Resumo: O artigo que ora se apresenta versa sobre o tema “O Brasil – Uma Breve Visão Histórica do Estado, das Constituições e dos Tributos”. Tem por objetivo apresentar um breve histórico da formação constitucional do Brasil, com a abordagem da sua manifesta tendência reformadora, em face dos desequilíbrios políticos e econômicos, surgidos desde a chegada da Família Real.
Palavras-Chave: Brasil. Constituição. Histórico.
Abstract: The article which now presents itself is about the theme “Brazil – A Brief Historical Overview of the State, the constitutions and Taxes.” Its purpose is to provide a brief history of the formation of constitutional Brazil, with the approach of its reform tends, in the face of political and economic imbalances, arising from the arrival of the Royal Family.
Keywords: Brazil. Constitutions.Historic
Para falar sobre o Brasil e o seu direito, considero que imprescindível se faz apresentar alguns breves comentários e informações preliminares sobre ambos.
Afinal, quer me parecer que, embora os primeiros traços formadores da personalidade jurídica do Brasil, enquanto Estado soberano, hajam decorrido da instalação da Família Real portuguesa em território brasileiro, com a conseguinte abertura dos portos às Nações amigas, ficando o Brasil elevado à categoria de Reino Unido a Portugal e Algarves, é de boa recomenda sublinhar a realidade sócio-jurídica de um País cujo ordenamento positivo serve-me como tela de confronto.
É bem verdade que o interesse pelo Brasil é manifesto em várias obras lusitanas, como, por exemplo, em “O Brasil nas Côrtes Constituintes portuguesas de 1821-1822”, de PAULO MANUEL OTERO[1]; ou no amplo repertório de JORGE MANUEL DE MIRANDA[2].
Por isto, pretendo, preliminarmente, fornecer uma idéia sobre a importância do Brasil, e, conseqüentemente, do seu direito.
Trata-se de um País que, segundo dados do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística[3], seguindo os critérios da Comissão de Estatística das Nações Unidas para a apuração dos Indicadores Sociais Mínimos (ISM)[4], dispõe, tal qual as mais atuais pesquisas sobre censo demográfico e contagem da população, e, segundo a pesquisa nacional por amostra de domicílios (PNAD), dos seguintes números:
“Em 2007 (de 31 de março para 01 de abril de 2007), o Total da população residente no Brasil (Resultados do Censo Demográfico 2007): 183.987.291. (cento e oitenta e três milhões, novecentos e oitenta e sete mil e duzentos e noventa e ume habitantes).“Área Absoluta em quilômetros quadrados (1996): 8.547.403,5 (oito milhões, quinhentos e quarenta e sete mil e quatrocentos e três ponto cinco quilômetros quadrados).
Número de Municípios (em 2007): 5.564[5] (cinco mil, quinhentos e sessenta e quatro).
PIB (Produto Interno Bruto): O PIB alcançou em 2007, R$ 2,558 trilhões de reais, apresentando-se uma renda per capita de R$ 13.515,00 (treze mil, quinhentos e quinze reais). Lamentavelmente, como já foi dito, a heterogeneidade do País termina por reduzir a representatividade das médias nacionais[6].
O resultado do valor adicionado decorreu do desempenho da agropecuária (5,3%), indústria (4,9%) e serviços (4,7%). O crescimento da agropecuária deveu-se principalmente à lavoura, com destaque positivo para trigo (62,3%), algodão herbáceo (33,5%), milho em grão (20,9%), cana (13,2%) e soja (11,1%). Os produtos em queda foram café em grão (-16,7%), arroz em casca (-3,7%) e feijão (-4,4%).
Dentre os subsetores da indústria, a maior alta foi a da indústria da transformação (5,1%), seguida pela construção civil e por eletricidade e gás, água, esgoto e limpeza urbana, cada um deles com crescimento de 5,0%. A indústria extrativa registrou elevação de 3,0%.
As maiores elevações nos serviços foram nos subsetores intermediação financeira e seguros (13,0%), serviços de informação (8,0%) e comércio (7,6%). Também cresceram transporte, armazenagem e correio (4,8%), serviços imobiliários e aluguel (3,5%), outros serviços (2,3%), administração, saúde e educação pública (0,9%).
