O aproveitamento energético nos aterros sanitários e o mercado de carbonos

Resumo: A progressiva substituição dos lixões por aterros sanitários, além de obedecer ao comando constitucional da proteção ao meio ambiente, diminui sensivelmente os danos ambientais e proporciona uma possibilidade de aproveitamento energético do biogás extraído. A utilização desse biogás, por sua vez, contribui para o aumento da oferta e da diversificação da matriz elétrica brasileira, reduzindo, ainda, a emissão de gases intensificadores do efeito estufa.

Palavras-chave: meio ambiente, resíduos sólidos, aterro sanitário, biogás, crédito de carbono.

Sumário: 1. Introdução; 2. Os aterros sanitários na Política Nacional de Resíduos Sólidos; 3. O biogás extraído dos aterros sanitários e o mecanismo de desenvolvimento limpo; 4. O Protocolo de Kyoto e os créditos de carbono; 5. Conclusão; 6. Referências Bibliográficas.

1. INTRODUÇÃO

A proteção do meio ambiente no Brasil teve como mais importante marco temporal a Constituição da República de 1988, que dedicou o Capítulo VI do Título VII, sobre a Ordem Social, para tratar sobre o tema de uma forma inovadora. A Constituição Federal de 1988 seguiu a trilha do direito internacional do meio ambiente, reconhecendo o meio ambiente como bem a ser protegido, não apenas em razão da utilização pelo ser humano, mas como bem jurídico próprio.

Erigido como bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, a Constituição Federal de 1988 elegeu como responsáveis pela proteção do meio ambiente o Poder Público e toda a sociedade, indicando o dever de preservar não apenas para presente, mas também para futura geração.

O Brasil já havia adotado a Declaração de Estocolmo, resultado da Conferência das Nações Unidas de 1972, em que se reconhece ao homem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida digna gozar de bem-estar, com a solene obrigação de proteger e melhorar esse meio para as gerações presentes e futuras.

Apesar de já haver um compromisso internacional, a inserção da obrigação de preservar o meio ambiente no bojo da Constituição indica a importância fundamental reservada ao tema no ordenamento jurídico brasileiro.

A noção de meio ambiente equilibrado e da utilização racional dos recursos naturais trouxe também à tona o conceito de desenvolvimento sustentável.  Desde a publicação do relatório da Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente, denominada Comissão Brundtland, percebeu-se a necessidade de preservar o meio ambiente, permitindo que dele fossem retirados os recursos necessários para o progresso das ciências e da economia. Se de um lado, revelava-se urgente a proteção ambiental, por outro, a economia não poderia ser prejudicada.

Na verdade, consoante anota Alberto do Amaral Júnior[1], a expressão desenvolvimento sustentável foi empregada pela primeira vez em 1980 na Estratégia de Conservação Mundial (WCS), documento preparado pela União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN), que o definiu como “a integração da conservação e do desenvolvimento para assegurar as modificações no planeta garantam a sobrevivência e o bem-estar de todos os povos”. [2]

O relatório da Comissão Mundial do Meio Ambiente intitulado Nosso Futuro Comum afirma que “é sustentável o desenvolvimento tal que permite satisfazer nossas necessidades atuais sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazer as suas”. [3]

Foi apenas em 1992 na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento realizada no Rio de Janeiro – a ECO 92, que a ideia do desenvolvimento sustentável consagrou-se na seara internacional, constando expressamente na Declaração do Rio sobre o Meio Ambiente, na Convenção sobre Diversidade Biológica, na Agenda 21 e no programa de ação aprovado na Conferência do Rio em 1992. Com efeito, reza o princípio 12 de Declaração do Rio que

“os Estados devem cooperar para o estabelecimento de um sistema econômico internacional aberto e favorável propício ao crescimento econômico e ao desenvolvimento sustentável em todos os países, de modo a possibilitar o tratamento mais adequado dos problemas de degradação ambiental.”[4]

Apesar de ser um conceito indeterminado, a noção de desenvolvimento sustentável pauta-se pela ideia de conciliação entre a proteção ambiental e o desenvolvimento econômico. Como bem anota Ana Maria de Oliveira Nusdeo, evidencia-se, ainda,

“a superação das condições precárias de vida da população dos países do terceiro mundo e da necessidade de permitir a esses Estados a busca de um incremento de suas economias nacionais, com a preservação de recursos naturais necessários à sobrevivência das gerações futuras”.[5]

Assim é que, se de um lado, a palavra desenvolvimento alude à superação da pobreza e exclusão nos países em desenvolvimento, de outro modo, tem-se a ideia da sustentabilidade relacionada com a preservação e valorização da diversidade étnica e cultural de forma a estimular formas diferenciadas de utilização dos recursos naturais [6].

