Resumo: A relação transversal entre a mídia e Segurança Pública consubstancia um vínculo fulcral, mormente a partir da década de 90 no Brasil em que programas de tv com viés policial e linguagem sensacionalista ganham destaque, adentrando nos lares com suas cenas dantescas, repletas de sangue, divulgando imagens de criminosos estigmatizados com seus traços veiculados como se fossem quase lombrosianos, pelas narrativas da linguagem própria dos veículos de comunicação de massa, aliados ao aparelho repressivo estatal através da Segurança Pública, traduzindo-se essas imagens como um produto de consumo e elemento galvanizador para a sensação de insegurança da contemporaneidade. O estudo sob exame analisa sob o viés do direito fundamental à imagem, tendo com cerne a nossa Constituição Federal Brasileira, o uso de imagens de presuntivos criminosos antes do julgamento definitivo do processo como um julgamento antecipatório num viés punitivo da sociedade. Ademais a avaliação em epígrafe visita o conflito ético- simbólico entre o Direito à imagem como direito da personalidade do indivíduo em confronto ao Direito à Informação e à Segurança Pública.
Palavras-chave: Mídia, Direito à Imagem, Direito à Informação, Segurança Pública, Contemporaneidade.
Abstract: The cross-sectional relationship between the media and Public Security is a crucial link, especially since the 1990s in Brazil where TV shows with a police bias and sensationalist language gain prominence, entering homes with their scenes dantescas, full of blood, divulging Images of stigmatized criminals with their features conveyed as if they were almost lombbrosian, by the narratives of the language proper of mass media vehicles, allied to the state repressive apparatus through Public Safety, these images being translated as a consumer product and galvanizing element to The sense of insecurity of contemporaneity. The study under analysis analyzes the use of images of presumptive criminals before the definitive judgment of the process as an anticipatory trial in a punitive bias of the society. We point out the ethical conflict – symbolic between the right to the image of the individual in relation to the Right to Information and Public Safety.
Keywords: Social Media, Image Rights, Right to information, Public Safety, Contemporaneity
Resumen: La relación transversal entre los medios y la Seguridad Pública consubstancia un vínculo fundamental, principalmente a partir de la década de los 90 en Brasil, en que programas de televisión con sesgo policial y lenguaje sensacionalista ganan destaque, adentrando en los hogares con sus escenas dantescas, repletas de sangre, divulgando Las imágenes de criminales estigmatizados con sus rasgos vehiculados como si fueran casi lombrosianos, por las narrativas del lenguaje propio de los medios de comunicación de masa, aliados al aparato represivo estatal a través de la Seguridad Pública, traduciéndose esas imágenes como un producto de consumo y elemento galvanizador para La sensación de inseguridad de la contemporaneidad. El estudio bajo examen analiza bajo el sesgo del derecho fundamental a la imagen, teniendo en cuenta nuestra Constitución Federal Brasileña, el uso de imágenes de presuntivos criminales antes del juicio definitivo del proceso como un juicio anticipatorio en un sesgo punitivo de la sociedad. Además la evaluación en cuestión visita el conflicto ético- simbólico entre el derecho a la imagen como derecho de la personalidad del individuo en confrontación al derecho a la información ya la seguridad pública.
Palabras Clave: Social Media, Derechos de imagen, Derecho a la información, Seguridad pública, Contemporaneidad
Sumário: Introdução. 1. Contexto histórico 2. A função da mídia. 3. A influência da mídia na segurança pública. Conclusão.
INTRODUÇÃO
O minotauro de Dante na sua odisséia com Virgílio em busca de sua Beatriz, o minotauro como fera violenta que pune e leva ao inferno àqueles que pecaram e cometeram crimes, assim, se apresenta a mídia de cunho policial na atualidade, a qual apresenta seu produto ao vivo e a cores como mercadoria de consumo, recheada com sangue e uso de imagens de pessoas que são despersonificadas, estigmatizadas e até desumanizadas em prol de um senso de segurança pública linkado ao anseio de punição simbólico, ao escracho esteoritipado , consubstanciando em dano efetivo à imagem.