As estimativas preliminares da carga tributária brasileira feitas pelo Estado, com relatórios do Tesouro Nacional e dos governos regionais, mostram que o volume de impostos e contribuições pagos pela sociedade brasileira cresceu pelo menos 1,14 ponto porcentual do Produto Interno Bruto (PIB) em 2007, atingindo 37% das riquezas produzidas pelo País. Comparando com a carga tributária de 2006, de 35,9%, 88% da alta da arrecadação foi gerada na esfera federal e 12% nos Estados e municípios.
No final de 1998, e após as eleições de outubro, o Governo Federal apresentou um Programa de Estabilização Fiscal[7], anunciando que o mesmo encontrava-se fundado na premissa básica de que o Estado não poderia viver além dos seus limites, gastando mais do que arrecada. Com este programa, dizia-se buscar o equilíbrio das contas públicas, o que representaria um passo decisivo na redefinição do modelo econômico brasileiro. Este programa, que trouxe mudanças no regime fiscal do País, seria um desdobramento necessário do Plano Real[8], que buscou: a estabilização da moeda, o crescimento sustentado com mudança estrutural e ganhos de produtividade, além da melhoria progressiva das condições de vida da população brasileira.
Como justificativa para o novo programa, dizia-se que a relativa abundância de recursos internacionais, que seria uma característica dos primeiros quatro anos do processo brasileiro de estabilização, cedeu lugar a um ambiente de forte retração de capitais. Assim, supressas as condições favoráveis de liquidez internacional, ficou o Brasil impossibilitado de prosseguir com o gradualismo na adoção dos chamados ajustes estruturais, sendo imprescindível fazer com que o Estado passasse a viver dentro dos seus limites orçamentários.
Ocorre que, neste contexto de crise internacional (crise na Ásia, crise na Rússia[9], crise na Argentina[10], etc), é bastante comum se falar em reformas do ordenamento jurídico, que, quase sempre, é apontado como um obstáculo para a solução da crise.
No Brasil, por exemplo, recomenda-se, rotineiramente, reformas constitucionais para superar os problemas econômicos internos e externos. Intentou-se uma Reforma Constitucional Administrativa (Emenda Constitucional nº 19/98). Fala-se em Reforma Constitucional Tributária, Reforma da estrutura do Poder Judiciário nacional, Reformas previdenciárias de primeira e de segunda gerações, etc.
Enfim, parece ser esta a tradição brasileira. Ao menor sinal de problema, aponta-se como resposta mudar novamente a Constituição. Estamos sempre à procura de uma nova Constituição. É difícil confiar em um direito assim.
Esta afirmação a faço não com o objetivo episódico de contestar qualquer reforma, mas após analisar os nossos antecedentes históricos. Veja-se o que vai a seguir. É uma amostra da história constitucional brasileira. Via de regra, diz-se que as Constituições do Brasil foram editadas em: 1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967, 1969 (esta última muitos a consideram uma Emenda à de 1967; e é assim que ela se apresenta) e 1988.
O Brasil já teve Constituições de várias espécies: rígida, flexível, mista etc. O Brasil, segundo consta na história, chegou mesmo a ter uma Constituição por apenas um dia, ao adotar, em 1821, a Constituição espanhola de 1812 (Constituição de Cádiz).[11]
A Constituição espanhola teve, entre nós, vigência mais efêmera do que em seus próprios limites, pois, já no dia seguinte, o decreto de sua adoção é ab-rogado. (Vide “A Constituição do Brasil 1988 – comparada com a Constituição de 1967 e comentada” – Price Waterhouse – Departamento de Assessoria Tributária. São Paulo, Price Waterhouse, 1988, pp. 23-24).
Como também se sabe, a Constituição de 25 de março de 1824 (a que mais tempo demorou em vigor)[12] chegou a passar, enquanto Projeto[13], por um plebiscito entre as Províncias. Pernambuco (atualmente, um Estado, e terra onde nasci) não a aprovou, e foi desencadeada a Confederação do Equador, ficando ao nosso lado a Paraíba, o Rio Grande do Norte, o Ceará e o Piauí[14]. Entre as suas características de destaque, saliento o previsto em três dos artigos constitucionais:
“Art. 98. O Poder Moderador é a chave de toda a organisação Política, e é delegado privativamente ao Imperador, como Chefe Supremo da Nação, e seu Primeiro Representante, para que incessantemente vele sobre a manutenção da Independência, equilíbrio, e harmonia dos mais Poderes Políticos.”
