes de mercadorias (atividade vinculada ao comércio);
e. fabricação, consignação e depósito de mercadorias (industrial em geral);


f. espetáculos públicos (teatro, cinema, etc.);


g. contratos marítimos em geral;


h. fretamento de navios;


i. títulos de créditos em geral (os títulos de créditos rurais eram reputados civis)”; (BRASIL, 2005)


O artigo 966 é sim consagrador da teoria da empresa e segundo Fábio Ulhoa Coelho, é possível extrair a habitualidade, a pessoalidade, o profissionalismo, a circulação de mercadorias e serviços, bem como os fatores de produção.


Nessa seara, é perceptível que o artigo 966 tem inspiração italiana, e que o trabalho hermenêutico é substancial. Pois para se classificar um ato como empresarial é necessário refletir sobre a existência dos elementos supramencionados. Não basta, como nos atos de comércio, observar um preceito, que se subsumido será ato de comércio é necessário interpretar.


Neste ponto, aponta-se que os elementos que foram apontados, podem persistir ao longo do tempo. Isto é, sempre haverá espaço hermenêutico para a  interpretação de expressões como profissionalismo. O que pode se verificar é uma modificação na forma como se concebe a expressão, mas, a expressão terá pertinência por largo lapso temporal, e então, a sobrevivência textual legal do artigo 966 é mais tendente.


Um dos motivos pelos quais os atos de comércio não sobreviveram se deve ao fato de que constantes modificações legislativas seriam necessárias para o acompanhamento das peculiaridades sociais, o que geraria grande labor ao legislador e graves efeitos práticos empresariais. Ora, certamente é mais racional um trabalho hermenêutico mais apurado, como na teoria da empresa, do que propriamente uma estrita legalidade como na teoria dos atos de comércio. Pois naquela teoria há mais inclinação à sobrevivência temporal.


Outro motivo de não sobrevivência da teoria dos atos de comércio nos países em geral e no Brasil, deve-se ao fato, segundo a autora Maria Celeste Guimarães, de que não houve conceituação dos “atos de comércio”.


O propedêutico cotejo entre a teoria dos atos de comércio e a teoria da empresa é importante para se identificar uma das particularidades cronológicas vivida pelos microssistemas. Isto é, para a adequação dos microssistemas é necessário identificar que eles se inserem em um contexto descodificador.


Dessa forma, para César Fiúza o contexto próximo dos dias atuais se concerne à teoria da argumentação. Teoria essa, que rompe com o positivismo. Rompe com a idéia liberal da escola da exegese (interpretar o direito civil como um sistema fechado), de Hans Kelsen, Norberto Bobbio e Augusto Comte e passa a convergir à idéia da argumentação de Viehweg e Perelman.


César Fiúza, em uma contextualização argumentativa, cita Rudolf Von Ihering, este que teria dado ensejo à jurisprudência dos interesses. Essa que tem papel relevante na construção de um cenário argumentativo, tão importante ao contexto pós-moderno dos microssistemas.


Acerca da jurisprudência dos interesses, na mesma linha teórica, identifica-se que o juiz deve perseguir a razão legislativa  da norma. E a partir dessa perquirição, o representante do Estado em sua atuação deve adequar os variados interesses contemplados ao caso concreto. E caso se perfaça alguma lacuna, o juiz deverá criar critérios axiológicos. O que seria uma certa atuação utilitarista,nos moldes teorizados por Philip Heck.


A jurisprudência dos interesses, nos moldes ventilados no parágrafo anterior, transmite contraposição ao positivismo. Pois neste condão o direito deve ser visto na prática e não na abstração. Concepção essa é nominada por Hegel, interpreta-se, de efetividade. Vale preponderar, a comprovação do negativo e do reconhecimento na prática, de forma subsumida.


Diante disso, Ricardo Lorenzetti acerta ao concluir hegelianamente, no sentido de fomentar que o direito não é dedutivo e sim dialético. Essa conclusão é também fundamental à contextualização dos microssistemas.


Até o presente momento foram apontados dois elementos de contextualização dos microssistemas. Quais sejam, a descodificação, bem como a inserção de cláusulas gerais. O que se percebe em relação às cláusulas gerais e que estas pairam inclusive sobre códigos, trata-se de um fenômeno que se alastra sobre sistemas e microssistemas.