Tendo como bússola a ideia do desenvolvimento sustentável a utilização do biogás dos aterros atendem a esses dois escopos. Se de um lado, estimula o uso de fonte alternativa de energia, contribuindo para diversificação da matriz energética e para a preservação do meio ambiente, por outro lado, proporciona um ganho econômico considerável, já que permite a venda de créditos de carbono e a sua comercialização, atendendo ao programa estabelecido no Protocolo de Kyoto, denominado Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, a ser explicitado adiante.

Nas linhas seguintes, verificar-se-á como o Protocolo de Kyoto, e o mecanismo de desenvolvimento limpo, podem contribuir para o desenvolvimento sustentável do país, considerando-se a possibilidade de geração de energia elétrica por fontes alternativas à queima de gases de efeito estufa.

Registre-se, por relevante, que o estudo realizado tem como premissa principal o dever do Estado em atender ao escopo do desenvolvimento sustentável mediante a implantação de políticas públicas que demandam investimentos do governo, muitas vezes, de alto nível, mas que terão um impacto social, ambiental, e até mesmo econômico, sobremaneira, incalculável.

Assim, o Estado tem o dever de estimular comportamentos de preservação ambiental mediante implantação de políticas públicas que permitam obter o maior benefício econômico a partir da redução de gases de efeito estufa, como acontece com o biogás extraído dos aterros sanitários.

2. OS ATERROS SANITÁRIOS NA POLÍTICA NACIONAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS

A destinação final do lixo produzido na sociedade constitui-se um desafio da vida moderna. Segundo pesquisa realizada pelo IBGE em 2008[7], o manejo dos resíduos sólidos, incluindo-se a coleta e destinação final do lixo e limpeza pública, é fornecido por todos os municípios.

Segundo essa mesma pesquisa, os vazadouros a céu aberto, conhecidos como lixões, revelam-se como destino final dos resíduos sólidos em 50,8% dos municípios brasileiros, apresentando assim uma significativa melhoria, já que em 1989, representavam o destino final de resíduos sólidos em 88,2% dos municípios. Resultado desse progresso foi a expansão dos aterros sanitários como destino desses resíduos, passando de 17,3% dos municípios, em 2000, para 27,7%, em 2008.[8]

Apesar da franca expansão dos aterros sanitários, vê-se que ainda é pouco o avanço, se se considerar a mudança de cultura brasileira mediante a qual se consomem mais produtos industrializados resultando disso acúmulo de dejetos.

O sexto princípio da Declaração de Estocolmo anuncia que se deve por fim à descarga de substancias tóxicas ou de outros materiais e, ainda, à liberação de calor em quantidades ou concentrações tais que o meio não tenha condições de neutralizá-las, a fim de não causar danos graves ou irreparáveis aos ecossistemas.

Nesse sentido deve-se pensar a destinação dos resíduos sólidos inservíveis, conceituados pela Associação Brasileira de Norma Brasileira – ABNT como

“resíduos nos estados sólidos e semi-sólidos que resultam da atividade da comunidade de origem industrial, domestica, hospitalar, comercial, agrícola, de serviços e de varrição. Considera-se também resíduo sólido os lodos provenientes de sistemas de tratamentos de água, aqueles gerados em equipamentos e instalações de controle de poluição, bem como determinados líquidos cujas particularidades tornam inviável o seu lançamento na rede pública de esgotos ou corpos d’agua, ou exijam, para isso, soluções técnicas e economicamente inviáveis, em face à melhor tecnologia disponível.”[9]

Questões envolvendo resíduos sólidos foram regulamentadas por Resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA. A Resolução nº 06 de 1988 do Conama aduz que no processo de licenciamento ambiental de atividades industriais, os resíduos gerados ou existentes deverão ser objeto de controle específico. De igual modo, os portos, aeroportos, terminais ferroviários e rodoviários e estabelecimentos prestadores de serviços de saúde são alvo de normas mais rígidas em relação aos resíduos sólidos.

A Resolução nº 05, de 1993, do CONAMA atribui a esses estabelecimentos a responsabilidade pelo gerenciamento de seus resíduos sólidos, desde a geração até a disposição final, de forma a atender aos requisitos ambientais e de saúde pública.

