Admissibilidade da Transação Penal em Delitos de Ação Penal Privada

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Resumo: O presente trabalho pretende verificar, através de uma pesquisa jurídico-explorativa, a possibilidade de se utilizar a transação penal, tida como uma das medidas despenalizadoras previstas na Lei 9.099/95, em delitos de ação penal privada. Foram tecidas, inicialmente, breves considerações sobre o instituto. Posteriormente, a pesquisa busca discorrer acerca da natureza jurídica da proposta do benefício da transação penal, ou seja, se se trata de um direito subjetivo do réu ou poder discricionário por parte do Ministério Público, que poderá, anteriormente ao oferecimento de denúncia, propor ou não ao autor do fato a aplicação de pena restritiva de direitos ou multa. A partir de então foram discutidas as “saídas” existentes para o caso de o Promotor de Justiça negar-se a oferecer ao autor do fato as penas alternativas a que se refere o instituto da transação penal, mesmo que este tenha cumprido todos os requisitos objetivos e subjetivos à concessão do referido benefício. Ao final, após a análise, principalmente, de doutrinas e jurisprudências, foi possível concluir ser admissível a transação penal em delitos que se processam mediante queixa, cujo exclusivo legitimado para a proposta, conforme constatado, deve ser o representante do Ministério Público.

Palavras-chave: Delitos de ação penal privada – transação penal – admissibilidade

Abstract: The present work intended to verify the possibility of using the penal transaction, which is one of the decriminalization measures foreseen in Law 9.099/95, in private initiative delicts. This verification was done through an explorative-juridical research. Initially, breaf considerations were made on the institute. Afterwards, the research intends to describe the juridical nature on the proposal of the penal transaction benefit, in other words, if it is related to the defendant’s subjective right or discretionary power from Public Ministry, that may, previously to the accusation offering, propose or not to the fact author the application of rights restrictive punishment or fine. From then, were discussed the existent “exits” in case of the Prosecutor to refuse offering to the fact author the alternative punishment which refers to the penal transaction institute, even though he has accomplished all the objective and subjective requirements to grant the referred benefit. Finally, after the analysis, mainly about doctrines and jurisprudences, it was possible to conclude that the penal transaction is admissible in delicts that are prosecuted through complaint, in which the exclusive legitimated for the proposal, according to verification, should be the Public Ministry representative.

Key-words: Private initiative delicts – penal transaction – admissibility

Sumário: 1. introdução – 2. Considerações iniciais sobre a transação penal – 3. Transação penal: direito subjetivo do réu ou poder discricionário do Ministério Público? – 4. Admissibilidade da transação penal em delitos que se processam mediante ação penal privada – 4.1. Legitimado para a proposta – 4.2. Momento mais adequado para a transação – 5. Conclusão. Referências

1 Introdução

Amparada pelos princípios da oralidade, celeridade, informalidade e economia processual, a Lei 9.099/95, que instituiu os chamados juizados especiais estaduais, inovou substancialmente o sistema processual penal, trazendo institutos próprios e de grande valia ao fim a que se destina, qual seja, a solução cada vez mais rápida dos ilícitos penais de menor potencial ofensivo, penalizando ou absolvendo, os pela lei denominados, autores do fato.

Dentre as medidas “despenalizadoras” trazidas, pode-se citar a composição civil dos danos e a suspensão condicional do processo.

No entanto, um dos mais intrigantes institutos criados foi, sem dúvida, a transação penal, possibilitando a aplicação de pena não privativa de liberdade antes mesmo do oferecimento da acusação, rompendo-se, como bem dispõe Grinover, com o tradicional sistema do nulla poena sine judicio. (Grinover et al, 2000, p. 29)

A transação penal, além de ser o instituto dos mais utilizados, é também, do mesmo modo, dos mais controvertidos, seja no que diz respeito à sua constitucionalidade, se a sua proposta está ligada a um poder por parte do Ministério Público ou a um poder-dever[1], ou no que toca à possibilidade de oferecê-la em delitos que só se processam mediante queixa, o que constitui o objeto principal do presente estudo.

Cumpre frisar que o presente trabalho se justifica, entre outros motivos, em razão de o tema ser tão controvertido, seja em sede doutrinária ou jurisprudencial, constituindo importante fonte de pesquisa para os operadores do direito ao tratarem do tema e, principalmente, ao se verem diante do problema proposto. 

Importante ressaltar, ainda, que toda a pesquisa teve como norte principal, ou marco teórico, para os que assim desejarem, as lições da já referida autora Ada Pelegrini Grinover, que em companhia de Antônio Magalhães Gomes Filho, Antônio Scarance Fernandes e Luiz Flávio Gomes, teceu considerações importantes sobre a Lei 9.099/95 e sobretudo sobre a transação penal, na obra Juizados Especiais Criminais: Comentários à Lei 9.099, de 26.09.1995, com as quais concordamos em grande parte.

O trabalho é iniciado a partir da explanação de breves considerações sobre o instituto da transação penal, seguido do capítulo 2, no qual se busca discorrer acerca da proposta de transação penal e, mais especificamente, se constitui esta um direito subjetivo do réu ou poder discricionário do Ministério Público. Por fim, no capítulo 3 aborda-se a possibilidade de transação penal em delitos de alçada privada, bem como no que concerne ao legitimado para a oferta deste benefício[2] e o momento oportuno para propô-lo.