Importante é ressaltar o pensamento de Planiol, em 1899, nas palavras de César Fiúza, este que orienta os seus interlocutores no sentido de cristalizar que a função da lei é codificar, é instrumentalizar, é positivar o anseio das partes. Vale proferir, é cominar a autonomia privada, através da qual o anseio das partes, em estrita consonância à vontade das partes, pode ser exercido. Mas,  o pensamento de Planiol ainda parece arraigado à idéia de codificação e legalização, dissonante da idéia de descodificação, tão argumentado neste trabalho.


Outro elemento contextualizador consiste na flexibilização da legalidade. Nesta flexibilização, percebe-se, como já se apontou, um maior espaço para a axiologia. Um maior espaço para a interpretação do texto legal, uma maior busca pela identificação do sentido legislativo, do espírito da lei.  Percebe-se uma maior participação jurisprudencial, e teórica.


O que se encontra no contexto pós-moderno é uma multiplicidade de fontes do direito, todas legitimadas no processo de construção de uma melhor ciência do direito. Nesse ponto, há uma influência hegeliana nítida na onda pós-moderna. Haja vista que, é necessária a sapiência de que a ciência do direito está em constante construção, e o trabalho interpretativo é fundamental na aludida construção.


Além da multiplicidade de fontes igualmente legitimadas, da descodificação, das cláusulas gerais, e da flexibilização da legalidade, via de conseqüência, encontra-se a flexibilização do primado da lei. De maneira que, o direito tem diversas fontes legitimadas, não tão somente a lei.


Como se não bastasse a constitucionalização surge como elemento impactante do contexto dos microssistemas. Sabido é que todas as interpretações devem ser feitas conforme a Constituição da República, sem qualquer contrariedade. A constituição tem força suprema no direito brasileiro e essa constatação é emergencial na construção de uma teoria geral dos microssistemas.


Francisco Amaral acredita que outros elementos seriam contributivos para caracterizar o contexto. Entre os quais, a flexibilização do primado da lei, uma quebra da extrema generalidade e abstração e da flexibilização da dicotomia entre direito público e direito privado.


César Fiúza aborda a crise da sistematização como importante também para a contextualização. A citada crise é importante para a superação de corolários liberais.


Segundo Fiúza, a como elemento entre a década de 70 e 80 reinava a primazia do positivismo. Positivismo, repita-se que está criticamente em crise, por diversos motivos. Certamente é impossível um texto legal capaz de prever todos os comportamentos humanos e possibilidades de acontecimentos.


 Nas invocadas décadas já havia uma flexibilização da legalidade, mas, resíduos positivistas ainda se alastravam.


Ricardo Lorezentti auxilia o estudioso no processo de contextualização. Segundo o autor, o que se tem num viés pós-moderno é uma sociedade plural, complexa, marcada por uma revolução da técnica, massificada em seus meios de comunicação, e com uma economia mundializada.


A superação destes corolários do Estado Liberal promovem a chegada à pós-modernidade, enfatize-se, segundo Fiúza, a partir da descodificação,  da quebra da dicotomia entre direito público e direito privado, do maior solidarismo e menor individualismo, além dos demais escopos propagados ao longo deste trabalho.


Para se entender os microssistemas é necessário atualizar a visão de Código como monopolizador. Atualizar é romper com a idéia de código de um Estado liberal burguês. Conforme já se afirmou, são criados em um contexto descodificador, espaços para Códigos das famílias, do inquilinato, dos contratos imobiliários, dos condomínios, dos títulos de crédito, do consumidor.


O contexto pós-moderno é argumentado do modo seguinte, segundo Francisco Amaral:


