Resumo: A partir do momento em que a sociedade se conscientizar acerca do real potencial da internet, o Sistema Tributário Nacional sofrerá um duro golpe na arrecadação.
Palavras-chave: Direito tributário, internet, novas tecnologias, arrecadação.
Sumário: 1. Introdução. 2. Necessidade de tributar. 2.1. Fontes de arrecadação: a importância dos impostos. 2.2. Sustentabilidade deste sistema. 2.2.1. Globalização 2.2.2. Projeções estatísticas. 3. Novas tecnologias. 3.1. Delimitação do tema. 3.2. Características das relações virtuais. 3.3. Impacto na sociedade. 3.4. Relações virtuais e o direito. 3.4.1. Desterritorialização e espaço virtual. 3.4.2. Tempo virtual. 3.4.3. Domicílio privado. 3.4.4. Barreiras nacionais. 3.4.5. Privatização do tempo e espaço. 3.4.6. Segmentação de conceitos. 3.4.7 Sujeitos. 4. Sistema tributário frente às novas tecnologias. 4.1. Precedentes históricos. 4.1.1. Iluminação Pública. 4.1.2. Telecomunicações. 4.1.3. Softwares. 4.1.4. Provedores de Internet. 4.2. Modelos internacionais. 4.2.1. UNCITRAL 4.2.2. OECD. 4.2.3 União Européia. 4.2.4. Estados Unidos da América. 5. Questão fundamental. 5.1. Limites de adequação. 5.1.1. Desenvolvimento do meio. 5.1.2. Direitos Fundamentais. 5.1.3. Diretrizes internacionais. 5.1.4. Revolução de Conceitos 5.1.5 Rigidez do modelo tributário nacional. 5.2. Insustentabilidade e necessidade de reforma. 5.2.1. Telefonia. 5.2.2. Bens digitais. 6. Propostas de soluções. 6.1. Lex Mercatoria. 6.2. Fiscalização e atuação intensiva. 6.3. Adequação do modelo tradicional. 7. Conclusão. Referências bibliográficas.
1 INTRODUÇÃO
O Estado Brasileiro opta por um sistema rígido e tradicional de tributação. São conceitos formados e consolidados ao longo do Século XX que sustentam toda a estrutura fiscal do país. O atual modelo tributário fora concebido sobre o texto constitucional de 1988, época em que o Estado se reestruturou sobre a forma democrática e passou a ter como objetivo a dignidade da pessoa humana.
Os tributos também passam a fazer parte deste contexto, possuindo igualmente a função maior de garantir o bem-estar social. Para que isso ocorresse, foram delimitados diversos limites à atuação do Fisco, bem como foi estabelecido um modo de estruturação, em tese, almejando favorecer o contribuinte.
Dentro deste cenário foram surgindo, ao longo dos últimos 80 anos, inovações tecnológicas que colocaram em xeque conceitos e definições já consolidadas. Assim foi com a energia elétrica, logo após com as comunicações e telecomunicações, e, mais recentemente, com os computadores. Entretanto, o sistema tributário sempre foi se adaptando às inovações, absorvendo-as com os tributos já existentes e conseguindo manter as sua unidade estrutural.
Ocorre que surge uma invenção tecnológica capaz de transformar não somente conceitos, mas também os modos de operação, as formas de agir e as maneiras de se interar, que é a internet.
Devido à rapidez com que fora introduzida no mercado, ou talvez por ignorância do legislador brasileiro, o sistema legal brasileiro não se adequou para esta nova realidade, denominada por alguns de virtual. E o direito tributário também se enquadra nesta perspectiva, não tendo aprovado, até o momento, medidas de grande relevância mesmo depois de 15 anos de implantação da internet no país.
Daí surge o problema fundamental analisado neste trabalho. Será que o atual modelo de tributação, calcado em conceitos tradicionais e limitado pelos mais diversos fatores será capaz de absorver tamanhas mudanças? Conseguirá o modelo vigente sustentar-se em face das inovações?
A necessidade de arrecadação é cada vez maior pelo Estado, mas a internet, indo de encontro com esta tendência, cria situações que o rígido sistema dos tributos não pode abarcar. Tais situações, que somente tendem a crescer, precisam ser logo avaliadas pelo legislador nacional, sob pena de fugirem do controle normativo.
Sem jamais pretender exaurir os assuntos descritos ao longo do texto, o presente trabalho pretende introduzir, de maneira breve, como é o atual modelo tributário, suas limitações, as influências internacionais e, principalmente, o impacto que a internet tem sobre ele. De posse destes dados, comparando-se com os modelos adotados em outros países, serão expostas a dificuldades de adaptação e, por fim, serão difundidas as três soluções apontadas pelos especialistas sobre o tema.
Desta forma, este estudo tenta demonstrar como a rigidez de princípios e regras, os obstáculos internacionais, os direitos fundamentais e, principalmente, a internet, podem comprometer ainda mais rapidamente a sustentabilidade do sistema tributário.
2 NECESSIDADE DE TRIBUTAR
O homem é um ser social. Necessita, para se desenvolver e sobreviver, conviver uns com os outros. Essa concentração de pessoas forma a sociedade. Porém, esta mesma sociedade precisou, para que se desenvolvesse, organizar-se. A solução encontrada foi a criação de um ente superior, denominado posteriormente de Estado. Conforme leciona Machado (2007, p. 55), “para viver em sociedade, necessitou o homem de uma entidade com força superior, bastante para fazer as regras de conduta, para construir o direito positivo”, nascendo então o Estado. E assim este ente adquiriu o direito de regular a vida das pessoas.
Da mesma maneira possui tal direito hoje. Entretanto, acumulou muitas outras funções, como a de estruturar, organizar e propiciar o denominado Estado Social de Direito. O Estado desenvolve, atualmente, atividades políticas, econômicas, sociais, administrativas, financeiras, educacionais, policiais, entre outras, estruturando e regulando a vida em sociedade.
Ocorre que, para tanto, é primordial que este detenha recursos suficientes para atingir seus objetivos. Qualquer que seja a concepção de Estado que se venha a adotar, afirma Machado (2007, p. 55-56), “é inegável que ele desenvolve atividade financeira”, para atingir seus objetivos, precisa de recursos para obter, gerir e aplicar seu poder-dever.
Já se foi o tempo em que o Estado supria suas necessidades financeiras por meio de guerras e conquistas, doações ou vendas de bens de seu patrimônio. Por isso, o instrumento utilizado pelo Estado para adquirir recursos é o tributo. Legitimado pelo poder popular, consubstanciado pela Constituição da República, o tributo é previsto abstratamente na Lei Maior. O poder de tributar justifica a própria concepção de Estado. Os indivíduos, por seus representantes, consentem na instituição do tributo, como na elaboração de todas as regras jurídicas que regem a nação, a fim de propiciar meios de sobrevivência.
Sendo assim, o tributo é quem financia o Estado a agir. Devido sua importância, possui um sistema próprio de organização, com princípios e normas peculiaridades, o qual será estudado nos tópicos a seguir. Da mesma forma entende Ataliba (2006, p. 30), uma vez que:
“As normas tributárias, portanto, atribuem dinheiro ao estado e ordenam comportamentos, dos agentes públicos, de contribuintes e de terceiros, tendentes a levar (em tempo oportuno, pela forma correta, segundo os critérios previamente estabelecidos e em quantia legalmente fixada) dinheiro dos particulares para os cofres públicos.”
É por meio do tributo que o Estado arrecada dinheiro para manter suas funções. Funções estas que não são poucas, ou fáceis de alcançar. De acordo com Lanari (2005, p. 09-10), as atribuições estatais ultrapassaram o campo das atividades básicas, fundamentais, essenciais, não delegáveis aos particulares, abrangendo toda uma cadeia de investimentos. É verdade que recentemente o Estado vem buscando delegar este importante papel também para a iniciativa privada, como é possível verificar no instituto da função social da propriedade, bem como nas Parcerias Público-Privadas.
No entanto, ainda cabe ao Governo a função primordial de estruturar o país, uma vez que é ele, ainda, o detentor do poder-dever de manejar os rumos da economia nacional. O próprio Preâmbulo da Constituição da República assim determina, criando essa obrigação objetiva de fazer, veja:
“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL”. (grifamos)
Além de ajudar o Estado a cumprir seu papel constitucionalmente previsto, infelizmente o tributo serve também, nas palavras de Silva Martins (1995, p. 20), para “sustentar os desperdícios, as mordomias, o empreguismo dos detentores do poder. Esta realidade é maior ou menor, conforme o período histórico ou o espaço geográfico”.
Inobstante seja indiscriminada e notória a corrupção, os desperdícios e a desfaçatez do administrador público, é preciso sempre partir do pressuposto de que a regra é a boa-fé, e não ao contrário, sob pena de se punir injustamente aqueles que laboram com sacrifício no bem-estar social, tentando satisfazer a população. Conforme afirma Ferraz (in SCHOUERI, 2005, p. 222), “a sociedade espera mais dos tributos, espera que sejam instrumentos efetivos de ação solidária, isto é, que cumpram integralmente com seus objetivos de promoção do bem comum”.
Portanto, inegável a importância do tributo. Mas, da forma que fora concebido, está cercado de limites e restrições legais e, com as mudança da tecnologia, todo esse sistema está enfrentando situações que necessitam de uma reavaliação de seus pilares fundamentais.
2.1 FONTES DE ARRECADAÇÃO: A IMPORTÂNCIA DOS IMPOSTOS
Embora exista uma grande divergência doutrinária sobre a quantidade de tributos existentes no ordenamento nacional, todos concordam que os impostos são as fontes mais significativas de arrecadação. São eles os grandes financiadores do Governo Brasileiro e, portanto, merecem atenção especial neste estudo.
Conforme afirma Barros (2003, p. 79), “nos países em desenvolvimento os impostos indiretos são responsáveis pela maior parcela da arrecadação do governo”. Tal conclusão é também notória, pois todo brasileiro percebe muito mais a carga tributária que lhe é imposta quando este deve quitar seus impostos, enquanto que as taxas e contribuições afetam de forma mais reduzida o orçamento do contribuinte.
Sendo assim, na eventual caso de extinção de algum imposto acarreta em um rombo significativo no orçamento do Estado. Ainda mais se este corte for sobre um imposto que tradicionalmente o sustenta, como o ICMS, nos Estados, o ISS, nos Municípios, e os Impostos sobre a Renda, Importação e Exportação, que são de competência da União.
E são estes que sofrerão com maior intensidade os efeitos das relações virtuais, pois muitos especialistas consideram o advento do comércio eletrônico uma oportunidade de retirar os impostos indiretos e aumentar os diretos.
Porém, afora o surgimento da internet, o sistema tributário, consubstanciado principalmente pelos impostos, já apresenta sinais de que precisa de uma reforma, pois em um futuro não muito recente, já é prevista sua falência. A internet somente incrementará os problemas que o sistema já enfrenta, acelerando o colapso na arrecadação.
2.2 SUSTENTABILIDADE DESTE SISTEMA
Primeiramente, é preciso definir o termo sustentabilidade. De acordo com a enciclopédia virtual WIKIPEDIA, é “um conceito sistêmico, relacionado com a continuidade dos aspectos econômicos, sociais, culturais e ambientais da sociedade humana”.
CAMARGO (2007, p.357), também assim enuncia, explicando que a definição de sustentabilidade é um complexo que envolve questões financeiras, econômicas, sociais e ambientais, mas que atualmente o conceito está muito mais ligado a aspectos naturais, uma vez que
“Algumas pessoas relacionam sustentabilidade a resultado econômico financeiro, outras entendem como necessidade de auto-sustentação pela limitação da produção à disponibilidade dos recursos naturais, não permitindo nada além desses limites. Outras ainda reconhecem a sua complexidade, porém, na prática das decisões humanas acreditam como imponderáveis tais medições, o que resultará numa simples equação de que só haverá sustentabilidade quando a exploração dos recursos naturais for menor que o potencial de recuperação da natureza.”
Desta forma, sustentável pode ser resumido na idéia de algo que perdure no tempo e seja capaz de existir em face das gerações vindouras. Aplicado na área tributária, a sustentabilidade refere-se a um ciclo relativamente constante e duradouro, assentado em bases consideradas estáveis e seguras.
Ocorre que o sistema tributário atual, mesmo se desconsiderado o avanço da internet, já sofre com uma crise de arrecadação, de corrupção e má aplicação do dinheiro público. Não é de hoje que a sociedade sofre com uma pesada carga tributária, que estimula o informalismo, o desvio de recursos e as fraudes fiscais.
Apesar de tudo, cresce a cada dia a sede do Fisco, aumentando alíquotas, estabelecendo limites de deduções, vedações às compensações fiscais, imunidades, etc., sempre visando arrecadar mais e mais.
Não é de hoje que o sistema tributário, da forma que está concebido, “sofre de tão profunda crise que mostra-se antiquado e impraticável”, nas palavras de Becker (2002, p. 214). Segundo o autor, é necessária uma radical modificação na estrutura jurídica do orçamento público, porém, esta modificação não pode jamais consistir na renúncia ao jurídico, mas sim na construção de novo instrumental jurídico a serviço do Estado.
Isso porque os fatores sociais estão em constante mudança e o sistema já não comporta novas situações, como as tecnologias que surgem a cada dia. O Estado está calcado em formas e situações abstratamente previstas em décadas passadas e não é capaz de absorver novas situações, face a rigidez do sistema, como vimos acima.
