Neoconstitucionalismo: sua interpretação teórica, moral e jurisprudencial

Resumo: Em meados da década de 50, o constitucionalismo clássico ficou evidenciado pelo culto literal da norma, sem possibilidade de maiores interpretações, deixando à deriva ao surgimento de mais regimes totalitários, como já vinha acontecendo na Europa. Esses regimes totalitários são os maiores responsáveis pelas violações ao que hoje chamamos de direitos fundamentais, necessitando, por fim, de um novo conceito de constitucionalismo que amparasse a todos e desse fim aos regimes da época, com a criação de Constituições de caráter mais social e democrático. Essa necessidade de adquirir uma nova interpretação constitucional, somada à superação de um momento bastante conturbado da história faz com que surja o Neoconstitucionalismo. Com o seu advento, a força normativa da Constituição se fortaleceu, tornando o texto constitucional não somente como um texto político, mas também como um texto normativo de recomendação moral, com efeito vinculante às regras. Encarado pelo teórico Ronald Dworkin, o objetivo deste trabalho é justamente traçar os objetivos que favoreçam o cumprimento dos preceitos constitucionais fundamentais, sob o prisma neoconstitucionalista, tendo como base a Constituição Federal Brasileira de 1988, bem como decisões fundadas naqueles que trouxeram à base constitucional a teoria de Ronald Dworkin.

Palavras-Chave: Neoconstitucionalismo; Constituição Federal; Ronald Dworkin;

Abstract: In the mid-50s, the classic constitutionalism was evidenced by the literal worship of the standard, with no possibility of greater interpretation, leaving the drift to the emergence of more totalitarian regimes, as was already happening in Europe. These totalitarian regimes are the most responsible for violations of what we call fundamental rights, requiring a new concept of constitutionalism that supporting basis to all and that an end to the regimes of the time, with a creation of a more social and democratic Constitution. This need to acquire a new constitutional interpretation, in addition to overcoming a very troubled time in history makes emerge the Neoconstitutionalism. With its advent, the normative force of the Constitution was strengthened, making the constitution not only as a political text, but also as a normative text moral recommendation, with binding effect to the rules. Faced by the theoretical Ronald Dworkin, the purpose of this job is to outline the objectives that support compliance with fundamental constitutional principles, under the neoconstitucionalism prism, based on the Brazilian Federal Constitution of 1988, and decisions based on those who brought the constitutional base theory of Ronald Dworkin.

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Key-Words: Neoconstitutionalism; Federal Constitution; Ronald Dworkin.

Sumário: 1. Introdução; 2. Neoconstitucionalismo: seu surgimento, bem como seus desafios e perspectivas no âmbito constitucional brasileiro; 3. A teoria de Ronald Dworkin frente ao neoconstitucionalismo brasileiro: uma leitura moral e histórica da Constituição Federal de 1988; 4. A tomada de decisões pelo Supremo Tribunal Federal levada em consideração a ponderação, a razoabilidade e a proporcionalidade: uma interpretação teórica do direito e das decisões dos Ministros Luis Roberto Barroso e Gilmar Mendes; 5.Conclusão; 6. Referências Bibliográficas

1. INTRODUÇÃO

Em meados da década de 50, o constitucionalismo clássico ficou evidenciado pelo culto literal da norma, ou seja, sem maiores possibilidades de interpretações, deixando à deriva ao surgimento de mais regimes totalitários, como já vinha acontecendo na Europa. Sem base teórica que tornasse possível, na época, a utilização de interpretações díspares daquelas adotadas pelo legislador, a Constituição era frequentemente e de forma impetuosa tomada como um instrumento de violações a direitos, pelos regimes totalitários, justamente por se tratar de uma Constituição meramente política e recomendativa.

Esses regimes totalitários são os maiores responsáveis pelas violações ao que hoje chamamos de direitos fundamentais, necessitando, por fim, de um novo conceito de constitucionalismo, que amparasse a todos e desse fim aos regimes da época, com a criação de Constituições de caráter mais social e democrático.

Essa necessidade de adquirir uma nova interpretação constitucional, somada à superação de um momento bastante conturbado da história é que surge o Neoconstitucionalismo. Com o seu advento, a força normativa da Constituição se fortaleceu, tornando o texto constitucional não somente como um texto político, mas também como um texto normativo de recomendação moral, tendo como efeito vinculante às regras. Em outras palavras, a interpretação de preceitos fundamentais de forma moral e com força normativa garante à população que seus direitos fundamentais não serão violados, muito menos que o texto normativo seja utilizado para manobras totalitárias.

