O acordo de leniência, fruto da experiência norte americana, é o ajuste que permite ao infrator participar da investigação, com o fim de prevenir ou reparar dano de interesse coletivo. Alias, os Estados Unidos é o berço da cultura do livre comercio e da livre concorrência, tendo a lei Sherman, em 1890, proibido qualquer restrição ao comercio americano. Contudo, este instrumento apresenta algumas questões a serem suscitadas como quais os seus reais benefícios, o tratamento do sigilo e a falta de independência da autoridade. Porém, a questão que mais tem gerado controvérsia é a referente ao impacto do Acordo de Leniência na ação penal.
No Brasil, o Programa de Leniência da SECRETARIA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO é uma das inovações na área do direito da livre concorrência, previsto no artigo 35-B da Lei 8.884/94, acrescentado pela Lei 10.149/00, e consiste na possibilidade de acordo entre a Secretaria (em nome da União) e a pessoa física ou jurídica envolvida na prática da infração a ordem econômica que confessar o ilícito, e apresente provas suficientes para a condenação dos envolvidos na suposta infração. Em contrapartida, o agente tem os seguintes benefícios: extinção da ação punitiva da administração pública, ou redução de 1/3 a 2/3 da penalidade.
Os acordos de leniência, em âmbito concorrencial, surgiram nos EUA, em agosto de 1993, e passaram por várias alterações culminando no chamado Programa de Leniência Corporativa. No início, sofreram certa resistência que só foi superada após a descoberta de diversos cartéis em inúmeros setores da economia norte-americana.
Em decorrência desses resultados ocorridos no sistema norte-americanos o instituto do Acordo de Leniência sofreu um processo de globalização, e passou a ter previsão em vários ordenamentos jurídicos internacionais.
No Brasil, a ineficácia dos instrumentos de combate aos atos de concentração de mercado, fez com que as autoridades antitrustes vissem, nesse instituto, um caminho para a ampliação dos seus poderes de investigação, através do incentivo aos agentes econômicos para que forneçam provas que ajudem a condenar todos os demais membros dos cartéis e acabar com os efeitos nocivos sobre a economia popular.
Ocorre que esse instituto foi transplantado para o ordenamento brasileiro sem as devidas adaptações. Aqui, a formação de cartéis é classificada não só como ilícito administrativo como também penal, sujeitos à ação pública incondicionada.
Com relação à tipificação como ilícito penal uma questão de grande controvérsia surgiu entre Ministério Público e o CADE. É que embora haja menção expressa na Lei 10.149/00, sobre a extinção da punibilidade, a suspensão do curso do prazo prescricional e o impedimento do oferecimento da denúncia, não há uma uniformidade de entendimento com relação aos seus efeitos.
Dentro desse contexto, caso a infração noticiada constitua crime de ação penal pública, a SECRETARIA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO, a pedido do proponente, deverá consultar o Ministério Público acerca da possibilidade de enquadramento nos regimes de delação previstos na legislação penal.
Na verdade, essa previsão é um desestímulo à denunciação dos atos de concentração de mercado, uma vez que o denunciante só tem a certeza do perdão na esfera administrativa do CADE, mas não tem a garantia da extinção da punibilidade na esfera penal.
Em decorrência desses efeitos práticos, surgiram 3 posições, a respeito da aplicabilidade do acordo de Leniência.
A primeira posição entende que a norma atribuiria à SDE (Secretaria de Desenvolvimento Econômico) a faculdade de firmar o programa de leniência, e este acordo, na esfera administrativa, impede que o Ministério Público ingresse com a ação criminal.
A segunda posição nega total aplicabilidade das regras do Acordo de Leniência na esfera penal e tem como fundamento o Princípio da Indisponibilidade da Ação Penal Pública.
A terceira posição entende que o consentimento do Ministério Público é imprescindível para a realização do Acordo e para decretação da extinção da punibilidade. Neste sentido, embora a lei 8884/94 não seja expressa a respeito da extinção da punibilidade, ao realizarmos uma interpretação teleológica, poderemos concluir que a concordância do Ministério Público para o Acordo de Leniência dá o necessário suporte a sua aplicação. Isso porque os crimes contra a ordem econômica são de ação pública incondicionada e só o Ministério Público, como titular da ação penal, poderá, nos casos previstos pela lei, dispor ou restringir a sua aplicação. É a importação, para o sistema brasileiro, do princípio da oportunidade e da plea bargain dos E.U.A.
Para entendermos melhor esse ponto, devemos distinguir a delação do direito penal daquela referente ao Acordo de Leniência. A primeira pode ser definida como uma causa de redução de pena. Já a segunda, além de ser uma causa de redução de pena é, ainda, causa de extinção da punibilidade, tendo, como grande diferencial, critérios de conveniência e oportunidade e uma conotação tipicamente política atribuída ao secretário da SDE/MJ. E é dentro desse contexto, que é atribuído às autoridades antitrustes o poder de realizar todas as diligencia e providências legais que estiver ao seu alcance para averiguação do ilícito administrativo.
Assim, de todo o exposto, podemos concluir que o Ministério Público deve participar do acordo de leniência, para que o seu cumprimento resulte em renúncia da ação penal. Por outro lado, podemos concluir também que o princípio da obrigatoriedade da ação penal – assim como na Lei 9.099/95, em espaço infraconstitucional – deve ser mitigado a exemplo dos eficazes institutos do plea bargain norte-americano e do pattegiamento italiano.
Sou advogado formado pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas, e especialista em Direito Econômico e Empresarial pela FGV, e no momento estou estudando para concursos públicos.
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