Diante disso, ainda que de maneira superficial, já é possível extrair a conclusão de o modelo tributário não possui bases capazes de perdurar por muito tempo da maneira que foi concebido. É provável uma falência do sistema, mesmo sem levar em consideração a nova tendência de relações virtuais, que somente ajudará a piorar este quadro. A seguir, ver-se-á como o sistema já padece de problemas estruturais gravíssimos, que somente serão agravados pela internet, fenômeno este analisado nos capítulos posteriores.
2.2.1 Globalização
Um dos problemas que o sistema tributário atual vem enfrentando concentra-se na denominada globalização do mercado mundial. Ocorre que o planeta tornou-se uma só economia, e qualquer abalo em uma de suas extremidades resulta em conseqüências para todos os países.
Empresas passam a conhecer novos mercados e começam a estudar vantagens em outros países. Fronteiras físicas são abolidas. A soberania das nações sofre um duro golpe e é necessário que estas se enquadrem no novo cenário a fim de garantir o avanço econômico, social e político. É preciso atrair estas empresas, agora transnacionais, para que possam gerar renda e trabalho aos cidadãos. Conforme enuncia Castro (in MARTINS, 2005, p. 29), “a globalização desferiu um poderoso golpe na dinâmica dos institutos jurídicos tradicionais ao reduzir o espaço público de atuação política na medida em que alargou a importância do mercado”.
Surgem assim os novos atores globais, isto é, entidades capazes de ditarem regras e especularem no mercado financeiro, devido ao seu porte econômico. Atraí-las ao seu território passa a ser uma forma de garantir investimentos e a confiança do mercado especulativo. No entanto, tudo tem seu preço. É preciso conceder-lhes também benefícios.Assim, acomete-se o sistema tributário com uma situação distinta da até então prevista.
“A redução ou perda da soberania fiscal pelos Estados modernos apresenta-se como a marca mais significativa neste campo de considerações. O enfraquecimento do Estado-nação manifesta-se cores muito peculiares no universo tributário. Com efeito, a pressão direta e indireta das empresas transnacionais pela adoção de ambientes fiscais mais favorecidos estão na base de uma série de movimentos relevantes relacionados com a tributação.” (CASTRO, in MARTINS, 2005, p. 17)
Ocorre que o Estado, ao conceder benefícios para que determinada empresa se instale no país, estará deixando de prover vultuosas quantias de tributos. Ainda, muitas vezes os lucros da empresa serão investidos em outras nações, destruindo assim a idéia do benefício social indireto que esta poderia trazer.
As empresas globalizadas, pelo uso dos mais variados expedientes suportam uma tributação menor que os atores não globalizados, sujeito, ademais, ao controle mais restrito dos Estados nacionais. Disto resulta que ao consumidor e produtor interno caberá suportar os tributos que o ente global não pagará, sobrecarregando-os. Um dos principais e mais perversos traços é a crescente injustiça do sistema tributário. Considerando-se que este cenário tende somente a aumentar, é fácil prever o colapso do sistema.
2.2.2 Projeções estatísticas
Uma análise histórica e uma projeção futura podem demonstrar o quanto o contribuinte brasileiro pagará ao Fisco, demonstrando a insustentabilidade do sistema, o qual se tornará por demais oneroso ao cidadão, impedindo-o de adimplir seus tributos.
A arrecadação tributária é diretamente proporcional ao número de contribuintes e ao nível de renda dos mesmos, uma vez que o sistema tributário se baseia na capacidade contributiva do cidadão. Assim, quanto maior a população economicamente ativa, maior o número de contribuintes.
Veja o histórico de crescimento da arrecadação e do número de pessoas nos últimos 14 anos[1]:
De posse destes números é possível elaborar um gráfico com o padrão de crescimento da arrecadação brasileira, ou seja, da carga tributária brasileira:
Gráfico 1: Crescimento na arrecadação de tributos no Brasil
Tal crescimento apresenta uma média anual de 16,64%. Se for considerada a hipótese que cada habitante atual contribuiu com todos os tributos acima durante o período de 14 anos, é possível concluir que cada habitante brasileiro pagou, no período de 1992 a 2006, a quantia de R$ 1.472,11. De posse do índice médio de aumento da carga tributária, é possível também realizar uma projeção futura da arrecadação nacional:
ARRECADAÇÃO (estimativa em milhões de R$)
Combinando a projeção acima com a média de crescimento da população brasileira, tem-se que, em 2016, se cada habitante daquela época contribuir com os 10 anos do período pesquisado, este terá gasto aproximadamente R$ 5.000,00 em tributos, o que demonstra uma excessiva onerosidade sobre o cidadão brasileiro.
Há que se ressaltar ainda o aumento das alíquotas, outro grande agente responsável pelo aumento da carga tributária e que não foi considerado nos números acima citados.
No Brasil, a carga tributária incidente sobre o consumo é altíssima, notadamente quando comparada com outros países ou conjunto de países. Conforme afirma Castro (in MARTINS. 2005, p. 23), “as classes médias e populares e os trabalhadores arcam com a maior parte do ônus fiscal”. A excessiva tributação sobre o consumo implica na oneração do produto, redução da demanda, restrição à produção, redução da oferta de empregos e prejuízo ao crescimento econômico.
Tais números corroboram o entendimento da doutrina sobre uma previsível e breve falência de todo o sistema tributário brasileiro, fatos estes que podem ser antecipados em face do advento das relações jurídicas pela internet, como será visto nos capítulos seguintes.
3 NOVAS TECNOLOGIAS
3.1 DELIMITAÇÃO DO TEMA
Tudo que é inédito é novo. Tudo o que não possui precedente é novo. Sendo assim, em uma análise superficial, tudo pode ser novo. Portanto, podemos dizer que as novas tecnologias são as implementações tecnológicas que de alguma forma influenciaram o cotidiano das pessoas e passaram a integrar seu modo de vida.
Assim foi com o telefone, rádio, energia elétrica, plástico, geladeira, televisão, etc., no qual todos passaram a integrar o lar das pessoas (tanto físicas quanto jurídicas) de tal forma que sua aquisição tornou-se essencial a sua sobrevivência.
Entretanto, necessário se faz acrescentar um substantivo ao termo “novas tecnologias” e, ainda, delimitar um espaço de tempo, sob pena de vagarmos ao infinito. Desta forma, este estudo situar-se-á no período compreendido entre o final do século XX até a presente data, apresentando apenas os casos mais influentes e de relevância jurídica, principalmente no campo do direito tributário.
Atualmente, a nova onda tecnológica está intimamente ligada à internet, pois é dela que derivam os novos modos de vida da sociedade. Por isso, é dela que surgem os novos paradigmas com os quais o direito deve se preocupar.
De todas as inovações, nenhuma delas pode ser comparada ao que ocorre nas redes de comunicações e na internet. Esta tecnologia está gerando um desenvolvimento extremamente acelerado nos negócios globais e, ainda mais, na área de serviços.
Conforme afirma Emerenciano (2003, p. 22), esses negócios mundiais envolvem computadores, softwares, serviços de entretenimento (filmes e vídeos, jogos eletrônicos, música), serviço de informação como banco de dados, jornais eletrônicos e, ainda, o campo da informação técnica. Estenderam-se até a medicina, a produtos sujeitos a licenças, a serviços financeiros e profissionais como consultoria técnica, contabilidade, arquitetura, designer, consultoria legal, serviços de viagem, etc.
Sendo assim, advém da internet as novas peculiaridades e situações que causam grande impacto no Direito, como se verá abaixo.
3.2 CARACTERÍSTICAS DAS RELAÇÕES VIRTUAIS
A internet é, de forma resumida, uma rede internacional de computadores interconectados, que permite a comunicação e interação de dezenas de milhões de pessoas, permitindo o acesso a uma imensa quantidade de informações, de forma instantânea e, em geral, gratuita, em um ambiente sem barreiras físicas.
Ela foi criada com fins militares, durante a Guerra Fria, nos Estados Unidos da América, visando impedir que o ataque a um local específico destruísse todo o sistema de comunicação e informação dos militares. Por isso, foi estruturada de forma aberta, para que não se perdesse conteúdo. Também, por causa disso, a internet foi configurada de forma que fosse praticamente impossível ser controlada por um único agente.
Sendo assim, a internet adquiriu peculiaridades únicas, exclusivas, que podem ser resumidas da seguinte forma[2]:
1. é uma rede, em geral, aberta a todos os usuários;
2. é interativa;
3. é internacional, não possuindo barreiras físicas;
4. operada por uma multiplicidade de agentes;
5. não possui autoridade;
6. é descentralizada;
7. cria limites a partir dos costumes de uso;
8. acelera a relação tempo-espaço;
9. diminui os custos de transação;
O modo operacional, estrutural e conceitual de interação criado pelo internet entre pessoas surge como uma revolução, tal como aquelas vivenciadas nos séculos XVIII e XIX. É certo que em um tempo futuro, os dias atuais receberão uma nova divisão, denominada, talvez, de Era da Informação. Tais mudanças justificam-se devido ao grande impacto sofrido pela sociedade, como se verá abaixo.
3.3 IMPACTO NA SOCIEDADE
Toda mudança histórica causa grande impacto no cotidiano das pessoas. Assim foi ao longo da história, com as revoluções Francesa e Industrial, com as grandes guerras mundiais e, atualmente, o está sendo devido ao surgimento da sociedade da informação.
Revolução esta que foi iniciada por Gutemberg, no século XVI, com a massificação dos livros. Posteriormente com o surgimento dos periódicos e jornais. Já no século XX, pelo rádio, pelo telefone, televisão e, hoje, culminada pela internet. Surge a Sociedade da Informação. De acordo com Guerra (2004, p. 23), esta nova modalidade é a “corporificação de um processo continuado de destruição das fronteiras físicas traçadas no nível jurídico-político pelo imperativo de uma ordem econômica nova que tornou transnacional o fluxo internacional de capitais”.
A sociedade da informação não significa ter conhecimento de tudo, estudar todas as ciências e obter uma sabedoria vasta da humanidade. Esta sociedade se caracteriza pelo rápido e fácil acesso a conteúdos, conquista de notícias antes mesmo delas forem difundidas, organização e arquivamento das informações, enfim, controle sobre o conhecimento.
Nas explicações de Wachowicz (2004, p. 227) e Lorenzetti (2004, p. 55), na economia da informação, não se valora a informação somente levando em consideração o grau de conhecimento que deve ser posto ao alcance das partes no processo de contratação, mas também como bem comercializável, num mercado em que os sujeitos não são contratantes informados e não informados, mas apenas produtor de informação e adquirente desta. Ela não é instrumento. É um bem em si mesmo.
Pode-se afirmar, sem dúvida, que a internet está no centro destas mudanças. A nova economia propiciada pela internet trouxe novos modelos organizacionais com novos processos de negócios para produção ou circulação de bens e serviços no ciberespaço.
Novas profissões, novas técnicas, novos produtos, novos mercados, novas sociedades surgem pela internet. Não se quer afirmar que estas máquinas estariam a substituir o ser humano, mas, conforme afirma Vicente (2005, p. 106), “à medida que nossa sociedade é cada vez mais dominada pela economia da informação, o trabalho que realizamos se apóia cada vez mais no nosso conhecimento do que na força ou destreza física”.
A OECD[3] organizou um quadro comparativo no qual contrasta o atual sistema financeiro, baseado em transações bancárias e no dinheiro em espécie, que facilita a fiscalização das unidades arrecadadoras, com os desafios que o comércio eletrônico está difundido, principalmente com o advento do de sistemas eletrônicos de pagamento:
O impacto social e econômico do comércio eletrônico, segundo esta mesma entidade, em 1995, era praticamente zero. Em 1997, o volume negociado foi de 25 milhões de dólares. Já em 2005 esse número chegou próximo a um trilhão de dólares.
Também há os aspectos negativos, como o perecimento de certas atividades, produtos e, talvez a pior face da Sociedade da Informação, a exclusão digital. A tendência é que seja cada vez maior o abismo entre os dois extremos da nova sociedade. Dentro destes aspectos negativos, está também o impacto no direito tributário, pois situações atípicas se proliferam e, a cada dia, mais pessoas utilizam a internet visando diminuir a carga tributária.
“Ocorre que, atualmente, é preciso que seja vencido um novo desafio jurídico, que foi lançado pelo advento da tecnologia da informação: caberá ao direito em sua regulamentação propiciar o desenvolvimento pleno desta nova Sociedade Informacional, equalizando toda uma gama de interesses, preservando a liberdade de iniciativa da atividade econômica e o aperfeiçoamento do conhecimento do ser humano.” (WACHOWICZ, 2004, p. 231)
Caberá ao Direito assegurar proteção e segurança aos que dela utilizam. Porém, são inúmeras as mudanças, que ocorrem de forma cada vez mais dinâmica, e todo o sistema jurídico precisa se adequar a tais mudanças, sob pena de perecer e tornar-se ultrapassado, mesmo estando em vigor.
O problema é que, em face da novidade do negócio, não se sabe exatamente a forma pela qual o Direito deva intervir no comércio eletrônico. Finkelstein (2004, p. 17) afirma que o desenvolvimento da sociedade, de novas formas de relacionamento, “sempre é mais rápido do que o desenvolvimento do Direito”.
Talvez seja culpa do rigoroso e estanque processo legislativo a que todas normas são submetidas antes de entrarem em vigor. Quiçá os culpados sejam os parlamentares, que pouca ou nenhuma preocupação tem com as mudanças. Ou também da sociedade em geral, que insiste em julgar a internet apenas como mais um meio de comunicação.