Em síntese, o neoconstitucionalismo trouxe ao texto normativo princípios com força vinculante que tornassem a interpretação da Constituição de forma muito mais ética e moral do que meramente política, dando a ela, assim, um papel mais relevante no ordenamento jurídico, de forma que as leis ditas como ordinárias não possam prevalecer, muito menos serem contraditórias às normas e preceitos constitucionais.

Encarado pelo teórico Ronald Dworkin, o objetivo deste trabalho é justamente traçar os objetivos que favoreçam o cumprimento dos preceitos constitucionais fundamentais, sob o prisma neoconstitucionalista, tendo como base a Constituição Federal Brasileira de 1988, bem como decisões fundadas naqueles que trouxeram à base constitucional a teoria de Ronald Dworkin.

2. NEOCONSTITUCIONALISMO: seu surgimento, bem como seus desafios e perspectivaS no âmbito CONSTITUCIONAL BRASILEIRO

O neoconstitucionalismo surgiu com o escopo de dar à Constituição uma nova interpretação. Antes ela era vista como um documento meramente politico para a atuação de seus poderes públicos. Hoje, a Constituição agregou-se o status de norma jurídica, uma interpretação que vai muito além do texto literal.

Anteriormente, não se tinha por parte do poder judiciário um papel relevante na elaboração da constituição. Ela era essencialmente elaborada de maneira discricionária e conforme pretensão do legislador, de forma a deixar o texto constitucional com caráter exclusivamente político.

Como forma de conceituar o neoconstitucionalismo, Paolo Comanducci explica que no direito constitucionalizado os princípios constitucionais e os direitos fundamentais constituiriam uma ponte entre direito e moral – uma tese de conexão necessária, identificada e justificada, entre esse direito e moral, formalizando, assim, o neoconstitucionalismo (Comanducci, 2003 p. 87).

Assim, o neoconstitucionalismo adota um modelo de interpretação especifica da Constituição, diferindo-se das demais leis, estabelecendo valores superiores aos ditados nas leis ordinárias. Em outras palavras, o neoconstitucionalismo trouxe à Constituição texto normativo com força de regra, além de rebuscar a ética em seus textos, o que havia ficado para trás.

Nesse sentido, a Constituição deixou de ser apenas uma carta politica discricionária das vontades do legislador e passa a definir regras e direitos. Ainda, estabelece princípios que remontam à ética e à moral a serem seguidos. A Constituição estabelecida pelo positivismo não pode mais ser comportado, nas palavras de Luís Roberto Barroso (Barroso, 2006 pp. 22-26):

“Com o avanço do direito constitucional, as premissas ideológicas sobre as quais se erigiu o sistema de interpretação tradicional deixaram de ser integralmente satisfatórias. Assim: (I) quanto ao papel da norma, verificou-se que a solução dos problemas jurídicos nem sempre se encontram no relato abstrato do texto normativo. Muitas vezes só é possível produzir a resposta constitucionalmente adequada à luz do problema, dos fatos relevantes, analisados topicamente; (II) quanto ao papel do juiz, já não lhe caberá apenas uma função de conhecimento técnico, voltado para revelar a solução contida no enunciado normativo. O intérprete torna-se coparticipante do processo de criação do Direito, completando o trabalho do legislador, ao fazer valorações de sentido para as cláusulas abertas e ao realizar escolhas entre soluções possíveis”.

Resumidamente, o que o autor tentou explicar acima é que esse movimento neoconstitucionalista seria uma expressão do póspositivismo jurídico, em que buscou encontrar uma posição que fosse intermediadora entre as duas correntes existentes no ordenamento jurídico: o jusnaturalismo e o positivismo jurídico (Barroso, 2005 pp. 6-12).

Essa nova interpretação constitucional enumera algumas novas regras básicas, dentre elas, a que pode e deve o magistrado, nas suas decisões, fundamentar-se não somente em regras pré-estabelecidas, mas também em princípios que agora estão sintetizados na Constituição. Essa nova regra remonta ao autor da teoria da integridade, Ronald Dworkin, fazendo uma critica ao positivismo e traz exatamente o espirito do neoconstitucionalismo.

Segundo Susanna Pozzolo (Pozzolo, 1998 pp. 339-353), existem modelos específicos de aplicação dos princípios constitucionais: "princípios versus normas", significa dizer que os princípios carregam força valorativa maior que a das regras, devendo cada vez mais os juízes se utilizarem deles; "ponderação versus subsunção", em que vivem harmonicamente no texto constitucional, razão pela qual não podem ser um invalidado em relação ao outro; "constituição versus independência do legislador", em que o texto normativo constitucional detém carga axiológica, vinculando o legislador que, na hora de proferir normas, deverá sempre versar sobre o anseio da constituição; "juízes versus liberdade do legislador", em que os juízes não precisam se prender às vontades do legislador, adotando valores justos, conferindo racionalidade ao sistema jurídico.

