Resumo: As imunidades tributárias são meio pelo qual se revela a incompetência da União para instituir não só impostos, mas também taxas e contribuições. Como um instituto constitucional que é, as imunidades tributárias estão protegidas também por alguns princípios que visam dar maior aplicabilidade e efetivação de seus efeitos. Diante da importância do tema, é fundamental tratar as imunidades como cláusulas pétreas, dado que não podem, em nenhum momento, sofrer qualquer tipo de redução em seu conteúdo. As imunidades podem estar relacionadas a impostos, taxas e contribuições, dado que a própria Constituição Federal, por diversas passagens, permite chegar a esta conclusão, mesmo diante de alguns desacertos do legislador constituinte. Em relação às imunidades de impostos, somente com um estudo aprofundado é que será possível visualizar o verdadeiro alcance que o tema merece. Já em relação às imunidades de taxas e contribuições basta olhar para a Constituição Federal com maior atenção para se ver que é possível a sua aplicação a estes tipos de tributos.
Palavras-chave: imunidade, impostos, taxas, contribuições.
Abstract: The immunities tributaries are tax means that reveals the incompetence of the Brazilian Union to establish not only taxes but also taxes and contributions. As an institute that is constitutional, tax immunities are also protected by certain principles aimed at providing more effective and applicability of its effects. In view of the importance of the issue, it is essential to treat immunities as entrenchment clauses, since they can not, at any time suffer any reduction in its content. Immunities may be related to taxes and contributions since the Brazilian Federal Constitution, for several passes, to reach this conclusion even before some of the constituent legislator mistakes. In relation to the immunity from taxes, only through a thorough study is that you can see the true scope that it deserves. In relation to the immunity from taxes and contributions just look at the Constitution more carefully to see that it is possible to be applied to these types of taxes.
Keywords: immunities, taxes, contributions.
Sumário: Introdução. 1. Definição de imunidade tributária. 2. Distinção entre imunidade e isenção. 3. Imunidade tributária como cláusula pétrea. 4. Princípios relacionados às imunidades tributárias. 4.1. Princípio da isonomia. 4.2. Princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado. 4.3. Princípio da impessoalidade. 4.4. Princípio da moralidade administrativa. 4.5. Princípio da capacidade contributiva. 5. Definição de culto. 6. O alcance das imunidades de templos de qualquer culto. 7. Imunidades de taxas e contribuições. Conclusão. Referências.
Introdução
O Estado, para poder alcançar seu objetivo, que é a busca do bem comum, necessita de receitas. Tais receitas podem advir de fontes diversas, como por exemplo, por meio de doações, multas e, principalmente, tributos.
É fato comprovado que a receita advinda de tributos é a que mais alimenta os cofres públicos, dado a dinâmica que envolve sua instituição e cobrança, bem como dado o fato de que milhares de contribuintes contribuem sem questionar a necessidade ou não da tributação, que muitas vezes é pesada e até mesmo desproporcional.
Porém, existem situações em que o Estado precisa abrir mão de determinadas receitas tributárias em vista de situações que se justificam por também contribuírem para o bem comum ou até mesmo por se tratar de uma política justa, beneficiando aqueles que não possuem condições de pagar tributos que estão vinculados a atividades básicas.
Pode até parecer contraditório, em um primeiro momento, se falar em não-tributação também como objetivo de se obter o bem comum, mas em uma análise mais aprofundada irá se perceber que não é apenas tributando que o Estado conseguirá cumprir o seu papel.
Para estes casos, existem as chamadas imunidades tributárias, que consistem em verdadeira incompetência da União para criar tributos, e tais imunidades alcançam os templos de qualquer culto, de uma forma geral, levando-se em consideração sua atividade social.
Assim, no presente artigo se abordará questões deste viés, ou seja, questões referentes ao verdadeiro alcance das imunidades, que não se resume apenas ao que está posto de forma expressa no Texto Constitucional.