“O Direito Tributário não escapa a esta realidade. Ao contrário, a História mostra que, nos momentos de profunda transformações da sociedade, é este ramo do Direito um dos primeiros a sofrer os impactos do “novo”. Assim é, pois ele corresponde a um dos mais sensíveis campos do relacionamento entre cidadão e Estado, nele se configurando o contexto em que diretamente é necessário buscar o ponto de equilíbrio do binômio autoridade/liberdade”. (GRECO, Marco Aurélio. in Direito & Internet. 2005, p. 377)
Mas já existe, tanto na doutrina, cada vez mais vasta, como do Poder Judiciário, uma amostra de que aos poucos o direito e a internet começam a se interagir. Tanto é que as mais recentes leis em vigor tratam em grande número de situações advindas da internet, como é o caso das recentes alterações do Código de Processo Civil, o qual passou a admitir a prova por meio eletrônicos, bem como o processamento de autos via internet.
O Direito Tributário, por sua vez, cada vez mais vem se preocupando com a atual estrutura de incidência dos tributos, sendo que, nesta área, a preocupação maior está em financiar formas eletrônicas de prestação de contas ao Fisco.
3.4 RELAÇÕES VIRTUAIS E O DIREITO
Sem dúvida, o maior impacto que o Direito sofreu, e vem sofrendo, é o advento da internet e da popularmente chamada de sociedade virtual. Seres humanos, representados por bits, ou seja, números binários, criam, modificam e extinguem direitos a todo momento.
O crescimento explosivo da internet é um fenômeno revolucionário em computação e telecomunicações. Conforme diz O`Brien (2004, p. 169), a internet se converteu hoje “na maior e mais importante rede de redes e está evoluindo para a supervia de informações de amanhã”. Milhares de redes comerciais, educacionais e de pesquisa agora conectam entre si milhões de sistemas e usuários de computadores em mais de 200 países.
Relações jurídicas são formadas com máquinas, sem origem ou face, sem documento ou assinatura. Essa é a sociedade virtual, onde o elemento físico é deixado totalmente a margem.Mas, primeiramente, esclarecer-se-á a respeito do termo “sociedade virtual”. Muito se discute na doutrina o emprego errôneo desta nomeclatura. O vocábulo virtual opõe-se ao atual, e não ao real, como muitos imaginam. Ainda, outra crítica efetuada é que a sociedade não foi “virtualizada”, mas que esta apenas utiliza da rede de computadores para se comunicar. Sendo assim, para facilitar este estudo, e sem se aprofundar na discussão, o que se entende por virtual são as relações jurídicas realizadas, por isso justifica-se o emprego do termo relações virtuais.
Afora isso, é inegável sua influência no Direito e, conforme afirma Bifano (2004, p. 36) e Lorenzetti (2004, p. 27), uma análise, ainda que simplória, do negócio eletrônico, demonstra que ele vem modificando conceitos, procedimentos, cautelas, materiais, logística, enfim, tudo o que respeita à comunicação entre homens, conseqüentemente, suas relações. A internet apresenta regras de diferenciação que também influenciam os conceitos e regras jurídicas, criando novos limites, princípios e definições que passam a nortear o Direito como um todo.
A preocupação do Direito com a internet ocorre no mesmo período histórico em que acontece a massificação desta tecnologia, no início dos anos 90, quando o acesso discado permitia uma fácil, mas ainda cara, forma de acesso às informações.
As primeiras discussões que surgiram envolveram, principalmente, os problemas relacionados aos conflitos de jurisdição no espaço virtual. Dada a possibilidade de pessoas acessarem, pela internet, web sites localizados em outros países e praticarem atos jurídicos, tais como jogos em cassinos, o problema da jurisdição foi o mais estudado e analisado em artigos jurídicos no início daquela década.
Aos poucos a norma está incluindo em seu corpo legislativo noções de documentos eletrônicos, softwares, criptografia, privacidade, etc. No campo fiscal, o Governo preocupou-se primeiramente em organizar formas de declaração de renda ou circulação de mercadorias on line. Porém, o Direito Tributário está consciente que mudanças deverão ocorrer, tanto nas proposições abstratas (hipóteses de incidência) quanto no modo de fiscalização e arrecadação dos tributos.
“Cumpre salientar que as funcionalidades empresariais na internet serão cada vez mais ampliadas com os avanços da tecnologia da criptografia, que protege a confidencialidade dos dados transmitidos pelas redes de computadores. Ou seja, mais e mais negócios migrarão para o ciberespaço, ocasionando efeitos devastadores para a arrecadação e, assim, para os orçamentos nacionais”. (LANARI, 2005, p. 127)
Diante desta perspectiva, necessário se faz analisar todos os aspectos que a internet causa nas relações jurídicas por ela efetivadas. A partir daí, será possível, em comparação com o atual sistema tributário, verificar quais são os problemas que o Fisco terá em tributar operações sobre a internet.
Vale ressaltar que existem duas categorias de comércio eletrônico. A primeira delas é a indireta, a qual gera menos preocupação e influência sobre o direito. No comércio eletrônico indireto a internet é usada apenas como meio de contato entre o vendedor e comprador para promoção, oferta e, mesmo, a aceitação de produtos e serviços que são despachados de modo convencional e recebidos em formato tangível.
Já a segunda forma de negociação, denominada de direta, e que estrutura este estudo, é aquela em que não existe um bem tangível, existem apenas bits, que são enviados on line para outro computador. Este fenômeno representa a grande mudança trazida pela internet, sendo que seus principais efeitos em face do direito estão abaixo relacionados.
3.4.1 Desterritorialização e espaço virtual
A internet, como se sabe, cria uma ambiente virtual, ou seja, um espaço comum intangível, onde as pessoas se interagem. É nesse “lugar” que ocorrem as situações de interesse jurídico. Ocorre que esse ambiente não possui localização geográfica.
Conforme afirma Lorenzetti (2004, p. 30), a “internet tem uma natureza não territorial e comunicativa, um espaço movimento, no qual tudo muda a respeito de tudo”, ou seja, o espaço virtual, não é sequer assemelhado ao espaço real, porque não está fixo, nem é localizável mediante o sentido empírico como, por exemplo, o tato. Ou seja, não é possível determinar onde se situa a internet, por ser impossível sua delimitação geográfica.
3.4.2 Tempo virtual
Fato inegável é que as novas tecnologias vêm, a cada nova invenção, encurtando o tempo. Isto é, os aviões diminuíram obstáculos para a viagens de longa distância, a televisão permitiu o acesso instantâneo às notícias e o celular permite que pessoas se comuniquem a qualquer hora e lugar umas com as outras. Assim está sendo com a internet, na qual é possível “baixar” tecnologia, informação ou estabelecer uma relação jurídica, em qualquer lugar, de forma instantânea.
A tecnologia acentua essa tendência e permite uma vida no presente. O cidadão do século XIX que quisesse visitar um amigo ou contratar com determinada empresa de um país distante deveria depender de um recurso escasso: o tempo. As viagens demoravam meses.
Atualmente, a tecnologia permite a comunicação instantânea com qualquer parte do mundo; já não se consome o recurso escasso, e, portanto, acentuam-se as trocas, independentemente das distâncias.
Mas esta facilidade de contato virtual, ocasionado principalmente com o advento da internet, afasta cada vez mais os vínculos físicos, sendo raras as famílias que podem se reunir para almoçar no dia-a-dia. Tais contatos, realizados constantemente via celular ou internet, fomentam o surgimento de comunidades virtuais e, conseqüentemente, as relações jurídicas sem o contato físico.
3.4.3 Domicílio privado
Essas comunidades, uma vez que não possuem contato físico em suas relações, acabam por criar um ambiente virtual, sem qualquer menção ou definição de um espaço fisicamente localizável. Acontece a denominada desterritorialização, onde não é possível identificar a jurisdição aplicável. Por exemplo, uma pessoa pode adentrar em uma lan-house em Cingapura, mandar um e-mail por um provedor gratuito com sede nos Estados Unidos, para um destinatário que se utiliza de um notebook para acessar suas correspondências eletrônicas aqui no Brasil.
Conforme enuncia Lorenzetti (2004, p. 36), “no campo da atividade empresarial se observa que o domicilio dos negócios não coincide com o lugar onde está situado o sistema de informática” e, para solucionar esta discrepância, tem-se dado primazia ao lugar dos negócios.
Sendo assim, torna-se indeterminável o domicílio dos sujeitos e, em muitos casos, impossível de definir o local em que se encontram os agentes da relação jurídica.
3.4.4 Barreiras nacionais
Como se sabe, o Estado está intimamente ligado à noção de território. Dentro deste espaço geográfico determinado, exerce sua soberania, jurisdição. A internet, como visto acima, possibilita o envio de informações a nível global sem qualquer restrição ou controle. Não existem mais barreiras alfandegárias, ou fiscalização, pois estes downloads são feitos diretamente entre as partes contratantes. É o que afirma Lorenzetti (2004, p. 37), expondo que “se uma tecnologia consegue adentrar na jurisdição estatal sem passar pelas barreiras estabelecidas para o espaço físico, estaremos diante de problemas”.
3.4.5 Privatização do tempo e espaço
Antes do advento da internet, todas as relações jurídicas estabelecidas necessitavam que o outro contratante estivesse disponível para tal. O mercado deveria estar aberto, o banco tinha que estar em funcionamento, ou seja, não bastava ter vontade, era preciso estar disponível.
Sendo assim, as pessoas ficavam adstritas a horários pré-determinados, reféns de horários e agendas pré-estabelecidos. Com a internet, o cidadão faz o seu próprio itinerário. É possível que compras sejam efetuadas de madrugada, as vendas de ações podem ocorrer a qualquer horário, pagamentos podem ser efetuadas até mesmo nos feriados. Isto é, o tempo e espaço são dispostos de acordo com a vontade unilateral da parte.
3.4.6 Segmentação de conceitos
Todo o Direito está calcado em conceitos e elementos tradicionais da sociedade. São cláusulas gerais que o legislador cria em observância a fatos da sociedade que vive e balizam as decisões nos tribunais. Daí que a clausula é geral ao permitir que num caso concreto o juiz possa aceitar diversas interpretações de regras de conduta.
Ocorre que o juiz que tem de solucionar um caso relacionado à Internet pode ver-se obrigado a considerar costumes muitos distintos, de países e culturas estranhas a sua região. É nesse ponto que o Direito encontrará o desafio de julgar, pois estará diante de jurisdições com normas e costumes distintos, na qual a cláusula prevista em lei contraria disposições expressas em códigos estrangeiros.
3.4.7 Sujeitos
Todos que se utilizam da internet são, na prática, capazes de firmar relações jurídicas. Uma vez que o acesso à Rede não exige qualquer qualificação ou habilitação, não existe impedimento para a fruição da internet.
Crianças, idosos, adultos, civilmente incapazes, menores, indígenas, estrangeiros, enfim, todos podem contratar e realizar negócios on-line. Ocorre que, como executar ou punir um sujeito que realizou um negócio on-line mas não possui capacidade civil pra sofrer tais sanções, como é o caso dos menores?
É neste diapasão jurídico que surge uma grande oportunidade para a ocorrência de fraudes e/ou crimes, e o Direito passa ao lado, vendo quem e o que foi realizado, mas impossibilitado de agir.
Também, outro problema que surge, diz respeito à identificação do sujeito. O uso anônimo da internet é algo simples de fazer e, uma vez anônimo, fácil é cometer ilícitos sem ser identificado.
4 SISTEMA TRIBUTÁRIO FRENTE ÀS NOVAS TECNOLOGIAS
Como já visto, a cobrança moderada de tributos sustenta a sociedade civilizada. Essa política fiscal, desde que devidamente manejada, encoraja determinadas atividades, penaliza comportamentos sociais indesejados, promove inversões básicas diretas em diversos setores e redistribui os recursos nacionais e as riquezas.
A tributação é um importante instrumento de equilíbrio social e de homogeneização das estruturas econômicas. Por isso, a manutenção deste sistema é primordial para garantir a evolução do bem-estar social, objetivo este tão almejado pela Constituição da República.
Mesmo que de maneira lenta, burocrática e tímida, a história mostra que o Fisco vem se adaptando as novas tecnologias. Melhor dizendo, o sistema vem lentamente evoluindo. Ocorre que a dinâmica do mercado não pode esperar esta morosidade, sob pena de brecar o seu desenvolvimento. Nas palavras de Lanari (2005, p. 144), o “novo século reclama uma abordagem tributária diferenciada, capaz de acolher as novas tendências empresariais e de promover os direitos humanos, para que não se interrompa a marcha desenvolvimentista”.
É certo que a vontade política pode acelerar esta adaptação ao novo. Tal interação com as novas tecnologias é questão de sobrevivência do atual sistema tributário, pois a cada dia os números comprovam que o Estado possui mais e mais despesas, principalmente com a previdência.
Porém, exemplos históricos mostram como o legislador conseguiu inserir novos produtos à hipótese de incidência, podendo então cobrar tributos sobre eles. Tal adequação demandou, muitas vezes, grandes manobras legislativas, que culminaram até mesma com emendas constitucionais.
Estas adequações podem servir de exemplo de como prosseguir com as inovações trazidas pela internet e, por isso, é essencial fazer um breve retrospecto sobre como o sistema tributário foi adaptado em face das recentes ondas tecnológicas.
