Notícias engraçadas. Cobertura sobre Luiz Francisco e exército é ironizada.

Domingo
é dia de ler jornal devagarzinho. Não que o jornal convença. Localizam-se
páginas inteiras de disfarçada propaganda governamental (o chamado informe
publicitário, confessado em letras mínimas). Surge, ali, exemplo típico da
expressão francesa: “Entre les deux mon coeur
balance”
. Uma no prego, outra na ferradura. E assim vai a denominada
grande imprensa brasileira. Entretanto, não se pode negar a franqueza com que
certos temas são ocasionalmente tratados.

Dois
exemplos: o processo criminal movido ao procurador da República Luiz Francisco
pelo Ministério Público Federal e a divulgação da existência de
“arapongas” no Exército brasileiro. São duas instituições
qualificadas, admita-se. A primeira, em algumas condutas, está demonstrando a
que veio (Invadiu com mandado judicial, entre nuvens de pernilongos do tamanho
de beija-flores, reduto de espionagem militar escondido no meio da selva); a
segunda, além de manter a ordem interna e a soberania nacional, prepara nossos
jovens para a guerra. Chama-os de “ordinários”. Já vi apelidos
melhores, mas é evidente que os rapazes são ordinários, pois todo aquele que
extraordinário não é, ordinário fica sendo.

Voltando
ao que interessa, o procurador Luiz Francisco foi denunciado por violação de
sigilo. A notícia disso, posta na imprensa em “caixa alta,” animou
bastante os leitores. Finalmente, a gravação soturna feita pelo moço daquela
conversa fatídica com ACM seria objeto de ação penal. O comportamento antiético
do perquiridor seria reprimido de alguma forma, pois
não se pode, impunemente, ferretear a vida alheia com gravadores postos atrás
de estantes ou debaixo das meias. É costume feio, e mais feio fica quando
autorizado pelo Poder Judiciário, coisa que tem acontecido com certa
freqüência. Mas a leitura da nota deu susto grande. Luiz Francisco foi
denunciado por não ter mantido segredo quanto à fita.

A
divulgação teria prejudicado as investigações. Firmada em tais pressupostos, a
denúncia é cômica. Qualquer seminarista iniciado em lógica sabe que nenhuma
obrigação de sigilo pode salvaguardar conduta criminosa do próprio sigilário. O espúrio ato de origem destrói a exigibilidade
do direito-dever ao segredo. Querem os esforçados denunciantes, entretanto, a
punição do procurador por não ter, secretamente, feito investigações sobre
aquilo que obtivera com violação, no mínimo, de preceitos atinentes à
privacidade de terceiros.

A
segunda notícia de um outro domingo (5 de agosto) é mais engraçada ainda:
descobriu-se que o Exército tem serviço secreto. Setores dedicados à espionagem
estariam colhendo informações sobre políticos, artistas, movimentos populares e
quejandos, arquivando-os ou pondo-os à disposição do
Executivo. “Surpresa inenarrável”, diriam alguns. Quem é do ramo
sabe, no entanto, que a manutenção de tais departamentos é rotineira no
Exército, Marinha, Aeronáutica e polícias militares estaduais. Aliás, há
serviços de informações, hoje, até nas favelas. Na briga entre policiais e
traficantes, os bandidos se infiltram nos departamentos policiais e vice-versa.

As
favelas têm câmeras de televisão nos portais, como os prédios de apartamentos
(Mudei-me para fugir de algumas. Dois dias depois, puseram as malditas
gravações no edifício novo, em homenagem ao novo inquilino. Descobri a câmera a
tempo, no elevador, antes de fazer pose no espelho). Já há lei permitindo que
investigadores se afastem de suas funções, adotem outro nome e carreguem um
pouco de entorpecente (não muito, é claro), fazendo de conta que também são
delinqüentes. É um mundo de mentiras, certamente, mas tal ficção existe desde
tempos imemoriais. Os chimpanzés já espionavam os galhos alheios; havia nas
catacumbas, com certeza, na aurora do cristianismo, pretores romanos
fantasiados de apóstolos, tatuando-se com o peixe cristão…

Todo
país tem o espião que merece. Estados Unidos, Inglaterra, França, Israel,
Rússia e não sei mais quantos, uma comunidade fantástica passeia numa outra
realidade, colhendo e repassando informações, grampeando telefones (os fixos
são fáceis, celulares exigem alguém atrás carregando mala preta com anteninha
escondida), colhendo o lixo das madrugadas nas casas suspeitas, seduzindo
empregados e empregadas (o que seria da espionagem sem o jardineiro da madame?)
e praticando, enfim, seu ofício infame.

Tudo
em imitação de James Bond, o famoso inglês que servia
à rainha da Inglaterra, a mesma que, segundo lenda mentirosa, deu a Getúlio
Vargas o Rolls Royce 1954 hoje reformado a expensas da fábrica e guardado nas
estrebarias de Brasília. Se a Inglaterra tem Bond e
carros famosos, precisamos tê-los também. Que venha, portanto, nosso
“Jaime Bonde”. Ele está por aí, fazendo estripulias, toda grande
potência precisa ter o seu…


Informações Sobre o Autor

Paulo Sérgio Leite Fernandes

Advogado criminalista em São Paulo e presidente, no Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, da Comissão Nacional de Defesa das Prerrogativas do Advogado.


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