“Art. 99. A Pessoa do Imperador é inviolável, e Sagrada: Elle não está sujeito a responsabilidade alguma.”
“Art. 178. É só Constitucional o que diz respeito aos limites, e attribuições respectivas dos Poderes Politicos, e aos Direitos Políticos, e individuaes dos Cidadãos. Tudo o que não é constitucional, póde ser alterado sem as formalidades referidas, pelas Legislaturas ordinárias.”[15]
As principais alterações à Constituição de março de 1824 foram:
a) a Lei nº 16, de 12 de agosto de 1834, também chamado de “Acto Addicional”. Aqui, ficou estabelecido que todas as Províncias teriam Assembléias Legislativas Provinciais (art. 1º). Quanto à composição destas Assembléias, ficou disposto que as Províncias de Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro, Minas e São Paulo teriam 36 membros. As províncias do Pará, Maranhão, Ceará, Parahyba, Alagôas e do Rio Grande do Sul teriam 28 membros. E as outras províncias teriam 20. Uma Lei Geral poderia alterar esta composição (art. 2º). Também ficou fixado que o Poder Legislativo Geral poderia decretar a organização de uma Segunda Câmara Legislativa para qualquer Província, a pedido da sua Assembléia (art. 3º). A partir deste ato, a doutrina brasileira costuma afirmar que o Brasil passou a ser um Estado unitário descentralizado, em face da concessão de autonomia política às Províncias;
b) a Lei nº 105, de 12 de maio de 1840, também chamada de Lei da Interpretação, pois a sua Ementa era a seguinte: “Interpreta alguns artigos da Reforma Constitucional”. Aqui, aponta-se um “contra-golpe” do Imperador do Brasil, D. Pedro II, pois esta Lei detém artigos com feitio centralizador, e colmata o seu texto afirmando no seu último artigo, o art. 8º. Diz o art. 8º: “As Leis Provinciaes que forem oppostas á interpretação dada nos artigos precedentes, não se entendem revogadas pela promulgação desta Lei, sem que expressamente o sejão por actos do Poder Legislativo Geral.”
A Constituição de 24 de fevereiro de 1891, embora haja se sujeitado a uma Assembléia, encontrou, na mesma, uma atuação muito tímida, porquanto ela praticamente se limitou a questões formais, com a ressalva da discussão sobre a repartição de rendas entre as unidades da Federação que surgia (ver arts. 7º e ss.).
Aqui, cabe dizer que foi o Decreto nº 01, de 15 de novembro de 1889, que proclamou provisoriamente a República Federativa dos Estados Unidos do Brasil (arts. 1º e 2º). À época, e é o que consta no Decreto, escrevia-se a palavra Brasil com Z (art. 2º)[16].
Deste período do início da República brasileira, é possível identificar o americanismo que realmente imperava:
a) o nome escolhido para o Estado que então se criava – República dos Estados Unidos do Brasil – o que vigorou até 1967, quando se tornou República Federativa do Brasil;
b) a bandeira nacional que foi adotada entre os dias 15 e 19 de novembro de 1889, idêntica à bandeira norte-americana, apenas se substituindo o vermelho e o branco pelo nosso já tradicional verde amarelo. Essa bandeira, idealizada à base da República dos Estados Unidos da América do Norte, foi a mesma que, logo após a Proclamação da República, JOSÉ DO PATROCÍNIO hasteou com sentimento patriótico defronte do edifício onde era confeccionado o Jornal ‘A Cidade do Rio’, de sua propriedade. Entretanto, deve ser feita a ressalva de que a bandeira atual foi criada por TEIXEIRA MENDES, em 19 de novembro de 1889, sob a argumentação de que, naquelas condições, receava-se que o empirismo democrático fizesse adotar para a bandeira nacional uma imitação da dos Estados Unidos da América do Norte, e em obediência às indicações de AUGUSTO COMTE[17], resolveu-se apresentar a BENJAMIM CONSTANT um projeto que ele haveria aceito sem hesitação. O intuito era o de evitar que se instituísse um símbolo nacional com o duplo inconveniente de fazer crer em uma filiação que não existe entre os dois povos, e de conduzir a uma imitação servil daquela República;
c) uma exceção à adoção das regras constitucionais norte-americanas foi a restrição legislativa imposta aos Estados-membros da Federação. A despeito da centralização de poderes nos termos da Constituição de 1891, os Estados possuíam capacidade própria para legislar, mas somente em áreas periféricas do direito, estando as matérias básicas – direito civil, comercial, penal, etc. – sob a responsabilidade do Congresso Nacional.