4.1 PRECEDENTES HISTÓRICOS
Sempre que o Direito percebe uma mudança social, mesmo que lentamente, este procura adequar-se a nova realidade. Assim, as normas conseguem manter a ordem interna e absorver novas tendências, anseios sociais e tecnologias.
Mesmo com um sistema burocrático, a história comprova que sempre foi possível evoluir no campo jurídico, atualizando-o e mantendo-o hígido. Esta adequação que ocorreu ao longo dos tempos foi auxiliada pela lentidão com que a sociedade evoluía. Uma invenção tecnológica aparentemente revolucionária, como a televisão, rádio, computador, etc., demoravam anos e anos para serem implantados definitivamente à população.
A televisão, por exemplo, após ser massificada nos EUA durante a década de 50, demorou quase 10 anos para cair no gosto dos brasileiros. Desta forma, o legislador já possuía modelos internacionais, teorias sólidas, preparando-se pela absorção pelo mercado interno. Essa “demora” proporcionava tempo mais que suficiente para um planejamento em longo prazo, deixando certo conforto ao trabalho de regulamentar tais tecnologias.
Porém, atualmente, as mudanças ocorrem a nível global em questão de dias, e o tempo virou o maior inimigo do ser humano, inclusive do legislador. As pessoas vivem sob pressão. A internet possui um papel fundamental nesse aspecto e, por isso, ao legislador cabe o papel de analisar o passado para que, com base nos resultados, possa aplicar novas regras às novas tendências sociais, sem cometer vícios e omissões anteriormente percebidas.
4.1.1 Iluminação Pública
Até o advento da Constituição de 1988, a iluminação pública, no Brasil, era custeada pelo extinto Fundo Nacional de Energia, controlado pela União por intermédio das concessionárias de energia. Desta forma, o pagamento das contas de energia elétrica destinada à iluminação pública não constituía problema de gestão financeira aos municípios brasileiros.
Com a extinção deste Fundo em 1988, todas as despesas com o custeio da iluminação pública foram repassadas para o Município. Este, por sua, vez, onerado por uma nova despesa e sem a prévia e necessária definição das fontes de receita necessárias ao adimplemento de tal encargo, sofreu sérios problemas de ordem financeira.
Visando então repassar estes gastos para o contribuinte, o legislador municipal, em seus lapsos criativos, não demorou para instituir a Taxa de Iluminação Pública – TIP –, com base no art. 145, inc. II da Constituição Federal e no artigo 77 do Código Tributário Nacional.
Porém, uma vez revestido da denominação de taxa, este deveria possuir como característica a especificidade e a divisibilidade. Por motivos óbvios, o serviço de iluminação pública não tem estas peculiaridades.
Portanto, com o objetivo de corrigir a flagrante inconstitucionalidade cometida pelos municípios, foi apresentado um Projeto de Emenda à Constituição Federal (PEC), em 2002, que ganhou o n.º 39, instituindo a Contribuição para o Custeio do Serviço de Iluminação Pública – COSIP –, que foi aprovada, introduzindo, assim, o art. 149-A da Magna Carta, que disciplinou a instituição da referida contribuição no ordenamento jurídico pátrio, que vigora até os dias atuais
O legislador, vendo-se acuado pelos conceitos tradicionais do sistema tributário, fundamentados nos aspectos físicos das relações sociais, teve que alterar a Lei Maior para poder tributar a iluminação pública.
Agora constitucionalmente prevista, não há que se discutir sua validade. Porém, são severas as críticas formuladas pela doutrina acerca de tal contribuição, pois, segundo Machado (2007, p. 441), o corte do fornecimento face o não pagamento “exclui o devido processo legal e atropela o direito de defesa do contribuinte contra eventual cobrança indevida”.
Harada (2007, p. 347), por sua vez, afirma que “falta o pressuposto básico da contribuição, que é exatamente o benefício diferenciado dos demais (não contribuinte)”. A idéia do autor resume-se no fato de que a iluminação pública, quando implantada em determinado local, pode constituir-se em fato gerador da contribuição de melhoria, jamais de contribuição social.
O que define o tributo não é sua nomeclatura, mas sim sua hipótese de incidência. Sendo assim, apesar das incorreções técnicas, o importante para este trabalho é perceber que a iluminação pública, logo que fora passada ao poder municipal, não demorou em ser tributada. Será que com o comércio eletrônico também será assim?
4.1.2 Telecomunicações
O Brasil pratica a maior tributação sobre os serviços de telecomunicações do mundo. Além das altas alíquotas do ICMS, de competência estadual, a União cobra contribuições sociais, contribuições de intervenção no domínio econômico e taxas. As telecomunicações são um exemplo claro de como o Fisco logo percebeu o potencial de arrecadação do meio.
As comunicações foram percebidas pelo legislador logo que surgiu no mercado brasileiro, recebendo uma menção específica no ICMS, sendo instituído logo na entrada em vigor do atual Código Tributário Nacional, na década de 60. Ainda, tal imposto foi repassado à competência dos Estados, que se aproveitaram da situação em passaram a impor alíquotas de até 25%.
O serviço de comunicação não foi de difícil introdução no sistema tributário, pois sua característica peculiar, a transmissão de mensagens à distância, não deixou dúvidas da incidência ao fato concreto. Isso facilitou a fiscalização, bem como a adequação ao modelo tradicional.
Ocorre que não bastou um só tributo incidir sobre o meio. Uma vez que as empresas do setor já estavam estabelecidas no mercado, com bases sólidas e lucros exorbitantes, o legislador percebeu que o potencial de arrecadação poderia ser ainda maior. A União criou então, no ano 2000, o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust), o Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel) e o Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações (Funttel). Isso sem falar nos tributos não específicos para o meio, como o PIS (Programa de Integração Social) e o COFINS (Contribuição sobre Remuneração dos Empregados Contribuintes Individuais).
A pesada carga tributária sobre estas empresas são repassadas ao consumidor, obviamente. Em um exemplo prático, se a conta telefônica soma um total de R$ 788,29, verifica-se que, deste montante, R$ 566,15 são pagos pelos serviços efetivamente prestados. Todo o restante é reservado ao Fisco, sendo: R$ 197,06 de ICMS, com uma alíquota de 25% calculada, e mais PIS e Cofins, no valor R$ 25,08. Total de tributos repassados diretamente ao consumidor chega a 39,24%. Afora estes números, a concessionária deve recolher valores para os Fundos acima citados (Fust, Fistel e Funtell).
Não é a toa que a conta telefônica seja tão elevada. Essa carga tributária pode ilidir o desenvolvimento do meio, e somente não é rechaçada pela população por ser um artigo de grande utilidade no dia-a-dia.
4.1.3 Softwares
O software foi desde logo abarcado pelo Direito Industrial e pelos Direitos Autorais, deixando a questão da tributação de lado. Desta forma, está situado entre os bens intelectuais, mais especificamente, os bens informáticos, sendo tutelado pelo Direito Autoral outorgando proteção jurídica ao seu criador.
A grande divergência sobre seu enquadramento jurídico está na sua intangibilidade, pois o que se está comercializando não é o suporte físico, mas sim os dados, ou melhor, o conjunto de bits que estão nele inseridos. Conforme afirma Wachowicz (2004, p. 255), “o programa de computador não está adstrito a um meio físico determinado, mas resguarda sua utilidade e funcionabilidade para além das corporificações várias que podem revestir”.
Em face do modo de desenvolvimento do software, existem duas situações de interesse para o Direito Tributário. A primeira delas diz respeito àquele profissional autônomo que presta um serviço a uma empresa e desenvolve um programa, mas continua a receber seus “royalties” pela criação intelectual. A segunda refere-se à produção em massa de softwares e que são vendidos em lojas como mercadorias, no qual o autor cede sua criação e não permite que determinada empresa explore o conteúdo do software (exemplar de prateleira).
O legislador não criou, tampouco adequou, o modelo tributário atual para enquadrar estas situações, que vieram a se massificar ao longo dos anos 90. Desta forma, coube a doutrina e a jurisprudência[4] classificar e imputar o tributo cabível a cada um dos casos, lembrando-se que ainda existem outras teorias sobre o tema. Na primeira situação, a doutrina dominante tem entendido que há a ocorrência de uma prestação de serviços, sendo então tributada pelo imposto denominado de ISS, de competência municipal.
No segundo caso, quando o elemento caracterizador dessa cessão é o pagamento pelo direito de reproduzir a obra, nas palavras de Cezaroti (2005, p. 119), “estaremos diante de uma transferência jurídica da titularidade de uma mercadoria, tributável pelo ICMS”. Ressalta-se que estas operações independem do formato em que são transmitidas. Seja com um suporte físico, seja via download, teoricamente ambas deveriam ser tributadas.
Há também os defensores do livre comércio, que afirmam e inventam teorias que justificariam a não incidência de qualquer tributo sobre o comércio de softwares. Porém, uma vez que são de pouca relevância, é válido apenas mencionar que elas existem.
4.1.4 Provedores de Internet
A questão acerca de qual tributo deveria incidir sobre os provedores de internet era acirrada ao longo dos anos 90. De um lado, os empresários, alegando que estes não prestavam serviços de comunicação, mas sim um serviço de valor adicionado. Do outro, de forma ferrenha, o Fisco argumentava e redigia portarias e pareceres concluindo que se tratava sim de um serviço de comunicação, sendo então tributado pelo ICMS.
Em face da omissão do legislador, essa calorosa discussão teve que ser pacificada pelo Superior Tribunal de Justiça conforme decisão no Recurso Especial nº 456.650/PR, da Rel. Min. Eliana Calmom, que assim determinou:
“a) o provedor de serviço de rede internacional de computadores é tão usuário dos serviços de comunicação quanto aqueles que a ele recorrem para obter a conexão à rede maior;
b) o provedor de serviço de internet propõe-se a estabelecer a comunicação entre o usuário e a rede, em processo de comunicação, segundo a Lei 9.472/97 (art. 60, §1º);
c) o serviço prestado pelos provedores de comunicação enquadra-se, segundo as regras da lei específica (art. 61), no chamado serviço de valor adicionado;
d) o referido serviço é desclassificado como sendo serviço de telecomunicações (art. 61, §1º da Lei 9.472/97);
e) se a lei específica retira da rubrica serviço de telecomunicação, o serviço de valor adicionado, não poderá o intérprete alterar sua natureza jurídica para enquadra-lo na Lei Complementar 87, de 13/9/96, em cujo art. 2º está explicitado que o ICMS incidirá sobre (…).”
A decisão da Min. Eliana Calmom deu um ponto final a esta batalha. Com respaldo na melhor doutrina, conclui-se que não incidem quaisquer tributos sobre os provedores de internet puros, isto é, sobre as empresas que prestam unicamente este serviço. Oliveira (2001, p. 146) enuncia que “resta evidenciado que os Estados e o Distrito Federal não detêm competência tributária para instituir imposto sobre prestação de serviço de comunicação que incida sobre a prestação de serviço de acesso à internet.
Tal entendimento é corroborado por vários autores, como Sacha Calmom Navarro Coelho, Newton de Lucca, Francisco de Assis Alves, Kiyoshi Harada, entre outros (al in MARTINS, 2001, p. 104, 141, 174, 222). Sendo assim, pacificada a idéia de não-incidência, o Fisco sofre uma grande derrota em sua intenção sedenta de arrecadação.
4.2 MODELOS INTERNACIONAIS
Analisando-se as tendências e modelos internacionais é possível extrair uma base capaz de definir prováveis rumos que a política nacional irá adotar sobre o tema “tributação na internet”. É notório que as economias mundiais estão interligadas, os números de dada economia são capazes de afetar todo um continente de nações.
A influência externa é cada vez maior. As adequações às exigências internacionais se tornaram a essência para o crescimento e o desenvolvimento sustentável. Não é mais possível crescer isoladamente. Tudo dependerá de um conjunto de fatores equilibrados.
De acordo com Finkelstein (2004, p. 128), “é notório que divergências entre as legislações podem constituir verdadeiro óbice ao desenvolvimento do comércio”, por isso existem as organizações internacionais, que tentam uniformizar esses conflitos sem ofender suas soberanias.
Assim, se faz necessário estudar e implantar métodos e modelos internacionais, sob pena de cair-se no isolamento e, conseqüentemente, na estagnação tecnológica, política e econômica. E, desta maneira, também se encaixa a legislação tributária, principalmente em um meio que inexistem barreiras físicas. Internet pressupõe a quebra de barreiras e a expansão do mercado para além dos limites físicos.
Porém, por ser interesse comum de todos os mercados mundiais, há uma peculiaridade sobre o assunto. Definições e modelos apresentados por organizações internacionais sobrepõem-se às propostas apresentadas pelos países, pois geralmente tais propostas não possuem uma visão universal do tema, privilegiando-se sempre aquele que a elabora.
Portanto, conforme enuncia Barros (2003, p. 77), “as organizações internacionais de ação direta são organismos que buscam o consenso em matérias políticas e econômicas em torno da globalização”, possuindo um interesse além do país de sua origem, por isso a grande força de influência de tais entidades.
Em âmbito global, as mais influentes são a Organização para a Cooperação Econômica e o Desenvolvimento (OECD), vinculado a Organização Mundial do Comércio, e a United Nations Comissions on Internacional Trade Law (Uncitral), cujas propostas serão melhores analisadas abaixo.
