O cheque pós datado segundo o direito brasileiro

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Resumo


O presente trabalho tem por objetivo discorrer acerca do instituto do cheque, seus requisitos, prazos, figuras intervenientes e apresentar suas mais variadas formas no direito pátrio. O estudo dedica especial atenção ao polêmico instituto do cheque pós datado, cuja prática reiterada no cotidiano dos brasileiros exige uma discussão acerca de sua natureza jurídica, validade e eficácia, bem como urge de reforma legislativa capazes de suprir às lacunas da Lei, o que atualmente tem sido tarefa enfrentada pelos juizes e tribunais deste país.


Sumário: 1. NOÇÕES GERAIS SOBRE O CHEQUE; 1.1. Conceito; 1.2. Evolução histórica; 1.3. Natureza jurídica; 2. DOS REQUISITOS ESSENCIAIS DO CHEQUE; 3. DAS FIGURAS INTERVENIENTES; 3.1. Sacado; 3.2. Sacador; 3.3. Beneficiário; 4. DOS PRAZOS; 3.1. Prazo de apresentação; 3.2. Prazo prescricional; 5. DAS FORMAS DE CHEQUE; 5.1. Cheque ao portador; 5.2. Cheque com cláusula à ordem; 5.3. Cheque com cláusula não à ordem; 5.4. Cheque cruzado; 5.5. Cheque para creditar; 5.6. Cheque visado; 5.7. Cheque em branco; 5.8. Cheque marcado; 5.9. Cheque de turismo; 5.10. Cheque fiscal; 5.11. Cheque administrativo; 5.12. Cheque com pluralidade de exemplares; 5.3. Cheque pós datado; 6. DO CHEQUE PÓS DATADO; 6.1. Conceito; 6.2. Natureza jurídica; 7. DOS EFEITOS DA COMPENSAÇÃO ANTECIPADA DO CHEQUE PÓS DATADO; REFERENCIAS


1. Noções gerais sobre o cheque


1.1. Conceito


     De acordo com o dicionário Houaiss, “cheque é documento (normalmente fórmula impressa) por meio do qual o titular de uma conta-corrente ou de um depósito bancário emite ordem para o banco ou entidade congênere pagar ou transmitir certa quantia a seu favor ou a favor de outra pessoa (o beneficiário)”.  Na definição de Luis Emygdio da Rosa Júnior[1]:


“O cheque é o título cambiário abstrato, formal, resultante de uma mera declaração unilateral de vontade, pelo qual ma pessoa, designada emitente ou sacador, com base em prévia e disponível provisão de findos em poder do banco ou instituição financeira a ele assemelhada por lei, denominado sacado, dá contra o banco, em decorrência de convenção expressa ou tácita, uma ordem incondicional de pagamento à vista, em seu próprio benefício ou em favor de terceiro, intitulado tomador ou beneficiário, nas condições estabelecidas no título”.


1.2. Evolução histórica


     De origem obscura, para alguns remontando a gregos e romanos e para outros derivado do bewijs belga, o cheque, com as características atuais, surgiu pela primeira vez no século XVIII, através de prática bancária adotada na Inglaterra, consistindo em ordens em branco contidas em cadernos dos quais podiam ser destacadas, eram distribuídas aos depositantes, facilitando-lhes a retirada dos depósitos.


1.3. Natureza Jurídica do Cheque


     Passível de grande discussão doutrinária é a questão da natureza jurídica do cheque. Dentre as teorias que se determinaram a esclarecer a verdadeira natureza jurídica do cheque destacam-se a teoria contratualista, a teoria da cessão e a teoria do mandato.  A primeira insiste em ver no cheque um contrato sui generis, em tudo semelhante ao contrato de compra e venda de moedas. De acordo com a teoria da cessão, haveria uma cessão no ato do depósito bancário. Já segundo a teoria do mandato o emitente daria ao sacado a ordem de pagar ao beneficiário.


     Na lição do renomado Fran Martins[2]:


     “Não deve o cheque ser considerado um verdadeiro titulo de crédito, já que o fator crédito não existe de modo abstrato e sim está ligado à circunstancia de possuir o sacado, a quem a ordem de pagamento é dada, importâncias que na realidade pertencem ao depositante. No entanto o cheque se beneficia de títulos e institutos próprios dos títulos de crédito, podendo circular através do endosso . Havendo circulação aparece o elemento crédito, ficando o endossante vinculado à responsabilidade do pagamento da importância mencionada no documento. Por essa razão, o cheque tem sido considerado um título de crédito impróprio. 