Portanto, o neoconstitucionalismo apoia seus argumentos e teorias basicamente naquelas defendidas por Ronald Dworkin (Dworkin, 2006 p. 2), em que acode sua leitura moral, com base também em princípios, ao invés de unicamente restringir a argumentação em regras pré-estabelecidas.

Por ser uma teoria inacabada, ainda tem muito que se agregar, além de sofrer muitos questionamentos a respeito. Basicamente, o neoconstitucionalismo se estende em garantir os direitos fundamentais, em especifico os individuais, ampliando numa imperiosa interpretação normativa. No entanto, a doutrina ainda segue resistente ao positivismo, fazendo criticas ao neoconstitucionalismo[1].

O neoconstitucionalismo procurou responder questionamentos que o positivismo jurídico não esclarecia, em se tratando da aplicabilidade e interpretação do direito. Por se tratar de uma teoria que defende a moral dentro do direito, superou o pensamento positivista de que não se pode aplicar direito e moral ao mesmo tempo. Também com essa nova teoria, a ética voltou a ser mencionada na aplicação do direito como termômetro das decisões.

Sendo assim, a teoria do neoconstitucionalismo, mesmo em constante crescimento e ainda em formação, busca defender o estado democrático de direito, dando maiores poderes de interpretação e também de criação da Constituição, de forma que a discricionariedade e os manejos políticos acabem ficando em segundo plano. A moral esta vinculada com o direito que trás novamente a ética em sua aplicação, fomentando um estado democrático com princípios e direitos fundamentais e individuais a serem interpretados, por conseguinte aplicação de uma democracia mais justa e menos politizada.

3. A teoria de Ronald Dworkin frente ao neoconstitucionalismo brasileiro: uma leitura moral e histórica da Constituição Federal de 1988

Impreterivelmente cabe ressaltar que Ronald Dworkin foi quem deu grande base de apoio para a teoria neoconstitucionalista. Sucessor de Herbert Hart, considerado como positivista que defende a separação entre direito e moral, e que, para ele, normas moralmente tirânicas podem perfeitamente ser Direito[2], Ronald Dworkin trabalhou em sua teoria para justamente para derrubar a tese de Hart, defendendo, como já mencionado anteriormente, que não há separação entre direito e moral.

Esse ataque ao positivismo de Ronald Dworkin se manteve por muito tempo, com longos debates acerca de seu embasamento. Sua teoria demonstra que a distinção entre o direito e a moral não é tão clara como sustentam os positivistas, pois a moral intervém no direito de forma que “junto às normas, existem princípios e diretrizes políticas que não podem ser identificadas por sua origem, mas por seu conteúdo e força argumentativa” (Calsamiglia p. 3).

Em se tratando de uma leitura moral da Constituição Federal de 1988 com base na teoria da integridade de Dworkin, radicaliza-se numa interpretação inteiramente debruçada nas garantias individuais fomentadas por meio de princípios intrínsecos a elas. Esses princípios dão mecanismos para que o magistrado fundamente a sua decisão, diferentemente das normas, em que são aplicáveis ou não.

Segundo Dworkin, os princípios – ademais – informam as normas jurídicas concretas, de tal forma que a literalidade da norma pode ser desatendida pelo juiz quando viola um princípio que neste caso específico se considera importante (Calsamiglia p. 3).

Em suma, Ronald Dworkin procurou distinguir princípios de regras, trazendo à tona a figura da moralidade. Para ele, princípios não se equiparam a regras, pois estas estariam debruçadas no all or nothing – tudo ou nada (Dworkin, 2002 p. 39), em que ou a norma é válida ou é inválida, produzindo ou não todos os seus efeitos prescritos. Havendo controvérsia entre duas ou mais regras, uma delas deve ser declarada inválida para que a outra produza seus efeitos.

É o que diferentemente ocorre com os princípios, em que esses devem ser sopesados e acrescidos a outros fundamentos, não necessitando declarar ser um inválido para que valide o outro. Eles estão elencados como forma de camadas, ou seja, se um princípio pode ser considerado maior que o outro, concretizando de forma mais abrangente os direitos de outrem, esse deve prevalecer sobre os demais. Assim, nenhum princípio será precisamente declarado como inválido.

Esse modo de pensamento adicionou maior discricionariedade na tomada de decisões, principalmente de magistrados, introduzindo a argumentação jurídica acerca dos princípios, sendo basicamente a sua teoria sobre o que seriam princípios e regras.

