Resumo: Fato que gera controvérsias na doutrina diz respeito à natureza jurídica das lesões ocorridas por ocasião da prática de esportes violentos e das intervenções médico-cirúrgicas. O objetivo deste trabalho é constatar através de nossos doutrinadores se as condutas que causam essas lesões devem ser consideradas condutas típicas, porém lícitas (exercício regular de direito, atuando como causa de exclusão da ilicitude) ou condutas atípicas (exercício regular de direito atuando como causa de exclusão da tipicidade).
Palavras chaves: Natureza Jurídica Lesões Médicas Esportivas
INTRODUÇÃO
No campo do direito penal podemos destacar que sempre surge uma questão a ser discutida sobre determinada matéria, surgem várias correntes doutrinárias que visam segundo a ótica dos seguidores do pensamento defini-la e conceitua-la, a fim de propiciar ao aplicador do direito (em sentido amplo) uma melhor adequação de um fato real às variadas normas criadas pelo legislador objetivando disciplinar tais questões; ora impondo sanções, ora excluindo o determinado fato do universo das sanções estatais, sempre partindo do princípio que apenas o Estado detém o poder de aplicar sanções ou as chamadas penas, dentro da dinâmica do Direito Penal que é o objetivo deste estudo.
Fato que gera controvérsias na doutrina diz respeito à natureza jurídica das lesões ocorridas por ocasião da prática de esportes violentos e das intervenções médico-cirúrgicas.
O objetivo deste trabalho é constatar através de nossos doutrinadores se as condutas que causam essas lesões devem ser consideradas condutas típicas, porém lícitas (exercício regular de direito, atuando como causa de exclusão da ilicitude) ou condutas atípicas (exercício regular de direito atuando como causa de exclusão da tipicidade).
Tal enunciado já evidencia uma série de questões que deverão ser abordadas, a fim de traçar um panorama sobre os diversos conceitos elencados, a fim de colacionar a posição das doutrina brasileira dominante sobre o assunto.
Somente assim será possível chegar a uma conclusão plausível, se tais condutas, são típicas, ou atípicas, lícitas ou ilícitas, e quais as conseqüências delas decorrentes, e se tais condutas são ou não passíveis de qualquer repercussão processual.
Dentre as consultas obrigatórias deste trabalho, podemos destacar o seguinte:
O autor Ivan Martins Motta, objetiva em sua Monografia “Estrito Cumprimento de Dever Legal e Exercício Regular de Direito”, traçar a natureza jurídica de tais institutos sobre o plano processual, já que segundo o entendimento do autor, tais temas são tratados superficialmente pelos vários autores penalistas que abordam a questão, ignorando totalmente o reflexo necessário da natureza jurídica por eles atribuída aos referidos institutos sobre o plano processual penal, sendo que no referido trabalho, pretende demonstrar que o estrito cumprimento do dever legal e o exercício regular de direito, tem dupla natureza jurídica: a causa de exclusão da tipicidade e causa da exclusão da antijuridicidade.
Já para Eugenio Raul Zaffaroni e José Henrique Pierangeli, o estrito cumprimento legal constitui uma conduta atípica por estar conforme com a ordem normativa e que o exercício regular de um direito podem ser atípicas, por serem fomentadas pelo direito, típicas, mas justificadas na medida do consentimento e da adequação as normas regulamentares, legalmente típicas, mas conglobalmente atípicas, sempre que praticado dentro de um regulamento; perdendo a atipicidade conglobante e adquirindo atipicidade penal no caso de violação dos regulamentos, deixando claro que tais conceitos são aplicados ao objeto dos estudos, ou seja, a prática de esportes e intervenção cirúrgica, os quais serão melhores desenvolvidos no decorrer deste trabalho.
I – DA APLICAÇÃO DE LEI PENAL – ANTERIORIDADE DA LEI
Sempre que se trata de qualquer tema penal mister citar o artigo 1º do Código Penal que assim reza:
“Art. 1º Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia comunicação legal.”
Tal princípio é norteador do Direito Penal das nações democráticas e garantidor da própria aplicação da Lei Penal, ou seja, é o princípio que norteia toda e qualquer norma penal, pois somente será considerado crime, aquela conduta típica definida pelo legislador.