1. Definição de imunidade tributária
Definir imunidade tributária é, de todo, uma tarefa árdua, dado que não há um consenso entre os mais renomados doutrinadores. Isso porque a imunidade é tema que se controverte entre alguns escritores, tanto no que pertine ao seu alcance quanto no que pertine ao seu próprio conceito.
De fato, foram vários os doutrinadores que se aventuraram a discorrer sobre a imunidade tributária, e ainda assim não houve um consenso entre a mais ilustre doutrina, como passaremos a ver.
Para Hugo de Brito Machado (2004, p. 266) “Imunidade é o obstáculo decorrente de regra da Constituição à incidência de regra jurídica de tributação”. Ou seja, é a limitação imposta pela própria Constituição Federal que impede que ocorra a incidência.
Já Luciano Amaro (2007, p. 151) vê a imunidade como a “qualidade da situação que não pode ser atingida pelo tributo, em razão de norma constitucional que, à vista de alguma especificidade pessoal ou material dessa situação, deixou-a fora do campo sobre que é autorizada a instituição do tributo”. Aqui, portanto, se fala em uma situação que, de acordo com critérios pessoais e/ou materiais, não pode ser atingida pela exação.
O professor Sacha Calmon Navarro Coêlho (2006, p. 165), ao discorrer sobre a imunidade, entende ser esta “uma heterolimitação ao poder de tributar”, sustentando que em certas situações o que deve prevalecer é a vontade do contribuinte.
Por fim, nas lições de Paulo de Barros Carvalho (2009, p. 202), tem-se a imunidade como sendo “A classe finita e imediatamente determinável de normas jurídicas, contidas no texto da Constituição Federal, e que estabelecem, de modo expresso, a incompetência das pessoas políticas de direito constitucional interno para expedir regras instituidoras de tributos que alcancem situações específicas e suficientemente caracterizadas”.
Ou seja, aqui, com maior aprofundamento, o citado professor enxerga a imunidade como uma verdadeira incompetência para criar tributos, indo, portanto, além das interpretações extraídas dos demais autores citados, para mostrar que a imunidade, antes de ser um limite ou um obstáculo, sequer permite que o poder de tributar seja exercido por quem de direito.
Portanto, temos a imunidade como uma norma negativa de competência para criar tributos, sempre prevista na Constituição Federal.
2. Distinção entre imunidade e isenção
Como salientado linhas acima, a imunidade é uma norma de estrutura e, portanto, em hipótese alguma pode ser confundida ou comparada com a isenção. Assim, enquanto que imunidade se traduz na incompetência para instituir tributos, a isenção, por seu turno, é a não-aptidão de um fato para gerar a obrigação tributária.
Note-se, assim, que a imunidade tem algo a mais que a isenção, pois na primeira, prevista constitucionalmente, o poder de tributar não existe, enquanto que na segunda, prevista sempre em legislação infraconstitucional, existe o poder de tributar, mas este poder não é exercido por motivos peculiares de cada caso. Ou seja, enquanto a imunidade impede a elaboração de tributos, a isenção impede a constituição do crédito tributário.
Regina Helena Costa (2006, p. 108), citando Luciano Amaro, diz que “a diferença entre ambas repousa, basicamente, no fato de a imunidade atuar no plano da definição da competência e a isenção operar no plano do exercício da competência”. (destaque da autora).
Importante ainda salientar que existem na Constituição Federal algumas hipóteses de imunidade, mas que, por um descuido do legislador constituinte, tais hipóteses foram grafadas equivocadamente como sendo casos de isenção. É o que acontece, por exemplo, nos casos do inciso LXXIII do artigo 5º, do § 7º do artigo 195 e do § 5º do artigo 184.
Portanto, ainda que a Constituição Federal atribua a certas situações o título de isentas, estará se tratando de verdadeiras imunidades tributárias, pois, como já salientado, o Texto Constitucional apenas contempla casos de imunidade, ficando a cargo da legislação infraconstitucional dispor sobre isenções.