Uma constituição dita como social, com princípios e direitos fundamentais individuais, é também conhecida como constituição democrática. Segundo o autor, o neoconstitucionalismo abrange esse tipo de constituição e, portanto, precede de uma leitura moral, fazendo referência aos princípios morais presentes no texto normativo.

No entanto, o autor faz uma crítica àqueles que confundem constitucionalismo com democracia, pois a vontade da maioria para que seja um objetivo na geração de leis não é o que prevalece no texto normativo constitucional. A democracia, para Dworkin, não está nos textos constitucionais, em que se se levar para uma leitura moral dela, apenas se verifica os valores principiológicos que o constitucionalismo incorporou ao documento normativo (Dworkin, 2006 p. 10).

Quem, de fato, contribui para a que a democracia se estabeleça são os juízes atribuindo aos casos concretos os anseios da sociedade, combinado com o poder normativo e axiológico que a Constituição traz. Não se pode deixar, numa interpretação moral da Constituição, que a vontade da maioria deixe de lado os direitos individuais preconizados na carta constitucional, tal afirmativa estaria caminhando contra o que preceitua o constitucionalismo, defendido pelo autor (Dworkin, 2006 p. 26).

Sendo assim, não é a democracia que está inserida no texto constitucional, como muitos afirmam, mas sim os princípios morais de direito. Existem críticas à essa leitura moral, defendida por Dworkin, acerca do poder discricionário dado aos magistrados para proferirem decisões, em que os juízes, para tanto, deveriam ser eleitos para adquirir tamanho poder discricionário.[3]

A leitura moral da Constituição é objeto imprescindível do movimento neoconstitucionalista, pois orienta a uma interpretação específica das normas e princípios constitucionais, voltada inteiramente para os valores morais, éticos e políticos. Em outras palavras, o autor evidencia que aos casos complexos, uma leitura moral seria muito mais adequada para chegar a uma resolução, posto que o enredamento de um caso possa ir além do que está descrito numa lei, tendo o magistrado que buscar em outras fontes a sua solução.

Sendo assim, muito importante destacar que a teoria de Ronald Dworkin, que traz de forma crítica as concepções de Hart, deixa claro que no plano normativo do ordenamento jurídico não há diferença entre direito e moral. O autor afirma que o magistrado sempre deve calçar suas decisões em regras e princípios, sendo o primeiro completamente diferente do segundo.

Os princípios estariam acima das regras e é exatamente o que o neoconstitucionalismo vem trazendo, em decisões dos Ministros Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso, por exemplo, que são os elucidativos do referido movimento. Para eles, a técnica neoconstitucionalista debruça-se logicamente na interpretação dos princípios, diferindo das demais regras e auxiliando na busca de uma solução mais justa.

O mais importante para Dworkin é, então, essa diferença entre princípios e regras e que o valor moral estaria debruçado nestes princípios constitucionais. Regras podem ser invalidadas, princípios não. Num caso complexo em que haja contraposição de dois ou mais princípios, prevalece o mais sopesado entre eles, trazendo ao caso uma solução justa sem que haja invalidação de texto normativo.

4. A tomada de decisões pelo Supremo Tribunal Federal levada em consideração a ponderação, a razoabilidade e a proporcionalidade: uma interpretação teórica do direito E Das decisões dos Ministros LUIS ROBERTO Barroso e Gilmar Mendes

Ponderação, razoabilidade e proporcionalidade, nas palavras de Humberto Ávila (Ávila, 2003 p. 82), estabelecem como são aplicadas dentro do texto normativo, vistos como postulados normativos. São "normas estruturantes da aplicação de princípios e regras". Certa definição também é utilizada pelos neoconstitucionalista, principalmente para afastar as críticas a que recebem, adicionando racionalidade às decisões judiciais.

Luís Roberto Barroso também defende esta técnica, afirmando que é preciso encarar os princípios constitucionais com moralidade, eficiência e, sobretudo, a razoabilidade-proporcionalidade, para que permitam o controle da discricionariedade (Barroso, 2005 p. 40).

Dessa forma, o movimento neoconstitucionalista se contrapõe ao que já dizia Robert Alexy, nas palavras de Ana Paula de Barcelos acerca da ponderação, em que a mesma é utilizada unicamente na solução de princípios conflitantes que tenham a mesma carga valorativa (Barcelos, 2005 p. 36). É, então, segundo a autora, uma "técnica jurídica de solução de conflitos normativos que envolvem valores ou opções políticas em tensão, insuperáveis pelas formas hermenêuticas tradicionais" (Barcelos, 2005 p. 35).