Enfim, a realidade norte-americana não era compatível com a nossa; inclusive em face do distanciamento existente entre as antigas Províncias brasileiras e o modelo inicial de Confederação adotado pelos Estados Unidos da América do Norte.[18]
As principais modificações promovidas, nesta Constituição, foram feitas aos 07.09.1926, e eram quatro: ampliação das hipóteses de intervenção federal (art. 6º); proibição das chamadas leis rabilongas, ficando desautorizado que, nas leis de orçamento, constassem disposições estranhas à previsão da receita e da despesa fixada para os serviços anteriormente criados (art. 34, § 1º e alíneas); a instituição do veto parcial (art. 37, § 1º) e a limitação do habeas-corpus ao resguardo da liberdade de locomoção (art. 72, § 22).
Com a limitação do habeas-corpus, que, com a Reforma de setembro de 1926, voltou às suas fronteiras clássicas, porquanto restrito à defesa do direito de locomoção, terminou-se por criar um hiato no ordenamento jurídico brasileiro, pois os demais direitos pessoais passaram a se situar em um espaço vazio, não dispondo de uma medida procedimental pronta e eficaz.
Naturalmente, as discussões sobre o assunto terminaram por atingir o Supremo Tribunal Federal.
Os juristas foram buscar amparo nas ações possessórias, e, por meio delas, a construção jurisprudencial assegurava os demais direitos pessoais não amparados por habeas-corpus.
Assim, a Constituição de 1934 trouxe o mandado de segurança como o instrumento apto para defender aqueles direitos que não estivessem amparados pelo habeas-corpus.
No entanto, a Constituição de 1937 não previu o mandado de segurança, cabendo à Jurisprudência esforçar-se na sua tarefa de interpretação, defendendo o entendimento de que a Lei nº 191, que regulamentava o mandado de segurança disciplinado em 1934, continuava em vigor.
Na Constituição de 1946, retornou a previsão expressa do mandado de segurança.[19]
Sobre a Constituição de 16 de julho de 1934[20], destaco, entre os seus pontos principais: a instituição constitucional do voto feminino (art. 108); a instituição constitucional do mandado de segurança, que aparecia como instrumento hábil a defender direitos certos e incontestáveis[21] – o processo a ser adotado seria o mesmo do habeas corpus, seguindo a previsão do art. 113, 33; e, finalmente, a criação da Justiça Eleitoral como órgão do Poder Judiciário (art. 63, al. “d” e arts. 82 e ss.)[22].
Uma referência à parte cabe fazer às suas Disposições Transitórias.
Particularmente, ao art. 18, que dizia:
“Art. 18. Ficam approvados os actos do Governo Provisorio, dos interventores federaes nos Estados e mais delegados do mesmo Governo, e excluída qualquer apreciação judiciaria dos mesmos actos e dos seus effeitos.”
Sobre isto, a opinião que predominou foi a de que o decreto de instituição do Governo Provisório era uma lei constitucional, outorgada por um poder de fato, servindo como uma Constituição Provisória, que foi reconhecida posteriormente pelo Texto Constitucional de 1934.
A Constituição de 16 de julho 1934 durou muito pouco, pois, já em 10 de novembro de 1937, fez-se surgir a “polaca”. Ela previa a realização de um plebiscito para legitimá-la (arts. 175 e 187)[23], o que, naturalmente, não ocorreu, ficando o mandamento apenas como uma estratégia idealizada pelo chamado “Chico Ciência” (o jurista Francisco Campos)[24]. Esta Constituição teve como principal diretriz o fortalecimento do Poder Executivo. Ela também foi conhecida pela ênfase que deu às matérias trabalhistas. É de receber especial atenção o seu art. 174, que tratava “DAS EMENDAS À CONSTITUIÇÃO”. Ele diz:
“Art. 174. A Constituição pode ser emendada, modificada ou reformada por iniciativa do Presidente da República, ou da Câmara dos Deputados.
