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O assédio sexual tupiniquim

Mais uma vez, fica
evidente que, no Brasil, as leis estão, quase sempre, alguns passos atrás da
História e do cotidiano da sociedade. Tal realidade se observa com a entrada em
vigor da lei que define as condutas tipificadas como crime em relação ao assédio
sexual.

A lei n. 10.224, de 15 de maio de 2001,
incluiu no Código Penal Brasileiro o artigo 216-A, definindo que “constranger
alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se
o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência
inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função. Pena: detenção, de
1(um) a 2 (dois) anos.”. Desta forma, consagrou-se apenas o assédio trabalhista
ou laboral
, esquecendo os legisladores que não é
só este aspecto da questão que se faz presente no dia-a-dia da sociedade
brasileira.

A priori, verificamos que o mencionado
artigo foi introduzido em nosso regramento penal no capítulo dos crimes contra
a liberdade sexual. Por disposição legal, para que a polícia judiciária
instaure inquérito policial, necessário se faz o requerimento da ofendida, pois
este delito é de ação privada, não pública, o que muito vai tolher e
mitigar os assediados. Ao declinar este tipo de ação, que deveria ser pública
condicionada, o legislador impôs um ônus aos menos favorecidos, visto que,
mesmo com o procedimento investigatório em mãos, a vítima deve contratar um
advogado
para intentar com uma queixa-crime em juízo e dar andamento na
ação penal. Falar em assistência jurídica aos necessitados, obviamente, é
sinônimo de demora.

Esqueceu o nosso legislador de
abranger condutas outras, que também se constituem como assédio sexual e causam
preocupação e constrangimentos à sociedade. Será que uma empresa, ao colocar um
anúncio, visando à contratação de uma secretária e, aparecendo vinte candidatas
para a seleção, o preposto da firma, tem o direito de sugerir, verbalmente ou
por outros meios, direta ou indiretamente, que a contratação de alguma
candidata mais atraente estaria condicionada à sua disposição em prestar favores
sexuais ao contratador? De acordo com a nova lei, esta conduta não
importaria em assédio! Outro exemplo é o do professor que condicionar a
aprovação da aluna ou uma nota excelente a favores cocupcientes
e não estaria praticando também assédio sexual! Os médicos, os odontólogos, os psicólogos e psicanalistas não estariam
sujeitos a, também, praticar assédio sexual durante suas consultas! Aquele gerente de banco que para renovar ou aumentar o valor do
cheque especial de uma elegante moça, passa a olhar maliciosamente para certas
partes do seu corpo, ou mesmo, faz sinais sugestivos com a língua, ou ainda,
solicita número de telefone para possíveis contatos etc,
constrangendo-a, mesmo que sutilmente, e às vezes, de forma bem clara,
deixando nas entrelinhas, que ela poderia ter o seu crédito naquela instituição
aumentado imediatamente. Isto não seria assédio sexual!

No âmbito das legislações trabalhista e
cível, o assédio sexual já era punido com a devida reparação pecuniária moral.
O que acontece nestas e vai acontecer com a nova lei, é a dificuldade de se provar
a ocorrência delitiva, pois geralmente o assediante
perpetra suas condutas a portas fechadas e longe dos olhos e ouvidos de testemunhas.
“Bilhetinhos”, e-mails etc, de cunho indecoroso, que
serviriam para uma prova documental, são expedientes dos quais
o assediante dificilmente faz uso. Mesmo
porque, as possíveis testemunhas serão colegas de trabalho da assediada, as
quais, temendo represálias, será que testemunharão!?
Desta forma, vai haver uma dificuldade muito grande para que a justiça possa
apenar os assediantes, vez que, será  palavra
contra palavra
, sem provas ou testemunhas.

É importante ressaltar que, segundo
nossos jurisconsultos, o  cidadão brasileiro é o que se submete a um maior
número de leis em todo o Planeta. Estimam uns, que existam duzentas mil normas
diferentes. Já para outros, este número pode chegar a duzentos e setenta,
concluindo-se, assim, que temos leis que regulam tudo na sociedade. Por que,
então, não convivemos com a desejada pacificação social? Parece que o
óbvio fala por si: falta a aplicação efetiva das
legislações, como determinam as leis. O que precisamos é fazer cumprir
as leis já existentes e não criar mais, que certamente não serão cumpridas.

Em suma, entendo que essa retórica se
aplicará nos casos de abusos sexuais cometidos, porém reconheço a necessidade
da nova legislação, que deveria ter abrangido mais condutas definidoras,
com vistas à penalização do detestado assédio sexual.
Mas apesar das falhas apontadas, os assediados devem sempre denunciar os assediantes, para que o sistema melhore e haja mais
punições concretas. Só assim, contribuiremos para debelar a impunidade.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Antônio Carlos de Lima

 

Professor de Direito da UNIP e FASAM

 


 

Equipe Âmbito Jurídico

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