Ao final, a partir do entendimento de que, não se enquadrando o autor do fato dentro das hipóteses restritivas previstas no art. 76, § 2º, da Lei 9.099/95, tem ele direito à transação penal, e considerando também o princípio da isonomia e a possibilidade de utilização da analogia em favor do réu, em matéria penal, chegou-se à conclusão de que, apesar de ser a lei silente a este respeito, é cabível a transação penal em delitos de ação penal privada.

2 Considerações iniciais sobre a transação penal

Após seis anos da apresentação dos primeiros projetos, foi editada, em 26 de setembro de 1995, a Lei 9.099, que criou os juizados especiais penais na esfera estadual, detendo, inicialmente, a competência para o processo e julgamento das contravenções penais e dos crimes cujas penas máximas não ultrapassassem um ano, desde que não houvesse previsão de procedimento especial. Porém, com a edição da Lei 10.259/01 foi ampliada a competência dos juizados especiais, fixando-se em até dois anos o máximo de pena cominada aos crimes e sendo retirada a condição negativa de inexistência de previsão de procedimento especial, o que trouxe para a competência dos Juizados Especiais Penais, por exemplo, os crimes contra a honra.

Dentre os novos institutos trazidos pela Lei 9.099/95, de se enfatizar as medidas despenalizadoras criadas, que não encontram precedentes na lei penal brasileira. A composição civil dos danos, a suspensão condicional do processo e, principalmente, a transação penal, são medidas benéficas ao réu e que, não obstante a existência de controvérsia, inclusive, acerca da constitucionalidade de alguma delas, coadunam perfeitamente com os objetivos e princípios da lei, quais sejam, celeridade, informalidade e economia processual. 

Ao tratar da transação penal, Guilherme de Souza Nucci dispõe que:

“[…] a transação envolve um acordo entre órgão acusatório, na hipótese enunciada no art. 76 da Lei 9.099/95, e autor do fato, visando à imposição de pena de multa ou restritiva de direito, imediatamente, sem a necessidade do devido processo legal, evitando-se, pois, a discussão acerca da culpa e os males trazidos, por conseqüência, pelo litígio na esfera criminal”. (NUCCI, 2008, p. 759)

A constitucionalidade da transação penal já foi discutida por muitos autores, principalmente logo após a criação da lei, sustentando eles a impossibilidade de se estabelecer pena sem processo. Porém, solidificou-se o entendimento de que, como a própria Constituição Federal, em seu art. 98, I, faz previsão deste instituto, não haveria que se falar em inconstitucionalidade do mesmo. Como bem argumentam Demercian e Maluly: “não haveria mesmo lesão ao princípio do devido processo legal, na mediada em que a própria Constituição permitiu expressamente, em matéria penal, a transação, o consenso e o acordo entre as partes envolvidas (CF, art. 98, I) […]”. (DEMERCIAN e MALULY, 1996, p. 66)

Ao tratar da constitucionalidade da transação penal e sustentar que a aceitação da proposta de pena alternativa pelo Ministério Público acarreta em reconhecimento da culpabilidade por parte do autor do fato, Bitencourt afirma que:

“Chega às raias do patológico procurar inconstitucionalidade com a utilização de lupa, atingindo seu auge quando se afirma inconstitucional o cumprimento regular de um mandamento constitucional. Enfim, a presunção de inocência insculpida na Constituição brasileira é juris tantum, cedendo quando houver prova em contrário, como ocorre com a aquiescência do autor do fato, na transação penal”. (BITENCOURT, 2008, p. 622)

Portanto, atualmente, não há que se cogitar a hipótese de se considerar inconstitucional a transação penal ou quaisquer dos institutos despenalizadores trazidos pela Lei 9.099/95, sendo eles, ao contrário, legais, constitucionalmente previstos e de grande valia à rápida solução dos ilícitos penais de menor potencial ofensivo.

3 Transaçào penal: direito subjetivo do réu ou poder discricioário do ministério público?

Em relação à natureza jurídica[3] da proposta de transação penal há clara divergência de posições na doutrina, pensando uns tratar-se de ato discricionário[4] por parte do Ministério Público, que poderia, desde que fundamentadamente, optar por oferecer ou não o benefício, sustentando outros que o cumprimento dos requisitos legais implicaria em direito subjetivo do autor do fato à transação penal.

Interpretando o art. 76 da Lei 9.099/95, Ada Pelegrini Grinover sustenta que:

“O dispositivo em exame afirma que o Ministério Público (e, por analogia, o querelante na queixa-crime das infrações penais de menor potencial ofensivo: v. n. 3 supra) “poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multa”. […] No entanto, permitir ao Ministério Público (ou ao acusador privado) que deixe de formular a proposta de transação penal, na hipótese de presença dos requisitos do § 2º do art. 76, poderia redundar em odiosa discriminação, a ferir o princípio da isonomia e a reaproximar a atuação do acusador que assim se pautasse ao princípio de oportunidade pura, que não foi acolhido pela lei. Pensamos, portanto, que o “poderá” em questão não indica mera faculdade, mas um poder-dever, a ser exercido pelo acusador em todas as hipóteses em que não se configurem as condições do § 2º do dispositivo”. (GRINOVER et al, 2000, p. 140)

Em sentido contrário, Afrânio Silva Jardim dispõe o seguinte:

“Nessas hipóteses de infrações penais de menor potencial ofensivo, o legislador diz que, desde que preenchidos determinados requisitos legais, o Ministério Público pode oferecer uma pena menor, no interesse da sociedade, no interesse do réu, etc. Quer dizer, seria faculdade do Ministério Público que, nesses casos, não tem o dever de oferecer a denúncia e, sim, a faculdade de oferecer uma pena menor, abrindo mão do exercício da obrigatoriedade desta espécie de ação penal. Não vemos, por conseguinte, como direito subjetivo do réu a transação penal”. (JARDIM, 2005, p. 337)

Este também é o entendimento de Nucci, para quem:

“Em nosso entendimento, vigendo, ainda, no Brasil, o critério da obrigatoriedade da ação penal pública, apenas mitigado pela possibilidade de oferta de transação penal, não se pode obrigar o Ministério Público a fazer a proposta. Aliás, como não se pode obrigar a instituição a propor ação penal”. (NUCCI, 2008, p. 760)

Neste ponto, pode-se dizer que talvez Ada Pelegrini Grinover esteja com a razão, pois tal como em tantos outros dispositivos em matéria penal, como na suspensão condicional da pena e no livramento condicional, previstos, respectivamente, nos arts. 77 e 83 do Código Penal, o “pode” a que se refere o art. 76 da Lei 9.099/95, tem que ser entendido como “deve”, ao passo que, cumpridos os requisitos legais, possui o autor do fato direito subjetivo à transação penal.

Até porque, trata-se de uma interpretação da lei visando ao “favorecimento” do réu e à adequação aos próprios objetivos da Lei 9.099/95, quais sejam, como já dito alhures, celeridade, informalidade e economia processual.

Ademais, não se enquadrando o autor do fato em nenhuma das hipóteses de vedação ao oferecimento do benefício, previstas no art. 76 e parágrafos da aludida lei, não restaria ao Ministério Público fundamentos legais para negar a proposta de transação penal, considerando que esta deve ser feita de forma motivada.

Diante disso, fazendo jus o autor do fato à transação penal e não sendo a ele ofertado o benefício pelo Parquet, sem qualquer justificativa válida, quais seriam as saídas existentes?

Para Capez, caso o Ministério Público não ofereça a transação penal, haveria a seguinte alternativa:

“Se o Ministério Público não oferece a proposta ou se o juiz discordar de seu conteúdo, deverá, por analogia ao art. 28 do Código de Processo Penal, remeter os autos ao Procurador-Geral de Justiça, o qual terá como opções designar outro promotor para formular a proposta, alterar o conteúdo daquela que tiver sido formulada ou ratificar a postura do órgão ministerial de primeiro grau, caso em que a autoridade judiciária estará obrigada a homologar a transação”. (CAPEZ, 2006, p. 557)

Este também vem sendo o entendimento jurisprudencial, conforme se infere do enunciado nº 86 do Fórum Nacional dos Juizados Especiais (FONAJE) a seguir transcrito:

“Enunciado 86 (substitui o Enunciado 6). Em caso de não oferecimento de proposta de transação penal ou de suspensão condicional do processo pelo Ministério Público, aplica-se, por analogia, o disposto no art. 28 do CPP. (aprovado no XXI Encontro – Vitória/ES)” (BRASIL, Fórum Nacional dos Juizados Especiais)

Em sentido diametralmente oposto e em posição minoritária na doutrina, Damásio de Jesus afirma que “diante do princípio da celeridade processual, não se remetem os autos ao Procurador-Geral de Justiça (art. 28 do CPP)”, sustentando a possibilidade do próprio juiz fazer a proposta de transação penal, nos casos em que o MP se omite ou se recusa a fazê-lo, para depois, em caso de concordância do autor do fato, homologá-la. Trata-se da transação penal ex officio. (JESUS, 2000, p. 66)

Tourinho Filho, da mesma forma, assevera que:

“Não havendo apresentação da proposta, por mera obstinação do Ministério Público, parece-nos, poderia fazê-la o próprio Magistrado, porquanto o autor do fato tem um direito público subjetivo no sentido de que se formule a proposta, cabendo ao juiz o dever de atendê-lo, por ser indeclinável o exercício da atividade jurisdicional.” (TOURINHO FILHO, 2009, p. 110)

Este artifício, apesar de em um primeiro momento nos levar a crer estar amparado pelos próprios objetivos da Lei 9.099/95: celeridade, informalidade, etc., padece, a nosso ver, de legalidade, haja vista que o Magistrado estaria, na verdade, avocando as funções e atribuições do Promotor de Justiça. Como bem explicitado por Pazzaglini Filho: “O Constituinte consagrou o sistema acusatório, com a separação orgânica e funcional entre responsável pela acusação (Ministério Público) e o responsável pelo julgamento”. (PAZZAGLINI FILHO et al, 1996, p. 52)

Rejeitando tanto a transação penal ex officio quanto a invocação do art. 28 do CPP, Bitencourt traz como alternativa a impetração de Habeas Corpus pelo autor do fato, uma vez que, para o referido doutrinador, a transação constitui direito subjetivo do réu e considerando que “a própria Constituição Federal determina que nenhuma lesão de direito individual pode ser privada do poder jurisdicional”. (BITENCOURT, 2008, p. 625)

Realmente, pode-se dizer que a alternativa encontrada por Bitencourt seja a melhor, pois como sustentado pelo próprio autor:

“[…] adota-se analogia para situações contraditórias, ou seja: o CPP adota o expediente do art. 28 para a hipótese em que o Ministério Público não quer denunciar, com o que não concorda o magistrado; na hipótese de transação, o Ministério Público deseja exatamente denunciar, ignorando um direito do cidadão. Em outros termos, aplica-se o mesmo remédio para situações antagônicas”. (BITENCOURT, 2008, p. 624)

Diante disso, mesmo que, no caso, seja benéfico ao réu a invocação do art. 28 do CPP pelo Magistrado, visto que do contrário o mesmo seria denunciado, e no que pese a admissibilidade da analogia em bonam partem, esta medida não constitui, a bem da verdade, uma analogia, pois como salientado com propriedade por Bitencourt, estar-se-á “aplicando o mesmo remédio para situações antagônicas”. (BITENCOURT, 2008, p. 624)

Em sendo assim, por ser de fácil constatação que o oferecimento da transação penal de ofício pelo Juiz acarretaria em ilegalidade, uma vez que, como já dito, este estaria se intrometendo nas funções do Ministério Público, reitera-se que a melhor alternativa, e talvez a única existente, para os casos em que o Promotor de Justiça, mesmo estando diante de um réu que cumpre todos os requisitos legais à concessão do benefício e ainda assim não oferece a ele a transação penal, seja a impetração de Habeas Corpus, considerando a flagrante possibilidade dele se ver denunciado e, adiante, ser-lhe cerceado o direito de locomoção por meio da prolação de uma sentença condenatória com aplicação de pena privativa de liberdade. 

4 Admissibilidade da transação penal em delitos que se processam mediante ação penal privada

A admissibilidade da transação penal em delitos de alçada privada é questionável por uma “simples” razão: o texto do art. 76 da Lei 9.099/95 não contempla esta possibilidade.

De acordo com o referido dispositivo legal:

“Art. 76. Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta. […]” (BRASIL, Lei 9.099/95)

Por esta razão, doutrinadores como Mirabete, Capez, entre outros, militam contrariamente à possibilidade de transação penal nos crimes de ação penal privada, senão vejamos:

“Não prevê a lei a possibilidade de transação na ação penal de iniciativa privada. Isto porque, na espécie, o ofendido não é representante do titular do jus puniendi, mas somente do jus persequendi in juditio. Não se entendeu possível que propusesse, assim, a aplicação de pena na hipótese de infração penal de menor potencial ofensivo, permitindo à vítima transacionar sobre uma sanção penal. Ademais, numa visão tradicional, o interesse da vítima é o de ver reparados os danos causados pelo crime, o que lhe é possibilitado no instituto da composição, ou com a execução da sentença penal condenatória. Na ação penal de iniciativa privada, prevalecem os princípios da oportunidade e disponibilidade e, no caso afeto aos Juizados, a composição pelos danos sofridos pela vítima, tornando desnecessária e desaconselhável a previsão de oferecimento de proposta para a transação”. (MIRABETE, 2002, p.137/138)

Porém, no que pese a ausência de previsão legal, não se pode ter em vista simples interpretação literal da lei para se concluir pela admissibilidade ou não da transação penal, conforme apenas a variação do legitimado para a propositura da ação penal. Deve-se, ao contrário, interpretar a lei de modo lógico, teleológico e, até mesmo, analógico.  

Para Nader:

“O fim não é aquele pensado pelo legislador, é o fim que está implícito na mensagem da lei. Como esta deve acompanhar as necessidades sociais, cumpre ao intérprete revelar os novos fins que a lei tem por missão garantir. Esta evolução de finalidade não significa ação discricionária do intérprete. Este, no afã de compatibilizar o texto com as exigências atuais, apenas atualiza o que está implícito nos princípios legais.” (NADER, 1995, p. 325)

Conforme lições de Marcos Paulo Dutra Santos:

“Como é cediço, nenhum dispositivo legal existe isoladamente. O Direito é um sistema de normas, logo, quando se interpreta uma regra, é fundamental analisá-la à luz de todo o ordenamento jurídico, a começar pela Constituição, que encerra o fundamento de validade de todas as demais leis.” (SANTOS. 2006. p. 12)

Portanto, muito mais do que a aplicação estrita e literal da lei, cabe ao interprete e aos operadores do direito em geral a busca pelo fim almejado pela norma, porque, conforme se crer, não faz parte dos objetivos da Lei 9.099/95 restringir a transação penal apenas para os delitos de ação penal pública, em absoluto desrespeito ao princípio da isonomia.

Diante da constatação, então, de que o autor do fato, cumprido os requisitos legais, possui direito subjetivo à transação penal, não se pode verificar a possibilidade de concessão de tal benefício com base apenas no tipo de delito cometido, ou seja, se de ação penal de iniciativa pública ou privada.