“A incapacidade do Direito moderno de responder as questões fundamentais como, por exemplo, a justiça social, o bem comum, e as pertinentes ao início e ao fim da personalidade e dos seus efeitos, assim como também a “inadequação metodológica relativamente ao problema concreto específico da realização do direito; Um certo retorno ao irracionalismo, no sentido de oposição à razão totalizadora do pensamento jurídico da modernidade; A passagem do individualismo ao solidarismo, ou solidariedade social, expressa na nova concepção de pessoa, não mais o sujeito abstrato e formal da modernidade, mas a pessoa engajada no seu meio social; O pluralismo das fontes de direito e a importância crescente dos princípios jurídicos na gênese da norma jurídica aplicável ao caso concreto; A possibilidade e o reconhecimento da individualização e concretude das normas jurídicas que levam em consideração os aspectos particulares dos casos concretos; A perda da certeza jurídica, a insegurança e a incerteza no direito com a conseqüente imprevisibilidade do que resulta a afirmação de que vivemos em uma sociedade de risco; A superação do formalismo jurídico, que levava ao “isolamento e alheamento dogmático das exigências e dos problemas histórico- sociais reais e actuais” em prol de uma tendência à “materialização” do direito, isto é, uma tendência ao particularismo jurídico na criação do direito e a utilização de razões materiais pelos órgãos aplicadores do direito. Conseqüentemente, o direito não se apresenta mais como um sistema completo e coerente, capa de dar resposta a todas as questões jurídicas; A constitucionalização dos princípios fundamentais do direito privado, no sentido da sua recepção pelo texto constitucional, que passa a ser o estatuto central da sociedade  civil e política, e, conseqüentemente, a perda da centralidade sistêmica do Código Civil , própria do direito moderno; Relativização da dicotomia Estado X Sociedade Civil, ou público privado, surgindo um terceiro setor, o dos interesses públicos, porém não estatais, ora a cargo de entidades ou associações não-governamentais; Superação do princípio da divisão dos poderes na criação do direito, reconhecendo-se que aplicar é também criar direito; Crise e até superação da idéia  do direito como sistema de normas hierárquicas e axiomáticas. O direito deixa de ser visto como um sistema de normas e passa a ser visto como sistema de procedimentos, superando-se o pensamento sistemático em prol do pensamento problemático; Personalização do direito civil, no sentido  da crescente importância da vida e da dignidade da pessoa humana, elevados a categoria de direitos fundamentais ou humanos, que “constituem o núcleo das Constituições dos sistemas jurídicos contemporâneos”. (AMARAL, 2003, p. 74-76)


Neste mundo tecnológico, globalizado, com estreitamentos de fronteiras, assustadoramente cosmopolita e pluralista que se insere a pós-modernidade. Período esse, que constrói vasto espaço para a constitucionalização, para a flexibilização do primado da lei, da legalidade, e para a descodificação e outras tantas particularidades. Diante disso, é com a precisão contextual que se tem a adequação hermenêutica dos microssistemas.


3. DIÁLOGO DE FONTES


Importante risco concernente aos microssistemas consiste na possibilidade de incidência de conflitos de normas dos microssistemas com as normas sistêmicas.


Normas que em busca de uma coerência do ordenamento jurídico, caso se perfaça um conflito, exigem critérios de solução. Segundo Norberto Bobbio, alguns critérios podem ser invocados. Notadamente o critério da especialidade, que estabelece que a lei especial se sobrepõe à lei geral.


Outro critério importante diz respeito ao critério da temporalidade. Critério que afirma que a lei mais nova se sobreporá à lei mais velha. E portanto, será aquela a norma regente.


E outro destacado critério consiste na hierarquia. Critério este que constrói a idéia de que a lei maior, a lei considerada mais exponencial, conforme os critérios legislativos estatais adotados se sobreporá a lei hierarquicamente inferior.


Todos esses critérios são relevantes para o entendimento dos microssistemas. São relevantes para a sua inserção harmônica no Direito brasileiro.


Na concepção de Cláudia Lima Marques, que tem suas atenções voltadas ao microssistema do Direito do Consumidor, existem elementos para a construção de um diálogo de fontes, um sistema “sui generis” de diálogo de fontes.


Cláudia Lima Marques atribui como primeiro diálogo, que as normas conflitantes, as normas em análise podem se complementar, ou melhor, uma norma pode servir de base para outra. O que nominado diálogo sistemático de coerência.


Um segundo diálogo, nominado diálogo sistemático de complementariedade e subsidiariedade de antinomias aparentes ou reais, também permite uma relação complementar entre as leis supostamente conflitantes. Este critério, almeja uma relação de coordenação entre as leis, culminando até mesmo a possibilidade de uma complementariedade principiológica, no que for reputado como necessário ou em caráter subsidiário.


Em um terceiro diálogo, nominado diálogo das influências recíprocas sistemáticas, tem-se a redefinição do campo de aplicação.


