O caso Apolonio x Comunidade de Madri – utilização do véu islâmico em escolas públicas

Resumo: Este texto traz uma analise do julgado “Apolonio contra a Comunidade de Madri”, tratando do uso do véu islâmico em escola publica espanhola, refletindo a jurisprudência do Tribunal Europeu de Direitos Humanos.

Palavras-chave: Véu islâmico. Uso em escola pública. Laicidade do Estado.

Introdução

Trata-se de um recurso julgado em 25/01/2012, interposto junto ao Juizado Contencioso Administrativo de Madri[1] contra decisão punitiva  de 22/04/2010, emanada da Direção da Área Territorial de Madri Oeste, que foi baseada no Regimento Interno de uma escola pública em Pozuelo de Alarcón (província de Madri), aprovado pelo Conselho Escolar em 30/10/07, que proíbe o uso de chapéus ou demais peças que cubram a cabeça; neste caso, o véu islâmico foi utilizado pela filha do demandante, Sr. Apolonio[2].

Do Direito

Sr. Apolonio (o pai da estudante que utilizou o véu) alega violação aos arts. 10.1 e 16.1 da Constituição Espanhola de 1978[3], que trazem os seguintes ditames:

“TÍTULO I.

DOS DIREITOS E DEVERES FUNDAMENTAIS.

Artigo 10.

1. A dignidade da pessoa, os direitos invioláveis ​​que lhe são inerentes, o livre desenvolvimento da personalidade, o respeito à lei e os direitos dos outros são o fundamento da ordem política e da paz social.

Artigo 16.

1. É garantida a liberdade de ideologia, religião e de culto dos indivíduos e comunidades, sem maiores restrições, à sua manifestação, do que as necessárias à  manutenção da ordem pública protegida por lei.”

O Tribunal afirmou que não houve violação do art. 10.1, qual seja, à dignidade da pessoa, já que o mero fato de proibir de assistir aula com a cabeça coberta "é uma norma de convivência no que toca à indumentária a ser utilizada por todos os alunos, com o objetivo de evitar distrações a seus companheiros, e para regular a convivência no centro docente mediante a delimitação de uma conduta que todo aluno conhece, com caráter prévio, e está obrigado a respeitá-la e em virtude de autonomia para elaborar e aprovar normas de organização e funcionamento do centro (art. 120.2 da Lei Orgânica nº 2, de 03/05/2002, que trata da Educação na Espanha)”[4].

Especificamente neste caso o julgador ressaltou o fato de que a estudante foi para o centro por vários anos sem o véu, para fazê-lo somente depois de um longo tempo (depois de mais de 4 anos), contestando a regra imposta.

Em relação à violação do art. 16,1 da Constituição Espanhola, o tribunal relembrou a jurisprudência reiterada do Tribunal Europeu de Direitos Humanos, no sentido de que não há violação da liberdade de religião, desde que a proibição esteja de acordo com o art. 9 º da Convenção Européia de Direitos Humanos (CEDH)[5]. Em suma, neste caso, a proibição, portanto, não contraria a Lei Orgânica nº 2/2006, nem a Constituição Espanhola, tampouco a CEDH.

Conclusão

O juizado afirmou que não houve violação (por parte da decisão sancionatória baseada no Regimento Interno da escola pública) aos  arts. 10.1 e 16.1 da Constituição Espanhola, mantendo a resolução que confirmou a penalidade, sendo mais um importante caso que reflete a posição predominante, seja na Espanha seja na Europa, em geral, conforme jurisprudência do TEDH, com os famosos leading cases “Leyla Sahin contra Turquia”, e “Dogru e Kervanci  contra França”.

 

Notas:
[1] Disponível em:
<http://online.lexnova.es/servicesLXOL/visordoc?signatura=15F6F24428ED598F478221337BCB019E62418971239A50551813DE483B915C03>.  Acesso em 20/11/2012.
[2] No Capítulo VI, artigo 32, título “Normas de Conduta”, consta que “os alunos deverão comparecer às aulas corretamente vestidos, de forma a evitar distrações a seus colegas. No interior do edifício não se permitirá o uso de chapéus nem de qualquer outra peça que cubra a cabeça.” (tradução livre, conforme texto citado na sentença). Mais além, no artigo 35, estabelece que será qualificada como falta leve qualquer infração às normas previstas no referido art. 32 (quando não qualificarem conduta mais grave) puníveis com admoestação verbal ou por escrito.
[3] Disponível em <http://www.boe.es/buscar/doc.php?id=BOE-A-1978-31229>. Acesso em: 20/11/2012.
[4] Tradução livre, conforme texto presente no julgado.
[5] Convencao Européia de Direitos Humanos
Artigo 9°
Liberdade de pensamento, de consciência e de religião
1. Qualquer pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade
de mudar de religião ou de crença, assim como a liberdade
de manifestar a sua religião ou a sua crença, individual ou colectivamente, em público e em privado, por meio do culto, do ensino, de práticas e da celebração de ritos.
2. A liberdade de manifestar a sua religião ou convicções, individual ou colectivamente, não pode ser objecto de outras restrições senão as que, previstas na lei, constituírem disposições necessárias, numa sociedade democrática, à segurança pública, à protecção da ordem, da saúde e moral públicas, ou à protecção dos direitos e liberdades de outrem.
Disponível em:
 <http://www.echr.coe.int/NR/rdonlyres/7510566B-AE54-44B9-A163-912EF12B8BA4/0/Convention_POR.pdf>. Acesso em: 20/11/2012.

Informações Sobre o Autor

Marco Aurélio Mellucci e Figueiredo

Procurador Federal. Graduado pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco – Universidade de São Paulo USP. Mestre em Direito Público pela Universidad Complutense de Madrid


Equipe Âmbito Jurídico

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