Destarte, a ponderação serve para, quando o caso concreto exigir, valorar princípios que tenham como carga uma escolha política, moral, ética, entre outros. Nas decisões proferidas com a técnica da ponderação, Barroso explica que o magistrado deve ter cautela para que a decisão não acabe sendo injusta, muito menos arbitrária (Barroso, 2005 p. 35). In verbis:

“O ponto de vista da aplicabilidade direta e imediata afigura-se mais adequado para a realidade brasileira e tem prevalecido na doutrina. Na ponderação a ser empreendida, como na ponderação em geral, deverão ser levados em conta os elementos do caso concreto. Para esta específica ponderação entre autonomia da vontade versus outro direito fundamental em questão, merecem relevo os seguintes fatores: a) a igualdade ou desigualdade material entre as partes (e.g., se uma multinacional renuncia contratualmente a um direito, tal situação é diversa daquela em que um trabalhador humilde faça o mesmo); b) a manifesta injustiça ou falta de razoabilidade do critério (e.g., escola que não admite filhos de pais divorciados); c) preferência para valores existenciais sobre os patrimoniais; d) risco para a dignidade da pessoa humana (e.g., ninguém pode se sujeitar a sanções corporais)”.

Dessa forma, o autor define como deve ser feita a técnica da ponderação, bem como o que de fato deve ser ponderado, para que, no ordenamento jurídico, se tenha um parâmetro a ser conquistado.

Acerca da proporcionalidade, muito se discute no texto de Virgílio Afonso da Silva, pois o autor define a técnica da proporcionalidade fazendo com que “nenhuma restrição a direitos fundamentais tome dimensões desproporcionais. É, para usar uma expressão consagrada, uma restrição às restrições” (Silva, 2002 p. 2). Em importante síntese, a proporcionalidade tem relação com os princípios propriamente ditos, ou seja, se faz uma ponderação entre eles e aquele que estiver mais direcionado ao caso concreto será utilizado, ao passo que o mais distante não será invalidado, como aconteceria com as regras, mas sim desconsiderado.

Robert Alexy (Alexy, 2008 p. 9) já adianta seu raciocínio dizendo que:

“O princípio da proporcionalidade pede que colisões de direitos fundamentais sejam solucionadas por ponderação. A teoria dos princípios pode mostrar que se trata, na ponderação, de uma estrutura racional de argumentar jurídico-constitucional. Mas ela também torna claro que a ponderação deve ser assentada em uma teoria da jurisdição constitucional, se ponderação deve desenvolver plenamente o seu potencial de racionalidade”.

Por outro lado, a técnica da razoabilidade nada tem a ver com a da proporcionalidade, como acontece em muitos casos em que os dois métodos se confundem. Virgílio Afonso da Silva de imediato identificou a confusão feita pelos operadores do direito e exemplifica o caso dizendo que “a tendência a confundir proporcionalidade e razoabilidade pode ser notada não só na jurisprudência do STF, mas também em relatórios de comissões do Poder Legislativo” (Silva, 2002 p. 6).

A técnica da razoabilidade está prescrita na inteligência do Art. 5°, LIV da CF brasileira, a que se segue: "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal". Sendo assim, razoabilidade pode ser entendida como um postulado normativo que condiciona principalmente a aplicação de regras dentro de um devido processo.

Ainda, a razoabilidade deve ser interpretada de maneira que exija uma harmonização entre texto normativo e o caso concreto, bem como as condições jurídicas da ação, através, é claro, do devido processo. É o que esclarece o autor Humberto Ávila, afirmando existir os precedentes da razoabilidade. Com efeito, o caso concreto é analisado de forma a dar razoabilidade aos fatos, pois se não são relevantes quando contrapostos ao texto normativo, os mesmos não exigem condições para serem julgados (Ávila, 2003 p. 103).

De tal modo, o estudo da técnica da razoabilidade, por meio do movimento neoconstitucionalista, possibilita a relação de sobrepesar os princípios, bem como sua carga valorativa maior que a dos postulados normativos, dentro do texto constitucional e de um devido processo. Com isso, permite-se analisar os direitos fundamentais preconizados na Constituição, para que sejam reconhecidos dentro do caso concreto e dando maior ênfase aos mesmos, com base nas técnicas da razoabilidade e proporcionalidade, de modo que estes direitos fundamentais sejam a máxima buscada pelo julgador, dado um determinado caso concreto.