Todos esses critérios de solução de conflitos são preciosos em um estudo que pretenda sopesar acerca dos microssistemas, e somente a partir da superação destes se faz possível o enfrentamento das complexas questões que perpassam os microssistemas, pois estes são os critérios que permitem a teorização sobre uma questão preliminar de aplicação e incidência dos salientados microssistemas.


4. ADEQUAÇÃO PRINCIPIOLÓGICA DOS MICROSSISTEMAS


A principiologia dos microssistemas inicialmente deve ser construída a partir da identificação dos princípios que abalizam o sistema em comento. Exemplificadamente, se se estiver diante de um microssistema que tenha sua gênese contemplada ao direito penal, certamente não poderão ser ignorados os princípios da presunção da inocência, legalidade, taxatividade, intervenção mínima, lesividade, entre outros.


O foco do presente trabalho é o direito privado, neste âmbito na construção de uma principiologia dos microssistemas, em primeiro plano é devido identificar os princípios que abalizam o sistema que repercutiu como o sistema que abalizou o  microssistema. Em segundo plano a principiologia específica do microssistema. E se acredita, que em terceiro plano poderia ser a tentativa de harmonização entre sistema e microssistema.


Especificamente em relação ao direito privado é possível identificar a nova principiologia como aquela gama de princípios genéricos, que juntamente com os princípios específicos de cada microssistema que se constrói a proposta principiologica dos sistemas em foco.


Um princípio destacável diz respeito à dignidade da pessoa humana. Princípio corolário e central de todo o ordenamento constitucional e infraconstitucional. Aquele que é posicionado como um fundamento de toda a Constituição da República Federativa do Brasil.


Dignidade que é o conteúdo da personalidade, é o bem jurídico mais corolário e estruturante do indivíduo. Dignidade que é construída a partir do respeito à integridade física e intelectual. Respeito que se inexistir fadada estará a Constituição à morte, e inócua será a existência daquele vilipendiado em sua dignidade.


Outro relevante e estruturante princípio consiste na função social. Função que é elemento de impacto no Código Civil de 2002. Elemento capaz de viabilizar a migração da clássica autonomia da vontade para a autonomia privada.


A função social mitiga o caráter egoístico inerente ao homem. É mister que os comportamentos humanos se inclinem no sentido de prestigiar direta, indireta, parcialmente ou plenamente a coletividade.


A função social merece estado de princípio, pois o seu posicionamento dogmático permite aos estudiosos a exigibilidade, a coercitividade, a normatividade inerente aos princípios. Não mais é racional se permitir aos indivíduos comportamentos que não sejam mesmo que minimamente contributivos à sociedade.


A autonomia privada deve ser inserida no rol de princípios dos microssistemas. Autonomia privada que modificou a forma interpretativa da autonomia da vontade.


A autonomia da vontade sim é traduzida como a liberdade concernente aos indivíduos em um determinado Estado, sem a perpetração de proibições mais contundentes do referido direito.


O elemento que capacitou a migração da clássica autonomia da vontade para a autonomia privada foi a intervenção estatal. Não há como negar que há um dualismo entre liberdade estatal e liberdade individual. Nesses ditames, quanto mais inclinado estiver um Estado à liberdade estatal, mais próximo de um Estado máximo os cidadãos estarão.


Em relação à invocada intervenção, inequívoco é o surgimento da função social para conter a liberdade. Concebe-se que o indivíduo não pode se portar de qualquer forma, não pode se portar ignorando a coletividade, é necessário que se comporte de forma a beneficiar a coletividade.


A autonomia privada traz consigo corolários. Quais sejam, segundo César Fiúza:  princípio da liberdade de contratar; princípio da liberdade contratual; princípio da relatividade contratual; princípio do consensualismo; princípio da auto-responsabilidade; princípio da imutabilidade ou intangibilidade; princípio da irretratabilidade; princípio da obrigatoriedade.


O princípio da boa-fé é estruturante do sistema brasileiro e também será destacada na principiologia dos microssistemas. Este objetiva a prática constante dos deveres de lealdade, transparência e informação entre os contratantes, tanto sob a égide comportamental quanto sob a égide psíquica.