     (…)


     O cheque tem natureza jurídica autônoma, dotado pelo legislador de um estatuto particular para torná-lo próprio a preencher sua função econômica de instrumento de pagamento à vista e de compensação”.


     Título de crédito próprio ou impróprio, ao cheque são aplicáveis princípios e normas cambiais que não se conflitam, naturalmente, com as características que lhe são inerentes.


2. Dos requisitos essenciais do cheque


     O cheque encontra-se atualmente regulado pela Lei 7.357, de 02 de setembro de 1985, a qual dispõe em seu art. 1º:


“Art. 1º O cheque contém:


I – a denominação ‘’cheque’’ inscrita no contexto do título e expressa na língua em que este é redigido;


II – a ordem incondicional de pagar quantia determinada;


III – o nome do banco ou da instituição financeira que deve pagar (sacado);


IV – a indicação do lugar de pagamento;


V – a indicação da data e do lugar de emissão;


VI – a assinatura do emitente (sacador), ou de seu mandatário com poderes especiais”.


     Dentre os requisitos acima mencionados, não se consideram essenciais o do lugar do pagamento e o da emissão, já que na falta destas indicações considera-se como lugar o pagamento aquele designado junto ao nome do sacado. Estando designados vários lugares, o cheque é pagável no primeiro deles e, inexistindo indicação, o cheque é pagável no lugar de sua emissão. Quando não estiver indicado o lugar da emissão, o cheque será considerado emitido no lugar indicado junto ao nome do sacador.


     É também admissível a chancela ou outros processos equivalentes em lugar da assinatura de próprio punho do emitente ou seu beneficiário.


Art. 1º – (…)


Parágrafo único – A assinatura do emitente ou a de seu mandatário com poderes especiais pode ser constituída, na forma de legislação específica, por chancela mecânica ou processo equivalente.


     A adesão brasileira à Lei Uniforme sobre cheques estabeleceu a mesma controvérsia observada com relação à letra de câmbio e a nota promissória, ora inclinando-se os julgados pela aplicação dos dispositivos da Convenção de Genebra, ora concluindo pela vigência da legislação interna (Dec. 2.591, de 1912).


     Para solucionar a questão, em torno da qual eram gerados graves prejuízos teóricos e práticos, foi promulgada, em 02 de setembro de 1985, a Lei 7.357, a qual se harmonizando com a Lei Uniforme, estabeleceu os mesmos requisitos desta. Conciliando-se a Lei Uniforme com a Lei Interna, estabeleceram-se os seguintes requisitos para o cheque:


 a) a palavra cheque (art. 1º, nº 1 da Lei Uniforme e art. 1º, nº 1, da Lei Interna): a alavra deve estar inserta no próprio texto do título e expressa na língua empregada para a sua redação e sua exigência visa tipificar o documento como cheque, precisando sua natureza e diferenciando-o dos demais títulos de crédito, principalmente, da letra de câmbio.


b) ordem incondicional de pagar (art. 1º, nº 2 da Lei Uniforme e art. 1º, II, da Lei Interna): o termo “ordem” deixa extreme de dúvida que o emitente, ao criar um cheque, dá uma ordem de pagamento à vista ao sacado em seu favor ou em favor de terceiro. Deve corresponder a um ato puro e simples, não podendo estar condicionado a condição (art. 32 da Lei do Cheque). O mandato deve se referir ao pagamento de quantia determinada, isto é, certa, determinada e em moeda corrente. Embora a lei brasileira não exija expressamente a indicação do valor a pagar em cifra por extenso, assim determinou o Banco Central, por meio da circular nº 131, de 1969. O art. 42 da Lei do Cheque admite, contudo, cheque em moeda estrangeira, devendo ser pago no prazo da apresentação, em moeda nacional ao câmbio do dia do pagamento;


c) o nome do banco ou instituição financeira que deve pagar (art. 1º, nº 3 da Lei Uniforme e art. 1º, nº III, da Lei Interna): a Lei Interna, adotando princípio consagrado na Lei Uniforme (art. 3º), só admite o saque de cheques contra os bancos e instituições financeiras, não se admitindo sua emissão contra comerciantes. Justifica-se a designação do nome do sacado porque a ele é que o emitente dá a ordem de pagamento.  