Em contrapartida, pelas recentes decisões do Supremo Tribunal Federal, em que citam as técnicas da proporcionalidade e razoabilidade, tem-se o HC nº 76.060-4, citado na obra de Virgílio (Silva, 2002 p. 9), afirmam a existência dos dois institutos, porém nada acrescentam como forma de solucionar o caso em questão, in verbis:

“O que, entretanto, não parece resistir, que mais não seja, ao confronto do princípio da razoabilidade ou da proporcionalidade – de fundamental importância para o deslinde constitucional da colisão de direitos fundamentais – é que se pretenda constranger fisicamente o pai presumido ao fornecimento de uma prova de reforço contra a presunção de que é titular”.[4]

Em semelhantes decisões do Ministro Gilmar Mendes, do STF, o mesmo proclama o princípio da proporcionalidade e da razoabilidade, examinando-os de forma que se faça uma analise estrita de adequação, necessidade e proporcionalidade frente ao caso concreto. No entanto, nada é esclarecido quanto à sua aplicação.[5]

Porém, as técnicas encaradas como princípios da proporcionalidade e razoabilidade são, de fato, instrumentos que limitam o poder do Estado, de forma a trazer uma consciência necessária no momento de decisão dos casos concretos. Assim, dá-se ao ordenamento jurídico uma nova compreensão do que é justiça.

Em suma, o Supremo Tribunal Federal de nada esclarece, em suas decisões, o uso das técnicas da proporcionalidade e razoabilidade, apenas as cita em seus julgados. No entanto, muito importante salientar que os Tribunais superiores estejam se familiarizando com as técnicas que aduzem ao neoconstitucionalismo, elevando os princípios e dando a carga valorativa a que merecem e dando, por fim, supremacia à Constituição.

Acerca de todo o exposto, com base nos julgamentos do Supremo Tribunal Federal, Virgílio (Silva, 2002 p. 25) aponta suas conclusões, in verbis:

“Que fique claro, pois, que se cobra apenas coerência nos julgados no STF, e não a aplicação da regra da proporcionalidade. Se o Supremo Tribunal Federal, por ter outra concepção acerca da estrutura dos direitos fundamentais ou da forma de controlar a colisão entre eles, sustentasse que a regra da proporcionalidade não é aplicável ao caso brasileiro, poder-se-ia criticar essa concepção, [46] mas não a sua coerência. Mas, a partir do momento em que o STF sustenta que a regra da proporcionalidade tem "fundamental importância para o deslinde constitucional da colisão de direitos fundamentais",82 e assim o faz não com o intuito de se manter meramente no plano retórico, isto é, de recorrer a um topos – como acontece quando menciona o princípio da razoabilidade -, mas com o expresso intuito de ir além, e passar para o plano da aplicação sistemática e estruturada de um modelo pré-existente, é de se esperar, então, que dele seja cobrada coerência.”

Para que se tenha uma decisão justa, com força normativa à Constituição e com base nos ensinamentos do movimento neoconstitucionalista, deve-se ter em mente todas as formas e regras de aplicação desses postulados aqui estudados. Assim, confere-se legitimidade, racionalidade e maior interpretação, no que diz respeito à moralidade específica das normas e princípios constitucionais.

5. Conclusão

No tempo em que surgiu o Neoconstitucionalismo, a Europa vivenciava uma época conturbada de pós-guerra, cujos pilares de cada regime totalitário erguiam-se no texto literal da Constituição, sem mais interpretações, modelado o documento normativo conforme seus ditames políticos.

Com o seu surgimento, as constituições passaram a ser mais sociais e democráticas, baseadas sob princípios morais e éticos que superam o valor normativo das leis comuns. Esses princípios morais e éticos são calçados nos direitos fundamentais de cada cidadão, como forma de dirimir as inúmeras manobras realizadas por regimes totalitários que tinham como objetivo tornar o texto constitucional, na sua integra, a seu total favor.

O neoconstitucionalismo tornou as Constituições, principalmente a brasileira, cujo artigo se debruçou, mais preocupadas com uma sociedade justa, igualitária e, principalmente, moral. Isso fez com que tivesse passado por uma extrema transformação, pois agora carrega fortes traços axiológicos em seu texto normativo.

A principal mudança foi em seu conteúdo, de mero texto politico para um texto social, democrático, programático e com força de regra. Assim, a Constituição adquire força normativa sobre as demais leis, não podendo ser contrariada, por se tratar de lei suprema.

Ronald Dworkin teve importante papel nesse contexto, pois contribuiu com sua teoria da alteridade, bem como trouxe ao ordenamento jurídico científico razões para crer numa interpretação principiológica da Constituição, ao passo do que anteriormente era feito. Assim, deu aos magistrados, principalmente, maior poder discricionário na tomada de decisões, podendo se utilizar de princípios constitucionais, além dos princípios gerais de direito, para garantir uma decisão justa.