Na concepção do professor Cesar Fiúza:


“Este princípio tem funções interpretativa, integrativa e de controle. Em  função interpretativa, o princípio manda que os contratos devam ser interpretados de acordo com seu sentido objetivo aparentemente, salvo quando o destinatário conheça, a vontade real do reclamante. Segundo a  função integrativa, percebe-se que o contrato contém deveres, poderes, direitos e faculdades primários e secundários. São eles integrados pelo princípio da boa-fé. Em sua função  de controle, o princípio diz que o credor, no exercício de seu direito, não pode exceder os limites impostos pela boa-fé, sob pena de proceder ilicitamente. A função de controle tem a ver com as limitações da liberdade contratual, da autonomia da vontade em geral e com o abuso de direito”. (FIÚZA, 2010, p. 44-45).


Este princípio é fracionado em boa-fé objetiva e subjetiva. A primeira das quais apresenta facetas. Quais sejam, limitativa, integrativa e interpretativa. Facetas essas que estão preocupadas em averiguar a existência de lealdade, transparência e informação no mundo jurídico. E a de ordem subjetiva está preocupada com a observância dos mesmos elementos, todavia, psicologicamente entre os contratantes.  


César Fiúza ainda destaca o princípio da justiça contratual, com amparo no qual as relações devem ser marcadas pela comutatividade. Vale afirmar, pelo equilíbrio genético e funcional das relações jurídicas. Princípio esse, que tem como propósito afastar prejuízos ou incongruências no que tangencia as prestações e as contraprestações destinadas pelos sujeitos contratuais.


Nesse princípio, há que se respeitar e se levar em conta propriamente a vulnerabilidade de alguma das partes, elemento esse que perpassa por alguns microssistemas e que deve certamente intervir no tratamento jurídico.


Princípio que tem forte ligação com o indeterminado conceito de justiça. Para César Fiúza: “presumida a justiça substancial, presumida estará a justiça contratual, cumprindo ao prejudicado provar a violação ao princípio da justiça contratual”. (FIÚZA, 2010, p. 46)


Sublinhe-se que além dos citados princípios existem outros princípios de ordem genérica, que variarão segundo a raiz do microssistema, e outros de ordem específica.


5. IDENTIFICAÇÃO DE ALGUNS MICROSSISTEMAS


Maria de Fátima Freire de Sá e Bruno Torquato Naves traçam pressupostos existenciais de microssistemas. Pressupostos que serão analisados e por fim, ao longo deste capítulo haverá a reflexão acerca de alguns supostos microssistemas.


 Segundo esses autores, um microssistema, exige uma nova ordem. Exige-se um novo norte de ditames.


Acerca da propalada nova ordem, são importantes em relação ao microssistema a existência de princípios novos. Isto é, segundo os autores, de elementos normativos, deontológicos, objetivos, dogmáticos e imperativos inovadores. Além de institutos próprios.


Vale afirmar, o microssistema deve trazer consigo comandos e concepções de comando diversas do que se concebe em relação ao restante do sistema jurídico.


Em relação ao biodireito, são localizados os subseqüentes princípios segundo Sá e Naves:  Responsabilidade, dignidade e autonomia privada.


Repare-se que a dignidade e autonomia privada são princípios genéricos. Entretanto, conforme já se externou, nada obsta a existência de princípios genéricos para fins de configuração de um microssistema.


Nesse ínterim, explica Sá e Naves que o princípio da responsabilidade seria um princípio concernente ao médico. Isto é, o médico tem o dever de se portar diligentemente e respeitosamente em relação ao seu paciente, primando por sua integridade física e intelectual. Nesse princípio, percebe-se uma particularidade, o que daria ensejo a construção de um microssistema.


Sob a égide principiológica já foram localizados princípios genéricos e específicos, o que já caracteriza o biodireito como um microssistema. E como se não bastasse são localizados inúmeros institutos próprios, que basicamente são operantes no biodireito.


Entre os institutos próprios, percebe-se a clonagem humana, a fertilização in vitro, pesquisas com células tronco, transgênicos, e outros.


Em relação ao biodireito, é incontroverso o surgimento de institutos e princípios próprios, o que permite a configuração de um microssistema.


O Direito do Consumidor é farto em Princípios. Entre os quais, a Vulnerabilidade, Princípio da Defesa do Consumidor, Princípio da Boa-Fé objetiva(marketing de defesa do consumidor, convenção coletiva de consumo, recall). O segundo princípio se mostra particular e específico ao consumidor, o que converge o direito do consumidor à condição de microssistema.