3. Imunidade tributária como cláusula pétrea
A Constituição Federal, no § 4º do art. 60, enumera, de forma taxativa, as chamadas cláusulas pétreas, que são aquelas cláusulas que não podem sofrer modificações pelo poder constituinte derivado.
Assim diz o referido dispositivo constitucional:
“Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: (…)
§ 4º – Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I – a forma federativa de Estado;
II – o voto direito, secreto, universal e periódico;
III – a separação dos Poderes;
IV – os direitos e garantias individuais.”
Nota-se, assim, que dentre as cláusulas pétreas que ali estão não consta a imunidade tributária, o que levaria a dizer, em um primeiro momento, que as imunidades não são cláusulas pétreas.
Porém, a imunidade pode (e deve) ser entendida como um direito e garantia individual do contribuinte e, portanto, deve ser tida como uma cláusula pétrea, o que a tornaria irrevogável até mesmo por uma emenda à Constituição.
Isso é assim porque a imunidade garante ao contribuinte o direito de não ser tributado em determinadas situações, e entender pelo contrário seria o mesmo que permitir que este direito fosse tolhido em algum momento, o que não se deve admitir.
Deste modo, a imunidade tributária, como norma de estrutura que é, deve ser considerada uma cláusula pétrea, pois somente assim o contribuinte estará totalmente protegido do astuto poder legiferante.
4. Princípios relacionados às imunidades tributárias
Princípios são normas, explícitas ou implícitas, que norteiam e impõem limites, dotadas de forte axioma. Os princípios podem ser vistos como um valor ou como um limite objetivo.
Como valor significa dizer que se vê, no princípio, algo subjetivo, que depende de uma interpretação levando-se em consideração outros valores. Ou seja, o princípio como valor não é expresso de forma explícita, mas sim interpretativa.
Já como limite objetivo, significa dizer que se vê, no princípio, algo muito mais objetivo, expresso no enunciado da norma de forma que não depende de uma interpretação mais aprofundada, onde sua violação seja de fácil constatação.
As imunidades tributárias, assim como os demais institutos previstos na Constituição Federal, comportam alguns princípios, uns objetivos, outros subjetivos, que lhes são peculiares, sendo que a função destes princípios é a de ratificar a importância que tem que ser direcionada aos casos de imunidade.
Assim, para a aplicação às imunidades tributárias temos os seguintes princípios: princípio da isonomia, princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse particular, princípio da impessoalidade, princípio da moralidade administrativa, e princípio da capacidade contributiva.
Passamos a discorrer, sucintamente, sobre cada um deles:
4.1 Princípio da isonomia
O princípio da isonomia, em uma analise superficial, pode parecer inaplicável às imunidades tributárias, pois se todos são iguais perante a lei – assim dita o princípio – todos deveriam pagar tributos.
No entanto, fato é que este mesmo princípio, ao dizer que todas são iguais perante a lei, está se referindo a situações iguais em que se encontram os contribuintes, pois cada um é igual perante a lei na medida de sua desigualdade.
Para Regina Helena Costa (2006, p. 31) isso se traduz na “idéia segundo a qual determinadas pessoas, bens e situações – dada a sua natureza jurídica, ou à vista de sua importância para a sociedade – merecem tratamento diferenciado e, portanto, devem ser mantidos incólumes ao alcance da tributação”.
Em outras palavras, existem situações peculiares que remetem uma classe de contribuintes às situações de imunidade, como é o caso, por exemplo, dos templos de qualquer culto aqui tratados, dos partidos políticos, das entidades sem fins lucrativos e dos livros e periódicos.
Assim, dentro destas situações o interesse em não se tributar se justifica na medida em que a tributação destas classes apenas contribuiria para que elas não conseguissem cumprir seu papel dentro da sociedade.
Portanto, estas classes estão dentro da mesma situação, o que importa em dizer que se uma delas não esta sendo tributada, a outra merece ser tratada do mesmo modo, e isso se dá aplicando-se o princípio da isonomia.