d) indicação do lugar em que o pagamento deve ser efetuado (art. 1º, nº 4, da Lei Uniforme e art. 1º, nº IV, da Lei Interna): trata-se de requisito não essencial, posto que tanto a Lei Uniforme (art. 2º), quanto a Lei Interna (art. 1º, II) estabelecem que, na falta de indicação do lugar do pagamento, deve ser este efetuado no lugar designado ao lado do nome do sacado; designados vários lugares, o cheque é pagável no primeiro deles e inexistindo indicação, o cheque deve ser pago no lugar de sua emissão;


e) indicação da data e lugar da emissão efetuado (art. 1º, nº 5, da Lei Uniforme e art. 1º, nº V, da Lei Interna): o cheque deve conter a data e lugar da emissão, mas este não é requisito essencial. Não indicado o lugar da emissão, considera-se o cheque emitido no lugar indicado junto ao nome do emitente (sacador).


f) a soma a pagar efetuado (art. 1º, nº 2, da Lei Uniforme e art. 1º, nº II, da Lei Interna): a quantia deve ser lançada em algarismo e por extenso, prevalecendo, na hipótese de divergência, o valor por extenso, conforme determinam os arts. 9º da Lei Uniforme e 12 da Lei Interna. Indicadas várias quantias, deverá prevalecer aquela que tiver menos valor.


g) a assinatura de quem passa o cheque ou de mandatário especial efetuado (art. 1º, nº 6, da Lei Uniforme e art. 1º, nº VI, da Lei Interna): Trata-se do principal requisito do cheque, sem o qual não haverá o título. A assinatura deve ser de próprio punho, ficando descartada a possibilidade de o analfabeto, por si mesmo, emitir cheques, só podendo fazê-lo mediante procurador dotado de poderes especiais, por meio de mandato por instrumento público. É igualmente inadmissível a assinatura “a rogo” ou por carimbo. Entretanto, admite-se a assinatura abreviada, bem como a chamada assinatura autorizada, que corresponde à assinatura em poder do banco, facultada também a assinatura mecanizada, obtida com o emprego de máquinas e instrumentos especiais, caso em que deverá haver prévio entendimento entre sacador e sacado e prévio registro da chancela no cartório de registros de documentos e títulos. Há ainda a possibilidade de se passar cheque por representação, como ocorre com as pessoas jurídicas, cujos cheques são assinados por seus representantes legais. Ressalte-se que na falta da assinatura, poderá esta ser suprida, conforme determina o art. 2º, do anexo II da Lei Uniforme:


      “Qualquer das altas partes contratantes tem, pelo que respeita às obrigações contraídas em matéria de cheques no seu território, a faculdade de determinar de que maneira pode ser suprida a falta de assinatura, desde que por uma declaração autêntica escrita se possa constatar a vontade daquele que deverá ter assinado”.


3. Das figuras intervenientes


3.1. O Sacado


     A antiga legislação interna permitia o saque de cheques contra bancos e comerciantes (Decreto nº 2.591, de 1912), mas a Lei Uniforme veio a alterar esse sistema, permitindo apenas o saque de cheques contra bancos ou instituições a ele assimilados.


      Art. 3º – O cheque é sacado sobre um banqueiro que tenha fundos à disposição do sacador e em harmonia com uma convenção expressa ou tácita, segundo a qual o sacador tem o direito de dispor desses fundos por meio de cheque. A validade do título como cheque não fica, todavia, prejudicada no caso de inobservância destas prescrições.


Art. 54 – Na presente lei a palavra “banqueiro” compreende também as pessoas ou instituições assimiladas por lei aos banqueiros.


      Adotando princípio consagrado na Lei Uniforme, a Lei Interna dispõe que o cheque só pode ser sacado contra os bancos ou instituições financeiras:


      Art. 3º O cheque é emitido contra banco, ou instituição financeira que lhe seja equiparada, sob pena de não valer como cheque.


3.2. O sacador


     Sacador é aquele que emite ou saca o cheque. Adotando principio estabelecido pela Lei Uniforme, a Lei 7357/85 exige como requisito essencial do cheque a assinatura do emitente.


Art. 1º O cheque contém:


(…)


VI – a assinatura do emitente (sacador), ou de seu mandatário com poderes especiais.