§ 1º. O projeto de iniciativa do Presidente da República será votado em bloco, por maioria ordinária de votos da Câmara dos Deputados e do Conselho Federal, sem modificações ou com as propostas pelo Presidente da República, ou que tiverem a sua aquiescência, se sugeridas por qualquer das Câmaras.
§ 2º. O projeto de emenda, modificação ou reforma da Constituição, de iniciativa da Câmara dos Deputados, exige, para ser aprovado, o voto da maioria dos membros de uma e outra Câmara.
§ 3º. O projeto de emenda, modificação ou reforma da Constituição, quando de iniciativa da Câmara dos Deputados, uma vez aprovado mediante o voto da maioria dos membros de uma e outra Câmara, será enviado ao Presidente da República. Êste, dentro do prazo de trinta dias, poderá devolver à Câmara dos Deputados o projeto, pedindo que o mesmo seja submetido a nova tramitação por ambas as Câmaras. A nova tramitação só poderá efetuar-se no curso da legislatura seguinte.
§ 4º. No caso de ser rejeitado o projeto de iniciativa do Presidente da República, ou no caso em que o Parlamento aprove definitivamente, apesar da oposição daquele, o projeto de iniciativa da Câmara dos Deputados, o Presidente da República poderá, dentro em trinta dias, resolver que um ou outro projeto seja submetido ao plebiscito nacional. O plebiscito realizar-se-á noventa dias depois de publicada a resolução presidencial. O projeto só se transformará em lei constitucional se lhe fôr favorável o plebiscito.”
Disto tudo se conclui que a Constituição do Brasil de novembro de 1937 era flexível, alterável por maioria ordinária. No entanto, a chamada Constituição do “Estado Novo”, que centraliza o poder político e reduz os sindicatos a instrumentos do Estado sem qualquer representatividade política, extingue os partidos políticos e suprime, drasticamente, a participação do Legislativo nas decisões governamentais; além de enfraquecer o sistema federativo. Isto tudo não impede que, em fevereiro de 1945, o General Góes Monteiro[25] declare-se, publicamente, a favor das eleições e da anistia para os presos políticos.
É bem verdade que o Presidente Getúlio Vargas, buscando motivar um movimento em seu favor (o queremismo), chegou a elaborar algumas leis baixando o custo de vida dos brasileiros e diminuindo a presença, no Brasil, de grandes empresas estrangeiras. Mas isto não foi o suficiente, pois quando o Presidente Getúlio Vargas, pretendendo medir o seu prestígio, nomeou para o cargo de chefe de polícia do Distrito Federal, em lugar de João Alberto, o seu irmão Benjamin Vargas, não consultando nenhum alto oficial, terminou por ter o Ministro da Guerra (o General Góes Monteiro) a exigir que o Presidente exonerasse o seu irmão, no que não foi atendido. Contrariado, o Ministro da Guerra cercou com as suas tropas o Palácio Presidencial, em 29 de outubro de 1945, deflagrando o golpe contra o Presidente, destituindo-o do seu cargo. Getúlio foi deposto, embora a Constituição lhe fosse flexível.
Ainda sobre o período da Constituição de 1937, parece comum a citação da chamada Lei Orgânica dos Estados (Decreto-Lei nº 1.202, de 08 de abril de 1939), pois, como já foi dito anteriormente, neste período, o federalismo, no Brasil, enfraqueceu-se extremamente, surgindo a figura dos Interventores, que eram os antigos Governadores dos Estados confirmados pelo Presidente; ou, acaso o Governador do respectivo Estado não fosse confirmado, caberia ao Presidente promover a intervenção federal, decretando-a (art. 176, da Constituição de 1937).
Depois, veio a Constituição de 18 de setembro de 1946, a última dos chamados Estados Unidos do Brasil, que marca o fim do Estado Novo. Esta Constituição acolhia a idéia da Reforma Agrária, embora somente como um compromisso programático, pois o seu Texto preconizava a promoção da justa distribuição da propriedade, com igual oportunidade para todos. A matéria era recomendada ao Congresso Nacional, de modo que este legislasse sobre o assunto. Dizia o art. 147, desta Constituição:
“Art. 147. O uso da propriedade será condicionado ao bem-estar social. A lei poderá, com observância do disposto no art. 141, § 16[26], promover a justa distribuição da propriedade, com igual oportunidade para todos.”