Quanto aos resíduos de saúde, o CONAMA editou a Resolução nº 358/2005, que manteve a responsabilidade do gerador pelo gerenciamento dos resíduos. A Resolução n. 307/2002, por sua vez, estabeleceu diretrizes, critérios e procedimentos para a gestão dos resíduos da construção civil.

As Resoluções do CONAMA, ao preverem a destinação dos resíduos sólidos, não se preocuparam em priorizar a utilização destes para o aproveitamento enérgico. Da mesma forma não elencaram as prioridades na destinação dos resíduos.

Para implementar a gestão integrada dos resíduos sólidos foi formulada a Política Nacional de Resíduos Sólidos, instituída pela Lei Federal nº 12.305 de 2 de agosto de 2010, que estabelece as responsabilidades dos gerados de resíduos e do Poder Público.

O cerne da Política Nacional de Resíduos Sólidos é a destinação dos resíduos sólidos de modo a impedir dano ao meio ambiente, como a contaminação do lençol freático. Pretende-se, assim, a substituição gradativa dos lixões, áreas onde os resíduos sólidos são descartados a céu aberto, pelos aterros sanitários, onde se propõe a proteção do solo e até mesmo o aproveitamento do lixo, evitando-se com isso a proliferação de vetores de doenças endêmicas.

Além da degradação ao meio ambiente, a existência dos lixões revela, ainda, o descaso do poder público e o descumprimento do dever de erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem-estar da sociedade.

O viés social constitui-se como um dos vetores da Política Nacional dos Resíduos Sólidos, o qual, em seu art. 6º, inciso VIII, aponta como um dos seus princípios o reconhecimento do resíduo sólido reutilizável e reciclável como um bem econômico e de valor social, gerador de trabalho e renda e promotor de cidadania.

Importante objetivo dessa Lei revela-se na norma inserta no art. 7º, inciso II, a qual estabelece que a não geração, redução, reutilização, reciclagem e tratamento dos resíduos sólidos, bem como disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos.

O compromisso de aumentar os benefícios ambientais e reduzir os impactos negativos da destinação dos resíduos sólidos pertence a todos os Entes da Federação. Tanto é assim que a Política Nacional do Meio Ambiente previu a elaboração de Planos de Resíduos nas três esferas da Federação.

Uma das formas de atender ao comando legal estabelecido pela Política Nacional dos Resíduos Sólidos é a criação de aterros sanitários, construídos com tecnologias específicas de tratamento dos resíduos, o que evita a contaminação do solo, pois trata o chorume, efluente líquido do lixo.

Além disso, dos aterros sanitários pode-se captar o biogás, fonte de energia decorrente da decomposição dos resíduos orgânicos em processo anaeróbio, impedindo-se a emissão desse ar para a atmosfera, o que contribui no combate ao aumento das emissões de gases causadores do efeito estufa.

A queima do gás metano, principal gás encontrado nos aterros sanitários, além de possibilitar a diversificação elétrica brasileira, possibilita a obtenção de créditos de carbono, comercializáveis em razão do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, previsto no Protocolo de Kyoto.

3. O APROVEITAMENTO ENERGÉTICO DO BIOGÁS E O MECANISMO DE DESENVOLVIMENTO LIMPO

Uma das formas de solucionar o problema da massa inerte de lixo acumulada nos aterros sanitários e lixões é a produção de energia através do biogás.

 O biogás resulta da fermentação anaeróbia de material orgânico encontrado em resíduos animais e vegetais, lodo de esgoto, lixo ou efluentes industriais, como vinhaça, restos de matadouros, curtumes e fábricas de alimentos[10].

Compõe-se de 60% (sessenta por cento) de metano, 35% (trinta e cinco por cento) de dióxido de carbono e 5% (cinco por cento) de uma mistura de hidrogênio, nitrogênio, amônia, ácido sulfídrico, monóxido de carbono, aminas voláteis e oxigênio[11].

O gás metano encontrado em maior quantidade no biogás encontrado nos aterros sanitários representa uma média de 24 (vinte e quatro) vezes superior ao dióxido de carbono[12].