4.2 Princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado
Já a aplicação do princípio da supremacia do interesse público sobre o particular se justifica no exato momento em que sendo as imunidades causadoras de menor receita ao Estado, o que diminui sua capacidade e autonomia financeira, isto deve ser lavado em conta ao se instituir uma imunidade tributária.
Ou seja, a instituição da imunidade só estará justificada caso o interesse publico assim o exigir, em respeito ao aludido princípio.
4.3 Princípio da impessoalidade
Por seu turno, o princípio da impessoalidade, justificando inclusive a aplicação do princípio acima transcrito, revela que a administração pública não deve, jamais, beneficiar um contribuinte com uma imunidade que não seja voltada ao interesse público.
Assim, caso haja alguma imunidade aplicada a um determinado contribuinte, que nada tem a ver com a sua importância na ideia de interesse público, o principio da impessoalidade restará violado.
4.4 Princípio da moralidade administrativa
Segundo este princípio, a administração pública deve agir com decoro, lealdade e boa-fé, cultivando valores éticos para que nunca seja instituída uma imunidade quando o caso não lhe permitir.
Ou seja, dado que cabe à administração pública agir com respeito perante os seus administrados, nenhuma norma imunizante poderá ser criada sem que seja para beneficiar a todos.
4.5 Princípio da capacidade contributiva
O princípio da capacidade contributiva dita que o tributo deve ser graduado segundo a capacidade econômica do contribuinte, e isto porque o tributo atinge diretamente o patrimônio do contribuinte.
À medida que estamos em um estado democrático de direito, que visa o bem comum, todos devem contribuir. Porém, na medida de sua capacidade.
Carrazza (1996, p. 45) define a capacidade contributiva como “a aptidão que cada cidadão tem, em tese, para contribuir, mediante impostos, para o abastecimento dos cofres públicos, sem prejuízo das próprias necessidades de subsistência, bem assim das de sua família”. Convém aqui, no entanto, fazer uma interpretação extensiva do termo “cidadão”, dado que a pessoa jurídica também tem (ou não) capacidade contributiva.
Ainda, merece destaque a observação de que no Brasil a lei deve ser genérica, não devendo regular provimentos individuais, pois, se assim o for, não se terá uma norma geral e abstrata, mas sim uma norma individual e concreta.
No Imposto de Renda, por exemplo, o princípio da capacidade contributiva é bem inerente, dado que tributa diretamente a renda do contribuinte.
Diferentemente é o que ocorre com o IPTU, pois nesse caso a riqueza do contribuinte se mostra não na sua própria renda, mas sim em seus bens. Ou seja, a capacidade contributiva é demonstrada (aparentemente) a partir do momento em que o contribuinte demonstra que possui imóvel(eis), independentemente de sua renda.
Vê-se, portanto, que o princípio da capacidade contributiva está diretamente ligado ao princípio da igualdade, pois demonstra um limite constitucional à atuação do legislador.
Assim, por mais que a Constituição Federal permita à pessoa política a criação de tributos, utilizando-se de sua competência tributária, a pessoa política, ao criar a exação, deve sempre observar o princípio da capacidade contributiva do futuro contribuinte, sob pena de tal lei que gerou o tributo ser tida como inconstitucional, pois o princípio da capacidade contributiva está previsto na própria Constituição Federal, em seu artigo 145, § 1º.
Desse modo, em se tratando o contribuinte de templo religioso, o princípio da capacidade contributiva deve servir de base para a sua não-tributação, dado que um templo religioso não possui capacidade contributiva que possa dar ensejo a qualquer tipo de tributação.
Isso é assim pelo fato de que o templo religioso tem como objetivo disseminar a religião, a fé, o que reflete diretamente no desenvolvimento social.
Assim, por serem os templos tidos como entidades sem fins lucrativos, não podem estar sujeitos à tributação, dado que lhes falta a capacidade contributiva.