Segundo Alberto Silva Franco, o Direito Penal constitui uma das espécies do sistema de controle social formal do Estado, competindo-lhe prever sanções aos eventuais infratores de condutas incriminadas, bem como possibilitar a existência de um processo que se desenvolva em nível de estrita legalidade.
Assim, a norma, sanção e processo, mostram-se, portanto, indissoluvelmente, conectados evidenciando a existência, entre tais termos, de uma relação de complementariedade.
O Direito Penal, como controle social formal, num Estado que apresenta tais características definitórias, não pode, portanto ser desenfreado, arbitrário, sem limites. É evidente que esse controle deve estar submetido, no plano formal, ao princípio da legalidade, isto é, à subordinação a leis gerais e abstratas que disciplinem as formas de seu exercício e, deve servir, no plano material, à garantia dos Direitos Fundamentais do cidadão, como bem observa Alberto S. Franco.
O princípio da legalidade é de tal importância que a própria Constituição de 1988, o firmou no inciso XXXIX, inciso 5º da Carta Magna, o preceito contido no artigo 1º do Código Penal, transformando-o em cláusula pétrea, ou seja, intangível, por qualquer mudança, seja no bojo da própria Constituição, seja por leis infraconstitucionais.
As expressões lei, com referência ao crime legal, em relação à pena, evidenciam o destaque especial que o referido princípio atribui ao processo legislativo. Segundo Alberto S. Franco, crime e pena só podem existir onde houver lei que obedeça, na sua formulação, os tramites determinados pela Constituição, e são denominadas reserva absoluta da lei, o que segundo o autor, exclui a possibilidade de criação de figuras criminosas através de outras fontes do Direito, como são os costumes, a jurisprudência, a doutrina ou os princípios gerais de Direito.
Ao garantir que a lei deve ser anterior ao crime, e prévia, com relação à pena, surge aí um outro princípio, que é o da retroatividade da lei penal incriminadora, ou seja, só haverá tipificação de crime, se houver uma lei anterior que o defina e que estabeleça a sanção por meio da pena, mas isso não significa que a lei penal não admita a sua retroatividade, esta apenas retroage somente se for para beneficiar o réu, nunca para prejudica-lo.
Faz-se necessário, ainda que de forma concisa, delimitar o principio contido no artigo 1º do Código Penal, tendo em vista que se apenas a lei pode definir o que é crime, bem como as penas que lhe são cominadas, maior razão ainda para as chamadas excludentes de ilicitude ou antijuridicidade, tendo em vista, que apenas a lei penal codificada ou extra-penal podem definir quais são aqueles atos que não constituem crime, conforme definido no artigo 23 do Código Penal, a saber:
“Art. 23. Não há crime quando o agente pratica o fato:
I – em estado de necessidade
II – em legítima defesa,
III – em estrito cumprimento do dever legal ou no exercício regular de direito.”
Nos ocuparemos apenas do inciso terceiro do referido dispositivo, mais notadamente à questão proposta para o presente trabalho, ou seja, a questão dos esportes violentos e das intervenções cirúrgicas, as quais, no dizer de Enrique Cury Urzuá, citado por Alberto Silva Franco, essas excludentes de ilicitude “são situações reconhecidas pelo Direto, nas quais a execução de um fato típico se encontra permitida ou mesmo exigida e é, por conseguinte lícita”. (Enrique Cury Ursuá, Derecho Penal, T.I/314, 1984).
O tema será melhor explorado nos capítulos seguintes.
II – DO FATO TÍPICO E DA TIPICIDADE
Sabemos que para que haja um crime é necessária uma legislação anterior que o preveja, bem como a lei deve também fixar a pena, e demais acessórios, bem como as hipóteses em que o fato embora típico deixa de ser punido face às chamadas excludentes de ilicitude ou de antijuridicidades as quais serão abordadas posteriormente.
Damásio de Jesus ao tratar do fato típico como elemento do crime, conceitua-o como sendo o fato que se enquadra no conjunto de elementos descritivos do delito na lei penal.
Segundo o autor, para a integração do fato típico, concorre, primeiramente, uma ação ou omissa, uma vez que, consistindo na violação de um preceito legal, supõe um comportamento humano, um resultado (salvo nos crimes de mera conduta) o nexo de causalidade entre a conduta e o resultado (salvo nos crimes de mera conduta e formais) e a tipicidade.