Com escólio no art. 5º da Constituição Federal Brasileira de 1988, nos seus incisos, V, X e XXVIII, os quais explicitam três vertentes da imagem, ; sendo que no inciso V está consignada a imagem-atributo, conquanto a que está ligada ao conjunto de atributos da personalidade do indivíduo perante à sociedade ; ademais, no inciso X, está enfocada a imagem-retrato, a qual pertine à expressão física do sujeito ; e por último, a imagem do inciso XXVIII que está ligada ao direito do autor.
Exsurge da filosofia de Heidegger (1977), no seu ensaio A época das imagens no mundo, a idéia da imagem como representação do sujeito e da simbologia e relação dele com o mundo , senão vejamos in verbis :
« Uma vez que se esclareceu o caráter de imagem do mundo enquanto representabilidade do ente, devemos retraçar a força originária de nomeação da palavra e do conceito “representar”, ainda que estes estejam desgastados, para que se compreenda a essência moderna da representabilidade. Representar significa “pôr diante de si mesmo e de volta para si mesmo” [vor sich hin …zu sich her]. Através do representar, o ente alcança a constância de um estar [stehen] e assim recebe o selo de ser. O processo por meio do qual o mundo se torna imagem é o mesmo por meio do qual o homem se torna o subjectum em meio ao ente » (cf. apêndice 9).
Àvessa aos regimes totalitários, desde sua experiência como judia e a violência anti-semita do III Reich, e da ditadura da burocracia Stalinista e seu modo de dominação e manipulação das massas, Hannah Arendt desenha um indíviduo como filisteu, um burguês comum , tão somente preocupado com sua segurança e bem estar, bem como de sua família, sem se preocupar com a responsabilidade social e que faz tudo para manter essa presuntiva segurança e tranquilidade (ARENDT, 1998). Esse seria o espectador ávido pela informação policialesca, pelas imagens dos criminosos nos jornais do almoço e janta ao redor do Brasil ?
Na seara do estudo da democracia e do direito de informação, os filósofos Avram Noam Chomsky e Herman (1988) consideram um caráter bifronte , de um lado uma sociedade em que todos têm educação para entender e direito efetivo de acesso à informação, do outro lado, a premissa de que as massas devem ser mantidas afastadas da decisão política e por isso as informações deverão ser limitadas ou revestidas de simulacros, maquiagens. Dessarte, o que passam para os indivíduos é que a primeira acepção é fidedigna e real, que o povo tem acesso efetivo à informação, que aquela informação veiculada pela mídia é a correta e que tem como discernir o verdadeiro do falso ; porquanto , a mídia na verdade exerce a segunda função, pois não existe comunicação de massas, sem ideologia, e mensagens subreptícias.
O direito à informação , seria o direito à verdade ? A verdade vista por Heidegger como adequação e a verdade , numa segunda acepção, vista como desvelamento (Unverborgenheit). A essência, a existência e aparência platônicas corporificadas na imagem nos programas telivisivos policiais traduzem até que ponto a verdade, já que se espalham no tempo e no espaço do mundo globalizado, causando danos ao direito à personalidade.
O direito à informação , à liberdade de imprensa, a ser exercido como exclusão social, fulcrada no estigma dos indivíduos criminosos de tez escura, oriundos de favelas, com tatuagens, piercings e expressões estereotipadas como criminosas, como descreve Erving Goffman (2004), a respeito do controle de informação e identidade social do estigmatizado :
"Quando há uma discrepância entre a identidade social real de um indivíduo e sua identidade virtual, é possível que nós, normais, tenhamos conhecimento desse fato antes de entrarmos em contato com ele ou, então, que essa discrepância se torne evidente no momento em que ele nos é apresentado. Esse indivíduo é uma pessoa desacreditada e foi dele, fundamentalmente, que me ocupei até agora. Como foi sugerido, é provável que não reconheçamos logo aquilo que o torna desacreditado e enquanto se mantém essa atitude de cuidadosa indiferença a situação pode-se tornar tensa, incerta e ambígua para todos os participantes, sobretudo a pessoa estigmatizada."’