Havendo investimento em tecnologia, o aterro sanitário pode ser adaptado para geração de eletricidade a partir do biogás formado, contribuindo, assim, para a diversificação da matriz elétrica brasileira, bem como para o desenvolvimento econômico do país. Como aduzido por Gomes e Oliveira,

“o crescimento da disponibilidade de energia limpa é resultado das inovações tecnológicas que […] atribuem dinamismo à economia colaborando para mudanças quantitativas e qualitativas das variáveis econômicas.”[13]

A conversão energética do biogás dá-se da seguinte forma: a energia química contida nas moléculas do biogás é convertida, mediante processo de combustão controlada, em energia mecânica que, por sua vez, ativa um gerador habilitado para converter a energia mecânica em energia elétrica.

Sobre esse processo de transformação do biogás em energia elétrica, explicam Gomes e Oliveira que

“o aproveitamento energético do biogás de aterros sanitários requer planejamento e investimento em instalações necessárias de modo que o biogás deverá ser succionado através dos tubos de coleta até a usina com o auxílio de exaustores e compressores. No grupo gerador se realizará a combustão do biogás para geração de eletricidade, a qual será destinada à rede elétrica”[14].

Consoante já se anotou, como alternativas de diversificação e descentralização e, consequente, barateamento de energia elétrica, podem ser indicadas as energias eólica, solar e biomássica, incluída nesta o biogás, caracterizadas por serem fontes dependentes de desenvolvimento tecnológico, e de reduzido nível de impactos ambientais negativos, acarretando ainda impactos ambientais positivos.

É importante ressaltar que o custo da eletricidade de um aterro é alto, mas seus benefícios ao meio ambiente são incalculáveis porque, além da eletricidade, poderá gerar créditos de carbono.

4. O PROTOCOLO DE KYOTO E OS CRÉDITOS DE CARBONO

De início, relevante esclarecer que os gases de efeito estufa, intitulados GEE, são importantes para a sobrevivência das espécies vivas, porque conseguem aquecer a temperatura terrestre a uma temperatura de aproximadamente 33º graus[15].

Mesmo se tratando de fenômeno natural na atmosfera, a emissão excessiva de gases estufa, tais como dióxido de carbono (CO2) e o metano (CH4), tem ocasionado desequilíbrio no meio ambiente, resultando no aquecimento da temperatura da atmosfera da Terra.

Com o fito de tentar buscar mecanismos para estabilizar a emissão de gases de efeito estufa, 182 países, dentre os quais o Brasil, reuniram-se em 21 de março de 1994 e formalizaram a Convenção-Quadro sobre Mudança de Clima, considerada como tratado-quadro[16], já que em seu bojo encontravam-se apenas normas genéricas, sem que se estabelecessem lapsos temporais, nem modos pelos quais os Estados deveriam realizar essa redução.

Foi instituída como órgão dessa Convenção a Conferência das Partes, formada pelos países signatários, que possuíam a obrigação de se reunirem periodicamente a fim de criarem estratégias específicas para a diminuição do aquecimento global.

Com esse propósito, os Estados reuniram-se em dezembro de 1997 e formalizaram o Protocolo de Kyoto que, em síntese, obriga os signatários a atingir, entre 2008 a 2012, índices de emissão de dióxido de carbono na atmosfera em média 5% (cinco por cento) menores que os níveis de 1990, com metas específicas para cada país.

Para que esse objetivo fosse alcançado, propôs o Protocolo três mecanismos: o sistema de comércio de emissões, a execução conjunta dos projetos de redução e o mecanismo de desenvolvimento limpo.

Há de se destacar o dever de cooperação estabelecido pelo Protocolo aos países desenvolvidos em relação aos países em desenvolvimento. Impôs-se o dever de promover mecanismos efetivos para o desenvolvimento, aplicação, difusão e acesso à tecnologia, além de processos ambientalmente seguros.

Nesse sentido é o disposto no artigo 11 do Protocolo quando estabelece aos países desenvolvidos a obrigação de prover recursos financeiros novos e adicionais para cobrir os custos relativos às obrigações relacionadas à elaboração de inventários nacionais de emissões por fontes antrópicas, estabelecidas na Convenção-Quadro de 1992.

Todavia, o disposto no artigo 12, possibilitando o mecanismo de desenvolvimento limpo, revela-se inovador, porquanto possibilita aos países desenvolvidos que se beneficiem de projetos implementados nos países em desenvolvimento, autorizando o crescimento econômico numa perspectiva sustentável.