Assim, além do fato típico ser aquele que está descrito na lei penal, para que o mesmo ocorra é necessário, uma ação ou omissão humana, um resultado que cause modificação no mundo exterior, isto é, viole um bem jurídico juridicamente tutelado (no caso do homicídio, a vida é o bem tutelado que foi violado) e o nexo causal, isto é, a ligação entre a conduta e o evento, ou resultado, exceto as exceções mencionadas.
Ainda segundo o autor, num conceito preliminar, a tipicidade, que é um elemento do fato típico, é a correspondência entre o fato praticado pelo agente e a descrição de cada espécie de infração contida na lei penal incriminadora.
E a norma incriminadora quem nos fornece os elementos descritivos do delito, e sobre os quais se faz um juízo valorativo da antijuridicidade e da culpabilidade, os quais merecem um estudo mais aprofundado.
III – DA ANTIJURIDICIDADE
De acordo com a doutrina de Ivan Martins Motta, a antijuridicidade desempenha uma dupla função no campo penal: função de fundamento básico dos tipos penais e função de elemento básico do delito.
Exerce a função de fundamento básico dos tipos penais o trabalho legislativo de seleção entre as condutas ética e socialmente injustas e danosas (perigosas ou lesivas) que, por serem extremamente insuportáveis ao convívio social, devem merecer a atenção do Direito Penal.
Cumpre a função de elemento básico do delito à medida que representa a relação de contrariedade entre a conduta típica e o ordenamento jurídico como um todo.
Para Zaffaroni, a antijuridicidade tem um caráter unitário, e tem caráter material, pois implica na afirmação de que um bem jurídico foi alterado e formal enquanto seu fundamento não se achar fora da ordem jurídica.
Assim podemos considerar como antijurídico, um comportamento humano, que seja contrário ao ordenamento jurídico e que resulte em uma lesão a um bem juridicamente tutelado, partindo-se do princípio de que sempre que se fala em ordenamento jurídico, se fala do princípio da reserva legal, ou seja, só será antijurídico o fato praticado em contrariedade à lei que o proíbe, ou em caso de omissão quando a lei determina a prática do ato e o agente o deixa de fazer, ficando claro desta forma, que a lei não determina apenas normas proibitivas, mas também, normas permissivas e a transgressão de qualquer uma dessas é que poderá tornar o ato passível de sanção penal e quando se fala de volaração é que se examina a questão da culpabilidade, nosso próximo item a ser analisado.
IV – DA CULPABILIDADE
Além de típica e antijurídica, a ação deve ser culpável. Trata-se do elemento subjetivo do delito. O resultado lesivo ao direito, oriundo da ação do sujeito que pratica o delito, cuja ação se dá ou por dolo ou por culpa.
Assim, o delito somente será culpável se o agente o causar com dolo, isto é, intencionalmente, com vontade livre, isto é, de forma consciente, mas sem intenção de obter o resultado lesivo, o qual ocorre em razão de imperícia, imprudência ou negligência do agente.
Magalhães Noronha, aponta duas correntes que tentam conceituar a culpabilidade, a saber, a psicológica e a normativa.
Segundo o autor, para a corrente normativa, a culpabilidade é, sobretudo, um juízo de reprovação contra o autor de um ato, porque a todos compete agir de acordo com a norma, segundo o dever jurídico, que tutela os interesses sociais, procedimento contrário é que, então, dá-se substância à culpabilidade.
Já a corrente psicológica entende que a culpabilidade exaure-se no dolo e na culpa. Culpável é o indivíduo que consciente ou inadvertidamente praticou a ação vedada em lei, agindo com dolo no primeiro caso e culpa stricto sensu no segundo.
Mas, para o renomado penalista, as duas correntes se coadunam e até se completam pois, não há como se falar de culpabilidade, prescindindo dolo e da culpa, pois o conteúdo da vontade culpável é muito importante para ser relegado a um segundo plano.
E ainda conclui que, a teoria normativa se impõe, por ser a que nos mostra que aquela vontade é contrária à que o indivíduo devia ter, à que ele era obrigado.
