Resumo do artigo:
O trabalho
aborda a mutabilidade do regime de bens, introduzida no Brasil por força do
novo Código Civil (Lei 10.406/02: artigo 1.639, § 2º). Partindo da
identificação dos elementos e requisitos fundamentais da possibilidade de
mudança do regime de bens escolhido primitivamente pelos cônjuges, de pesquisa
jurisprudencial e de casos concretos em que atuou como advogado, o autor
procura traçar um panorama das questões que se mostraram mais polêmicas nos
primeiros anos de vigência do instituto no Brasil.
Palavras-chave: Regime de bens –
Modificação – Código Civil – novo – hipóteses – procedimento – pedido –
motivação – terceiros.
Área: Direito Civil;
Direito de Família.
Sumário: 1. Introdução – 2. Direito intertemporal: pode ser
modificado regime de bens de casamento celebrado sob a vigência do Código de
1916? – 3. Procedimento – 4. A motivação do pedido – 5. A proteção dos direitos
de terceiros. – 6. Hipóteses de cabimento do pedido de modificação – 7.
Conclusão. – 8. Julgados relacionados ao tema – 9. Bibliografia.
1. Introdução
O Código Civil em vigor, promulgado
em janeiro de 2002, possibilita a alteração do regime de bens do casamento “mediante autorização judicial em pedido motivado de
ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os
direitos de terceiros” (conforme artigo 1.639, parágrafo 2º).
Sob o Código anterior, o regime de
bens do casamento era irrevogável (artigo 230).
A alteração – de há muito defendida
pelo Professor Orlando Gomes e reflexo da tendência verificada em países como
Bélgica, Holanda, França e Itália – é para melhor, eis que a imutabilidade
engessa as relações patrimoniais do casamento, que poderão mudar ao longo dos
anos de convivência.
Agora, a flexibilidade que resulta
da possibilidade de mudança do regime permite que os cônjuges, muitas vezes
jovens e inexperientes, escolham-no com maior tranqüilidade, sem a pressão
natural que a idéia da irreversibilidade provocava.
Por essas razões, a inovação milita
a favor da harmonia no seio familiar, pois o eventual desconforto causado por
questões de ordem financeira poderá ser solucionado com a alteração do regime.
Pelo que demonstra a experiência
(ainda recente) relacionada à matéria, é elástica a interpretação que Juízes e
Tribunais têm conferido aos casos concretos que lhe foram submetidos.
2. Direito
intertemporal: pode ser modificado regime de bens de casamento celebrado sob a
vigência do Código de 1916?
Questão que vem sendo
costumeiramente suscitada diz respeito à possibilidade de alteração do regime
de bens de casamentos celebrados sob a
vigência do Código Civil revogado. E isso se dá em face do que dispõe o
artigo 2.039 do Código Civil em vigor, verbis:
“O
regime de bens nos casamentos celebrados na vigência do Código Civil anterior,
Lei 3.071, de 1º de janeiro de 1916, é o por ele estabelecido”.
Referida disposição
legal tem induzido alguns à interpretação de que a possibilidade de alteração
do regime de bens só seria possível em relação aos casamentos celebrados a
partir da vigência do novo Código Civil, sob pena de desrespeito ao ato
jurídico perfeito.
Em reação imediata,
passou-se a defender a possibilidade de alteração de regime também para os casamentos celebrados
à luz da lei revogada.
Afinal, a
mutabilidade é norma de caráter geral (por isso mesmo situada no capítulo
relativo às “Disposições gerais”) e de aplicabilidade imediata, consoante
disposto no artigo 2.035 do Código Civil e artigo 6º da Lei de Introdução ao
Código Civil.
Portanto, se os cônjuges optarem pela mudança do regime, não se estará desrespeitando o que foi primitivamente adotado, cuja modificação, além de depender do consenso entre ambos, não afeta direitos indisponíveis.Foi essa, a propósito, a motivação de acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo para autorizar a mudança de regime de bens de casamento celebrado antes da vigência da lei nova: “Viabilidade (…) da pretendida modificação, uma vez que os próprios postulantes buscam a ruptura da garantia propiciada pelo citado princípio, em torno de situação constituída sob a égide do antigo CC”. (Apelação Cível nº 351.860.4/8-00 – 1ª Câmara de Direito Privado – Relator Erbetta Filho, 19/07/05, v.u.)