Corolário da concepção de que a mídia exerce um poder atrelado à ideologia e à propagação dela , reafirmando uma hegemonia, há de citar-se Althusser (1983), o qual elenca em uma lista nominada pelo próprio como empírica: o aparelho ideológico da informação , jornal, tv, atualizamos, com a conjuntura atual da sociedade pós high tech, a internet, sendo instrumento da ideologia hegemônica do Estado e nesse trilhar vamos percorrer a relação do direito de imagem, mídia e segurança pública num estudo perfunctório dentro da perspectiva da sociedade pós-estruturalista.
O desvelar dessa cultura de punição antecipatória e a descontrução da idéia da informação com uso de imagens de estigmatizados , será o escopo do presente trabalho dentro da perspectiva do direito fundamental.
1. Contexto histórico
Nos anais da história, a França foi a primeira nação a enunciar decisão judicial no que concerne o direito à imagem, no ano de 1858, especificamente, pelo Tribunal de Siene, em que foi usada a imagem no leito de morte da atriz Elisa Rachel Félix pela pintora O´Connel, sendo que a irmã de Rachel entrou com uma ação para garantir o seu direito à privacidade, o que foi acatado pela Corte Francesa.
Já nos Estados Unidos, a relação do direito de imagem dos presos e processados criminalmente não é matéria pacífica, havendo uma nítida cultura sensacionalista , que vai “over” limites para conseguir o lucro através da audiência televisiva, usando da prática do “perp walk”, praxis policial de expor os acusados à mídia, copiado aqui no Brasil a partir da década de 90, traduz muito do desvelamento e do simulacro da verdade descritos por Heidegger (2001) ao efetivar o desvelamento da metáfora da caverna de Platão, nos faz desvelar a intenção do lucro da indústria cultural na venda da matéria sensacionalista e a busca do holofote de algumas autoridades policiais para auferir cargos e posições, dessarte a imagem do indívíduo é um produto a ser consumido, senão vejamos, in verbis:
“A αλήθεια (na caverna) é, decerto, real, mas como tal, encobre a realidade lá fora. Junto com a realidade das sombras, realiza-se o desencobrimento lá fora. Com o retorno à caverna, o libertado aprende, então, pela primeira vez, a compreender que, juntamente com o desencobrimento, acontece também e deve acontecer o encobrimento, a aparência, o engano. É somente agora, pois, que se percebe a necessidade da libertação; que a libertação não pode levar para um gozo tranqüilo e para uma posse pacífica fora da caverna, mas que o desencobrimento se dá e acontece na história humana num debate ininterrupto e contínuo com a falsidade e a aparência. É daqui que nasce a percepção fundamental de que não se dá nem se pode dar verdade em si e por si, mas que toda verdade se dá e acontece no mais íntimo debate com o encobrimento, no sentido de deslocar e encobrir (…) O homem existe, simultaneamente, na verdade e na não-verdade, no encobrimento e no desencobrimento. Não são duas esferas separadas, de vez que todo ser e estar na verdade é disputa, uma luta. Permanecer na não-verdade é esmorecer na luta. Quanto mais agudamente o homem histórico, quanto mais intensamente um povo for tomado e pressionado, tanto mais necessária é a luta pela verdade; isso inclui o debate, a disputa e discussão com a não-verdade”.
O direito à informação verdadeira, não tão-somente à informação unilateral, é direito visto na exegese do que assevera Miguel Calmon Dantas no advento em que disserta sobre o direito fundamental ao máximo existencial (2011) como promoção à desmercantilização e à dignidade da pessoa humana, citando ESPING- ANDERSEN(1999), diante de uma contemporaneidade repleta de complexidade e riscos. Nesse viés, na Itália, houve decisão acerca do direito à imagem da pessoa jurídica, proferida pelo Tribunal. Termini Imerese, em 8 fevereiro 2011,in verbis:
“nella vicenda odierna non v’è dubbio che gli efferati crimini commessi dai mafiosi (Omissis), ampiamente divulgati dai mezzi di comunicazione, abbiano gravemente leso la reputazione della città di (Omissis) nell’opinione pubblica nazionale e internazionale e, al contempo, abbiano violato l’identità della medesima città, finendo per creare un clima di pesante intimidazione e di paura. Né, tanto meno, va trascurato che tale clima di oppressione mafiosa abbia inevitabilmente reso la cittadina poco attrattiva per qualsiasi investimento idoneo per una reale crescita economica e sociale della città, vista quasi come luogo emblematico del dominio esercitato dalla criminalità organizzata.”