Cabe, nesse momento, a advertência de Ana Maria de Oliveira Nusdeo, ressaltando que

“programas criados, nessa linha, por sua vez, não deverão servir de brecha para eximir os países desenvolvidos de suas obrigações de redução de emissão de gases estufa, ao mesmo tempo em que deverão efetivamente viabilizar a transferência de tecnologia e know how suficientes para garantir condições de desenvolvimento sustentável aos países em desenvolvimento.”[17]

Nesse sentido, faz-se imperioso analisar as linhas traçadas sobre o principal instrumento de combate aos gases estufa trazido pelo Protocolo de Kyoto, extraindo dessa análise o que de interessante for para a presente pesquisa, restrita que está ao aproveitamento energético extraído do biogás dos aterros sanitários, além da possibilidade de venda de créditos carbonos, o que, sem dúvida, de uma forma ou de outra, contribui para o meio ambiente sadio e o progresso econômico.

De acordo com o Art. 12.5 do Protocolo de Kyoto, a certificação das reduções de emissões de gases estufa deve ser realizada com base em i) participação voluntária aprovada por cada uma das partes envolvidas; ii) benefícios reais, mensuráveis e de longo prazo relacionados com a mitigação do clima e; iii) reduções de emissões que sejam adicionais às que ocorreram na ausência da atividade certificada de projeto.

A participação é voluntária porque a criação de projetos que se proponham a efetivar o mecanismo de desenvolvimento limpo deve também contribuir para o desenvolvimento sustentável do país que sedia o plano de ação.

No tocante aos benefícios reais, mensuráveis e de longo prazo relacionados com a mitigação do clima, sendo importante ressaltar que a mensuração das reduções de emissões deve ser certificada por uma entidade operacional designada pela Conferência das partes[18].

Ainda se analisando os requisitos para se obter a certificação, cabe uma crítica relativamente à imposição de que o projeto só poderia ser aceito com a comprovação de que as reduções de emissões não seriam possíveis senão com a sua implementação.

Isso porque, ainda que haja legislação nacional interna do país hóspede exigindo condutas que diminuam as emissões de gases,

a resposta à questão deve levar em conta a endêmica falta de recursos nos países em desenvolvimento para tornar efetivas as normas avançadas de proteção ambiental que implicam investimentos em tecnologia muitas vezes inviáveis […].[19]

Com efeito, apesar de existirem leis brasileiras que estimulem a preservação ambiental e a utilização racional dos recursos naturais, vê-se que efetivamente são poucas políticas públicas voltadas com esse propósito.

A Lei Nacional de Políticas de Resíduos Sólidos exemplifica essa situação quando solidariza a responsabilidade na destinação desses resíduos sem especificar claramente a quem cabe o que. De igual modo, não indica quais os recursos financeiros que serão criados para implementação dessa nova proposta de destinação de resíduos.

Prova disso é possibilidade de se obter biogás dos aterros sanitários, objeto da presente pesquisa. Nesse caso, para Flávia W. Frangetto e Flávio R. Gazani resta clara a satisfação do requisito da adicionalidade, uma vez que o aproveitamento da queima do gás metano além de gerar energia, evita que o gás metano seja lançado na atmosfera.

5. CONCLUSÃO

Como se pode observar, o aterro sanitário revela-se como uma solução eficiente de saneamento porquanto evita as externalidades negativas do descarte irresponsável do lixo.

Além disso, o biogás extraído dos aterros sanitários pode ser aproveitado para geração de eletricidade, ao mesmo tempo em que reduz a emissão de gases intensificadores do efeito estufa.

Ainda que o custo da eletricidade gerada por biogás de aterro sanitário seja elevado se comparado com outras fontes, devem-se considerar também as vantagens ambientais da utilização do biogás.

Vê-se, pois, que o aproveitamento energético do biogás formado em aterros contribui para diversificar a matriz energética brasileira de forma limpa, contudo, apesar dos benefícios, o aproveitamento energético do biogás dos aterros sanitários ainda é singelo se comparado com a capacidade elétrica brasileira.

Além de dar destinação final aos resíduos sólidos, mediante os aterros sanitários, evitando a degradação dos solos e produzindo eletricidade, a utilização do biogás dos aterros possibilita a venda de créditos de carbono por atender ao mecanismo de desenvolvimento limpo, previsto no Protocolo de Kyoto.

Mas para que isso ocorra, faz-se imprescindível um olhar mais profundo do Poder Público à questão social da problemática envolvendo o lixo. Havendo investimento em tecnologia específica, pode-se obter maior aproveitamento dos resíduos sólidos.