V – DA IMPUTABILIDADE PENAL
A questão da imputabilidade é de grande importância para nosso estudo, tendo em vista, que não basta que a ação seja, típica, antijurídica e culpável, mister que o agente que a pratica seja imputável que segundo Damásio de Jesus a imputabilidade penal ocorre quando todas as condições pessoais, que dão ao agente capacidade concorrem para lhe ser juridicamente imputada a prática de um ato punível.
Magalhães Noronha concorda com o entendimento, acima, e afirma que imputável é o indivíduo mentalmente são, capaz de entender o caráter criminoso de seu ato ou de determina-se de acordo com este entendimento, esta capacidade advém com o desenvolvimento biológico e com a vida em sociedade.
Feitas tais conceituações, podemos verificar que imputável é todo aquele que está em seu pleno juízo, que tem capacidade de entender o ato praticado como sendo criminoso, devendo por isso responder pelos seus atos. Em nossa legislação além desses requisitos é necessário mais um, ou seja, a maioridade, ou seja, apenas os maiores de 18 anos podem ser considerados imputáveis, pois os menores de 18 anos, bem como aquelas pessoas que a lei assim o determinar serão imputáveis nos termos dos artigos 26 e 27 do Código Penal.
Analisados tais conceitos que compõe o tipo penal, passemos a analisar as chamadas excludentes de ilicitude ou de antijuridicidade.
VI – DAS EXCLUDENTES DE ILICITUDE OU DE ANTIJURIDICIDADE
Nenhuma legislação pune (em sentido amplo) um ato praticado de forma lícita, isto é, de acordo com o direito, logo, apenas os atos contrários às normas jurídicas, os chamados atos ilícitos são punidos.
No dizer de Alberto Silva Franco, a ilicitude representa, antes de tudo, um conceito de relação; a oposição entre dois termos: de um lado, o fato humano e, de outro, a norma jurídica.
Porém, o ato ilícito pode ser afastado por determinadas causas, as quais são denominadas “causas de exclusão da antijuridicidade” ou justificativas. Neste caso, o fato permanece típico, mas não há crime, fica excluído o próprio delito, segundo Doutrina do Prof. Damásio de Jesus.
Tratam-se de normas permissivas, ou seja, embora exista o fato ilícito, o legislador formula uma norma permissiva do procedimento tipo, e segundo Alberto S. Franco, a exclusão da ilicitude converte o fato perfeitamente lícito e aprovado pelo ordenamento jurídico. Desta maneira e segundo o mesmo autor, temos que o juízo de ilicitude é bifásico, primeiro, afirma-se em caráter provisório que a conduta humana se acomoda ao tipo, e em segundo, proclama-se a inexistência de causa que licite a conduta típica.
Ao se tratar das causas de exclusão da antijuridicidade Ivan Martins Mata destaca que existem preceitos permissivos que autorizam, em determinados casos, a conduta tipificada, como por exemplo, na legítima defesa.
Zaffaroni conclui que as excludentes de antijuridicidade configuram uma causa de justificação, isto é, uma permissão outorgada pela ordem jurídica para a realização da conduta antinormativa.
Mas como bem salientado pelo Mestre argentino, esta “permissão”, não implica que o direito fomenta e muito menos que nos ordene semelhante conduta. Simplesmente, nestas hipóteses conflitivas, a ordem jurídica limita-se a permitir a conduta, porque não se pode afirmar que incentive que um homem que pode fugir, prefira matar.
Feitas tais assertivas, convém registrar que as normas permissivas referentes às excludentes de ilicitude encontram-se dispostas no artigo 23 do Código Penal, porém o referido dispositivo legal não encerra todas as hipóteses.
Para tanto podemos citar Ivan Mota Martins, para quem existem outras fontes de justificação, tais como: a) as que emanam de qualquer ramo do ordenamento jurídico; b) as causas de exclusão da ilicitude expressamente previstas no Código Penal; e c) as que nascem de uma consideração supralegal. Assim por exemplo, em nosso ordenamento jurídico, a violência empregada para repelir a turbação da posse, prevista no art. 502 do Código Pena; a legitima defesa, prevista nos artigos 23, II e 25 do Código Penal e, finalmente, as recentes autorizações judiciais para a prática do abordo médico em caso de anencefalia do feto, respectivamente.