No viés de defender o direito à liberdade de expressão, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, condenou Portugal em 17 de janeiro de 2017 no tocante a um editorial do jornalista José Manuel Fernandes, no jornal Público, sobre o juiz Noronha do Nascimento, no qual o jornalista epigrafado assinalou que o juiz referido representava “a face sombria da Justiça”, o que foi considerado difamatório pelos Tribunais Portugueses, que condenaram o jornalista a pagar ao juiz uma indenização de 60 mil euros. Nessa sentença do Tribunal Europeu, foi assinalada a falta de relação de proporcionalidade entre a restrição à liberdade de expressão do jornalista versus o bom nome de Noronha do Nascimento, já que contextualizado um debate público em torno da eleição de Noronha de Nascimento para presidente do Supremo Tribunal de Justiça, considerando que a atividade judiciária , conquanto o sistema judicial, em quaisquer sociedades democráticas são assuntos de interesse público, porquanto, a sociedade tem o direito de informação quanto a esses temas.
Encampado no cerne do direito à imagem como direito à personalidade e como direito fundamental, decisão recente da Justiça Brasileira no Estado de Alagoas, proferida pela Justiça Federal, no dia 24 de março de 2017, o juiz Alberto Jorge Correia de Barros Lima decidiu que os agentes públicos estaduais não podem mais usar as imagens de presos provisórios ou aguardando julgamento em exposição a cinegrafistas e fotógrafos dos veículos de comunicação no Estado de Alagoas, atendendo ação civil pública da Defensoria Pública do referido estado, visando evitar o prejuízo ao princípio da presunção de inocência e possíveis danos ao direito à personalidade. O juiz em epígrafe ressalva que dentro dos limites da lei, o direito à liberdade da imprensa será preservado, bem como o direito à informação, que em alguns casos será possível a divulgação do nome, características e imagem do indivíduo, para que não seja configurada censura.
2. A função da mídia
Desde a democratização do Brasil, a mídia tem um papel extremamente relevante para a população. Pode-se entender como mídia, qualquer meio de comunicação capaz de transmitir informações às pessoas. No presente trabalho como já mencionado anteriormente, será abordado a mídia televisiva.
O termo mídia é um termo latino que teve origem nos Estados Unidos, no final do século XIX. O termo surgiu para designar três inventos da época: o telégrafo, a fotografia e a rádio. Esta designação ocorreu pelo fato de se tornar possível a transmissão de mensagens entre pessoas distantes (RODRIGUES, 2005).
A função da mídia é transmitir informações para a sociedade de maneira fidedigna. É através dela, que a população fica informada sobre os diversos ramos, tais como economia, saúde, segurança pública, dentre outros. Por outro lado, a mídia também é utilizada como uma forma de entretenimento.
Todavia, a cada dia, os programas televisivos de vertente policial vêm tomando uma grande parte do tempo da programação e alcançam os maiores índices de audiência. Não se pode olvidar, que considerável número de pessoas se deixam influenciar pelas informações passadas na tv. Na realidade, os programas televisivos se tornaram formadores de opinião e não raras vezes manipulam os seus telespectadores a pensar e agir de determinada maneira.
De acordo com o entendimento de Luiz Flávio Gomes, “a mídia não é um poder (não é o quarto poder). É uma força relevante dentro da democracia, tanto quanto o é a advocacia, a defensoria, o Ministério Público, a polícia etc” e, é através dela, que se garante o direito constitucional à informação.