Quanto à alegação de que, em uma visão tradicional, o interesse da vítima restringir-se-ia à busca de reparação pelos danos causados pelo ofensor, Grinover, acertadamente, sustenta que:

“No entanto, a evolução dos estudos sobre a vítima faz com que por parte de muitos se reconheça o interesse desta não apenas à reparação civil, mas também à punição estatal. De outro lado, não existem razões ponderáveis para deixar à vítima somente duas alternativas: buscar a punição plena ou a ela renunciar”. (GRINOVER et al, 2000, p.137)

Como bem justificado pela referida autora, em caso de frustração da composição civil, à vítima que deseja ver punido o seu ofensor restaria apenas uma alternativa: exercer o direito de queixa. Entretanto, desde que verificado que o ofendido deseja realmente processar criminalmente o ofensor, por que não permitir que seja a este oferecida a transação penal? Referindo-se à vítima:

“Talvez sua satisfação, no âmbito penal se reduza à imposição imediata de uma pena restritiva de direitos ou multa, e não se vêem razões válidas para obstar-se-lhe a via da transação que, se aceita pelo autuado, será mais benéfica também para este.” (GRINOVER et al, 2000, p.137)

Não é outro o entendimento de Tourinho Filho, para quem:

“Se estiverem presentes todos os requisitos exigidos em lei para que proceda à “transação”, nada obsta possa o ofendido formulá-la. […] Não tem sentido vedar-se-lhe esse direito. Do contrário, haveria uma discriminação odiosa, e, além do mais, ferir-se-ia o princípio da isonomia. Se na ação pública o autor do fato faz jus ao benefício, por que não em se tratando de ação penal privada? Se o ofendido, titular da ação como substituto processual dispõe de poderes para promover, ou não, a ação penal, e, em uma vez intentada, dela desistir, seja pelo perdão, seja pela perempção, mais ainda os terá para formular a proposta, pois poderá pretender, em vez do processo, uma simples multa ou pena restritiva de direito. Quem pode o mais, pode o menos.” (TOURINHO FILHO, 2009, p. 115)

Cabível na espécie, pois, a invocação da analogia in bonam partem, visto que a transação penal, ou pelo menos a possibilidade de transacionar, é mais benéfica ao réu do que se ver, desde logo, processado criminalmente e com possibilidades de ser punido mais gravemente ao final, pena esta que lhe incutirá, inclusive, maus antecedentes, ao contrário daquela estabelecida a título de transação penal. 

Assim também se manifesta Grinover:

“Dentro dessa postura, é possível ao juiz aplicar por analogia o disposto na primeira parte do art. 76, para que também incida nos casos de queixa, valendo lembrar que se trata de norma prevalentemente penal e mais benéfica”. (GRINOVER et al, 2000, p. 137/138)

No entanto, discorda-se apenas quanto ao fato de caber ao Juiz a possibilidade de se invocar a analogia, porque, na verdade, isto será feito é pelo legitimado[5] para a proposta da transação penal, que, por certo, não é o Magistrado, visto que este, conforme salientado no tópico anterior, não pode propor ex officio o benefício da transação penal. 

Quanto à jurisprudência, embora ainda haja divergências, vem preponderando o entendimento de ser admissível a transação penal em delitos de ação penal privada. Nesse sentido:

“PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO PENAL PRIVADA. TRANSAÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE INTERESSE DO QUERELANTE. PROSSEGUIMENTO DO FEITO. POSSIBILIDADE.

1. Embora admitida a possibilidade de transação penal em ação penal privada, este não é um direito subjetivo do querelado, competindo ao querelante a sua propositura.

2. Agravo regimental a que se nega provimento.

(BRASIL; Superior Tribunal de Justiça; Processo AgRg no REsp 1356229 / PR; Relator(a): Ministra Alderita Ramos de Oliveira (Desembargadora convocada do TJ/PE; Data do Julgamento: 19/03/2013; Data da Publicação/Fonte: DJe 26/03/2013)

HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. FALTA DE INTIMAÇÃO DO IMPETRANTE DO NÚMERO DA AUTUAÇÃO E DO ÓRGÃO JULGADOR DO HABEAS CORPUS.  NULIDADE NÃO RECONHECIDA. CRIME CONTRA A HONRA. TRANSAÇÃO PENAL. APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 76 DA LEI N.º 9.099/95. OFERECIMENTO. TITULAR DA AÇÃO PENAL. QUERELANTE. PRECEDENTES.

1. Não há que se falar em cerceamento de defesa decorrente da falta de intimação do impetrante do número da autuação e do órgão julgador do habeas corpus, dado que não demonstrado qualquer prejuízo para a defesa.

2. O benefício previsto no art. 76 da Lei n.º 9.099/95, mediante a aplicação da analogia in bonam partem, prevista no art. 3º do Código de Processo Penal, é cabível também nos casos de crimes apurados através de ação penal privada.

3. Precedentes do STJ.

4. Ordem parcialmente concedida.” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RHC 31527/SP. Relator: Ministro Paulo Galloti. 28 mar. 2005. Diário da Justiça Eletrônico, p. 315)                 

“HABEAS CORPUS. DIFAMAÇÃO E INJÚRIA. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA DE COMPETÊNCIA DE TRIBUNAL REGIONAL. APLICAÇÃO DA LEI 9.099/95. AUDIÊNCIA PARA A PROPOSTA DA TRANSAÇÃO. PRECLUSÃO PELO RECEBIMENTO DA QUEIXA-CRIME. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. POSSIBILIDADE. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.

1. Recebida a queixa-crime sem oportuna e específica oposição do magistrado ou do querelado quanto à matéria, resta preclusa a discussão acerca da aplicação da transação penal. Precedente do STF (HC 86.007/RJ, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, DJ 1/9/06).

