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Nova Visita da Velha Senhora (Ou “O Futuro da Lei de Imprensa”)

O título pertence a filme famoso. Mulher madura sobrevive a mil obstáculos e volta, bem nutrida, dedicando-se a cobrar os insultos recebidos na mocidade. O estudo e o ensino do Direito Penal, em suas várias especialidades, têm muito das recordações da “Velha Senhora”. Realmente, quando se pôs em discussão o projeto, hoje transformado em lei, relativo às interceptações telefônicas e quejandos, poucas objeções houve, mas de uma ninguém se esqueça. O cronista travou discussão com eminente processualista penal de São Paulo, autora ou co-partícipe daquele malfadado diploma legislativo mas, embora combatendo arduamente, fê-lo só. Foi vencido. Transformada em lei (Lei 9.296, de 1996), aquela parafernália produziu – e produz ainda – terríveis conseqüências na aplicação de normas atinentes à investigação policial.

Criou-se autêntica paranóia inquisitiva, envolvendo-se nisso o Poder Judiciário, composto por homens amadurecidos, é certo, mas por minoria de magistrados imprudentes na vigilância sobre a execução de determinações que, à moda de tias solteironas, captavam o certo e o errado, o crime e a inocência, a infração penal e tertúlias amorosas. Conta-se, inclusive, que muitas fitas gravadas, apreendidas nessa tarefa de flibusteiros da lei, teriam sido assistidas com deleite por um ou outro apreensor, sendo devolvidas após, ou inutilizadas até, a exemplo dos “vídeos” localizados pelos pais sob o colchão dos filhos adolescentes. Em princípio, tudo se passa em segredo de justiça, mas na justiça, a prazo médio, não há segredo que resista às fofocas de corredor, como acontecia, aliás, desde tempos pretéritos e no sacrário da própria inquisição. Sempre havia um carrasco de terceira classe largando a torquês nas horas vagas, descansando o ferro e fazendo comentários sobre o torturado. O silêncio do calabouço só valia para o encarcerado…

A “Velha Senhora”, crestada nas curvas dos labirintos forenses, bem sabia dos malefícios prenunciados. A interceptação telefônica, de dados telemáticos e afins, se transformou num brinquedo de roda, mas o jogo começou, depois, a trançar as pernas do Poder Executivo central. Aqui, não se sabe por quais cargas d’água, o cronista é repetitivo na expressão colhida do musical “Chicago”: Se tu faz pra Mama, Mama faz pra tu. Os atingidos querem criar uma legislação controladora da manutenção do sigilo de investigações, responsabilizando os vazamentos de segredos de Estado e alguns outros tendentes ao envilecimento da personalidade dos administradores da coisa pública, sem exceção do presidente da República e de seus ministros. Aqui, faça-se o intervalo para dizer que a liberdade de imprensa, conquistada a duras penas pelos advogados e não pelos jornais, deve ser plena, nos moldes, aliás, da lei que a regulamenta – e muito bem (Lei 5.250, de 1967).

Diga-se que tal corpo legislativo foi promulgado ao tempo da ditadura, atendendo, embora, às necessidades modernas. Terrível, sim, é o conjunto de normas postas no regime democrático para permitir a violação das privacidades. Veja-se a curiosidade: A legislação provinda do período autoritário serve muito bem à regulamentação do relacionamento entre a imprensa e o cidadão; a lei reitora das interceptações telefônicas e outros comportamentos análogos faz honra à Gestapo, não só nas providências preliminares respeitantes à instrumentação, mas na formação de estrutura indiciária apta a terríveis providências contra investigados, postos desnudos perante quem pode e quem não pode desvesti-los. Arrependeram-se  os fautores daquela cornucópia sugadora da dignidade do cidadão. Há outro projeto em tramitação. No meio-tempo, o Governo é vergastado pela imprensa, não se falando do cidadão visto isoladamente, pois este, em expressão muito usada na rua São Caetano, é “pixulé”. Ninguém se importa com o infeliz que teve sua dignidade enlameada. Mas o Presidente da República sofre quando o diminuem; seus ministros ficam irritados ao se verem vítimas de “charges” ou comparações a outros próceres da Primeira República.

Além disso, não querem o vazamento de segredos de Estado, como se fossem estes mais relevantes do aquele correspondente à localização de camisola rendada na gaveta de um executivo arrastado a um xadrez morfético. Assim, o Governo quer providências contra as extravagâncias da imprensa. Para uns, no entanto, as medidas restritivas constituiriam expectativa de obtenção de uma “lei da mordaça”; para outros, as restrições à liberdade de imprensa seriam o retorno ao autoritarismo. Disse-o, e mal, um teatrólogo chamado “Arnaldo Jabour”, chicoteando os que se dão a sugestões restritivas. No fim de tudo, o Presidente da República e seus prepostos querem preservar seus segredos; o Ministério Público, enquanto se coloca contra o amordaçamento, guarda suas inquisições em escaninhos fechados a sete chaves; os advogados têm, paradoxalmente, seus arquivos violados; os hospitais se vêem obrigados a remeter à polícia os prontuários de seus pacientes; o segredo médico vai às tintas. No entremeio, rede de televisão aberta tem a primazia de execrar uma criatura, mostrando-a descaradamente, acorrentada, a milhões de brasileiros – e estrangeiros. Logo após, a mesma televisora desfecha, em horário nobre, campanha para assegurar à Instituição perseguidora prerrogativas inquisitoriais. Esquecem-se todos de que a imprensa, mesmo sendo acentuada colaboradora da vigilância sobre as anomalias do exercício da função pública, se enquadra dentro dos parâmetros adequados à repressão judicial de seus eventuais desafogos psicóticos. Existe lei em vigência, prevendo reparação por danos morais e materiais.

À margem disso, há repressão penal verrumando anomalias consubstanciadas no noticiário. Dentro do contexto, o presidente da República não precisa de inovação no controle de vazamentos. E cidadão algum necessita de lei nova para proteger-se. Basta o exercício metódico, a todos deferido, de provocar a punição daqueles que chafurdam na vilania, inconscientes do mal que fazem enquanto disfarçam, na demonstração de hipotéticos crimes em evolução, a injúria, a calúnia e a difamação, É simples. Não se entende a razão de o Presidente da República se aquietar quando o ofendem gravemente. Em vez de expulsar o ofensor, mais valeria processá-lo criminalmente e por ação privada, se confiança não tivesse naquele que ele próprio nomeou para tão augustas funções. É lembrar de Rafael Sabatini: o Rei de França também tinha seu Procurador-Geral (v. Scaramouche). Um servia à Coroa. O segundo tem a mesma função na democracia. Defendam-se os predadores da dignidade humana. Não obtiveram a liberdade, após os duros tempos da tirania, para caçar impiedosamente os restolhos da auto-estima dos infelicitados. Nisso se arredonda a vida de um país democrático: todos devem pagar por seus pecados, sem exceção daqueles que apontam desmioladamente as hipóteses de faltas alheias.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Paulo Sérgio Leite Fernandes

 

Advogado criminalista em São Paulo e presidente, no Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, da Comissão Nacional de Defesa das Prerrogativas do Advogado.

 


 

Equipe Âmbito Jurídico

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