Existem outras de menor expressão, que atuam em níveis regionais, mas que merecem ser destacadas: World Wide Web Consortium (W3C), Internacional Engineering Task Force (IETF) e a Internet Corporation for Assigned Names and Numbers (Icann).
De comum entre todos eles, resultam cinco princípios básicos que todas as nações devem aplicar na tributação sobre o comércio eletrônico e, segundo Portella (2007, p. 117), são assim delineados:
i. Neutralidade: os negócios teleinformáticos que sejam substancialmente similares àqueles que se realizam de forma comercial tradicional devem ser tributados de maneira igualmente similar. A função deste princípio é garantir a máxima paridade entre os custos indiretos que recaem sobre os agentes que atuam no âmbito do comércio tradicional e os custos que pesam sobre aqueles que desempenham suas atividades mercantis pela internet;
ii. Simplicidade: devem ser aplicados às novas formas de relações jurídicas os mesmos princípios de fiscalidade internacional. A criação de novos princípios deve se dar apenas em casos extremos. Segundo posicionamento oficial da OECD e da União Européia, o legislador deve regular o controle tributário de modo a não prejudicar o desenvolvimento do comércio eletrônico, devendo garantir que os deveres tributários formais não minorem as perspectivas que oferece a Internet para o desenvolvimento de seus negócios;
iii. Flexibilidade: a legislação implementada deve ser flexível e geral, propiciando o pleno desenvolvimento do meio. As regras que determinam a sujeição de ditas operações não devem ser aplicáveis somente sobre situações pontuais, e sim abarcar o maior número possível de supostos que possam surgir;
iv. Eficiência: as medidas propostas para o controle tributário da internet necessitam possuir meios técnicos de fazê-lo. A qualidade dos procedimentos dependerá da eficiência que os mesmos possuem, ou possam vir a possuir, com respeito aos ingressos tributários, o que se traduz em uma busca constante de otimização do sistema de arrecadação e minoração da fraude e evasão fiscal;
v. Coordenação e cooperação: devido a facilidade de troca de informação, o comércio eletrônico opera-se entre pessoas de lugares distintos e remotos. Diante disso, dados tributários relevantes encontram-se em poder de autoridades localizadas fora do âmbito geográfico de atuação dos entres competentes para tributar. Por isso, necessário se faz estreitar os vínculos e compartilhar as tarefas de busca e tratamento das informações tanto em nível nacional como internacional.
Disto resulta que a política internacional dominante no tema da tributação do comércio eletrônico privilegia a adequação das formas tradicionais, mas sempre permitindo que a carga tributária não acarrete em um obstáculo à evolução da internet.
4.2.1 UNCITRAL
A Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional (Uncitral) foi uma das primeiras organizações internacionais a tratar do tema comércio eletrônico, tendo adotado, em 1996, um modelo de lei sobre as alternativas de intercâmbio e informações digitais.
Muito embora a referida Lei Modelo tenha seu foco voltado para as relações de consumo e a segurança jurídica do meio, buscando a adaptação da legislação interna de vários países, visando regular e fiscalizar as operações, ela também apresenta um esboço sobre a tributação na internet.
Os principais pontos da Lei Modelo da Uncitral sobre o comércio eletrônico são: a) a definição de vários conceitos, incluindo o de mensagem eletrônica, b) a regulação das formalidades legais para as mensagens eletrônicas e c) a regulamentação da comunicação via mensagens eletrônicas.
O maior avanço da entidade no direito tributário refere-se a estipulação de princípios que norteiam o legislador a regular as transações virtuais. Os principais podem ser abaixo descritos:
i. facilitar o comércio;
ii. convalidar as operações realizadas por meio de novas tecnologias;
iii. incentivar a aplicação dos novos meios de comunicação;
iv. promover a uniformidade do direito aplicável à matéria e;
v. apoiar novas práticas comerciais
Importante ressaltar que a Uncitral, a todo momento, preza pela boa-fé e também pela uniformização das leis sobre a matéria, evidenciando que a internet é um meio global, sem pertencer a nenhuma nação ou grupo econômico, e por isso é preciso um esforço conjunto de cooperação para o seu desenvolvimento sustentável.
4.2.2 OECD
O modelo proposto pela OECD tem sido a base sobre a qual a maioria dos países está consolidando sua base tributária. Na convenção de Ottawa, em 1998, chegou-se a conclusão de que não é necessária a criação de um novo sistema tributário, devendo ser aplicado ao comércio eletrônico os mesmos princípios convencionais de tributação.
Segundo a Organização, devem ser aplicados os princípios usuais da tributação ótima. O Imposto ótimo seria aquele que permite ao governo alcançar seus objetivos ao menor custo possível em termos de eficiência. Seus atributos podem ser resumidos em eficiência, equidade, simplicidade, flexibilidade e efetividade.
Tais considerações são primordiais e de fácil aplicação no comércio de bens tangíveis. Porém ainda existem inúmeros debates sobre como se dará esta tributação sobre os bens intangíveis. Segundo Barros (2003, p .80) a discussão na entidade ainda perdura, mas já foram dados alguns passos a respeito. “O primeiro deles foi definir o consumo de serviços intangíveis como aquele realizado no local em que o consumidor efetivamente utiliza o serviço”, afirma o autor.
Para piorar, além da dificuldade de definição do tributo, outro problema enfrentado pela OECD refere-se à forma de coleta dos impostos sobre bens intangíveis. Existem, até o momento, vagas recomendações sobre como o Fisco deve proceder, mas não há um consenso sobre o assunto, comprovando a necessidade de discussão e elaboração de soluções para os referidos problemas.
4.2.3 União Européia
Percebendo o surgimento da Sociedade da Informação e prevendo que a inclusão digital é fundamental para o sucesso no futuro, a União Européia optou por não criar tributos específicos para as relações realizadas pela internet. Apenas adaptou o IVA (Imposto sobre Valor Agregado) para algumas situações envolvendo o novo meio.
O raciocínio é bastante lógico. A tributação das relações virtuais poderia afugentar investimentos e novos consumidores, atravancando a evolução e desenvolvimento. Tal cenário poderia comprometer a inserção da sociedade na era da Informação, causando um atraso histórico na evolução social e econômica do bloco.
Sendo assim, a Comissão Européia, e com o apoio da Organização Mundial do Comércio, lançou, em 1999, as diretrizes básicas para os países do bloco organizarem as relações virtuais. Dentre outros, ficou estabelecido que as normas sobre o comércio digital deveriam ser claras, coerentes, neutras e não-discriminatórias.
Com relação aos tributos, ficou estabelecido a norma da mínima intervenção, objetivando sempre o crescimento deste mercado. Olivo (2001, p. 26) afirma que o objetivo da Comissão foi o de “garantir que este tipo de comércio possa desenvolver-se num ambiente fiscal com um mínimo de encargos”, isto é, caso seja necessário proceder alterações legislativas, estas não deverão beneficiar ou prejudicar o comércio eletrônico relativamente às outras formas de comércio.
A União Européia decidiu tributar o comércio eletrônico de bens da mesma maneira que os tradicionais, utilizando-se a sistemática do valor agregado, que permite alíquotas nominais mais baixas e redução dos efeitos da evasão. Nesse sistema, o número de transações a serem fiscalizadas é menor, o que permite uma economia administrativa no monitoramento.
4.2.4 Estados Unidos da América
Nos Estados Unidos criou-se a noção de não criação de novos impostos para a internet, sempre objetivando incentivar a evolução do meio. Esse princípio de não tributar surgiu por meio de uma lei que vigorou de 1998 até 2006, criada pelo Congresso americano, visando alavancar os investimentos no setor.
Essa Lei de Liberdade Tributária na Internet ajudou o país a manter-se como o líder mundial em investimento e utilização do meio. Conforme afirma Barros (2003, p. 64), como as vendas pelo comércio eletrônico são amparadas pela não tributação, os Estados atacaram então no acesso à internet, aumentando taxas para provedores e para compras interestaduais baseadas nas vendas por catálogo.
Afora isso, foi definido pela Suprema Corte que os Estados em que se faz a compra não podem exigir de outros Estados a coleta de impostos sobre vendas, a não ser que haja representação da empresa nesse Estado, desonerando ainda mais o contribuinte.
No entanto, essa lei de “não tributar” teve vigência somente até 2006 e, com sua extinção, já surgem várias propostas ao Congresso americano buscando uma solução para a tributação do comércio eletrônico. Porém, tendo em vista que os legisladores americanos são adeptos dos princípios da neutralidade, aplicação e flexibilidade, conforme afirma Emerenciano (2003, p. 71), é possível prever que o futuro daquele país está na adequação dos meios tradicionais para as novas realidades.
5 QUESTÃO FUNDAMENTAL
Tudo o que é novo causa certa apreensão e cautela por parte das pessoas. Principalmente quando a mudança é substancial. Assim deve ser encarado o surgimento da internet. Ocorre que a internet não está nascendo, mas já está amplamente difundida e, por parte do legislador, pouco foi feito. Em matéria tributária, quase nada.
Assim, uma vez que o sistema atual (rígido e tradicional) em nada se atualizou, é certo que este estará cercado de dificuldades, tanto em qualificar, quantificar, identificar e fiscalizar a arrecadação de tributos originados no comércio eletrônico.
Especialistas já apontam, com bastante clareza, que diversos impostos sofrerão problemas “preocupantes” no momento da subsunção do fato a norma. Segundo Portella (2007, p. 67), os tributos desvinculados como o IR, PIS, COFINS, ICMS, ISS, II, IE, IPI e IOF apresentarão dificuldades de especificar a natureza do bem, a quantia recebida, o momento do pagamento, o lugar, etc.
Em suma, de acordo com o mesmo autor:
“O estudo do controle tributário do comércio eletrônico encontra-se em uma encruzilhada de dilemas que envolve a otimização dos procedimentos tributários, a luta contra a potenciação dos métodos de evasão fiscal, a garantia de desenvolvimento da internet e das práticas mercantis que a mesma abarca, assim como a aquisição dos meios para o financiamento dos gastos públicos”. (PORTELLA, 2007, p. 67)
Portanto, não é simples o desafio de adaptar o modelo atual ao comércio eletrônico. Trata-se da necessidade de remodelar um sistema rígido, burocrático e tradicional, que morosamente se adapta as novidades tecnológicas. As questões levantadas pela internet originam uma série de novas perspectivas para a aplicação dos regimes fiscais.
Infelizmente, para a maioria dos doutrinadores, tais mudanças são encaradas apenas como o levantamento de problemas já existentes, apenas enfatizados com o surgimento da internet, e que não merecem muita atenção. Porém, é consenso dos estudiosos do tema que existem três situações importantes que surgem com o novo meio: a) detecção das operações telemáticas, b) identificação dos fatores que participam em tais operações e c) arrecadação dos tributos.
5.1 LIMITES DE ADEQUAÇÃO
O Fisco está, em virtude dos mais diversos fatores, cercado de limites à sua vontade de arrecadar. A internet veio aumentar essas limitações ao poder tributar. Conjugando-se o modelo do sistema tributário tradicional em contraposição com a onda de novidades que a internet está inserindo no dia-a-dia da sociedade, é de se verificar que o Estado terá sérias restrições e dificuldades em manter seu sistema equilibrado, comprometendo ainda mais as bases do já frágil e decadente modelo atual.
A arquitetura aberta e global da internet e o potencial de não identificação dos sujeitos envolvidos são empecilhos ao controle desse meio, resultando em sérios riscos e problemas jurídicos, principalmente relacionados ao Direito Tributário.
Conforme Emerenciano (2003, p. 66), são inúmeras as novas questões no campo da tributação, “geradas pela inadequação dos conceitos legais existentes, diante das novas realidades fruto das operações possíveis de serem realizadas pela internet”. Segundo ele, já existe uma preocupação bastante relevante acerca das transações virtuais relativas a produtos físicos e digitais, dos serviços específicos baseados na internet, da localização do servidor, do lucro obtido no exterior, da dupla tributação e do futuro do ICMS, ISSQN e no Imposto sobre a Exportação e Importação.
“De acordo com alguns analistas, o comércio eletrônico e a prestação de serviços realizados via internet podem, no futuro, via a colocar significativas dificuldades para os sistemas tributários nacionais. Isso ocorreria porque a expansão do comércio eletrônico tende a tornar mais difícil e complexa a arrecadação de impostos pelos governos” (BARROS, 2003, p.37)
Cumpre destacar que a grande dificuldade da doutrina refere-se ao comércio de bens digitais, intangíveis, que circulam por meio de bits. É certo que os bens tangíveis, materiais, negociados com o auxílio da rede em pouco alteram os conceitos até hoje existentes.
5.1.1 Desenvolvimento do meio
É notório e de fácil percepção que a internet é um conglomerado internacional de relações jurídicas entre pessoas ligadas mediante o uso de uma rede de computadores. Sendo de abrangência global, ao legislador brasileiro cabe também a tarefa de seguir as tendências internacionais, sob pena de ficar excluído deste novo nicho de mercado.
Como já visto acima, ao contrário da tendência histórica brasileira, a União Européia, bem como os Estados Unidos da América, optaram por um modelo de relaxar a carga tributária sobre este setor, a fim de proporcionar mais rapidamente sua evolução.
Tal isenção tem um objetivo lógico e extremamente essencial no futuro da sociedade globalizada, que é a de propiciar que seu povo esteja inserido na Sociedade da Informação e seja capaz de nele atuar. Se o futuro do planeta é a informação, é fundamental incentivar as pessoas a mergulhar neste novo mundo.