No entanto, ainda há barreiras para esta teoria se solidificar no Brasil. Os Ministros Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso trouxeram em alguns julgados, de antemão, a teoria de Ronald Dworkin, bem como uma interpretação moral da Constituição, remetendo ao movimento neoconstitucionalista, fundamentando que é necessário, principalmente nos casos complexos, que se tenha uma leitura além do texto normativo, com base na ética e na moral, para se chegar a uma conclusão justa.

O Brasil, através do poder legislativo, ainda estabiliza a doutrina positivista, em que a lei é superior e ainda serve como instrumento de garantia de direitos, deixando os magistrados com menor poder de discricionariedade. Dentro dessa doutrina, não há espaço para a moral, somente para regras que são equivalentemente iguais aos princípios.

Pelo positivismo, texto e norma é a mesma coisa, fazendo o juiz utilizar o método subsuntivo, identificando regras e aplicando-as ao caso concreto, como forma de aplicação e não interpretação das normas. Assim, o positivismo jurídico encara o ordenamento jurídico como um sistema completo de normas, separando o direito da moral, negando a elevação valorativa dos princípios, pois não reconhece que num ordenamento jurídico se possa valer de juízos morais.

Diferentemente do que ocorre com a teoria de Ronald Dworkin, que afirma que as normas não são um produto da interpretação e, sim, que a partir delas é que se deva construir uma interpretação para que a aplicação dessas normas sejam justas, diferindo-se os princípios, sempre mais elevados, como forma de sopesar quando num caso concreto.

Não é errado afirmar que regras são iguais aos princípios, o que Dworkin critica é que aos casos de maior complexidade, a decisão fundada estritamente texto normativo pode chegar a uma conclusão injusta, pois regras podem se colidir, o que não acontece com os princípios. Elevá-los então, como se tivessem carga valorativa maior que as regras, seria o mais adequado para uma resposta justa ao caso concreto.

O constitucionalismo precisava de mudanças que dessem uma interpretação satisfatória de suas normas, o que não acontecia com o positivismo jurídico, deixando à deriva os julgadores com uma Constituição meramente descritiva, recomendativa e com a imposição de neutralidade. Nesse sentido, o surgimento do neoconstitucionalismo auxiliou e muito o constitucionalismo, pois trouxe inovações.

O modelo de constituição axiológica que o neoconstitucionalismo trouxe para os tempos modernos fez o magistrado incluir os valores principiológicos morais, concretizando-os e alterando a aplicação da norma constitucional. Foi identificado como uma nova teoria do direito, elevando o status da Constituição para que se tornasse a Lei Maior de um país, como ocorre hoje no Brasil.

Assim, essa nova teoria fez com que tenha ampliado a discricionariedade na hora de proferir decisões, permitindo escolhas e valorando a carga moral dos princípios no julgamento, por meio da ponderação. Surge, a partir daí, criticas a respeito da interpretação moral da Constituição, alegando ser uma teoria antidemocrática, pois deixa a critério do magistrado o poder de decidir sem o compromisso de seguir a letra da lei de forma literal.

No entanto, Dworkin defende e, posteriormente, como estudado supra, os Ministros Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso afirmam a posição do teórico que utilizar-se da ponderação para proferir decisões não fere a democracia, tampouco deixa de dar racionalidade às decisões, pois essas são sempre motivadas, na forma da lei.

A ponderação, a proporcionalidade e a razoabilidade dizem respeito à maneira como serão dadas as respostas para o caso concreto, entre princípios e regras, valorando os que mais interessem ao caso, sem que seja feita escolhas políticas pelas próprias convicções, mas sim através do texto constitucional. O que acontece é apenas uma confirmação da vontade do legislador em utilizar-se do texto constitucional através da ponderação e da razoabilidade.

O que pode se concluir do estudo analisado é que a teoria do neoconstitucionalismo é uma teoria em construção, tendo muito ainda que abordar sobre o assunto. Há, ainda, muitas críticas em torno do movimento neoconstitucionalista, uma vez que carece ainda de maiores argumentos. No entanto, há que se afirmar que ela é bastante importante para questionar, a priori, as decisões judiciais e seu modo de argumentação.

Uma nova maneira de pensar, de raciocinar e de aplicar o texto normativo constitucional se faz presente nesta teoria, que se compromete com o desenrolar de um ordenamento jurídico mais ético e probo, preocupado com a sociedade. Assim sendo, forma-se uma transformação de pensamentos e realidade social em que, aos juristas e magistrados, compete almejar um ideal de justiça, interpretando o direito com mais prudência.
 