Bem como o princípio da educação, informação, da confiança, da segurança, da qualidade e do combate ao abuso.


O Direito do Consumidor, híbrido em sua natureza, por trazer dispositivos de ordem pública e privada, é um microssistema. Ante a sua principiologia e em decorrência de institutos típicos, como as variáveis responsabilidades contempladas aos fornecedores conforme a natureza do vício. Variável se for um vício por insegurança, por quantidade ou qualidade.


Além de outros institutos próprios, como a conceituação do fornecedor e do consumidor propriamente dito ou equiparado, e outras tantas particularidades.


No que tangencia o Estatuto do Idoso, inegável é sua tipicidade quanto a abrangência. Trata-se de um híbrido sistema, que visa tutelar basicamente idosos.  Também pode ser considerado um microssistema, ante a sua intensidade no tratamento jurídico concernente a uma classe. Não há outro instrumento normativo que se preocupe tão solidamente com uma defesa tão ampla de idosos. Por esta especificidade protetiva, o Estatuto do Idoso merece estado de microssistema.


O Estatuto do Idoso, ainda traz alguns institutos próprios, como o transporte interurbano gratuito caso haja o preenchimento de condições muito especiais presentes no artigo 39 da Lei 10.741/03.  Assim como a acessibilidade ao lazer com requisitos específicos para o seu exercício.


A prisão domiciliar a ser gozada em decorrência da idade do agente, é a única hipótese do direito brasileiro que transmite esse elemento. Além de particularidades espalhadas pelo ordenamento jurídico, como atenuantes, redução do lapso temporal prescricional, entre outras.


O último microsssistema a ser sopesado consiste no Estatuto da Criança e do Adolescente, que transmite inúmeras particularidades e que merece igualmente estado de microssistema, uma das particularidades de ordem princiológica. Qual seja, o melhor interesse da criança.


 E institutos específicos tantos, como o ato infracional, previsto no artigo 103 da Lei 8.069/90. As medidas sócio educativas, previstas no artigo 112 da mesma lei. A liberdade assistida do artigo 118, a semiliberdade do artigo 120. A hipótese de internação do artigo subseqüente, as medidas preliminares aos pais, do artigo 129, e inúmeras outras especificidades.


Importa por fim ponderar, que caso alguma ordem jurídica preencha os pressupostos sedimentados neste estudo, certamente se estará diante de um microssistema.


5. CONCLUSÃO


Este trabalho objetivou identificar mecanismos capazes de estruturar uma teoria geral dos microssistemas.


Entre os elementos fundadores de uma teoria geral dos microssistemas, inicialmente está identificação do contexto pós-moderno.


Em segunda medida, identificar que os microssistemas são frutos de leis extracodificadoras, e que necessitam de absoluta harmonia com os grandes sistemas.


Árduo é desde antes mensurar se os microssistemas têm a pretensão revogatória em relação ao sistema. É necessário, neste âmbito, sopesar cada um dos institutos e em meio a todas as fontes, tentar sistematicamente aprimorar cotidianamente a ciência do direito.


Complexo seria também proferir desde antes quais são os microssistemas no Brasil. Em verdade se faz imprescindível identificar os fenômenos que amoldam os microssistemas, e por conseguinte tentar identificar quais seriam os microssistemas.


Em uma teoria geral dos microssistemas, não se deve hierarquizar as suas fontes em detrimento das fontes do sistema. Em um diálogo de fontes, há que se perseguir uma harmonia entre microssistemas e sistemas, e aí sim será possível construir as mais sólidas bases microssistemáticas.


 


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Informações Sobre o Autor

Hugo Rios Bretas

Professor de Direito Empresarial, Direito do Trabalho e Filosofia do Direito da Puc-Minas. Coordenador e professor de Direito Civil, Penal e do Consumidor no preparatório Projeto OAB na mesma Instituição. Professor do Cursinho preparatório da Serjus Coordenador em Minas Gerais do grupo de pesquisas do IRIB. Mestrando em Direito Privado, Pós-graduado em Direito Civil e graduado em Direito pela PUC-Minas. Advogado


Equipe Âmbito Jurídico

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