5. Definição de culto
A Constituição Federal, no inciso VI do seu artigo 150, enumera algumas situações onde a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios ficam vedados de instituir alguns impostos.
Assim diz o referido dispositivo:
“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (…)
VI – instituir impostos sobre:
a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;
b) templos de qualquer culto;
c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;
d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.”
No entanto, questão que se põe em discussão, e o que agora nos importa, é sobre a definição de “culto”.
No dizer de Paulo de Barros Carvalho (2009, p. 208), a locução “culto religioso” se refere a “todas as formas racionalmente possíveis de manifestação organizada de religiosidade, por mais estranbóticas, extravagantes ou exóticas que sejam”.
Já o professor Roque Antonio Carrazza (2011, p. 828), diz que culto deve ser entendido no sentido de “confissão religiosa”, e passa a definir o que seria a confissão religiosa, explicando que “Confissão religiosa nada mais é que uma entidade dotada de estrutura orgânica hierarquizada, instituída com o objetivo fundamenta de agrupar, de modo permanente, pessoas que partilham das mesmas crenças transcendentais, vale dizer, que nutrem a mesma fé numa dada divindade. Nesse sentido, são confissões religiosas não só a Igreja Católica e as nascidas da Reforma Protestante, como as que adotam fórmulas mais elementares e variadas de organização (sinodal, congrecionista etc.). Também merecem esta qualificação as comunidades judaicas e muçulmanas, que, embora se caracterizem pela dispersão e multiplicidade e se relacionem mais por vínculos religiosos que jurídicos, têm uma fé comum”.
Portanto, temos que culto é a reunião de pessoas, com objetivos afins, quais sejam, de disseminar a religião e a fé, sendo que esta reunião deverá ser constante e periódica.
6. O alcance das imunidades de templos de qualquer culto
A imunidade de entidades religiosas tem por objetivo garantir a liberdade de culto religioso. Assim, a imunidade tributária prevista na Constituição Federal atinge todos os impostos que incidem sobre o patrimônio, a receita e os serviços prestados por estas entidades.
Regina Helena Costa (2006, p. 156) ensina que “Como imunidade política e incondicionada, visa a garantir a eficácia da diretriz constitucional contemplada no art. 5º, VI, que assegura a liberdade de crença e o livre exercício de cultos religiosos, densificando-os”.
E isso é assim porque a atividade dos templos de qualquer culto tem como objetivo não o lucro, mas sim disseminar a crença religiosa, a fé. Ou seja, dado que o Direito Tributário deve se preocupar com atividades economicamente interessantes para o Estado, este não é o caso dos templos de qualquer culto, que não exercem nenhuma atividade econômica.
Ainda, há que se lembrar que os templos de qualquer culto exercem enorme e relevante função social, consistente na ajuda a viciados, pobres e miseráveis, contribuindo e muito para um Estado mais justo e humanitário.
Assim, tais atividades, por serem consideradas de grande interesse social e cultural, e que são intrínsecas ao trabalho dos templos de qualquer culto, não podem, jamais, ser tributadas.
Ou seja, o Direito Tributário deve, sim, se preocupar com atividades que envolvem interesses de lucro, pois, a atividade, para ser tributada, deve, necessariamente, objetivar a transferência de riquezas.
Muito se discute, no entanto, sobre a vinculação, por exemplo, entre o serviço que será prestado e a atividade religiosa. Ou seja, entende-se que haverá imunidade apenas quando o serviço estiver diretamente ligado à atividade de culto religioso.
Nesse ponto de vista, entender-se-ia, por exemplo, que incide ISS sob os serviços de guarda e estacionamento de veículos, bem como incide IPTU no imóvel destinado à locação, pois tais fatos geradores não estão ligados diretamente à atividade de culto.