Referências
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Dworkin, Ronald. 2002. Levando os Direitos a sério. Tradução e notas: Nelson Boeira. São Paulo : Martins Fontes, 2002.
—. 2006. O direito da liberdade. A leitura moral da constituição norte-americana. São Paulo : Martins Fontes, 2006.
Pozzolo, Susanna. 1998. Neoconstitucionalismo y Especificidad de la Interpretación Constitucional, in Doxa: Cuadernos del filosia del derecho. Espanha : Doxa 21-II, 1998.
Silva, Virgílio Afonso da. 2002. O Proporcional e o Razoáve. Disponível em: http://migre.me/u1LJ9. Acesso em: 07/05/2016 : Revista dos Tribunais 798, 2002.
Notas
[1] Há críticas sobre a teoria do neoconstitucionalismo, em que não se teria um controle de constitucionalidade que limite os atos discricionários do magistrado ao proferir decisões com base em interpretações de caráter moral, por entender não estarem contidos no texto constitucional. Eles afirmam que isso pode causar insegurança jurídica, em que a teoria estaria interferindo no funcionamento dos três poderes, proporcionando um risco à democracia. No entanto, mesmo que as decisões dos magistrados criem novos direitos, não afasta a racionalidade das mesmas, sem se falar que toda e qualquer decisão deverá ser motivada, não podendo, assim, fugir do texto normativo. Sendo assim, não há que se falar em insegurança jurídica.
[2] Hart entende que há uma separação entre direito e moral. Hart defende que pode haver normas injustas ou autoritárias e que estas podem fazer parte também do ordenamento jurídico. No entanto, mesmo sendo positivista segundo alguns autores, ele combate à tese de que do direito só podem ser extraídas normas como sua única fonte, o que não é reconhecida por sua teoria. Porém, cada sociedade estabelece seu ordenamento jurídico com regras e normas a serem cumpridas e nesse ordenamento jurídico não há maneiras de torna-lo completo, pois os magistrados não têm condições de se limitarem à teoria positivista, cuja tese seria debruçada em julgados essencialmente discricionários.
[3] Nos Estados Unidos e Inglaterra, por exemplo, segue o modelo consuetudinário (Common Law), em que as leis são baseadas em costumes, não necessitando passar por um procedimento de criação dessas, como na Federação Brasileira. Nesse modelo, os juízes possuem amplo poder discricionário e são eleitos para assumir tal cargo na jurisdição. Para Ronald Dworkin, que baseou sua teoria nesse modelo sistemático, amplia os poderes discricionários do juiz que, ao proferir uma decisão, pode continuar a proferir em casos análogos sem que deva necessariamente haver uma lei específica dando sua devida permissão. O autor chama esse mecanismo de interpretação moral das leis maiores de cada Estado, porém, não significa dizer que sua teoria não entra no modelo brasileiro, muito antes pelo contrário, Dworkin afirma que o que está equivocado seria o conceito que juristas dão a Constituição ao dizer que ela é democrática. Se ela fosse democrática, não haveria direitos individuais, calçados nos princípios que regem o texto normativo, com maior peso sobre as demais regras. O autor defende a teoria da democracia constitucional (leitura moral), o que nada tem de verossímil ao conceito de democracia que os demais juristas exaustivamente tendem a colacionar à Constituição.
[4] HC nº 76.060-4, Relator: Ministro Sepúlveda Pertence, Lex-STF – 237.
[5] O autor Virgílio Afonso da Silva critica os julgados unicamente enunciativos quanto às técnicas da proporcionalidade e razoabilidade, pois ignoram regras importantes na hora de aplica-las, induzindo a própria decisão em erro. As três regras principais e básicas na aplicação dessas técnicas seriam a ordem pré-definida de relacionamento das regras (a análise da adequação vem antes da necessidade que vem antes da proporcionalidade). O autor afirma que não se faz necessário analisar as outras duas sub-regras, conquanto que com a primeira já se tenha o resultado pretendido. O contrário se faz se a regra da ordem pré-definida não seja analisada a priori. Para um estudo mais aprofundado sobre o tema, vide Virgílio Afondo da Silva, O proporcional e o Razoável. In: http://migre.me/u1LJ9, p. 12-21.

Informações Sobre o Autor

Rafaela dos Reis Baldissera

Advogada; Juíza Leiga atuante no Fórum Distrital do Norte da Ilha CESUSC; Voluntária do sistema CEJUSC Centro Judicial de Solução de Conflitos e Cidadania como Mediadora Judicial; Pós-graduada em Direito Público pela FURB Universidade Regional de Blumenau; Pós-graduanda em Direito Aplicado pela FURB Universidade Regional de Blumenau; Estudante do Curso de aperfeiçoamento e preparatório para a carreira da magistratura estadual pela ESMESC Escola Superior da Magistratura do Estado de Santa Catarina


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Equipe Âmbito Jurídico

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