O que não se permite, em relação ao casamento celebrado sob a vigência do
Código de 1916, é a modificação das regras do regime de bens adotado pelos
cônjuges por ocasião da celebração do casamento, aí sim para preservação da
garantia constitucional que preserva o ato jurídico perfeito.
Nesse sentido,
mencione-se o magistério de FRANCISCO CAHALI[1],
SILMARA CHINELATO[2] e SÉRGIO
GISCHKOW PEREIRA[3], entre
outros.
Na Jurisprudência,
destacamos decisão do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, cuja Quarta Turma
se pronunciou favoravelmente à possibilidade de modificação de regime de bens
de casamento celebrado na vigência do Código anterior (Recurso Especial nº
730546, Relator Ministro Jorge Scartezzini).
Por fim, convém ressaltar o teor do
Enunciado nº 260, aprovado na IIIª Jornada de Direito Civil do Conselho da
Justiça Federal, órgão do Superior Tribunal de Justiça, consolidado nos
seguintes termos:
“260 – Artigos 1.639, § 2º e 2.039: A alteração do regime de bens
prevista no § 2º do artigo 1.639 também é permitida nos casamentos realizados
na vigência da legislação anterior”.
3. Procedimento
Em termos processuais, o pedido de
modificação do regime de bens (cujo nomen
iuris poderá se apresentar sob diferentes rubricas, v.g., “pedido de
modificação de regime de bens” ou “ação de modificação de regime de bens”) deve
seguir o rito dos procedimentos de jurisdição voluntária (artigos 1.103 e
seguintes do Código de Processo Civil).
Há intervenção do Ministério Público
em razão da matéria.
O pedido deve ser necessariamente
formulado em conjunto pelos cônjuges, pois o consenso é da essência do
instituto (recomenda-se, inclusive, que ambos subscrevam a petição inicial com
o advogado).
É intuitiva a razão pela qual se
exige o consenso: se entre os cônjuges não há acordo acerca do regime de bens e
do objetivo de modificá-lo, é bastante provável que tal discórdia já se tenha
espraiado para a própria comunhão de vida que o casamento congrega. Nesse caso,
a modificação de nada serviria senão para acirrar ânimos.
A falta de concordância de um dos
cônjuges não poderá ser suprida pelo juiz, conforme ressalta PAULO LUIZ NETTO
LOBO[4].
Nesse mesmo sentido, cite-se o Enunciado 113 da Iª Jornada de Direito Civil
promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal,
onde se lê:
“É admissível a alteração do regime de bens entre
os cônjuges, quando então o pedido, devidamente motivado e assinado por ambos
os cônjuges, será objeto de autorização judicial, com ressalva dos direitos de
terceiros, inclusive dos entes públicos, após perquirição da inexistência de
dívida de qualquer natureza, exigida ampla publicidade”.
Em relação ao desenvolvimento do
processo, como ainda não há um procedimento específico, também não se verifica
uma unidade procedimental entre os Juízes.
O autor teve a oportunidade de
atuar, como advogado, em ação de alteração de regime de bens em que o
magistrado intimou as partes para “audiência de ratificação” do pedido,
ouvindo-as, inclusive, sem a presença do patrono.
Além disso, nesse mesmo caso,
exigiu-se a publicação de editais.
Em outro processo, à vista dos
documentos que instruíram a petição inicial (entre eles, certidões negativas em
nome dos cônjuges e das sociedades das quais eram sócios), o pedido foi
deferido de plano, sem audiência das partes ou publicação de editais.
Dessa forma, ao menos por enquanto,
na ausência de procedimento legal específico, ficará a critério do Juiz
determinar, inclusive de ofício, a realização das provas que entender
pertinentes, como o depoimento dos cônjuges, tudo como autoriza o artigo 1.107
do Código de Processo Civil.
Da sentença que conceder ou não autorização para
modificação do regime de bens caberá recurso de apelação (art. 1.110 do diploma
processual).
Finalmente, apesar da ausência de
dispositivo legal expresso, é elementar a conclusão de que a sentença deverá
ser averbada à margem do assento de casamento e levada ao registro imobiliário
competente.