      É a assinatura do emitente ou sacador que determina a existência do cheque, já que, em se tratando de uma ordem de pagamento, mister se faz estabelecer com exatidão o sujeito que a ordena.


     È possível, porem, como já dito anteriormente, a representação mediante mandato especial (art. 11 da LUG e art. 1º, VI, da Lei 7.357/85), como também a substituição da assinatura de próprio punho por chancela mecânica ou outro processo equivalente (art. 1º, Parágrafo Único da Lei 7.357/85).


3.3. O beneficiário


     Trata-se da pessoa em favor de quem é dada ordem de pagamento e que poderá ser o próprio emitente ou um terceiro.  O beneficiário poderá ou não ser designado no cheque e, nesse caso, o cheque poderá ser:


a) nominativo com clausula à ordem: permite ao beneficiário transferi-lo a terceiro mediante endosso;


b) nominativo sem cláusula à ordem: também é transmissível por endosso, conservando sua eficácia executiva;


c) nominativo com cláusula não à ordem: torna o cheque intransmissível de transmissão por endosso, podendo ser pago unicamente ao beneficiário expressamente designado.


d) ao portador:  não designa o nome do beneficiário, sendo pagável a quem o apresentar ao banco sacado. Transmite-se pela simples traditio e sua posse legitima a propriedade, exceto se ilícita.


4. Dos prazos


4.1. Prazos de apresentação


     A Convenção de Genebra prescreve, em seu art. 29:


      Art. 29 – O cheque pagável no país onde foi passado deve ser apresentado a pagamento no prazo de oito dias.


     Ao dispositivo acima transcrito o Brasil aderiu com reservas, por força do art. 14, do anexo II. Fazendo uso da faculdade que lhe foi assegurada, a Lei 7.357/85 fixou os seguintes prazos:


      Art. 33 O cheque deve ser apresentado para pagamento, a contar do dia da emissão, no prazo de 30 (trinta) dias, quando emitido no lugar onde houver de ser pago; e de 60 (sessenta) dias, quando emitido em outro lugar do País ou no exterior.


     A entrega do cheque à câmara de compensação equivale à apresentação a pagamento. O ato de sua apresentação é de suma importância para a sua eficácia executiva, em se tratando de ação contra os endossantes e seus respectivos avalistas.


Art. 47 Pode o portador promover a execução do cheque:


(…)


II – contra os endossantes e seus avalistas, se o cheque apresentado em tempo hábil e a recusa de pagamento é comprovada pelo protesto ou por declaração do sacado, escrita e datada sobre o cheque, com indicação do dia de apresentação, ou, ainda, por declaração escrita e datada por câmara de compensação.


     O mesmo ocorre com relação ao emitente, se este tinha fundos disponíveis durante o prazo da apresentação e os deixou de ter por motivo que não lhe possa ser imputado:


§ 3º O portador que não apresentar o cheque em tempo hábil, ou não comprovar a recusa de pagamento pela forma indicada neste artigo, perde o direito de execução contra o emitente, se este tinha fundos disponíveis durante o prazo de apresentação e os deixou de ter, em razão de fato que não lhe seja imputável.


4.2. Do prazo prescricional


     O Decreto nº 2.592/1912 era omisso quanto à prescrição, razão pela qual se aplicava, por remissão, o disposto no art. 15 do Decreto nº 2.044/1908, segundo o qual a execução contra o emitente prescrevia em 05 (cinco) anos e contra seus respectivos avalistas e endossantes, o prazo era de 12 (doze) meses.


     Com a adesão do Brasil à Convenção de Genebra, passou a viger a Lei Uniforme sobre Cheques, a que veio ajustar-se a Lei 7357/85, que em seu art. 59 dispõe o seguinte:


Art. 59 Prescrevem em 6 (seis) meses, contados da expiração do prazo de apresentação, a ação que o art. 47 desta Lei assegura ao portador.


     Parágrafo único – A ação de regresso de um obrigado ao pagamento do cheque contra outro prescreve em 6 (seis) meses, contados do dia em que o obrigado pagou o cheque ou do dia em que foi demandado.


     Note-se que no caso de ação contra o emitente, o prazo tem início com o fim do prazo para apresentação, já no caso do avalista ou endossante, conta-se o prazo a partir do dia em que o coobrigado pagou o cheque ou do dia em que foi acionado.