Nós nos ocuparemos com as causas de exclusão da ilicitude expressamente previstas no Nosso Código Penal, art. 23, incisos I a III, a saber:
a) Estado de necessidade
b) Legítima defesa
c) Estrito cumprimento do dever legal
d) Exercício regular de direito
Cada uma das excludentes serão conceituadas, a fim de que se possa ter uma visão geral do instituto, sendo que nos determos mais profundamente nas duas últimas por serem objetivo central de nosso trabalho.
VII – DO ESTADO DE NECESSIDADE
Constitui o estado de necessidade uma excludente de antijuridicidade, porque configura uma situação conflitual de interesses, uma colisão de bens jurídicos, que se resolve com a permissão dada pelo ordenamento jurídico para o sacrifício do interesse ou do bem jurídico de menor relevância social.
Magalhães Noronha entende ser o estado de necessidade quando uma pessoa para salvar um bem jurídico seu ou alheio, exposto a perigo atual ou iminente, sacrifica o de outrem.
O entendimento de Eugênio Zaffaroni para o Estado de Necessidade seria a necessidade de salvar o interesse maior, em sacrifício do menor, em uma situação não provocada de conflito extremo.
Os requisitos do estado de necessidade estabelecidos pela doutrina são:
a) perigo atual, ou seja, não há outro meio de evita-los
b) o bem jurídico em perigo pode ser tanto próprio como de terceiro; desde que se aja com o consentimento do terceiro.
c) o perigo não pode ser evitado de outro modo, o que constitui requisito essencial da necessidade
d) o perigo atual deve ser um mal maior do que aquele que se quer evitar
e) o estado de necessidade não ampara aquele que tem a obrigação de afastar o perigo
f) o tipo permissivo do estado de necessidade justificante reclama o reconhecimento da situação de necessidade, e a finalidade de evitar o mal maior, como aspectos subjetivos do mesmo
g) por fim, que o perigo atual na o tenha sido provocado pela própria vontade do agente
Assim se verifica que à presença de tais requisitos estará configurando o estado de necessidade, pois por se tratar do sacrifício de um bem jurídico para se salvar outro bem jurídico exposto a perigo, há a necessidade de se observa-los sob pena de não se caracterizar a referida excludente de antijuridicidade.
VIII – DA LEGÍTIMA DEFESA
A segunda excludente de ilicitude refere-se à legítima defesa, disciplinada no artigo 25 do Código Penal, verbis:
“Art. 25. Entende-se em legítima defesa quem usando moderadamente dos meios necessário, repele injusta agressão, atual ou eminente, a direito seu ou de outrem.”
Os autores penalista, de um modo geral, não divergem da definição legal. Neste sentido tanto Magalhães Noronha, como Damásio de Jesus, apenas repetem o que o artigo 25 do Código Penal dispõe.
Porém, para que se configure a legítima defesa é necessária a ocorrência de alguns requisitos, a saber:
a) agressão injusta, atual ou iminente;
b) direitos do agredido ou de terceiro, atacado ou ameaçado de dano pela agressão;
c) repulsa com os meios necessários;
d) uso moderado de tais meios;
e) conhecimento da agressão e da necessidade da defesa (vontade de defender-se).
Os pontos que se destacam dentre os requisitos da legítima defesa, e que por isso, a diferencia do estado de necessidade, refere-se aos itens “c” e “d” retro descritos, ou seja, se no estado de necessidade o sujeito sacrifica um bem jurídico para defender outro direito juridicamente relevante, na legítima defesa, o sujeito se defende de uma agressão injusta, atual ou iminente, porém, para que se configure a excludente da ilicitude, mister que o sujeito se utilize dos meios necessários e de forma moderada, isto é, sem extrapolar certos limites, posto que, caso isso ocorra os excessos são punidos.
IX – DO ESTRITO CUMPRIMENTO DE UM DEVER LEGAL
Constitui o estrito cumprimento de um dever legal, aqueles atos que devem ser praticados pelo agente, cuja obrigação lhe é imposta por meio de regulamento, decreto ou qualquer ato emanado do poder público, desde que tenha caráter legal, sendo que o dever pode ser imposto por qualquer lei, seja penal ou extrapenal, sendo necessário que o sujeito pratique o fato no estrito cumprimento do dever legal. Fora daí a conduta torna-se ilícita.