Assim também dispõe Olivo (2001, p. 27), enunciando que:
“no processo de crescimento e expansão do comércio eletrônico é fundamental que a fiscalidade seja aplicada para garantir que o comércio eletrônico possa evoluir e atingir o seu pleno potencial em benefício da economia comunitária e promover níveis mais elevados de emprego.”
É neste mesmo sentido que deve agir a sociedade brasileira, evitando a imposição de uma carga tributária que afaste investimentos e oportunidades de expansão na área. Em um estudo realizado por Goolsbee (PORTELLA, 2007, p. 56), conclui-se que “a aplicação do regime de imposição sobre compras eletrônicas reduziria o número de consumidores de bens virtuais em até 24%.”
Ainda, não se pode ignorar que o Brasil necessita seguir as tendências internacionais para não se isolar e ficar defasado no mercado. Como o fenômeno da globalização prevê a união de todas as economias mundiais, é corrolário básico para o sucesso do meio a adoção das exigências mundiais sobre o tema.
Sendo assim, uma vez que as organizações internacionais privilegiam uma tributação moderada sobre a internet, sempre objetivando seu pleno desenvolvimento, tais enunciados também constituem um empecilho ao poder do Fisco.
Afora isso, é dispositivo expresso da Constituição que o Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico (art. 218), isto é, um dos deveres governamentais é apoiar os novos meios. Tal preceito é fundamental para inserir o povo brasileiro na era da Informação, meta esta almejada pelas grandes potências mundiais.
5.1.2 Direitos Fundamentais
Os direitos fundamentais são algumas das ferramentas que os contribuintes têm para repelir a obrigação tributária. Portanto, o Fisco não pode ignorar que os direitos fundamentais são imperativos e devem ser observados.
“As regras dos sigilos fiscais e bancários, da correspondência, das comunicações, dos profissionais, da privacidade, do domicílio, do direito de não produzir prova contra a sua pessoa, da alegação de constrangimento ilegal, etc., são algumas das hipóteses que limitam o poder de fiscalizar, muitas delas colocadas como direitos fundamentais do indivíduo e da coletividade (CF/88, art. 5).” (ICHIHARA in FOLMANN, 2006, p .332)
Antes de o legislador partir para a tributação sistemática do comércio eletrônico, ele precisa sempre lembrar-se da função essencial do tributo em um Estado Democrático de Direito: libertar o homem de toda forma de submissão e de opressão, como a pobreza econômica, fraqueza física e enfermidades, falta de acesso a serviços fundamentais, falta de informação, analfabetismo, exploração por segmentos sociais e econômicos, marginalização social e cultural, exclusão digital, falta segurança e educação, etc.
O homem demanda por uma ordem tributária humanística, baseada nos mandamentos constitucionais de bem-estar e vida digna. Conforma afirma Lanari (2005, p. 150), “na estruturação desse novo direito tributário, a tributação do comércio eletrônico é um imperativo de justiça social”. Segundo a autora, a tributação justa deve sempre levar em consideração a capacidade tributária, a neutralidade econômica e a equidade.
Afora esta busca pela dignidade da pessoa humana, também não pode o legislador ignorar a tendência internacional, não pode ir de encontro com os princípios e regras do atual modelo e, tampouco, impedir o desenvolvimento deste novo meio, como será visto abaixo. É dentro de todas estas limitações que caberá ao Estado a discricionariedade de optar por um modelo eficaz e justo.
5.1.3 Diretrizes internacionais
De acordo com o já exposto, é possível afirmar que somente com um consenso global sobre a tributação na internet, com a conseqüente uniformização dos tributos, será possível elaborar um sistema tributário capaz de garantir a manutenção dos princípios e a aplicação ou adaptação de normas e conceitos já consagrados ao fenômeno do comércio eletrônico.
Por isso, é impossível o Estado brasileiro ignorar os dispositivos internacionais, principalmente aqueles propostos por entidades como a OECD e a OMC.
Ocorre que as disposições internacionais prezam pelo desenvolvimento do meio e pela justa tributação, indo de encontro com a política nacional de imposição de tributos cada vez mais onerosos. Desta forma, surgem apenas duas situações ao Estado: 1) seguir a dinâmica global e se inserir no mercado eletrônico, desonerando o contribuinte ou 2) isolar-se no desenvolvimento deste mercado e tributar de maneira pesada os internautas, desestimulando a evolução do meio.
5.1.4 Revolução de Conceitos
A internet traz a tona mudanças no modus operandi do Direito, introduzindo novos modelos, conceitos e paradigmas. Em contrapartida, o Direito Tributário continua estruturado em uma base sólida, conservadora e limitado pelos mais diversos princípios do direito. As normas tributárias, como já visto, foram elaboradas sobre fatos fisicamente perceptíveis, devidamente tipificadas, estabelecendo-se sobre determinado tempo, espaço, forma e sujeitos tangíveis.
Acontece que, com o surgimento de conceitos, formas de utilização e produtos não especificados em qualquer texto normativo brasileiro, deixou ao intérprete uma lacuna estrutural, que resulta em certa margem de discricionariedade. Percebe-se uma profunda inadequação dos meios em face das hipóteses de incidência, uma vez que os conceitos utilizados geram dúvidas quanto à abrangerem, ou não, o comércio eletrônico.
Alguns doutrinadores, de maneira mais radical, já expõem que não há como tributar os novos modelos de comércio ditados pela internet, veja:
“Quaisquer atividades e transações que hoje ocorrem no âmbito da internet não são tributáveis, no Brasil, pelos impostos ora conhecidos relativos à produção e circulação, pela falta de expressa previsão legal, importando assim em hipótese de não-incidência tributária.” (OLIVO, 2001, p. 36)
Ocorre que são poucos os que assim se posicionam. Porém, é bastante difundido que, em casos não muito raros, existe a impossibilidade legal e fática de tributação nos moldes atuais. Tal ocorrência pode ser constatada, por exemplo, no download de músicas de um CD (Compact Disc). O que tradicionalmente seria tributado pelo ICMS agora não mais constitui hipótese de incidência.
Em sede de comércio eletrônico direto pode não existir a transferência de mercadoria ou produto ou serviço, tampouco existir um local físico identificável. O momento da concretização da operação também é mitigado, bem como a identificação das partes envolvidas.
Essa inadequação de conceitos e modos de operação prejudica a subsunção do fato à norma, pela inexatidão conceitual que a internet traz. Além do mais, ainda que em um esforço imaginário fosse possível encaixar algum tributo sobre determinada operação on line, um novo e gigantesco obstáculo surgiria: como fiscalizar e arrecadar tal tributo.
5.1.5 Rigidez do modelo tributário nacional
A maior barreira que o Direito enfrenta para poder tributar as operações realizadas por meio do comércio eletrônico é o próprio Direito. Muito embora a sociedade esteja sufocada pela carga tributária, é na lei que as pessoas possuem sua maior defesa. É verdade que influências internacionais, princípios gerais e exigências do mercado constituem uma das forças adversárias do Fisco, mas é no rígido sistema legislativo que ele enfrenta seu maior percalço.
A obrigação de pagar um tributo está subordinada a existência de previsão legal. Somente aquilo que está tipificado por ser tributado. Ainda, uma vez tipificado, tais mandamentos devem seguir uma série de preceitos para assegurar sua constitucionalidade.
“As circunstâncias da chamada Nova Economia, mormente a definição das redes de computadores, em especial a internet, como espaço de intercâmbio e interação, com a conseqüente transposição para esse ambiente da sede do comércio internacional, ameaçam as fórmulas tradicionais de tributação, que são adequadas à economia da era industrial, de produção e consumo de bens corpóreos, de comércio realizado em local identificável. (…) Com a realização de negócios inteiramente no ciberespaço, sem recibos e sem vestígios, resta dificultado, se não impossibilitado, qualquer tipo de fiscalização, com comprometimento da eficiência do sistema e da arrecadação”. (LANARI, 2005 p. 123)
De acordo com Lanari (2005, p. 243), “o Direito Tributário e os princípios gerais de tributação constituem um manto protetor dos contribuintes, que impede que o ato de soberania estatal se transforme em autoritarismo fiscal”. Como já visto, somente um fato abstratamente previsto pode ser tributado.
A grande questão é que, como o modelo atual é conservador e não especifica de maneira clara as inovações trazidas pela internet, muito dos fatos oriundos do comércio eletrônico não podem ser tributados. Cada um dos aspectos da hipótese de incidência será afetado, descaracterizando muitas situações antes tributáveis.
5.1.5.1 Sujeito Passivo
Novas tecnologias fazem nascer novas formas de burlar o Fisco. Assim também é com a internet. Criar pessoas virtuais anônimas, sem um correspondente físico, em cybercafés ou em lan houses é algo que qualquer adolescente pode fazer. Uma vez criada esta pessoa virtual, ela será capaz de realizar as mais diversas operações jurídicas, entre elas aquelas com relevância tributária.
Este cenário é qualificado como “melindroso” por Lanari (2005, p. 129), explicando que esta questão de difícil solução “refere-se à identificação dos usuários da internet e, por conseguinte, do sujeito passivo da obrigação tributária”.
Esta facilidade de “esconder-se” na internet é própria da estrutura da rede, criada de maneira aberta, a fim de que os dados contidos em um ponto não se percam para o resto dos envolvidos. Portella (2007, p. 96) afirma que o “anonimato é uma das principais características da internet”. Segundo ele, comprar, vender, realizar transações bursáteis ou prestar serviços implica, em muitos casos, “em não ter o mínimo conhecimento a respeito da identidade dos indivíduos com os quais se negocia”. Ainda, outra hipótese perfeitamente possível é uma criança se fazer passar por um sujeito capaz e realizar transações vultosas.
Além da dificuldade de identificação dos sujeitos, surgem também problemas como as pessoas estabelecidas em paraísos fiscais e as técnicas de encriptação. A encriptação, em face de suas amplas possibilidades de causar danos ou crimes, é restringida em vários países, inclusive no Brasil. Porém, a pirataria permite a utilização destes meios obscuros em qualquer estabelecimento.
Em suma, não identificado o sujeito passivo, não há como tributar e, novamente, o Fisco fica prejudicado. Por fim, também é possível verificar que uma das grandes conseqüências trazidas pelo comércio eletrônico é a eliminação de intermediários para a realização de negócios. Portanto, significa a eliminação de substitutos e responsáveis tributários, bem como colaboradores do Fisco.
5.1.5.2 Aspecto Temporal
A determinação do tempo da operação terá conseqüências na fixação do período impositivo, como do momento do pagamento dos distintos impostos. A definição do momento da transação eletrônica é possível, mas o maior problema ocorre na manipulação destes dados.
Conforme afirma Portella (2007, p. 90), “há sistemas eletrônicos que permitem informar o instante exato de uma compra e venda telemática, mas com a mesma facilidade pode-se manipulá-la”.
A falta de segurança jurídica configura-se como o principal problema trazido pela internet ao aspecto temporal. A solução seria adotar um sistema global que não permita tais alterações, mas em se tratando de ambientes virtuais, descobrir uma ferramenta capaz de manipulá-la é mera questão de tempo.
5.1.5.3 Aspecto Espacial
A definição do lugar onde se realiza uma determinada transação eletrônica tem sido seguramente uma das questões que mais preocupam governos e entidades internacionais.
Nas palavras Cezaroti (2005, p. 140), o “primeiro problema com o qual nos deparamos é a identificação do estabelecimento onde ocorreu o fato gerador do imposto”. Da mesma forma que na determinação do sujeito passivo, a determinação do local da operação é bastante dificultada pelos meios eletrônicos.
O tamanho do problema é fácil de ser identificado por um exemplo concreto: imagine-se um empresário conectado à internet por meio de seu laptop, dentro de um trem de rota internacional, fechando um negócio de prestação de serviços com um adolescente situado em uma lan house. Como se determinará o aspecto espacial desta relação?
Pela legislação vigente, não há como enquadrar referida situação, pois, conforme anuncia Ataliba (2006, p. 105) “um determinado fato, ainda que revista todos os caracteres previstos na hipótese de incidência, se não se der em lugar nela previsto implícita ou explicitamente, não será fato imponível”. Resumindo, não determinará o nascimento de nenhuma obrigação tributária.
Não é possível enquadrar um exemplo como este em um local físico, por isso a necessidade da legislação tributária evoluir. Tal fenômeno gera preocupação na doutrina, e logo passará a incomodar o Fisco, veja:
“Certas circunstâncias relacionadas ao comércio eletrônico, em si considerados, também trazem conseqüências para a operacionalidade dos sistemas tributários. Uma delas é a identificação do lugar de ocorrência do fato gerador de uma operação tributável.” (LANARI, 2005, p. 128)
A questão fundamental é saber onde se localizam os diversos fatores que interagem numa determinada transação. A Internet potencializa as possibilidades de manipulação dos requisitos normativos existentes nos distintos países para a identificação da sede da empresa. De acordo com Portella (2007, p. 87), “tanto o critério do lugar da constituição dos bens, como o critério do domicílio social abrem grandes possibilidades para a realização de fraudes”.
Para solucionar-se este problema será necessária a concentração de esforços para investigar onde estão localizados os diversos fatores que intercedem na relação, fato este que está longe de ser alcançado, pois será preciso uma cooperação internacional e uma nova rede de controle das operações eletrônicas para que seja possível a troca de informações tributárias relevantes.