2. "A Lei nº 9.099/95, desde que obedecidos os requisitos autorizadores, permite a suspensão condicional do processo, inclusive nas ações penais de iniciativa exclusivamente privada, sendo que a legitimidade para o oferecimento da proposta é do querelante" (APN 390/DF, Rel. Min. FELIX FISCHER, Corte Especial, DJ 10/4/06) .

3. Ordem parcialmente concedida para determinar ao Tribunal de origem que, sem prejuízo da regular tramitação da ação penal, intime o querelante para que se manifeste sobre a suspensão condicional do processo, em conformidade com o art. 89 da Lei 9.099/95.” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC 60933/DF. Relator: Ministro Arnaldo Esteves Lima. 23 jun. 2008. Diário da Justiça Eletrônico, LEXSTJ, vol. 229, p. 271)

“AÇÃO PENAL. DIREITO PENAL. CRIMES CONTRA A HONRA PROPTER OFFICIUM. LEGITIMIDADE CONCORRENTE. INÉPCIA DA ACUSATÓRIA INICIAL. INOCORRÊNCIA. CRIME DE CALÚNIA. IMPROCEDÊNCIA. CABIMENTO DA TRANSAÇÃO PENAL E DA SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. SOBRESTAMENTO DO RECEBIMENTO DA QUEIXA-CRIME.

1. "É concorrente a legitimidade do ofendido, mediante queixa, e do Ministério Público, condicionada à representação do ofendido, para a ação penal por crime contra a honra de servidor público em razão do exercício de suas funções." (Súmula do STF, Enunciado nº 714).

2. A queixa que se mostra em parte ajustada ao artigo 41 do Código de Processo Penal, ensejando o pleno exercício da garantia constitucional da ampla defesa, não deve, nem pode, ser tida e havida como inepta, mormente quando não se está acobertado por nenhuma causa excludente.

3. Inexistindo imputação de fato definido como crime, somado ao vício formal que grava a inicial no particular, fica afastada a calúnia.

4. Em se fazendo cabível a transação penal e a suspensão condicional do processo, por força de rejeição parcial da queixa, é dever do Juiz suscitar a manifestação do Querelante, ficando sobrestado o recebimento da acusatória inicial.

5. Voto preliminar no sentido de que se oportunize ao Querelante, no prazo de 48 horas, a manifestação relativa à proposta de transação penal ou suspensão condicional do processo ao Querelado, sobrestando-se a decisão relativa ao recebimento da queixa-crime.” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. APn 566/BA. Relator: Ministro Hamilton Carvalhido. 12 nov. 2009. Diário da Justiça Eletrônico)

Diante dos precedentes do STJ acima transcritos, vê-se que a jurisprudência, realmente, vem pacificando o tema, adotando a mesma posição defendida ao longo do presente trabalho, com a ressalva, apenas, de que os tribunais superiores vêm se manifestando, ultimamente, no sentido de caber ao próprio querelante ofertar ao querelado o benefício da transação penal, com o que não se concorda, conforme será demonstrado a seguir.

Tornando o assunto indiscutível e espancando quaisquer dúvidas a respeito, cita-se o enunciado nº 90, aprovado pelo Fórum Nacional dos Juizados Especiais:

“Enunciado 90 (Substitui o Enunciado 49) – Na ação penal de iniciativa privada, cabem a transação penal e a suspensão condicional do processo (Aprovado no XXI Encontro – Vitória/ES).” (Brasil. Fórum Nacional dos Juizados Especiais)

Em sendo assim, majoritário, atualmente, o entendimento doutrinário e jurisprudencial pela admissibilidade da transação penal em delitos que se processam mediante queixa.

4.1 Legitimado para a proposta

No que diz respeito especificamente ao legitimado para a proposta de transação penal, a corrente majoritária, na qual se inserem autores como Ada Pelegrini Grinover e Fernando da Costa Tourinho Filho, aduz que caberia à própria vítima o oferecimento do benefício, ao argumento de que, “se pode o mais, por que não poderia o menos”? (TOURINHO FILHO, 2009, p.115)

Neste ponto, pensa-se que talvez não seja o mais apropriado o oferecimento da transação penal pela própria vítima, primeiramente porque, em se tratando de pena, importante seja esta dotada de proporcionalidade, razoabilidade e adequada à punição e à prevenção do delito, não sendo o ofendido, geralmente leigo, a pessoa mais indicada à averiguação da punição cabível, notadamente por não ser ele imparcial, o que poderia acabar acarretando em aplicação de pena alternativa por demais severa, impossibilitando o seu cumprimento pelo réu.

Além disso, pressupõe-se que a vítima não possui o entendimento técnico-jurídico necessário para verificar se o autor do fato faz jus ou não à transação penal, pois tal como nos delitos de ação penal pública, o ofensor nos delitos de iniciativa privada também deve preencher os requisitos legais para que seja possível a oferta do benefício.

Por fim, como bem argumentado por Távora e Alencar, mesmo que nos delitos de iniciativa privada a vítima atue como substituta processual, o direito de punir continua com o Estado, pelo que, agindo em nome deste, caberia ao Ministério Público ofertar ao autor do fato a transação penal, após a verificação do preenchimento dos requisitos legais necessários à concessão do benefício. Nesse sentido:

“De outro lado, como a transação penal é ação penal tendente à aplicação imediata de pena – a aplicação da pena em si é privativa do Estado – é adequado que, uma vez verificada a propositura da queixa (com a potencialidade do desencadeamento da ação penal privada), ao Ministério Publico seja assegurada a proposta de transação penal também no crime de ação penal de iniciativa privada. Com essa cautela está garantido tratamento isonômico dos autuados”. (TÁVORA e ALENCAR, 2008, p. 730) 

 Conclui-se, pois, pela admissibilidade da transação penal em delitos de ação penal privada, cujo legitimado exclusivo para a proposta da pena alternativa, conforme se observou, deve ser o representante do Ministério Público.