Políticas públicas e planejamento político-econômico revelam-se como fundamentais no debate sobre o aproveitamento energético do biogás extraído dos aterros sanitários.

 

Referências bibliográficas
ANTUNES, Paulo de Bessa. Política Energética Nacional e Meio Ambiente ou Tellico Dam seja aqui. LANDAU, Elena (coord.). Regulação Jurídica do Setor Elétrico. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006.
ABREU, Fabio Viana de. Biogás de Lixo em Aterros Sanitários. Uma análise de viabilidade técnica e econômica do seu aproveitamento energético. São Paulo: Blucher Acadêmico, 2011.
ABREU, Fernando Castro de; PECORA, Vanessa; VELÁSQUEZ, Sílvia Maria Stortini González; COELHO, Suani Teixeira. Biogás de aterro para geração de eletricidade e iluminação. USP – Universidade de São Paulo. IEE/CENBIO – Instituto de Eletrotécnica e Energia / Centro Nacional de Referência em Biomassa. Disponível em: http://cenbio.iee.usp.br/download/projetos/aterro.pdf.
AMARAL JUNIOR, Alberto do. Curso de Direito Internacional Público. São Paulo: Editora Atlas, 2011.
ARAÚJO, Suely Maria Vaz Guimarães de; JURAS, Ilídia da Ascenção Garrido. Uma Lei para a Política Nacional de Resíduos Sólidos. Revista de Direito Ambiental, ano 11, n. 43, julho-setembro de 2006, p. 115/132.
COELHO, S. T.; VELÁZQUEZ, S. M. S. G.; SILVA, O. C.; PECORA, V.; ABREU, F. C. de. Relatório de Acompanhamento – Geração de energia elétrica a partir do biogás proveniente do tratamento de esgoto. São Paulo. CENBIO – Centro Nacional de Referência em Biomassa, 2006. Disponível em: http://cenbio.iee.usp.br/download/projetos/7_purefa.pdf
COUTINHO, Sônia Maria V. Produção e Consumo Sustentável na Agenda 21. Revista dos Direitos Difusos n. 24, 3.389-3396, Adcoas/Ibap, ano V, março-abril, 2004.
DOLGANOVA, Iulia. Necessidade de conciliação entre a proteção do meio ambiente e a conscientização do consumidor cativo: uma análise do Programa de Incentivo às Fontes de Energia Elétrica (PROINFA). Revista do Direito Ambiental, ano 15, n. 59, julho-setembro/2010, p. 12/49.
FRANGETTO, Flávia W.; GAZANI, Flávio R. Viabilização Jurídica do Mecanismo do Desenvolvimento Limpo (MDL) no Brasil. O Protocolo de Kyoto e a Cooperação Internacional.  São Paulo: Fundação Peirópolis, 2002.
GALDINO, Valéria Silva; WEBER, Gisele Bergamasco, Do Protocolo de Quioto: mecanismo de desenvolvimento limpo e sequestro de carbono. Revista do Direito Ambiental, nº 52, ano 2008.
GOMES, Ricardo Avelino; OLIVEIRA, Kallenya Thays L. L. Contribuições da recuperação do biogás de aterro sanitário: uma análise para Goiânia. Disponível em: http://www.seplan.go.gov.br/sepin/pub/conj/conj12/artigo03.pdf. Acesso em 21/06/2011.
JURAS, Ilidia da Ascenção Garrido Martins; ARAÚJO, Suely Mara Vaz Guimarães de. Uma Lei para a Política Nacional de Resíduos Sólidos. Revista de Direito Ambiental. P. 115/132.
MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. A gestão ambiental em foco. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.
SILVA, Solange Teles da. Aspectos da futura política brasileira de gestão de resíduos sólidos à luz da experiência européia. Revista de Direito Ambiental, ano 08, n. 30, abril-junho de 2003, p. 44/62.
Notas:
[1] AMARAL JUNIOR, Alberto do. Curso de Direito Internacional Público. São Paulo: Editora Atlas, 2011, 578.
[2] Idem, p. 578.
[3] Nosso Futuro Comum. Comissão Mundial para o Meio Ambiente, p. 05.
[4] Disponível em <http://www.onu.org.br/rio20/img/2012/01/rio92.pdf>
[5] NUSDEO, Ana Maria de Oliveira. Desenvolvimento sustentável no Brasil e Protocolo de Kioto. Revista de Direito Ambiente, ano 10, n. 37, janeiro-março de 2005, p. 144/160, p. 145.
[6] COUTINHO, Sônia Maria V. Produção e Consumo Sustentável na Agenda 21. Revista dos Direitos Difusos n. 24, 3.389-3396, Adcoas/Ibap, ano V, março-abril, 2004.
[7] Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Pesquisa Nacional de Saneamento Básico 2008, Disponível em <http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/imprensa/ppts/0000000105.pdf>
[8] Idem
[9] Associação Brasileira de Normas Técnicas. Resíduos Sólidos: classificação, NBR 10.004. Rio de Janeiro, 1987.
[10] COELHO, S. T.; VELÁZQUEZ, S. M. S. G.; SILVA, O. C.; PECORA, V.; ABREU, F. C. de. Relatório de Acompanhamento – Geração de energia elétrica a partir do biogás proveniente do tratamento de esgoto. São Paulo. CENBIO – Centro Nacional de Referência em Biomassa, 2006. Disponível em: http://cenbio.iee.usp.br/download/projetos/7_purefa.pdf.
[11] idem
[12] ibidem
[13] GOMES, Ricardo Avelino; OLIVEIRA, Kallenya Thays L. L. Contribuições da recuperação do biogás de aterro sanitário: uma análise para Goiânia. Disponível em: http://www.seplan.go.gov.br/sepin/pub/conj/conj12/artigo03.pdf. Acesso em 21/06/2011.
[14] GOMES, Ricardo Avelino; OLIVEIRA, Kallenya Thays L. L. Contribuições da recuperação do biogás de aterro sanitário: uma análise para Goiânia. Disponível em: http://www.seplan.go.gov.br/sepin/pub/conj/conj12/artigo03.pdf. Acesso em 21/06/2011.
[15] MORAES, Márcia Soman. O maior dos mistérios. Disponível em http://www.usp.br/jorusp/arquivo/2006/jusp787/pag1011htm.
Acesso em 28/06/2011.
NUSDEO, Ana Maria de Oliveira. Desenvolvimento sustentável no Brasil e Protocolo de Kioto. Revista de Direito Ambiente, ano 10, n. 37, janeiro-março de 2005, p. 144/160, p. 145.
[16] “Essa figura do tratado-quadro decorre das disposições da Convenção de Viena sobre direitos dos tratados, em vigor desde 1980, que possibilita a disciplina de uma mesma matéria por dois ou mais instrumentos conexos articulados, criando um grupo de regras sobre determinada matéria.” in NUSDEO, Ana Maria de Oliveira. Desenvolvimento sustentável no Brasil e Protocolo de Kioto. Revista de Direito Ambiente, ano 10, n. 37, janeiro-março de 2005, p. 144/160, p. 150.
[17] NUSDEO, Ana Maria de Oliveira. Desenvolvimento sustentável no Brasil e Protocolo de Kioto. Revista de Direito Ambiente, ano 10, n. 37, janeiro-março de 2005, p. 144/160.
[18] Idem, p. 156.
[19] Ibidem.