Eugênio Zaffaroni, não considera o preceito do artigo 23, III do Código Penal como uma causa de justificação porque entende que, as causas de justificação são geradas a partir de um preceito permissivo, enquanto no cumprimento de um dever jurídico há somente uma norma preceptiva (uma ordem).
Trata-se, portanto, de uma causa de atipicidade penal, no caso por exemplo, do policial que cumpre um mandado de prisão, não pode ser acusado de estar cometendo uma privação ilegal de privacidade, e no mesmo sentido, o sujeito contra quem está sendo dirigida à ordem de prisão não pode resistir ao mandado, alegando por isso legítima defesa, ou qualquer outra causa de justificação, porque é inadmissível que a ordem jurídica aceite a rejeição das condutas que ordena.
Segundo o Prof. Ivan Mota, o artigo 23, III do Código Penal apresenta dois núcleos essenciais, consubstanciados nos termos dever e direito, que são os dois aspectos que uma norma jurídica pode assumir, conforme se imponha ou se faculte uma determinada conduta.
Dever – tem o sentido de obrigação, que se expressa numa regra de ação, seja esta imposição derivada de preceitos morais, religiosos ou legais. Porém, somente os deveres jurídicos que trazem em seu bojo uma norma imperativa, podem obrigá-lo a cometer um fato aparentemente delituoso. Tanto isso é verdade que o não cumprimento de um dever legal, por proceder de normas imperativas, acarreta sanções para o infrator, de forma que não fica ao arbítrio do indivíduo realizar ou não a conduta prescrita.
Legal – Diz respeito ao princípio que rege a administração pública – a saber o princípio de legalidade art. 37 da Constituição Federal – significa que o administrador público esta, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não pode se afastar, nem desviar, sob pena de praticar ato invalido e expor-se à responsabilidade administrativa, civil e criminal, conforme o caso.
Tal qual as demais excludentes de ilicitude, deve ser observado pelo agente público, que o cumprimento do dever legal deve ser efetivado dentro da restrição expressa pelo adjetivo estrito, ou seja de forma prudente e rigorosamente dentro da exata medida, devendo cumpri-la, ainda que a custa da lesão de interesses penalmente protegidos, atentando-se para o fato de que todo e qualquer excesso também será punido, com a agravante de que o agente público poderá responder pela conduta como crime de abuso de autoridade, prevista nos arts. 3º e 4º da Lei nº 4.898/65.
X – DO EXERCÍCIO REGULAR DE UM DIREITO
A parte final do artigo 23, III, do Código final, determina que não há crime quando o agente pratica o fato no exercício regular de direito.
No dizer de Damásio de Jesus, a expressão direito é empregada em sentido amplo subjetivo (penal ou extrapenal). Desde que a conduta se enquadre no exercício de um direito, embora típica, não apresenta o caráter de antijuridicidade.
Para que a excludente de antijuridicidade exista é necessário que o agente atenda rigorosamente os objetivos traçados pelo poder público, pois do contrário responderá pelo ato, posto que haverá uma conduta abusiva. Cumpre também ao agente o requisito subjetivo, isto é, a consciência, o conhecimento de que o furto está sendo praticado no exercício regular e um direito.
Para Magalhães Noronha, Direito e crime são antíteses: onde há delito não há direito, onde existe direito não há crime.
Em face disso, continua o penalista, pode conjeturar-se da desnecessidade de a lei configurar o exercício regular de direito, entretanto não é ociosa a capitulação porque, uma vez efetivada, temos ocasião de intervirmos de problemas que surgem acerca dessa causa excludente da antijuridicidade.
E o próprio autor arremata, que o costume legítima certos fatos típicos, citando como exemplo, o trote acadêmico, em que as violências, injúrias e constrangimentos não são antijurídicos por que longo e reiterado costume consagra o “trote” como instituição legítima. Muito embora, tal costume em nossos dias tem se tornado uma fonte de problemas, a ponto das instituições proibirem-no, substituindo-o por atividades humanitárias e sociais, face aos excessos e violências que acarretaram até mesmo morte nos últimos anos.