4. A
motivação do pedido
Parece-nos que a exigência de motivação do pedido
de alteração, reforçada pela necessidade de apreciação judicial “da procedência
das razões invocadas” (Código Civil, artigo 1.639, parágrafo 2º) conflita com
as cláusulas constitucionais assecuratórias da intimidade e da autonomia do
casal no planejamento familiar (artigos 5º, X e 226, parágrafo 7º, da
Constituição Federal) ou, ainda, com a norma prevista no artigo 1.513 do
próprio Código Civil, segundo a qual “É defeso a qualquer pessoa, de direito
público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família”.
Efetivamente, uma vez instituída a regra da
mutabilidade do regime, não faz sentido tratar-se a possibilidade de alteração
com desmesurado rigor.
Uma coisa é a comunhão plena de vida que
resulta do casamento (artigo 1.511 do Código Civil); outra, é o regime de
bens que tutela as relações patrimoniais do instituto. O regime de
bens tem por objeto apenas essas relações
patrimoniais, não as demais
(de afeto, fidelidade, assistência, respeito, consideração etc.).
O que a lei quer preservar, intocável, enquanto
perdurar o casamento, é justamente aquela comunhão de vida, não o regime de
bens, que com a nova codificação passa a ser revogável.
Com efeito, o que importa, verdadeiramente, é que
se protejam os direitos de terceiros, sendo ilegítima a exigência de motivação
e de apuração da procedência das razões, pena de se conferir ao Judiciário
indevida discricionariedade na avaliação da razoabilidade do pleito.
Porque, veja-se, se o pedido for, em tese, possível
e resguardar os direitos de terceiros, qual o motivo para o indeferimento?
Poderá o Judiciário adentrar na apreciação das razões invocadas pelos cônjuges
sem ofender a autonomia da vontade de ambos e a liberdade de escolha do regime
que melhor lhes aprouver? A resposta parece ser negativa.
Nesse
sentido, adverte J. Macedo Bittencourt[5]: “Assim como não basta a simples manifestação do
desejo dos cônjuges, também não pode a questão ser deixada ao exclusivo
arbítrio do juiz”.
Além disso, ao apreciar a
justificativa para o pedido de alteração do regime de bens, “o juiz deve levar
em conta as idades e a natural imaturidade dos cônjuges ao se casarem, quando
as pessoas não dispõem de elementos de informações suficientes para a tomada de
decisão que determina tão fortemente o futuro do casal”,[6]
uma vez que “os nubentes, na sua grande maioria, sentem-se constrangidos para
discutir questões de cunho patrimonial antes do casamento. Essa inibição natural
pode levar a escolhas erradas quanto ao regime”.[7]
Evidentemente, isso não significa
que não se exija motivação mínima do pedido, consistente na explicitação
do motivo, sem, contudo, descer-se a minúcias que só ao casal interessam. Em
todo caso, é premissa que a modificação não ofenda a moral, a ordem pública e
os bons costumes e resguarde os direitos de terceiros e dos próprios cônjuges.
5. A proteção dos direitos de
terceiros
O parágrafo segundo do artigo 1.639
do Código Civil, em sua parte final, ressalva expressamente os direitos de
terceiros face à alteração do regime de bens, razão pela qual o novo regime
não poderá ser oponível em relação aos credores de dívidas constituídas antes
da alteração e de sua efetiva inscrição no registro civil.
Com esse objetivo, os cônjuges deverão juntar
certidões negativas dos Cartórios Distribuidores da Justiça Comum, Justiça
Federal, do Trabalho, bem como certidões negativas de protesto de títulos.
Na hipótese de haver dívidas, os
credores deverão ser identificados na petição inicial e citados (art. 1.105 do
Código de Processo Civil), tendo a oportunidade de manifestar as eventuais
razões pelas quais discordam da alteração no prazo de dez (10) dias (art. 1.106
da lei processual).
Competirá ao magistrado examinar se
as razões declinadas pelos credores são pertinentes ou não, de maneira que a só
existência de dívidas (especialmente se de baixo valor) não pode ser tida,
aprioristicamente, como causa impeditiva da apreciação do pedido em juízo. Em
outras palavras, não servirá de argumento para carência da ação por
impossibilidade jurídica do pedido.
Na hipótese de certidão positiva,
deverão os cônjuges apresentar a respectiva certidão de objeto e pé, da qual
conste o valor da dívida atualizado, a identificação do credor e o estágio do
processo, competindo ao Judiciário perquirir se a circunstância obsta ou não o
deferimento do pedido.