É cediço que o acesso à informação é um direito fundamental e está previsto no artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, em seu inciso XIV, quando preceitua que: “é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”.
Ademais, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu artigo 19º dispõe que: “Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão”.
Nesse diapasão, é importante salientar que esse Direito à Informação, delineado na nossa Lei Maior, jamais poderá violar outros direitos fundamentais, tais como a honra e a imagem dos indivíduos. É necessário que haja um jornalismo sério e responsável, que se preocupe em analisar a veracidade das informações passadas e respeite os direitos e garantias constitucionais das pessoas. Como bem ressaltou Alzira Alves de Abreu, em seu artigo Jornalismo Cidadão:
“O jornalismo cidadão deve ser entendido como um dos meios de o jornalista, na atualidade, preencher um papel de ativista político caracterizado pela defesa de valores como rejeição à corrupção, defesa dos direitos dos cidadãos, igualdade no tratamento e na aplicação das leis etc”.
Assim, é necessário que sejam respeitados os direitos dos cidadãos, mesmo que seja alguém que esteja sendo processado ou investigado por uma conduta criminosa. Todo ser humano merece ser tratado com dignidade, até porquê, uns dos fundamentos do Estado Democrático de Direito é o princípio da Dignidade da pessoa humana.
Decorrente do princípio da Dignidade da pessoa humana, surgiram outros princípios e garantias fundamentais, tais como o direito a imagem e a honra. Conforme preceitua o artigo 5º, inciso X, da Constituição da República Federativa do Brasil “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
Desse modo, nota-se que todo ser humano tem direito à imagem e a honra e sendo qualquer um desses direitos violados, será assegurado o direito de indenização. Assim, é possível afirmar que o direito à informação deve estar sempre em consonância com os demais direitos fundamentais e a mídia, como transmissora das notícias, deve passar informações de maneira responsável, evitando distorções na compreensão da mensagem e linguagens sensacionalistas.
3. A influência da mídia na Segurança Pública
O direito à segurança está colimado no art. 5º, da Constituição da República Federativa do Brasil, conquanto direito individual, seguindo-se no art. 6º como direito social, ambos sendo dever do Estado e responsabilidade de todos. Há o delineamento da arquitetura da Segurança Pública no Brasil no art. 144 da Lei Maior, em que são distribuídas as funções das polícias.
Desde a década de 90 com a propagação da criminalidade violenta no Brasil, em que impera a Lei do silêncio, o aumento das taxas de homicídio, corrupção policial e judicial, crise da democracia representativa, o direito à segurança é visto como algo volátil e simbólico, em face a uma sociedade de riscos em que tudo pode acontecer (BECK, 2011).
Com fulcro nesse posicionamento, a sociedade brasileira está ávida da necessidade de informação quanto aos crimes e criminosos e diante da sensação de impunidade, coteja-se a possibilidade punitiva através da exposição da imagem dos apontados como criminosos, sem decisão judicial definitiva. Essa sensação de insegurança é retroalimentada pela comunicação de massa.
O sociólogo britânico Cohen (2002) assevera acerca da mass media e sua relação com o trabalho dos agentes oficiais do Estado e a comunicação de massa, textualmente:
“A crucial dimension for understanding the reaction to deviance both by the public as a whole and by agents of social control, is the nature of the information that is received about the behavior in question. Each society possesses a set of ideas about what causes deviation- is it dues, say to sickness or to willful perversity?-a set of images for who constitutes the typical deviant- is he an innocent lad being led astray, or is he a psychopathic thug? And these conceptions shape what is done about the behavior(…) The mass media, in fact, devote a great deal of space to deviance: sensational crimes, scandals, bizarre happenings and strange goings on. The more dramatic confrontations between deviance and control in manhunts, trials and punishments are recurring objects of attention.”
E a respeito do pânico coletivo que a mídia gera à sociedade nessa relação com os agentes do Estado, Cohen (2002) destaca:
“The criteria by wich certain media driving narratives are easily recognized as moral panics need more explanation:drama, emergency and crisis;exaggeration, cherished values threatened; an object of concern, anxiety and hostility; evil forces or people an object of concern, anxiety and hostility; (…) the term moral panics (…) implies that societal reaction is disproportionate to the actual seriousness( risk, damage, threat) of the event. The reaction is always more severe ( hence exaggerated, irrational, unjustified) than the condition( event, threat, behavior, risk) warrants.”