4.2 Momento mais adequado para a transação

Sabe-se que, tradicionalmente, a transação penal é concebida como a aplicação imediata de pena alternativa (restritiva de direitos ou multa), anteriormente, portanto, ao oferecimento da inicial acusatória.

Porém, em se tratando de delitos de ação penal de iniciativa privada, pode-se dizer que o momento oportuno à oferta da transação penal seja um pouco diferente daquele estabelecido para os delitos de ação penal pública, ao passo que o Promotor de Justiça somente poderia oferecer o referido benefício se a vítima realmente demonstrar interesse na persecução criminal.

Dessa forma, tem-se que após o recebimento do Termo Circunstanciado de Ocorrência[6] pela Secretaria do juízo e após sua devida autuação, deverá ser concedida vista dos autos ao Ministério Público, que ao analisar os fatos poderá concluir de antemão pela atipicidade, verificando, ainda, possível ocorrência de prescrição ou de qualquer outra causa de extinção da punibilidade, pelo que pugnará pelo arquivamento do procedimento. Caso contrário, inexistindo quaisquer dessas circunstâncias, a medida que se impõe é a designação de audiência preliminar, intimando-se para comparecimento o autor do fato e a vítima.

Conforme Torinho Filho:

“Antes de ser realizada a audiência, obviamente o Promotor já descartou a possibilidade de requerer o arquivamento. Evidente que se o fato, por exemplo for atípico, o Promotor requererá o arquivamento do Termo Circunstanciado. Igual procedimento deve tomar quando se tratar de infração de bagatela. […]

Não sendo caso de arquivamento, na audiência preliminar, procura-se solucionar, de maneira simples e informal, o problema da satisfação do dano. Essa é a meta principal.” (TOURINHO FILHO, 2009, p. 87)

Em audiência preliminar, cujo não comparecimento injustificado do ofendido pode até mesmo acarretar em perempção (art. 60 do Código Penal), deve-se dar a ele a oportunidade de renunciar ao direito de queixa (art. 49 e 50 do Código Penal), perdoar o réu (art. 51/59 do Código Penal) ou com este compor civilmente os danos (art. 74 da Lei 9.099/95), o que implicaria no arquivamento dos autos.

Caso contrário, ultrapassadas todas as questões acima citadas – e é exatamente neste ponto que se pensa existir uma pequena diferença em relação aos delitos de ação penal de iniciativa pública, condicionada ou não à representação -, não deve o Promotor de Justiça propor imediatamente ao autor do fato a transação penal, senão depois do inequívoco oferecimento da queixa-crime.

Em uma análise fria dessas considerações, poderia até se pensar estar havendo uma verdadeira subversão da ordem das coisas, haja vista que a Lei 9.099/95, ao prever o instituto da transação penal, deixa claro que esta se refere a uma aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multa, anterior, pois, ao oferecimento da inicial acusatória. 

Entretanto, pensa-se que, muito mais benéfico ao réu do que a transação penal é a extinção da punibilidade pela decadência, que ocorrerá no caso de a vítima não propor a queixa-crime no prazo de seis meses a contar do conhecimento da autoria.

Portanto, diferentemente do que ocorre nos delitos de ação penal pública, em que a transação penal, como regra, é proposta anteriormente ao oferecimento da denúncia, talvez o momento oportuno para a transação penal em delitos de ação penal privada seja aquele posterior à apresentação da queixa-crime, seja na própria audiência preliminar, no caso da queixa ser oferecida oralmente, em audiência especialmente designada para este fim, ou mesmo por ocasião da audiência de instrução e julgamento, antes do recebimento da inicial acusatória pelo Juiz.

5 Conclusão

Após todo o exposto, conclui-se não haver dúvidas acerca da admissibilidade da transação penal em delitos de iniciativa privada, no que pese ser a lei omissa a este respeito.

Um dos argumentos utilizados para se admitir a proposta de pena alternativa ao autor do fato processado diretamente pela vítima foi o de que, sendo a transação penal considerada direito subjetivo do réu, desde que este cumpra todos os requisitos objetivos e subjetivos à concessão do benefício, estaríamos ferindo o princípio da isonomia ao negar a ele a transação penal conforme apenas no tipo de delito cometido, se de ação penal pública ou privada.

Não há que se verificar aqui o desejo da vítima, caso seja o de que o autor do fato se veja efetivamente processado criminalmente, para, ao final, ser condenado a uma pena privativa de liberdade, ou mesmo restritiva de direitos. O que deve ser levado em consideração é que, não se enquadrando o réu dentro das hipóteses restritivas previstas no art. 76, § 2º, da Lei 9.099/95, deve ser a ele oferecido o benefício da transação penal, independentemente do crime por este cometido, mas desde que seja de menor potencial ofensivo, isto é, punido com pena de até dois anos.