Por fim, vale a advertência de que a
modificação do regime de bens não opera efeitos retroativos em relação a
terceiros.[8]
6. Hipóteses de cabimento
do pedido de modificação
A lei não menciona taxativamente as
causas que poderão autorizar a modificação do regime de bens. Felizmente não o
faz, pois engessaria o instituto, tornando-o restrito e impedindo a adaptação
social da norma.
Sem pretender esgotar todas as
hipóteses em que a modificação pode se mostrar viável – tarefa que seria,
aliás, das mais inglórias – pode-se aqui mencionar alguns dos casos já
verificados na experiência prática.
· Alteração do regime
para adapatação de sociedades empresárias ao artigo 977 do Código Civil, que
proíbe serem sócios cônjuges casados pelo regime da comunhão universal; com
isso, evita-se a confusão patrimonial (patrimônio da sociedade versus patrimônio
do casal).
· Alteração do regime
para casos em que houver cessado a causa de imposição do regime da separação
obrigatória (artigo 1.641 do Código Civil, exceto na hipótese do inciso II, em
que não há cessação). Foi como decidiu o Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo, autorizando a modificação do regime de separação legal para o de
comunhão universal após comprovação da partilha do acervo anterior, não havendo
possibilidade de confusão dos patrimônios (recurso de apelação nº 376.655-4/1,
10ª Câmara de Direito Privado, Relator Desembargador Testa Marchi, j. em 14.06.05,
v.u.). Nessa mesma direção, dispõe o Enunciado 262 da IIIª Jornada de Direito
Civil do Conselho da Justiça Federal, de dezembro de 2004: “Arts. 1.641 e
1.639: A obrigatoriedade da separação de bens, nas hipóteses previstas nos
incisos I e III do artigo 1.641 do Código Civil, não impede a alteração do
regime, desde que superada a causa que o impôs.”
· Modificação
do regime de comunhão universal para o de separação com o objetivo de formação
de patrimônio mínimo, na hipótese de um dos cônjuges exercer atividade
empresária de risco e, o outro, atividade profissional estável. Nesse sentido,
julgamento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: “O direito à formação
de patrimônio mínimo autoriza a alteração de regime de bens – da comunhão para
separação. A mulher ou o homem, com atividades diversas, em que o risco da
atividade desenvolvida por um deles pode afetar a formação do patrimônio mínimo
do outro, que desenvolve atividade de comprometimento patrimonial de menor
grau, caracteriza motivação suficiente para a alteração do regime de bens.
Necessária e expressa manutenção da garantia dos credores do casal sobre todos
os bens presentes até o momento da alteração do regime.” (apelação cível nº
70013141817, Oitava Câmara Cível, Relator Des. Rui Portanova).
Mencione-se, ainda,
hipótese em que os cônjuges, ainda muito jovens, casaram-se sob o regime da
separação convencional. E assim fizeram por imposição do pai de um deles,
imigrante italiano, influenciado pelo regime de bens que era tradicional em seu
país de origem.
Mais de quarenta
anos se passaram e o casamento ainda mantinha vivamente unidas aquelas pessoas
que, com o advento do novo Código Civil, vislumbraram na modificação do regime
uma forma de reparar a injustiça que o regime de separação para eles representava.
Ambos, porém, já
tinham ultrapassado os 60 (sessenta) anos de idade.
Numa análise
equivocada, essa circunstância poderia ser tida como suficiente para a
incidência da norma prevista no artigo 1.641, II, do Código Civil, segundo a
qual “É obrigatório o regime da separação de bens no casamento (…) II – da
pessoa maior de 60 (sessenta anos)”.
Dessa forma,
poder-se-ia imaginar que não seria possível a modificação do regime, pois,
ultrapassado aquele patamar etário, os cônjuges só poderiam se casar pelo
regime da separação.
Entretanto, diversa
era a situação concreta, já que no passado os cônjuges haviam optado
(embora por influência paterna de um deles) pelo regime da separação e, agora,
pretendiam modificá-lo, não se tratando de novo casamento.
Ora, se por vontade
própria os cônjuges optaram por um determinado regime de bens, por igual
vontade poderiam alterá-lo.