5.1.5.4 Aspecto Qualitativo
É neste aspecto que o Fisco enfrentará a maior dificuldade em identificar e captar o tributo. O aspecto qualitativo é o fato ou o ato que acarreta na obrigação de tributar. Ocorre que o sistema tributário está calcado em atos fisicamente perceptíveis. Em nenhum momento foi previsto a transferência on line de bens.
Essa é conclusão dos mais diversos estudiosos do tema, cujas idéias podem resumidas na conclusão de Portella (2007, p. 70):
“Os problemas específicos relacionados com a identificação do objeto numa relação mercantil pela internet, com explícitas implicações sobre o regime tributável aplicável, referem-se a) às dificuldades na classificação dos produtos telemáticos em bens ou serviços; b) às dificuldades relativas à natureza jurídica do software; c) às questões relativas à classificação de determinados serviços que não existiam antes da chegada da rede e que são específicos deste ambiente; d) aos problemas relativos à natureza jurídica da internet enquanto serviço de comunicação ou de informação.”
São inúmeros os exemplos concretos que apresentam características inovadoras para o direito tributário. Surgem problemas na identificação do objeto da transação eletrônica, na classificação dos produtos telemáticos em bens ou serviços, natureza jurídica do software enquanto obra de arte, científica ou técnica, classificação de determinados serviços específicos do ambiente telemático, natureza jurídica da internet enquanto serviço de comunicação ou informação, natureza da contraprestação, download de produtos digitalizados e compra de produtos digitalizados para sua exploração, hospedagem de páginas virtuais e armazenamento de dados, teletrabalho, assessoramento profissional, subscrição de acesso à páginas interativas e fornecimento de informação, entre outros casos que já fazem parte do cotidiano do cidadão.
Um esforço bastante grande deverá ser feito para enquadrar conceitos como gerar renda, importar, exportar, industrializar, circulação de mercadoria, etc., no âmbito virtual, pois estes estão calcados em situações fisicamente perceptíveis e palpáveis. Nas palavras de Barros (2003, p. 96), em alguns casos, “é difícil definir se o bem transacionado via Internet é uma mercadoria ou serviço ou discriminar devidamente os diferentes serviços prestados, quando a venda ser faz sob a forma de pacotes”.
Um exemplo bastante atual e que já demonstra como o Fisco terá problemas para arrecadar determinados tributos pode ser visto no caso do ICMS, que supostamente incidiria sobre os Provedores de Internet. Como já visto, é um novo produto que surge, rompendo conceitos, que impede a sua tributação.
Além da problemática de enquadrar as operações derivadas da internet, devido à ausência de previsão legal, a fiscalização será dificultada em face da agilidade e dinâmica do meio, que permite a realização de negócios que deixam poucos vestígios. A ausência de intermediários diminui substancialmente a possibilidade da Receita cruzar dados e identificar fraudes e sonegações fiscais.
5.1.5.5 Aspecto quantitativo
Para se chegar ao aspecto quantitativo do tributo deverão ser determinados todos os aspectos acima relacionados. Uma vez identificados, será possível atribuir-lhes uma valoração econômica. Segundo Portella (2007, p. 90), é importante para a determinação do aspecto quantitativo definir a) a natureza do objeto, b) o valor efetivamente pago, c) a determinação da alíquota, d) o regime de isenção e e) o pagamento eletrônico.
A relevância do objeto da transação se reflete na determinação da base de cálculo, na averiguação da alíquota e no regime de isenção. Identificar um objeto para saber se trata-se de uma consulta médica, um programa de computador ou uma obra de arte, terá repercussões na valoração do tributo.
Com relação a valoração dos objetos resta dificultada em face da negociação, que é bastante comum na internet, de dois ou mais produtos complementares, pois o problema estaria em determinar qual seria a quantia paga pela aquisição de cada um dos objetos contratados.
Já a definição das alíquotas passa diante da necessidade de classificar os objetos da transação eletrônica, pois serviços ou bens possuem diferentes tabelas de mensuração. O regime de isenção, além do problema de classificar a relação, tem o obstáculo da definição dos sujeitos da relação.
Por fim, o pagamento eletrônico levanta outra questão relevante: em muitos casos os cartões eletrônicos não deixam margem a que se efetue o procedimento de inspeção, já que esta modalidade de pagamento nem sempre obriga o registro dos movimentos efetuados, ou o arquivamento dos dados relativos aos mesmos.
Todas as questões acima se somam as demais dificuldades trazidas com o advento da internet para o Direito Tributário, que culminam na impossibilidade de identificar a obrigação tributária, constituir um crédito e exigir o tributo do cidadão.
5.2 INSUSTENTABILIDADE E NECESSIDADE DE REFORMA
A arrecadação do Estado, da maneira que está estruturada, se confrontada com a definição de sustentabilidade, não possui vários de seus requisitos, entre eles as bases sólidas, estáveis, duradouras e, muito menos, seguras. É de se concluir que o modelo atual poderá sofrer um colapso, por isso é insustentável.
Conforme o cenário até agora delineado, pode-se extrair algumas afirmações acerca do modelo tributário nacional:
i. a carga tributária recai fortemente sobre a população consumerista;
ii. os desvios de dinheiro público e a corrupção consomem parte da arrecadação;
iii. existe uma necessidade cada vez maior de arrecadação;
iv. o Estado deve respeito à rigidez da legislação tributária;
v. e também respeito aos direitos fundamentais do cidadão;
vi. o tributo deve ser utilizado na busca da dignidade da pessoa humana.
O Fisco já padece de sérios problemas, como a necessidade cada vez maior de arrecadação e o sufocamento da população consumerista. Isso, por si só, já justifica a insustentabilidade. As relações virtuais apenas aceleram o comprometimento e a urgência de reforma do atual modelo.
Com a internet, como já visto, é certa a queda na arrecadação, a qual será cada vez maior se considerado que o potencial do comércio eletrônico ainda não se encontra totalmente explorado. Por isso, conforme afirma Lanari (2005, p. 240), “as operações eletrônicas com intangíveis representam um grande desafio às Fazendas Públicas”. É opinião majoritária entre os doutrinadores que o Fisco terá que se adequar aos novos meios, criando novos modos de arrecadação e fiscalização, sob pena de sofrer conseqüências desastrosas nos cofres públicos.
A sustentabilidade do sistema tributário, em face do comércio eletrônico direto, será agravado pelos seguintes motivos:
i. o Estado deve adotar as tendências internacionais;
ii. é certa a massificação da internet;
iii. necessidade de estimular o desenvolvimento do meio;
iv. dificuldade de adequação da relação virtual aos aspectos qualitativos, pessoais, temporais e quantitativos da norma tributária;
v. impossibilidade de fiscalização sem irromper direitos fundamentais.
Por tais motivos, está devidamente fundamentada a insustentabilidade do modelo atual, cujas conseqüências, embora pareçam distantes, já são sentidas em alguns setores da economia. Um exemplo gritante e capaz de bem elucidar o presente estudo está na telefonia e nos bens digitais, que serão melhores estudados abaixo.
5.2.1 Telefonia
Não obstante todas as afirmações feitas até aqui parecem dar conta de um futuro não tão próximo, o cenário não muito animador prospectado neste estudo já está em pleno desenvolvimento.
A diminuição na tributação logo poderá ser percebida no setor da telefonia. É sabido que estas empresas são umas das maiores arrecadadoras de ICMS dos Estados. As empresas de telecomunicações arrecadaram, somente no Estado do Paraná, quase R$ 960 milhões no ano de 2006, o que corresponde a 13,89% do total arrecadado pelo Estado, ficando atrás somente das indústrias (31,32%), comércio (22,46%) e das fornecedoras de energia (15,18%)[5].
Sendo assim, devido às vantagens da “comunicação” via internet, utilizando-se de ferramentas como o VOIP, Windows Messenger, Skype, entre outros, é certo que um número cada vez maior de pessoas, principalmente aquelas que se utilizam diariamente de ligações a longa distância, irão migrar para esse novo meio.
Esta nova tecnologia proporciona, além da vantagem do uso da WebCam, ou seja, ainda que precariamente, é possível visualizar a pessoa que está no outro lado da ligação, está o fato de que é mais economicamente viável. Isso porque, uma vez que se utiliza da Internet, não constitui um serviço de comunicação, caracterizando-se apenas por uma troca de informações. Devido a esta característica, não há a incidência do ICMS, tornando-o menos oneroso.
A conversa por meio da Internet nada mais é do que o envio de dados de um computador ao outro, assim como o download de arquivos. Esta característica peculiar afasta a hipótese de incidência do ICMS, pois seu critério qualitativo fora afetado, descaracterizando-o.
Ainda não existe um manifesto receio por parte do Fisco, bem como das empresas de telecomunicação, devido ao baixo índice de pessoas que utilizam esta tecnologia. Mas é certo que haverá um crescimento do meio, e logo haverá um movimento para regular estas novas formas de comunicação. Enquanto isso, uma queda gradual de lucros começará a afetar os setores envolvidos com a telefonia, bem como uma diminuição, ainda que sutil, na arrecadação.
5.2.2 Bens digitais
Atualmente, é comum jovens, crianças e adultos deslocarem-se até seus computadores para divertirem-se operando jogos, realizando pesquisas, ouvindo música, desenhando ou implementando atividades dessa natureza, sem receber qualquer adimplemento por estes procedimentos, não se configurando uma prestação de serviços, uma vez que não se identifica um ato positivo, material ou não, do devedor em benefício ao credor.
“Nem mesmo na utilização de bases de dados encontra-se presente a prestação de serviços”, afirma Emereciano (2003, p. 172). Levando-se em comparação com o conceito de bem digital, que é um bem móvel sujeito ao regime dos direitos autorais, com o da prestação de serviços, que exige uma obrigação de fazer, conclui-se que este não pode ser tributado pelo ISS.
O bem digital deve ser negociado mediante contratos de licença de uso, cessão de direitos e contrato de locação, não incidindo, assim, o imposto denominado de ISS.
Tal entendimento vem sendo corroborado com a posição adotada pelo Superior Tribunal de Justiça sobre o conceito de prestação de serviços, conforme decisão prolatada no RE 116.121-3/SP, DJ de 25.05.2001, do Relator Ministro Celso de Mello, veja:
“TRIBUTO – FIGURINO CONSTITUCIONAL. A Supremacia da Carta Federal é conducente a glosar-se a cobrança de tributo discrepante daqueles nela previstos.
IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS – CONTRATO DE LOCAÇÃO. A terminologia constitucional do Imposto Sobre Serviços revela o objeto da tributação. Conflita com a Lei Maior dispositivo que imponha o tributo considerado contrato de locação de bem móvel. Em Direito, os institutos, as expressões e os vocábulos têm sentido próprio, descabendo confundir a locação de serviços com a de móveis, práticas diversas regidas pelo Código Civil, cujas definições são de observância inafastável – artigo 110 do Código Tributário Nacional.”
Diante deste julgado pode-se chegar à conclusão de que a única possibilidade de incidência do ISS é sobre uma obrigação de fazer, vedada a ampliação por força da repartição de competências. Sendo assim, os bens digitais, da forma acima expostas, comportam apenas um “permitir”, mas nunca um “fazer”, não incidindo assim o tributo.
Esta é a conclusão de Emereciano (2003, p. 175), que enuncia que é “inexorável que os bens digitais, quando objeto de cessão de uso ou em seus modos de fruição, não estão sujeitos à incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza”.
Embora menos gritante que o exemplo da telefonia, acima exposto, a não incidência do ISS sobre estas relações on-line configura, na certa, uma tendência de queda da arrecadação. É certo e previsível a migração cada vez maior das pessoas para este tipo de entretenimento. Com o aumento destas atividades, a sociedade irá usufruir menos de espaços tradicionais, como cinemas, bares, parques, praças, etc., passando a consumir menos, uma vez que não estarão expostas à oferta dos mais variados produtos.
Isso representará uma queda gradativa e constante na arrecadação por meio do ISS, que a longo prazo poderá comprometer o Estado, reforçando a sua insustentabilidade e necessidade de reforma do sistema tributário.
6 PROPOSTAS DE SOLUÇÕES
Talvez a maior decepção para o leitor interessado no assunto da tributação das relações virtuais é, ao chegar no final de uma obra, verificar que são traçados apenas esboços sobre o assunto. São raros os doutrinadores que ousam prever ao apontar soluções para a sustentabilidade do sistema.
Tal receio justifica-se pela novidade e dinâmica do tema, pois a cada instante os conceitos modificam-se, transformam-se e se reestruturam, mudando teorias e idéias antes consolidadas.
Assim foi com o provedor de acesso à internet, por exemplo, o qual era dado como certa a incidência do ICMS sobre tais empresas, em face da prestação de serviços de comunicação. Porém, em um curto espaço de tempo, foram consolidadas novas teorias e, conseqüentemente, a incidência do referido imposto caiu por terra.
Devido a estas evoluções, que estão cada vez mais constantes e rápidas, é praticamente impossível tecer uma linha ideal, tanto na teoria como na prática. Sendo assim, somente o tempo poderá dizer qual das correntes doutrinárias se sobressairá sobre as demais. Diante disso, o presente estudo não irá apontar a solução mais correta, mas sim apresentar as idéias mais coerentes e viáveis, deixando ao leitor tirar suas próprias conclusões.