No Brasil, especificamente, malgrado o inquérito policial tenha como primado o sigilo das investigações, mitigado pelo acesso do advogado aos autos e ao direito constitucional à certidão, a contrário sensu, muitas autoridades policiais participam do jogo midiático no afã de ganharem fama, o holofote para galgarem cargos comissionados ou políticos, num trato típico da sociedade consumerista, em que tudo tem um código de barras, a imagem do preso, vale uma ascensão na carreira e mercantilização de princípios basilares do processo penal e éticos.
Á guisa de análise mais detalhada, há também o revés, alguns criminosos são localizados por outras vítimas quando têm suas imagens veiculadas. Podemos citar como exemplo o caso do famoso médico Roger Abdelmassih, que foi acusado e posteriormente condenado no ano de 2009 por diversos estupros praticados contra as suas pacientes. Após a veiculação de sua imagem, apareceram diversas vítimas. Mas até que ponto há uma proporcionalidade entre o direito à informação situado no art. 220 da Lex Mater em contraste ao direito à imagem?
A Corte Constitucional Alemã, com sua história de precedentes pós guerra, na idade moderna, contemporiza esses conflitos utilizando-se do Princípio da Proporcionalidade, abalizando-se as suas três esferas: pertinência ou adequação, necessidade e proporcionalidade em stricto sensu.
A antinomia dos princípios deve ser ponderada, pois nenhum dos direitos rege-se absoluto, sendo mister uma estrutura de alinhamento para sanar o conflito, que segundo Gomes Canotilho, o princípio da proporcionalidade chancela a proibição do excesso, na seara da restrição de direitos.
A expressão proporcionalidade ou “Verhältnismäßigkeit” foi citada pela primeira vez por Otto Mayer (1895), conquanto o vocábulo excesso ou “Übermaß” por Jellinek (1913) os quais se contrapõem ao Estado formal representado pela palavra germânica “Rechtsstaat”, o que na República de Weimar, os autores epigrafados colocaram limites ao exercício do poder absoluto do Estado Formal, o que é explicitado no artigo premiado O Princípio da Proporcionalidade – Uma nova abordagem em tempos de pluralismo de Laura Nunes Vicente, sendo que no direito português, o princípio da proporcionalidade é insculpido na Constituição, no seu artigos 18º/2, 19º,4, 28º,2.
Na Constituição Federal Brasileira, seguindo-se o escólio de Robert Alexy de que os princípios são “mandamentos de otimização”; malgrado o princípio da proporcionalidade não esteja explicitamente descrito no corpo constitucional, está implícito no art. 5º LIV, relativo a direitos e garantias constitucionais, outrossim, o inciso XXXIX do mesmo artigo, assevera no que tange à processualística penal que não há crime sem lei prévia e, por fim, o art. 44 da Lex Legum destaca o princípio da razoabilidade na Administração Pública.
O que é cediço que esse confronto de princípios na sua ponderação há um caractere axiológico, sendo que no que tange ao confronto do direito à imagem com o direito à informação e à segurança pública, vedando-se a censura, há de se avaliar um critério ortodoxo na hermenêutica, para que não se viole o estado democrático de direito.
No entendimento de Lênio Streck (2014) ao conclamar suas críticas ao neoconstitucionalismo brasileiro, sobre a não superação da discricionariedade judicial vista como fatalidade no Positivismo, ponderação de princípios que segundo o autor advém de um procedimento descrito por Alexy e alastrada no Judiciário brasileiro sem base hermenêutica, havendo um confronto direto de princípios, que dão azo ao ativismo judicial que flutua axiologicamente e como déspota, não havendo um paradigma ortodoxo, relevante e necessário para a tarefa de interpretação jurídica e para a efetivação da democracia.