Perquirindo sobre a ratio
do artigo 1.641, II, do Código Civil, VENOSA observa:
“Quanto ao casamento
do maior de 60 (….), o legislador compreendeu que, nessa fase da vida, na
qual presumivelmente o patrimônio de um ou de ambos os nubentes já está
estabilizado, e quando não mais se consorciam no arroubo da juventude, o
conteúdo patrimonial deve ser peremptoriamente afastado. A idéia é afastar o
incentivo patrimonial do casamento de uma pessoa jovem que se consorcia com
alguém mais idoso.”[9]
É
para situações dessa ordem que se dirige a norma em questão, cuja aplicação
deve atender aos seus fins sociais (Lei de Introdução ao Código Civil: art. 5º).
Completamente diversa era a situação
acima narrada, em que os cônjuges eram casados há mais de 40 anos e
agora vislumbravam a possibilidade de reparar uma injustiça com a qual sempre
tiveram a desconfortável sensação de conviver, sendo certo, ainda nas palavras
de VENOSA, que “Não se justifica que em casamento estável, perdurando por
décadas, haja imposição de separação absoluta de bens.”[10]
Com base na motivação apresentada na petição
inicial e nos documentos que a instruíram, o pedido foi deferido pelo MM. Juízo
da 1ª Vara da Família e das Sucessões do Foro Regional de Pinheiros, Comarca de
São Paulo.
Por fim, outro caso bastante comum é
o de cônjuges que tenham se casado pelo regime da separação e, após algum
tempo, em razão do progresso das relações conjugais, queiram adotar o regime da
comunhão parcial ou universal para constituição de patrimônio comum.
Nesse caso, não se pode exigir dos
cônjuges mais do que a declinação sucinta e objetiva do motivo pelo qual
pretendem a mutação.
Ora, a experiência comum demonstra
que os consortes, quando da celebração do casamento, não tratam de questões
patrimoniais com a mesma naturalidade e desenvoltura que o fazem após certo
tempo de convívio como casados. A maturidade que adquirem para tratar de tais
assuntos deve-se ao tempo de comunhão de vida e ao fortalecimento dos vínculos
que os unem.
Além disso, como é de conhecimento
notório, são cada vez mais comuns casamentos celebrados sob o regime da
separação de bens como forma de garantir independência econômica entre os
consortes, reação natural de uma sociedade em que, além do homem, a mulher
passa a ter autonomia financeira assegurada pelo seu próprio trabalho.
7. Conclusão
Em conclusão, pode-se afirmar que
pouco mais de três (3) anos de vigência do instituto no Brasil já foram
suficientes para um razoável amadurecimento da matéria na Doutrina e nos
Tribunais.
É evidente, porém, que somente a análise casuística das hipóteses levadas ao Judiciário concretizará entre nós uma experiência mais consistente sobre o tema.Aos advogados, “primeiros juízes” das causas, compete atuar com coragem, no sentido de submeter ao crivo do magistrado casos em que a modificação do regime de bens possa se mostrar aparentemente inviável.Ao Judiciário, confia-se a sabedoria de vislumbrar na alteração do regime um fator de preservação do casamento, conferindo-lhe a necessária interpretação teleológica, sempre preservadas, é claro, as relações jurídicas anteriormente constituídas
8. Julgados relacionados ao tema.
8.1. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
ALTERAÇÃO DE REGIME DE BENS – Regime de bens entre os cônjuges – Alterabilidade (art. 1.639, § 2º) – Aplicação, como regra, aos casamentos realizados sob a vigência do Código Civil anterior – Inteligência do art. 2.039 do atual diploma – Casamento realizado sob o regime obrigatório da separação de bens (CC/1916, art. 258, parágrafo único, n. IV) – Possibilidade, no caso em exame, de mutação do regime – Recurso provido para afastar o indeferimento da petição inicial da ação em que os cônjuges pleiteiam a mudança do regime de bens – O princípio da mutabilidade do regime de bens no casamento (CC, art. 1.639, § 2º) é aplicável aos matrimônios celebrados anteriormente à sua vigência, salvo quando a causa da adoção do regime da separação obrigatória de bens ainda persiste. (Apelação Cível n. 317.906-4/6 – São Paulo – 2ª Câmara de Direito Privado – Relator: Boris Kauffmann – 28.09.04 – V. U.)