Alguns autores, como Hugo de Brito Machado (2004, p. 270), advogam a tese de que não se deve imunizar situações que não estejam diretamente ligadas às atividades dos templos. O citado professor escreveu que “Há quem sustente que os imóveis alugados, e os rendimentos respectivos estão ao abrigo da imunidade desde que sejam estes destinados à manutenção do culto. A tese de imóveis, com a ressalva feita há pouco, é uma atividade econômica que nada tem a ver com um culto religioso. Colocá-la ao abrigo da imunidade nos é razoável quando se trate de locação eventual de bens pertencentes ao culto. Não, porém, quando se trate de atividade permanente deste. A locação parece exagerada ampliação. A ser assim, as entidades religiosas poderiam também, ao abrigo da imunidade, desenvolver atividades industriais e comerciais quaisquer, a pretexto de angariar meios financeiros para a manutenção do culto, e ao abrigo da imunidade estariam praticando verdadeira concorrência desleal, em detrimento da livre iniciativa e, assim, impondo maus tratos ao art. 170, inciso IV, da Constituição”.
No entanto, o Supremo Tribunal Federal[1] tem entendido que para se analisar a imunidade de entidades religiosas não basta distinguir se o fato gerador está ligado diretamente ou não com a atividade de culto. Mais que isso, imprescindível seria se saber a destinação da receita advinda destes fatos geradores, podendo aqui, por analogia, aplicar-se a súmula 724 do Supremo Tribunal Federal, que assim dispõe:
Súmula 724: Ainda quando alugado a terceiros, permanece imune ao IPTU o imóvel pertencente a qualquer das entidades referidas pelo art. 150, VI, c, da Constituição, desde que o valor dos aluguéis seja aplicado nas atividades essenciais de tais entidades.
Assim, sob o ponto de vista do Supremo Tribunal Federal, uma vez que a receita advinda da prestação de serviços de guarda e estacionamento de veículos, bem como a receita advinda de alugueis de imóveis da entidade religiosa, fosse aplicada diretamente em prol de suas atividades, haveria imunidade.
Fato interessante, inclusive, é a questão dos cemitérios, dado que muito se discute se estes têm direito à imunidade tributária.
Também neste sentido já se manifestou o Supremo Tribunal Federal [2], entendendo o Pretório Excelso que o cemitério é uma extensão de entidade de cunho religioso e, por isso, deve receber o benefício tributário da imunidade.
Portanto, a imunidade não apenas estaria abrangida ao templo em si, mas também aos imóveis que, de forma direta ou indireta, estão relacionados aos templos. De forma direta quando tais imóveis geram algum tipo de receita a ser revertida em prol do templo; e de forma indireta quando o imóvel significa uma extensão do templo, como é o caso dos cemitérios.
7. Imunidades de taxas e contribuições
Em que pese a Constituição Federal dispor expressamente que não se pode instituir impostos sobre templos de qualquer culto, convém esclarecer nosso posicionamento no sentido de que referida imunidade deve ser estendida às demais espécies tributárias, e isso em respeito ao inciso VI[3] do art. 5º da Constituição Federal.
Assim, muito se tem discutido sobre o alcance das imunidades tributárias, principalmente no que diz respeito à sua extensão às taxas e contribuições. Para uns, as imunidades apenas devem ser aplicadas a impostos, enquanto que para outros as imunidades também alcançam as taxas e as contribuições.
Tal discussão se dá puramente por conta de interpretação do Texto Constitucional, dado que no capítulo onde se contempla as imunidades, especificamente no inciso VI do artigo 150, o legislador constituinte falou apenas em “impostos”.
Regina Helena Costa (2006, p. 45) retrata bem esta situação, ao lecionar que “A reiterada concepção segundo a qual as normas imunizantes só respeitam a impostos deve-se, provavelmente, ao fato de que a esses tributos, tradicionalmente, a Constituição empresta maior atenção, dedicando-lhe grande número de prescrições, apontando expressamente os fatos passíveis de apreensão, pela lei de cada pessoa política, para a configuração das respectivas hipóteses de incidência”.