O Prof. Ivan Martins Mota, destaque que quando se fala em exercício regular de direito, não se está referindo apenas ao direito legislado, ou seja, à lei em sentido estrito, mas ao direito em seu sentido lato, compreendendo toda atividade normativa reguladora da conduta, que a norma provenha do poder legislativo (lei estrito sensu), do poder executivo (decreto, regulamento, etc) ou até mesmo do costume.
O autor também critica a maioria dos autores penalista nacionais, tendo em vista que os mesmos abordam apenas tangencialmente o exercício de direitos, restringindo-se a enumerar os casos ou grupos de casos que se amoldam ao seu âmbito, nada ou quase nada dizendo sobre sua natureza jurídica, limitando-se a fundamentar a justificativa num genérico qui iuri utitur beminim laedit. Desta forma, acompanham a tendência geral da doutrina estrangeira.
Com a finalidade de compreender a natureza jurídica do instituto e suas importantes repercussões no plano processual penal, o Prof. Ivan Mota, divide-os em dois seguimentos:
a) conforme se tratem de direitos meramente autorizados. Ex.: art. 520 do Código Civil
b) direitos incentivados ou fomentados pelo ordenamento jurídico. Ex.: a prática de esportes violentos, como o boxe, o judô.
Esta distinção entre direitos meramente autorizados, de um lado, e direito incentivados ou fomentados, de outro, reveste-se de fundamental importância para a caracterização da natureza jurídica da justificativa em exame.
XI – DOS DIREITOS MERAMENTE AUTORIZADOS E DIREITOS FOMENTADOS OU INCENTIVADOS
Faz-se necessária a distribuição entre esses dois institutos, a saber, os Direitos meramente autorizados dos Direitos fomentados ou incentivados, tendo em vista que, a partir deles, centraremos nossa atenção sobre o fulcro central do nosso estudo, no que diz respeito à natureza jurídica das lesões ocorridas por ocasião da prática de esportes violentos e das intervenções médico-cirúrgicas. Assim sendo, vejamos:
Nosso ordenamento jurídico disciplina vária hipóteses, em que autoriza o agente, ou seja, a cada um de nós, exercite determinados direitos, os quais podem causar uma lesão a determinado bem jurídico, porém por haver essa permissão legal e em outros casos até mesmo um incentivo por parte do Estado à prática destes atos, que aparentemente sejam lesivos, e portanto, ilícitos, mas que na verdade, encontram-se amparados pela excludente de ilicitude chamada exercício regular de um direito.
O Prof. Ivan Martins Motta, cita exemplos de direitos meramente autorizados e da leitura dos mesmos, verificamos que estes direitos são autorizados que a legislação não dá para a prática de determinados atos que numa primeira vista seriam privados do próprio Estado.
Um exemplo bastante claro citado pelo referido professor, refere-se ao artigo 502 do antigo Código Civil, que autoriza ao possuidor turbado ou esbulhado, a manter-se ou restituir-se na possa mediante o emprego da violência indispensável à manutenção ou restituição da posse, desde que o faça logo.
Veja-se que embora a lei autorize o exercício pelo particular de um ato que a princípio é uma obrigação do Estado, impõe um limite, ou seja, desde que o faça logo que se encontrar turbado na posse, e não depois de transcorrido longo espaço de tempo, quando deverá recorrer ao Estado para reaver o seu direito, sob
O mestre em questão também aceita o Direito costumeiro, como fonte de exercício regular de direito autorizado, citando o seguinte exemplo:
“O direito costumeiro legitima também certas condutas típicas, como se verifica com o trole acadêmico não abusivo, em que violências, constrangimentos e injúrias são cometidas pelos veteranos contra os calouros. O mesmo se diga da tradicional “pendência” acadêmica, praticada pelos estudantes de direito como comemoração da data festiva de onze de agosto.”
Apenas para se ter uma visão mais ampla de que todo o ordenamento jurídico apresenta autorizações para o exercício regular de Direitos, vejamos o art 136 do CP que pune o uso excessivo da condição de educador, o uso pelos pais de meios de correção não abusivo com o fim de educar os filhos, não configura ato tipificado e punitivo.
Do exemplo dado verificamos que em todas as hipóteses apontadas, seja no ordenamento, seja no direito costumeiro, as autorizações emanadas do Estado Legislador, impõe limites para o exercício de um direito autorizado, de modo que a sua exacerbação implicará ao agente responder pelos excessos sejam eles dolosos ou culposos.