Na seara penal, a proibição do excesso na sua relação estreita com o princípio da proporcionalidade alhures é mais “cruenta e dolorosa” Sarlet (2005), onde a crise dos direitos fundamentais, da polarização da sociedade, nessa histeria coletiva na sensação de insegurança por demais propalada pela mídia como kit terror, que incita à violência e esconde a face da globalização, do neoliberalismo e da ausência do Estado na proteção de direitos fundamentais.
Urge ressaltar que são mais atingidos pelo Direito Penal seletista aqueles que não são os típicos titulares absolutos dos direitos fundamentais, como explicita Duprat (2007), ao esclarecer que o titular absoluto dos direitos fundamentais na contemporaneidade é o cidadão branco, são, heterossexual e proprietário, esse, a mídia dificilmente ataca em jornais policialescos, in verbis:
“Compreendeu-se que o direito não era cego às qualidades e competências das pessoas. Ao contrário, operava com classificações, com elementos binários, tais como homem/mulher; adulto/criança e idoso; branco/outras etnias, proprietário/despossuído; são/doente; ao primeiro elemento dessas equações, imprimia um valor positivo; ao segundo negativo. (…) Assim, o sujeito de direito, aparentemente abstrato e intercambiável, tinha, na verdade , cara: era masculino, adulto, proprietário e são.”
Nesse esteio para José Gomes Canotilho (2003), os direitos fundamentais e seu exercício colmatam a base da democracia.
Não devemos esquecer das regras constitucionais que permeiam um processo criminal. De acordo com o art. 5º, inciso LVII da Constituição Federal “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Isso quer dizer que somente após um devido processo legal, respeitadas todas as garantias constitucionais, não havendo mais possibilidade de recurso contra a sentença condenatória, o réu será considerado culpado.
No entanto, o que vimos cotidianamente na mídia é o julgamento antecipado, não só uma violação à imagem das pessoas, como também uma violação aos seus direitos e garantias fundamentais. O que observamos é que essa influência midiática interfere decisivamente no julgamento desses processos.
Como bem ressalta Nilo Batista (2002) “a acusação vem servida com seus ingredientes já demarcados por um olhar moralizante e maniqueísta; o campo do mal destacado do campo do bem, anjos e demônios em sua primeira aparição inconfundíveis”. O autor ainda vai além, ao afirmar que a mídia não influencia o julgamento, na realidade, é ela quem realiza o próprio julgamento.
Por outro lado, é importante frisar que a mídia interfere até mesmo no processo legislativo, clamando por penas mais duras, pela criação de novos tipos penais e até pela pena de morte, demonstrando em seu discurso que seria essa a melhor solução para o problema da segurança pública. Compactuando do entendimento de Luiz Flávio Gomes (2007), resta claro que “a mídia atua como empresária moral (interferindo na opinião pública e no legislador para a edição de novas leis penais), ora age como justiça paralela (mídia justiceira), muitas vezes acusando, julgando e condenando o réu, no mínimo com a pena de humilhação pública”.
De acordo com Afrânio Jardim (2017), “a grande imprensa, além de (de)formar a opinião pública, depois passa a dar publicidade daquilo que lhe interessa, dizendo falsamente, por vezes, qual seria a opinião pública, criando um verdadeiro círculo vicioso”.
É notável que a mídia dramatiza os noticiários relacionados a violência, cria estereótipos em verdadeiros espetáculos e condena pessoas que são presumivelmente inocentes pela nossa Constituição Federal. Como bem ressalta Simone Antoniaci Tuzzo, em sua obra “Deslumbramento Coletivo: Opinião Pública, Mídia e Universidade” (2005):
“Na sociedade contemporânea, estamos sob os ditames da espetacularização da produção midiática e televisiva. As notícias sobre guerras, violência, atentados, crimes e terrorismo internacional etc. são transformadas em sensacionalismo e penetram nos lares de forma instantânea e natural sem pedir licença, para fazer apologia das desgraças da humanidade.”