Outro destaque desta Constituição era a participação obrigatória e direta do trabalhador nos lucros da empresa, nos termos e formas da lei. A regulamentação não veio, e a matéria ficou apenas no papel.
No período de vigência desta Constituição, Getúlio Vargas voltou ao poder, tomando posse, como Presidente, em 31 de janeiro de 1951. É neste período que se estabelece o monopólio estatal da exploração petrolífera (L. nº 2004, promulgada em 03 de outubro de 1953) e se encaminha a mensagem da criação da Eletrobrás, com o objetivo de uma nacionalização efetiva do domínio da energia elétrica. Quanto à remessa de lucros, demonstrou-se como, entre 1939 e 1953, a entrada de capitais privados alcançou apenas 1,9 bilhão de cruzeiros, contra 17,2 bilhões de cruzeiros de remessas para o exterior.[27]
Todas estas questões acirram a oposição a Vargas, com ressonância na imprensa e nos meios políticos (assembléias). Em 22 de agosto de 1954, vinte e dois brigadeiros pronunciam-se publicamente exigindo a renúncia de Vargas. Vargas não renuncia, e, na madrugada de 24 de agosto de 1954, surge a notícia do seu suicídio. Um tiro no coração.
Vargas deixa uma carta-testamento, onde fala:
“Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora, ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade, e saio da vida para entrar na História.”
Como se vê, o Brasil não tem apenas riquezas naturais, grande extensão, uma enorme população, um PIB que o deixa entre os maiores Países do mundo. O Brasil também tem história. E qualquer análise jurídica sobre o Brasil não pode desconhecê-la.
Ainda sobre a Constituição de setembro de 1946, cabe grafar as suas principais alterações. São as seguintes:
a) a Emenda Constitucional nº 04, de 02 de setembro de 1961, que instituiu o Sistema Parlamentar de Governo, e foi revogada pela Emenda nº 06, de 23 de janeiro de 1963, que restabeleceu o sistema presidencial;
b) a Emenda Constitucional nº 16, de 06 de dezembro de 1965, que criou a representação contra inconstitucionalidade de lei ou ato de natureza normativa, federal ou estadual, encaminhada pelo Procurador-Geral da República (art. 2º, que alterou o art. 101, e instituiu este procedimento na alínea “K”);
c) a Emenda Constitucional nº 18, de 06 de dezembro de 1965, que instituiu um sistema tributário nacional, recebendo destaque a atribuição dos impostos regulatórios externos (imposto sobre a importação de produtos estrangeiros e sobre a exportação, para o estrangeiro, de produtos nacionais ou nacionalizados – art. 7º) à União; a atribuição à União do imposto sobre produtos industrializados, em substituição ao antigo imposto sobre o consumo (art. 11, “caput”); a atribuição aos Estados do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias, realizadas por comerciantes, industriais e produtores, em substituição ao antigo imposto sobre vendas e consignações (art. 12); e a atribuição aos Municípios do imposto sobre serviços de qualquer natureza, não compreendidos na competência tributária da União e dos Estados, em substituição ao antigo imposto sobre indústrias e profissões (art. 15);
d) o Ato Institucional nº 04, de 07 de dezembro de 1966, retificado em 12 de dezembro do mesmo ano. Por ele, o Congresso Nacional foi convocado a se reunir extraordinariamente, de 12 de dezembro de 1966 a 24 de janeiro de 1967.[28] O objeto da convocação extraordinária era a discussão, votação e promulgação do projeto de Constituição apresentado pelo Presidente da República. (art. 1º, “caput” e § 1º)
Pois bem, foi este Ato Institucional[29] – transformou o Congresso Nacional em Poder Constituinte, que fez surgir a Constituição do Brasil de 24 de janeiro de 1967. A Constituição de um Congresso mutilado, nas palavras de PAULO BONAVIDES[30].
Doutor e Mestre pela Universidade Federal de Pernambuco. Pós-Doutorado. Juiz Federal Titular da 6ª Vara/PE, havendo composto a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais em Brasília (2003-2007). Desembargador Federal em exercício no TRF da 5ª Região. Professor Titular da Universidade Católica do Estado de Pernambuco. Ex-Procurador Judicial do Município do Recife, Ex-Procurador Judicial do Estado de Pernambuco, Ex-Procurador Federal
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