Mas no geral, se esses direitos forem exercidos de forma a não exceder os limites impostos pelo ordenamento jurídico, esses direitos meramente autorizados, na eventualidade de alguma lesão vir a ser causada a um bem jurídico penalmente protegido, a conduta do agente, que exerceu o direito de forma regular, será típica, porém lícita, encontrando-se amparada pelo exercício regular de direito que, nestes casos, atua como causa de exclusão da ilicitude.
Assim, podemos conceituar Direitos meramente autorizados como sendo aqueles direitos concedidos pelo Ordenamento Jurídico, ou ainda pelo direito consuetudinário, os quais exercidos de forma regular, anda que causem lesão a um bem jurídico penalmente protegido, embora sejam típicos, são considerados lícitos, e não serão punidos pelo Estado, por estarem amparados pelo exercício regular de direito, que neste caso atua como causa de exclusão da ilicitude.
Feita a conceituação do que vem a ser Direito meramente autorizados passemos a focar nossas atenções para os chamados direitos incentivados ou fomentados.
O Estado enquanto regulador da sociedade, age como limitador de ações que possam transgredir a ordem jurídica, bem como incentiva atividades que tem por finalidade o crescimento do país, seja do ponto de vista, social, econômico, político e cultura, dentre outros.
Deste modo, agindo como fomentador de certas atividades, o objetivo do Estado é criar mecanismos que possibilite uma maior inserção da população e com isso a diminuição dos conflitos e consequentemente um melhor convívio social, pois havendo possibilidade de crescimento, certamente diminuirão as distâncias entre pobres e ricos.
Essa visão mais socializante do Estado teve início no final do século XIX e continua até nossos dias e nosso ordenamento jurídico abraçou esses conceitos, a ponto de nossa Constituição Federal inseri-los na Carta Magna.
No caso específico em estudo, no qual nos ateremos apenas à questão das intervenções cirúrgicas e a prática de esportes violentos, vejamos o que dispõe a CF/88:
“Art. 197 – são de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.”
No que se refere à prática de esportes, disciplina o art. 217 da Carta Magna, verbis:
“Art. 217. É dever do Estado fomentar as práticas desportivas formais e não formais, como direito de cada um, observados:
I – a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações quanto a sua organização e funcionamento;
II – a distribuição de recursos públicos para a promoção prioritária do desporto educacional e, em casos específicos, para o desporto de alto rendimento;
III – o tratamento diferenciado para o desporto profissional e o não-profissional;
IV – a proteção e o incentivo às manifestações desportivas de criação nacional”.
Partindo destes conceitos legais, podemos verificar o seguinte:
a) A prática da medicina e do esporte são atividades disciplinadas, reguladas e fomentadas pelo Estado;
b) A prática de esportes, dentre eles, os que geram violência (boxe é um exemplo típico), ainda que gerem lesões não podem ser punidos, pois o Estado os reconhece como prática lícita;
c) No mesmo sentido as intervenções cirúrgicas ainda que causem lesões, também não são considerados delitos, pois a nossa legislação não só a reconhece, como a regulamenta e incentiva.
O Professor Ivan Motta, acolhendo opinião de Miguel Reale Junior, conclui, que, tanto a prática de esportes violentos, quanto a de intervenções médicos-cirúrgicas constituem ações socialmente adequadas, de sorte que as lesões delas resultantes carecem de adequação típica.
Para o Prof. Zaffaroni, o conceito de conduta socialmente adequada, apesar de não ser muito clara na doutrina, é demasiadamente perigosa por remeter diretamente à ética social, de modo que a questão sai diretamente do plano normativo para um plano ético material fazendo, inclusive, uma crítica ao conceito, pois trata-se de um conceito pouco claro, que se usa para resolver o que não se sabe solucionar com certeza.
Ambos os casos, o exercício da medicina, bem como a prática de esportes violentos, são exercícios regulares de direito, na medida em que o estado regulamenta e fomenta tais atividades, e o exercício das mesmas implicam necessariamente uma lesão a um bem jurídico, mas por se tratarem de práticas reguladas e fomentadas pela legislação, deixam de ser delitos, por atuarem a favor do agente que a prática, uma excludente de tipicidade.
Acadêmico de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie
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