8.2. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
ALTERAÇÃO DE REGIME DE BENS DE CASAMENTO – Casamento sob o regime da comunhão parcial obrigatória, por ser o cônjuge viúvo, sem que tivesse havido a partilha – Pretensão de mutação do regime para o de comunhão universal, em face da permissão contida no § 2º, do art. 1.639, do novo CC – Comprovação da partilha do acervo anterior, não havendo possibilidade de confusão dos patrimônios – Viabilidade – Apelo provido para deferir o pedido. (Apelação Cível n. 376.655-4/1 – São Paulo – 10ª Câmara de Direito Privado – Relator: Testa Marchi – 14.06.05 – V. U.)
8.3. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
PROCESSO – EXTINÇÃO – Insurgência contra decreto de carência de pedido de alteração de regime de bens formulado pelos cônjuges, casados anteriormente à entrada em vigor do NCC – Aplicabilidade, em tese, do princípio da irretroatividade da lei nova, confirmado pelo art. 2.039 desse diploma – Viabilidade, no entanto, da pretendida modificação, uma vez que os próprios postulantes buscam a ruptura da garantia propiciada pelo citado princípio, em torno de situação constituída sob a égide do antigo CC – Inadmissibilidade, porém, da devolução à Superior Instância da questão do cabimento da alteração, à luz de motivação dos pretendentes – Recurso provido em parte (voto 6784) – Apelação Cível n. 351.860.4/8-00 – Presidente Venceslau – 1a Câmara de Direito Privado – Relator: Erbetta Filho – 19/07/05 – V. U.)
8.4. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
APELAÇÃO CÍVEL – Modificação de regime de bens – Da comunhão parcial para total de bens – Casamento realizado sob a égide do Código Civil de 1916 – Processo extinto sem julgamento do mérito por Impossibilidade jurídica do pedido – Indeferimento da inicial por carência da ação – Aplicação do artigo 1.639, § 2º do Código Civil vigente – Pedido procedente – Sentença reformada – Recurso provido. (Apelação Cível n. 360.875-4/3-00 – Mogi das Cruzes – 10ª Câmara de Direito Privado – Relator: Octávio Helene – 21.06.05 – V. U.)
8.5. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
NÚMERO DO PROCESSO: 70013141817TRIBUNAL: TJRSRECURSO: APCDATA: 24_11_2005ÓRGÃO JULGADOR: Oitava Câmara CívelJUIZ RELATOR: Rui PortanovaORIGEM: Comarca de VacariaAPELAÇÃO. REGIME DE BENS. ALTERAÇÃO. POSSIBILIDADE. DIREITO À FORMAÇÃO DE PATRIMÔNIO MÍNIMO. É possível a alteração do regime de bens constituído sob o Código Civil de 1916, em razão da regra do §2º do artigo 1.639 do Código Civil de 2002. Jurisprudência da Corte. O direito à formação de patrimônio mínimo autoriza a alteração de regime de bens – da comunhão para separação. A mulher ou o homem, com atividades diversas, em que o risco da atividade desenvolvida por um deles pode afetar a formação do patrimônio mínimo do outro, que desenvolve atividade de comprometimento patrimonial de menor grau, caracteriza motivação suficiente para a alteração do regime de bens. Necessária e expressa manutenção da garantia dos credores do casal sobre todos os bens presentes até o momento da alteração do regime. DERAM PROVIMENTO
.8.6. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul
NÚMERO DO PROCESSO: 70012446126TRIBUNAL: TJRSRECURSO: APCDATA: 31_08_2005ÓRGÃO JULGADOR: Sétima Câmara CívelJUIZ RELATOR: Luiz Felipe Brasil SantosORIGEM: Comarca de Santa Vitória do PalmarAPELAÇÃO CÍVEL. ALTERAÇÃO DE REGIME DE BENS DE CASAMENTO CELEBRADO NA VIGÊNCIA DO ANTERIOR CÓDIGO CIVIL. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. 1. A alteração do regime de bens está autorizada pelo o art. 1.639, § 2º, do atual CCB. 2. A alteração do regime de bens pode ser promovida a qualquer tempo, inexistindo obstáculo nos casos de casamentos anteriores à vigência do Código Civil de 2002. 3. Inteligência do artigo 2.039 do CCB e do Enunciado nº 260 da I JORNADA DE DIREITO CIVIL, promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal.Recurso provido.