A única conclusão unânime na doutrina é enunciada por Barros (2003, p. 97) como sendo a necessidade de “formulação de novos conceitos jurídicos, adequados à também nova realidade criada pelo surgimento da Internet, e a conseqüente alteração de provisão constitucionais”.
Emerenciano (2003, p. 70) enuncia que existem dois grandes grupos: um primeiro entendendo que não devem ser criadas novas figuras tributárias, mas sim preservar as estruturas existentes; e outro defendendo que é preciso revisar conceitos fiscais tradicionais, para adaptá-los a realidade emergente. Entretanto, Finkelstein (2004, p. 129), bem como Portella (2007, p. 110), apontam um terceiro grupo, que entende que o mercado se regulará sozinho, pela denominada Lex mercatoria.
São essas as três principais e mais difundidas correntes doutrinárias acerca do tema, que serão descritas abaixo, sendo que todas seguem a premissa básica de que o Direito não pode ser visto como algo pronto e acabado, mas sim em constante adequação:
6.1 LEX MERCATORIA
A Lex Mercatoria pode ser definida como sendo o conjunto de regras e institutos concernentes ao comércio internacional comumente aplicados pelos mercadores, conscientes de que se tratem de regras de direito ou pelo menos que os outros contraentes se comportem observando as mesmas regras.
No comércio tradicional é comum a existência de organismos internacionais que passaram a ser responsáveis pela edição de regras gerais como, por exemplos, a Câmara de Comércio Internacional de Paris. Em face dos conflitos de jurisdição e soberania que as relações virtuais propiciam, seria bastante plausível que estes mesmos organismos passem a gerir tais atividades.
Em um mundo globalizado e integrado pela internet, é primordial a uniformização da legislação sobre seu funcionamento. Finkelstein (2004, p. 129) afirma que a aplicação da Lex Mercatoria para solver disputas de algumas questões em operações comerciais eletrônicas “pode vir a ser uma boa opção para dirimir tais conflitos”, pois este meio está carente de regras e, face sua espantosa expansão, poderá culminar em um caos jurídico, travando a evolução do meio.
Ocorre que esses organismos internacionais vêem o comércio eletrônico como formas de incrementar o mercado, expandir investimentos e atrair capital. Além do mais, a história nos lembra que as regras ditadas pela Lex Mercatoria carecem de rigor técnico, são pobres de conteúdo, de difícil acesso e falta de previsibilidade, comprometendo um dos elementos basilares do Estado Democrático de Direito, que é a segurança jurídica. Desde 1622, quando Gerald Malynes compilou a primeira definição de Lex Mercatoria, a incerteza sempre preponderou sobre as referidas regras.
Mas nem por isso ela merece ser descartada. Enquanto as Organizações internacionais e as nações não chegam a um consenso, atualmente, ainda que de forma tímida, é a própria Lex Mercatoria que vem gerindo os negócios virtuais. Ora, inexistindo um código amplo e capaz de regular as situações concretas, os internautas vêm definindo os rumos do comércio eletrônico.
“O comércio eletrônico já possui uma linguagem específica, é virtualmente cursado via internet, detém tecnologia própria e condições de ter amplitude muito maior que as operações comerciais internacionais. No futuro próximo, com a consolidação das atuais práticas comerciais, assim como a fixação de normas internacionais costumeiras para definir novas figuras ou normas contratuais, será possível criar pelo uso, uma e-lex-mercatoria”. (FINKELSTEIN, 2004, p. 134)
Porém, no âmbito tributário, tais ponderações são preocupantes. Em troca do desenvolvimento do mercado, da evolução tecnológica e econômica, a lei do mercado minimamente irá se preocupar com a arrecadação estatal. Melhor dizendo, a tributação das relações virtuais será a última preocupação do mercado, cada vez mais consumerista.
O comércio gira em torno do lucro, dos investimentos, das aplicações. O tributo é um obstáculo para seus objetivos e, por isso, é, na maioria das vezes, combatido e criticado. A consolidação da Lex mercatoria no comércio eletrônico poderá aprofundar ainda mais a previsão de colapso da arrecadação estatal.
Esta teoria sofre duras críticas das demais correntes, pois é dever do Estado interferir desde já neste novo meio, a fim de manter a sustentabilidade do sistema tributário, sob pena de falência. Lanari (2005, p. 152) afirma que não cobrar tributos das operações envolvendo o comércio tributário “implicaria na chancela da velha e odiosa repartição dos encargos tributários”. Já Portella (2007, p. 129), afirma que esta teoria padece de exatidão pelo fato de que o leque de oportunidades geradas pelo meio “são suficientes para garantir um desenvolvimento satisfatório desta forma de comercializar”.
Por tais motivos, não seria nesta modalidade de auto-regulamentação da internet que serão encontradas as melhores soluções para o problema da tributação na internet, pois o interesse de um será por demais preponderante sobre o do outro, desequilibrando o sistema.
6.2 FISCALIZAÇÃO E ATUAÇÃO INTENSIVA
A internet, se por um lado permite o anonimato e agilidade nas transações mercantis, fornece também ao Governo uma importante ferramenta de controle financeiro. Em um mundo no qual toda a riqueza circula por meio de computadores interligados, cartões de crédito e contas on line, é fácil e simples implementar um sistema capaz de controlar toda a movimentação financeira do contribuinte e, a partir disto, tributar suas movimentações.
Essa medida, por certo, iria aumentar a fama de autoritarismo e violação da privacidade das pessoas, mas iria solucionar muitos outros problemas gerados com a falta de arrecadação. Seria a flexibilização de alguns direitos em prol da sustentabilidade do sistema tributário.
Mas não bastaria apenas uma rígida fiscalização, como também é necessária a previsão legal de algum tributo prevendo esta forma de tributação. Este novo tributo deverá incidir sobre as operações comerciais realizadas pela internet, atendendo os anseios sociais de equidade interpessoal e internacional, eficiência econômica, neutralidade competitiva, aceitação internacional, eficácia fiscal, simplicidade, baixo custo operacional, certeza legal e flexibilidade para adaptação ao desenvolvimento tecnológico estrutural.
Esta proposta é criticada por vários autores, pois, conforme afirma Lanari (2005, p. 170), “não se deve admitir nenhum tipo de tributo exclusivamente para o ambiente da internet, em que pese a relativa facilidade de se instituir um bit tax[6]”. Portella (2007, p. 135) corrobora tal entendimento, ao afirmar que “o Bit Tax, “ademais de ineficaz, apareceria como um entrave ao desenvolvimento do comércio eletrônico”.
Ocorre que, como já visto, as diretrizes internacionais repudiam a criação de um imposto exclusivo para o comércio eletrônico. Tal forma de controle da internet permitiria, ainda, o fácil desenvolvimento da censura e controle dos acessos, isso sem falar na tão temida violação da privacidade e da intimidade dos internautas.
6.3 ADEQUAÇÃO DO MODELO TRADICIONAL
Aqui repousa a grande maioria da doutrina. O motivo para tal consenso reside no realismo dos estudiosos, pois é muito mais fácil acreditar na evolução progressiva da legislação do que em uma mudança radical no sistema, que é o que exigem as propostas acima elencadas.
O Direito, como já visto, possui uma ampla capacidade de adequar-se as novas situações. Tal evolução, segundo Braghetta (2003, p. 73), não possui nenhuma menção explícita na Lei Maior, mas “a tributação de comércio que se dê pela forma eletrônica, per se, não motiva nem impede a arrecadação de receitas das operações oriundas dessa novel relação mercantil com base nos moldes atuais”.
Portella (2007, p. 137), defende esta teoria, pois, segundo ele, é a que mais se adapta aos princípios gerais de tributação eletrônica fixadas pelos organismos internacionais. Em suas palavras, “o mais adequado é optar pela aplicação do regime tributário vigente, com adaptações potnuais quando sejam imprescindíveis”. De acordo com Lanari (2005, p. 241), “os ordenamentos tributários podem e devem ser adaptados às peculiaridades do comércio eletrônico, sem a necessidade de criação de nenhum tributo novo e exclusivo”. Braghetta (2003, p. 137) também assim conclui:
“Acreditamos que tanto as normas jurídicas de direito público interno como os conceitos tradicionais de fiscalidade internacional existentes são, ressalvados um ou outro aspecto, suficientes e adequados também para a tributação dessa nova maneira de circular mercadorias”.
Nesta proposta de solução, será preciso unir esforços para identificar a escolha dos critérios de residência ou fonte nas operações telemáticas de âmbito internacional, a eleição pelo critério de tributação na fonte ou na residência ou na fonte de renda, a adoção de uma política financeira que privilegie o desenvolvimento do meio em detrimento da efetividade da fiscalização.
São igualmente defendidos os seguintes aspectos formais de controle tributário, sempre originados nos modelos materiais tradicionais vigentes, mas com certas adaptações:
i. estruturação das autoridades de controle de forma a estarem aptas as desenvolvimento de seu labor em ambiente telemático, como, por exemplo, estruturação de uma administração pública telemática, incorporação de técnicas telemáticas aos procedimentos de controle tributário, estruturação de um amplo sistema de intercâmbio de dados e preparação de recursos humanos qualificados;
ii. estabelecimento de uma sistemática de controle sobre os intermediários do comércio eletrônico, como a identificação e classificação dos intermediários e determinação das melhores estratégias de atuação sobre cada um dos grupos de indivíduos identificados.
iii. Arrecadação dos tributos derivados do comércio eletrônico baseada na adoção de pagamentos eletrônicos, ampliação do sistema de contas correntes, agilização dos sistemas internacionais de transferência de fundos e no fomento e melhora dos programas inteligentes de auditoria.
Como se pode perceber, mesmo nesta modalidade de solução, existem radicais transformações que devem recair sobre o modelo tradicional, sob pena do mesmo padecer. Não será preciso refazer todo o corpo normativo atual, pois em muitas situações o comércio eletrônico já é passível de ser enquadrado dentro no sistema atual, mas certos conceitos precisam ser adequados.
As poucas críticas que esta teoria possui reside na rigidez e burocracia do sistema tributário atual, no qual uma mudança de tamanha monta poderá desfigurar a unidade e a ordem, criando conceitos contraditórios. Ainda, outra ferrenha crítica está no fato de que o Código Tributário Nacional não acompanha os parâmetros delineados pela Constituição de 1988, estando ultrapassado, e precisaria de uma reforma mesmo sem o surgimento e evolução da internet.
7 CONCLUSÃO
Não existe ainda um movimento político, econômico e social acerca do tema internet porque grande parte da população sequer possui acesso a um computador. Sendo assim, o impacto deste novo meio em todos os setores da economia ainda é mínimo, se comparado com países como Estados Unidos e os membros da União Européia.
Porém, este cenário está mudando rapidamente. Hoje, computadores estão sendo adquiridos de forma tão intensa quanto os televisores eram na década de 80. Isso resultará que, muito em breve, o computador se tornará um elemento essencial em cada lar brasileiro. Uma vez adquirido este equipamento, a massificação da internet ocorrerá de forma progressiva.
Assim sendo, a partir do momento em que a sociedade se conscientizar de que um computador tem um potencial muito maior do que uma simples máquina de escrever, o Sistema Tributário Nacional sofrerá um duro golpe na arrecadação.
Diante deste contexto, não existe discricionariedade suficiente do Direito Tributário capaz de abranger as novas formas de relação entre as pessoas, geradas pela internet. Portanto, a realização de mudanças é necessária. E é certo que elas ocorrerão, mais cedo ou mais tarde.
Ocorre que da mesma forma que certamente o Fisco criará formas de tributar as relações virtuais, os contribuintes conseguirão arrumar formas de sonegar. A própria estrutura da internet, que foi concebida de um modo que não possa ser controlada de um único ponto, acarretará na impossibilidade de controle absoluto sobre os usuários.
Aliado a isso, o Fisco fica também limitado devido aos elementos que o Direito criou, visando proteger os contribuintes. São princípios e regras que dificultam a ação do Estado sobre as pessoas. Soma-se, por fim, a influência internacional, que mitiga a soberania estatal e impede que este venha a agir da maneira que lhe convenha.
O grande dilema está em como efetuar estas mudanças. Historicamente o legislador vem optando por impor pesadas cargas tributárias sobre as novas tecnologias. Assim foi com a iluminação pública e as empresas de telecomunicações.
Porém, diante da internet, não é possível assim proceder. São questões internacionais que precisam ser obedecidas. Da mesma forma, o cidadão brasileiro consumerista não pode mais suportar um ônus ainda maior em matéria tributária. Criar novos tributos sobre o comércio eletrônico não resolverá o problema de arrecadação do Estado, mas somente comprometerá ainda mais o insustentável sistema tributário atual.
O atual modelo é insustentável, em face da carga tributária crescente que impõe às pessoas. Por causa da redefinição dos modos de operação gerada pela internet, o perecimento do sistema será acelerado. Evoluir se torna essencial, mas esse desenvolvimento não poderá acontecer da maneira que o legislador nacional é acostumado a fazer.
Não basta criar novos tributos. A escolha de um novo modelo deverá ser calcado na evolução da tecnologia, privilegiando-a. Somente assim será possível o nascimento de um sistema sustentável, sólido e eficaz.
Advogado da S. B. LEWIS ADVOGADOS ASSOCIADOS. Mestre em Direito Político e Econmico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie 2014 possui L.L.M em Direito de Negócios pela FMU 2013 é especialista em Direito Tributário pelo Centro Universitário Curitiba 2010 possui graduação em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná 2008 e graduação em Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná 2004
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