Informações Sobre o Autor

Elisângela Santos de Moura

Defensora Pública Federal, Mestre em direito constitucional pela UFRN


Equipe Âmbito Jurídico

Recent Posts

TDAH tem direito ao LOAS? Entenda os critérios e como funciona o benefício

O Benefício de Prestação Continuada (BPC), mais conhecido como LOAS (Lei Orgânica da Assistência Social),…

4 horas ago

Benefício por incapacidade: entenda como funciona e seus aspectos legais

O benefício por incapacidade é uma das principais proteções oferecidas pelo INSS aos trabalhadores que,…

5 horas ago

Auxílio reclusão: direitos, requisitos e aspectos jurídicos

O auxílio-reclusão é um benefício previdenciário concedido aos dependentes de segurados do INSS que se…

5 horas ago

Simulação da aposentadoria: um guia completo sobre direitos e ferramentas

A simulação da aposentadoria é uma etapa fundamental para planejar o futuro financeiro de qualquer…

5 horas ago

Paridade: conceito, aplicação jurídica e impacto nos direitos previdenciários

A paridade é um princípio fundamental na legislação previdenciária brasileira, especialmente para servidores públicos. Ela…

5 horas ago

Aposentadoria por idade rural

A aposentadoria por idade rural é um benefício previdenciário que reconhece as condições diferenciadas enfrentadas…

5 horas ago