É claro que não se pretende questionar aqui a real falta de segurança que estamos vivenciando no Brasil. O problema da criminalidade desenfreada e a insegurança social estão longe de ser solucionados. Infelizmente o discurso de que leis mais severas, penas mais altas e mais prisões irão solucionar o problema do país, se constituem em verdadeiras falácias. Pode até trazer uma sensação ilusória de segurança para a sociedade, mas certamente não reduzirá os índices de crimes que assustam a população brasileira.
Conclusão
Diante de todas as considerações feitas no presente trabalho, resta claro que há necessidade de um jornalismo mais qualificado, responsável, que contribua para a construção de uma sociedade na qual a segurança pública seja entendida como direito e responsabilidade de todos.
A segurança pública deve ser encarada com total seriedade. Não é possível utilizar a mídia para expor a violência como um espetáculo, onde todos os telespectadores, esperam ansiosamente pelo resultado final do julgamento, tampouco, tentar resolver o problema da criminalidade com uma visão apenas punitivista.
A mídia não deve apenas retratar, mas comprometer-se com uma abordagem que contribua para uma maior compreensão da questão, evitando exposições desnecessárias e respeitando os direitos e garantias fundamentais dos indivíduos.
Tout Court, emerge da análise aventada que nenhum direito pode ser absoluto, nem mesmo o direito à vida, vez que na Constituição Federal a pena de morte é possível no tempo de guerra, em que é permitido o fuzilamento, consoante o art. 5º, XLVII da Lex Legum, nesse jaez, o direito à imagem em antinomia ao direito à informação e à segurança pública não é absoluto.
Há de destacar que o uso de imagens de dados grupos sociais pelos shows televisivos que fomentam a barbárie, o “justiçamento”, a violência policial, o estigma, repete o que vemos na história da humanidade sobre o uso de símbolos e da associação deles a pessoas estigmatizadas, como os judeus eram associados a ratos pelo III Reich. De outro lado, uma tribo rival era atrelada a baratas na guerra de Ruanda.
Assim seguem com os rótulos sociais de criminosos atávicos os que estão junto das mesas das refeições dos brasileiros, como produto de consumo, como polarização acirrada, de um neo fascismo desinformado, o qual não usa o mesmo paradigma legal para todos.
A mídia policialesca é seletiva como o Direito Penal, alcança os despossuídos, vez que até os traficantes de drogas e armas de grande proporção que nem tocam na droga, diante da globalização, da velocidade da comunicação via internet, em tempo real, fazem suas transações com valores monetários altos, estando longe dos olhos da mídia e das operações policiais.
Destaque-se que os indivíduos proprietários têm o direito fundamental de ter acesso a informação até de como usar os artefatos de defender-se quanto à abordagem policial, morando em condomínios, tendo aparato de segurança, usando da corrupção, e a mídia brasileira, altamente unilateral, opera os interesses de seus grupos econômicos e da sociedade de consumo.
É inadmissível que direitos fundamentais sejam equiparados a direitos à propriedade, como se o ter fosse imutável e superior à personalidade, pelo que explicita Sarlet (2005) com veemente defesa ao estado democrático de direito, ao citar a música de Renato Russo: Que país é este? diante da cena televisiva de indivíduos incentivando a violência policial diante de um simples furto.
Ademais no exercício da hermenêutica jurídica, o princípio da proporcionalidade para aferição do direito fundamental a ser protegido, deverá estar atrelado às noções de necessidade e equilíbrio, longe de uma discricionariedade judicial axiológica.
A mídia democrática, exercerá seu papel constitucional de prover informação com pluralidade e respeito aos direitos fundamentais, conquanto a Segurança Pública há de se tornar mais técnica e ortodoxa quanto ao paradigma de lei, levando o Direito Penal a um plano constitucional para garantia de efetiva democracia.
Mestranda em Direito, Governança e Políticas Públicas (UNIFACS). Especialista em Direito Penal e Processo Penal (UNIFACS). Atualmente delegada de Polícia Civil no Estado da Bahia
Bacharela em Direito. Advogada. Professora. Especialista em Ciências Criminais. Mestrado em Direito, Governança e Políticas Públicas UNIFACS
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