8.7. Tribunal de Justiça do Distrito Federal
PROCESSO: APELAÇÃO CÍVEL Nº 20040110129388APC DFACÓRDÃO: 233075ORGÃO JULGADOR: 6ª Turma CívelDATA: 03/11/2005RELATOR: SANDRA DE SANTISPUBLICAÇÃO: Diário da Justiça do DF: 13/12/2005 Pág: 87DIREITO CIVIL – ALTERAÇÃO DE REGIME DE BENS – CASAMENTO SOB A ÉGIDE DO CÓDIGO CIVIL DE 1916 – POSSIBILIDADE – INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 1639, §2 E 2.039 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 – REQUISITOS LEGAIS PARA MUDANÇA DE REGIME – NECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO.1 – O ARTIGO 2039 DO NOVO CÓDIGO CIVIL, INSERIDO NAS DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS, NÃO IMPEDE A ALTERAÇÃO DE REGIME DE BENS PREVISTA NO ARTIGO 1639, §2º, DO MESMO DIPLOMA PARA CASAMENTOS CELEBRADOS SOB A ÉGIDE DO CÓDIGO CIVIL DE 1916, DESDE QUE SATISFEITOS OS REQUISITOS LEGAIS.2 – NÃO PODE SER ADMITIDA A MUDANÇA DE REGIME DE BENS QUANDO A MOTIVAÇÃO DO PEDIDO NÃO RESTAR DEVIDAMENTE DEMONSTRADA.3 – APELO IMPROVIDO. UNÂNIME.
9. Bibliografia
BITTENCOURT, J. Macedo. Alteração do regime de bens do casamento. Disponível
em <http://www.migalhas.com.br/mig_articuladas_busca.aspx>,
Acesso em: 6 Agosto, 2006.
CAHALI, Francisco. A Súmula
nº 377 e o novo Código Civil e a mutabilidade do regime de bens. In: Revista do Advogado. nº 76, Ano XXIV, junho de 2004.
CHINELATO, Silmara Juny. In: Comentários
ao Código Civil. AZEVEDO, Antônio Junqueira de. (Coord.). Vol. 18. São
Paulo: Saraiva, 2004.
LOBO, Paulo Luiz Netto. Código Civil Comentado. Vol. XVI. São
Paulo: Editora Atlas, 2003.
PEREIRA,
Sérgio Gischkow. Regime de bens. In: RT
837/729.
VENOSA,
Silvio de Salvo. Direito Civil. Vol. 6. São Paulo: Atlas, 2003.
Notas:
[1]
A Súmula nº 377 e o novo Código Civil e a mutabilidade do regime de bens. In: Revista do Advogado. nº 76, Ano XXIV, junho de 2004.
[2]
AZEVEDO, Antonio Junqueira de (Coord.). In: Comentários
ao Código Civil. Vol. 18. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 274.
[3]
Regime de bens. In: RT 837/729.
[4]
Código Civil Comentado. Vol. XVI. São
Paulo: Editora Atlas, 2003. p. 234.
[5]Alteração do regime de bens do casamento. Disponível
em <http://www.migalhas.com.br/mig_articuladas_busca.aspx>,
Acesso em: 6 Agosto, 2006.
[6]
LOBO, Paulo Luiz Netto. Ob.
cit., p. 234.
[7]
CHINELATO, Silmara Juny. In: Comentários ao Código Civil.
AZEVEDO, Antônio Junqueira de. (Coord.). Vol. 18. São Paulo: Saraiva, 2004. p.
282.
[8]
Nesse sentido, o
magistério de J. Macedo Bittencourt: “De acordo com o entendimento do
desembargador LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS, em seu voto constante do acórdão unânime
da E. Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, na
Apelação Cível n. 70 006 423 891, de Farroupilha, julgada em 13 de agosto de
2003, “a retroatividade é uma decorrência lógica” da alteração do
regime de bens, pois, sem a retroatividade, não seria possível adotar como novo
regime a comunhão universal (que não seria universal sem o feito ex tunc),
ou o da separação total (que não seria total sem a partilha dos bens
anteriores). Para o ilustre desembargador, a eficácia ex nunc só se
dá em relação aos direitos de terceiros, que não poderão ser prejudicados com a
alteração do regime de bens, em face da expressa ressalva legal.” (art. cit., grifos do original)
[9] “Direito
Civil”, vol. 6, São Paulo: Atlas, 2003, pág. 175.
[10] Ob. cit., pág. 174.
Bacharel em Direito pela PUC/SP. Pós-graduado em Direito Civil. Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM. Autor de artigos nas áreas de Direito Civil, Direito de Família e Direito Processual Civil. Advogado em São Paulo.
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