Até porque, na verdade, o mais justo e adequado aos interesses da vítima é a composição civil dos danos, o que, nos termos do art. 74 da própria Lei 9.099/95, acarreta em renúncia ao direito de queixa. Entretanto, caso não haja a composição dos danos, pensa-se que pouco importa à vítima se o réu será apenado antecipadamente ou não.

Além disso, não se pode utilizar única e exclusivamente de uma interpretação literal da lei para se concluir pela inadmissibilidade da transação penal em delitos de alçada privada, devendo, ao contrário, ser utilizada uma interpretação teleológica e analógica, porque mais justa e benéfica ao réu.

Diante disso, não se pode olvidar que os fins buscados pela Lei 9.099/95 é a celeridade, informalidade e economia processual, que, conjugado com o princípio constitucional da isonomia, compeli-nos à utilização da analogia in bonam partem para permitir a proposta da transação penal aos autores de delitos privados.

Ressalta-se, porém, que conforme se observou, o legitimado para a proposta do benefício deve ser o representante do Ministério Público, mesmo que seja o delito de ação penal exclusivamente privada. Isso porque, conforme já disposto, não possui a vítima o necessário discernimento para imputar ao autor do fato uma pena alternativa adequada à reprovação da conduta e apta a prevenir futura delinqüência. Ademais, conforme também já dito, embora o ofendido aja como substituto processual, o direito de punir continua com o Estado, no caso, o Ministério Público.

E no caso de, estando cumpridos todos os requisitos legais, não ser ao autor do fato, seja pelo cometimento de delito de iniciativa pública ou privada, ofertado o benefício da transação penal, qual alternativa restaria a ele?

Rechaça-se a possibilidade de transação penal ex officio pelo magistrado, pelas óbvias razões de que, ao assim fazer, estaria um membro do Poder Judiciário avocando as funções que cabem apenas ao Ministério Público.

 A posição majoritária, como visto, é pela possibilidade de o juiz invocar, por analogia, o disposto no art. 28 do CPP, remetendo os autos ao Procurador Geral de Justiça, posição com a qual se discorda, pois como bem ressaltado por Bitencourt e Tourinho Filho, estaríamos utilizando a analogia para situações totalmente antagônicas, visto que o art. 28 do CPP é utilizado para as hipóteses em que o MP não quer denunciar e pugna pelo arquivamento, ao passo que na situação relatada o Promotor de Justiça quer denunciar e, por isso, não oferece ao réu a transação penal.

Pensa-se, portanto, que talvez a melhor alternativa seja a impetração de Habeas Corpus preventivo pelo réu, diante da premente possibilidade de sofrer um constrangimento, dito ilegal – considerando que faz jus à transação penal -, em seu direito de locomoção, haja vista a possibilidade de ser contra ele prolatada sentença condenatória com aplicação de pena privativa de liberdade.

Por fim, deve-se ressaltar que, mesmo que admissível a transação penal em delitos de ação penal privada, chegou-se à conclusão de que esta só deve ser levada a cabo após o efetivo oferecimento da queixa-crime pelo ofendido. Antes, porém, deve ser tentada a composição civil dos danos e verificar se a vítima não possui interesse em renunciar ao direito de queixa ou perdoar o réu, possuindo ela, ainda, o “ônus” de propor a ação penal, sob pena de decadência.

Referências
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TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à lei dos Juizados Especiais Criminais. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009.
 
Notas:
[1] Expressão cunhada por Grinover, Gomes Filho, Fernandes e Gomes, na obra Juizados Especiais Criminais: Comentários à Lei 9.099, de 26/09/1995, e cujo assunto será tratado, mais detidamente, no capítulo 3 do presente trabalho.

[2] A partir do momento em se possibilita ao autor fato, mediante livre escolha, sujeitar-se a uma pena restritiva de direitos antes mesmo do oferecimento da ação penal, e que culminará com a extinção de sua punibilidade, sem ensejar qualquer efeito penal ou extrapenal, não há dúvidas de que a transação penal é benéfica e, por esta razão, em várias passagens, no presente trabalho, é tratada como sinônimo de “benefício”.

[3] Ao nos referirmos à natureza jurídica da “proposta” de transação penal estamos querendo investigar se o Ministério Público possui discricionariedade para oferecê-la ou se o réu possui direito subjetivo a ela, diferentemente do enfoque dado por alguns autores ao discorrerem sobre a natureza jurídica da transação penal em si, ou seja, se se trata de um acordo ou, para alguns, de mera sanção penal.

[4] Para os que assim entendem, argumentam tratar-se, na verdade, de uma verdadeira “discricionariedade regrada”, na medida em que deve o Promotor de Justiça analisar os requisitos legais e fundamentar em caso de não oferecimento da transação penal.

[5] Conforme a seguir será demonstrado, defendemos que o único legitimado para propor a transação penal, seja em se tratando de delitos de iniciativa pública ou privada, é o Ministério Público, por intermédio do Promotor de justiça.

[6] Como é sabido, nos Juizados Especiais Criminais o Inquérito Policial foi substituído pelo procedimento administrativo denominado Termo Circunstanciado de Ocorrência, comumente chamado de TCO, procedimento este mais simples e célere, em perfeita harmonia com os fins objetivados pelo Juizado Especial.


Informações Sobre o Autor

Fabrício Orzil Viana

Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais PUC/MG. Pós-graduado em Ciências Criminais e em Direito de Família pela Universidade Cândido Mendes UCAM. Analista do Ministério Público do Estado de Minas Gerais


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