Assim, os que sustentam a tese de que a imunidade tributária apenas se aplica aos impostos, utilizam referido dispositivo para embasar a tese.
Dentre eles se encontram Silvio Aparecido Crepaldi e Guilherme Simões Crepaldi (2009, p. 104) para quem “Os casos de imunidade só existem em relação a impostos – art. 150, inciso VI, da Constituição Federal (tributos não-vinculados). Não há imunidade com relação a taxas ou contribuições”.
Porém, fato é que a Constituição Federal contempla vários casos de imunidades direcionadas às taxas e às contribuições, o que torna possível sustentar a ideia de que imunidades não aplicam apenas a impostos.
Quanto às taxas, Regina Helena Costa (2006, p. 210) sustenta que “A Constituição de 1988, a nosso ver, contempla, com ineditismo, 11 hipóteses de imunidades referentes às taxas”, lembrando a professora que o Texto Constitucional, por vezes, não utilizou a palavra “imunidade” para se referir a este instituto, sendo que às vezes se encontra as palavras “isenção” ou “gratuidade”, ou, até mesmo, “não-incidência”, mas que nada mais são do que verdadeiras imunidades.
Transcrevendo-se o Texto Constitucional, com nossos grifos, teremos, assim, os seguintes casos de imunidade referente às taxas:
“Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:(…)
XXXIV – são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:
a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder;
b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal;(…)
LXXIII – qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência;
LXXIV – o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos; (…)
LXXVI – são gratuitos para os reconhecidamente pobres, na forma da lei:
a) o registro civil de nascimento;
b) a certidão de óbito;
LXXVII – são gratuitas as ações de "habeas-corpus" e "habeas-data", e, na forma da lei, os atos necessários ao exercício da cidadania.
Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:
I – educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 1º – O casamento é civil e gratuita a celebração.
Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida. (…)
§ 2º – Aos maiores de sessenta e cinco anos é garantida a gratuidade dos transportes coletivos urbanos.”
Por seu turno, no que diz respeito às imunidades referentes às contribuições, também aqui transcrevendo-se o Texto Constitucional, com nossos grifos, teremos as seguintes situações:
“Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo. (…)
§ 2º As contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que trata o caput deste artigo:
I – não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação;
Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: (…)
II – do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201; (…)
§ 7º – São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei.
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: (…).”
Vê-se, destarte, que a Constituição Federal prevê vários casos de imunidades que se aplicam às taxas e às contribuições e, assim, não há como aceitar a ideia restrita de que somente se aplica a imunidade em casos envolvendo impostos.
Salienta-se, por fim, que o Supremo Tribunal Federal [4], em voto do Ministro Dias Toffoli, ao analisar a questão de imunidade sobre a contribuição social de uma entidade beneficente de educação, entendeu por conceder o beneficio e, portanto, por uma questão de isonomia, entendemos que tal benesse alcança os templos de qualquer culto.
Conclusão
A atividade tributante é típica de qualquer Estado, estando ele inserido em qualquer regime político.
Por certo, o Estado precisa arrecadar para poder desenvolver suas atividades.
No entanto, como foi visto, nem todo fato jurídico deve ser tributado, e tais exceções estão previamente delimitadas única e exclusivamente na Constituição Federal de 1988.
Porém, para se dar verdadeira efetividade às imunidades, necessário se faz olhar para estas situações e procurar enxergar a verdadeira intenção do legislador constituinte, pois só assim se verá o verdadeiro alcance que o instituto das imunidades tributárias merece, e em especial dos templos de qualquer culto.
E isso é assim pelo fato de que inúmeras vezes o que está expresso na Constituição Federal de 1988 tem uma extensão maior do que o que ali está posto.
Portanto, o intérprete, atento, deve procurar entender qual o real objetivo de se imunizar uma determinada situação, para dar às imunidades tributárias o alcance e a atenção que merecem.
Advogado. Graduado pela Faculdade de Direito de Mogi Mirim. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET
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