     Decorrido o prazo para interposição da ação executiva, denominada de execução por titulo de crédito extrajudicial e regulada pelo art. 586, do CPC, prescrita esta a ação cambial, o que implica na perda da natureza cambiária do documento, com o fim de restringir a oponibilidade das exceções.


     Prescrita a ação executiva, resta assegurada ao portador a cobrança de seu crédito por meio da chamada ação de locupletamento ilícito, a qual se encontra prevista no art. 48 da Lei 2044/1908, e art. 61 da Lei 7.357/85, segundo o qual:


Art. 61 A ação de enriquecimento contra o emitente ou outros obrigados, que se locupletaram injustamente com o não-pagamento do cheque, prescreve em 2 (dois) anos, contados do dia em que se consumar a prescrição prevista no art. 59 e seu parágrafo desta Lei.


     Esta modalidade de ação tem como pressuposto fundamental o enriquecimento indevido do emitente e outros obrigados, em detrimento do credor de um cheque, sendo extensível ao portador da letra de câmbio e da nota promissória, embora com distinção quanto ao prazo para sua propositura, que, no caso destas, será de vinte anos.


      A ação de locupletamento ilícito não pode se dirigir contra a figura do avalista, cuja responsabilidade se extingue com o perecimento da eficácia cambial, podendo voltar-se contra o emitente ou outros obrigados.


5. Das formas de cheque


5.1. Cheque ao portador


     Cheque ao portador é aquele que não indica o beneficiário ou que em seu lugar tem inserida a expressão ao portador. Trata-se de expressão não essencial, pois estando em branco o espaço destinado ao nome do beneficiário o cheque será considerado ao portador. 


     O cheque será considerado ao portador, embora nominal ou nominativo, caso se acrescente ao nome do beneficiário ou tomador a expressão “ou ao portador”.


Art. 8º Pode-se estipular no cheque que seu pagamento seja feito:


(…)


III – ao portador.


5.2. Cheque com a cláusula “à ordem”


     A cláusula à ordem permite a transferência do título. Nos títulos à ordem o signatário se obriga a entregar ou mandar entregar à pessoa indicada ou “à sua ordem”, em tempo e lugar determinados, certa importância em dinheiro ou certa quantidade de coisas fungíveis. Ou seja, são aqueles títulos transferíveis por via de endosso.


     Mesmo que a expressão “à ordem” não se faça constar do titulo, considera-se o cheque como sendo transferível por endosso, e assegura-se a sua eficácia executiva, pois se trata de titulo à ordem por natureza, segundo se denota da Lei 7.357/85, comungando com o que preleciona o Decreto 2.591/1912 acerca da matéria.


Art. 17 O cheque pagável a pessoa nomeada, com ou sem cláusula expressa ‘’ à ordem’’, é transmissível por via de endosso.


5.3. Cheque com cláusula “não à ordem”


     Quando o cheque contiver, em lugar da expressão “à ordem”, a expressão “não à ordem”, não será possível a sua transferência a terceiro por endosso, senão pela cessão civil, conforme reza o art. 286 do Código Civil:


Art. 286. O credor pode ceder o seu crédito se a isso não se opuser a natureza da obrigação, a lei ou a convenção com o devedor.


     A cláusula não à ordem não extravasa os limites da eficácia cambial. Embora não seja possível a transferência do titulo por via do endosso, admite-se a cessão civil, mas com prejuízo de sua eficácia executiva. Deste modo, somente poderá ser exigido pela via ordinária, sem as características cambiais.


5.4. Cheque cruzado


     O cheque cruzado é utilizado para identificar o titulo do destino ao serviço de compensação. Sobre esta modalidade de cheque, dispõe o art. 38 da Lei Uniforme:


Art. 38 – Um cheque com cruzamento geral só pode ser pago pelo sacado a um banqueiro ou a um cliente do sacado.


Um cheque com cruzamento especial só pode ser pago pelo sacado ao banqueiro designado, ou, se este é o sacado, ao seu cliente.


O banqueiro designado, pode, contudo, recorrer a outro banqueiro para liquidar o cheque.


Um banqueiro só pode adquirir um cheque cruzado a um dos seus clientes ou a outro banqueiro. Não pode cobrá-lo por conta doutras pessoas que não sejam as acima indicadas.


Um cheque que contenha vários cruzamentos especiais só poderá ser pago pelo sacado no caso de se tratar de dois cruzamentos, dos quais um para liqüidação por uma câmara de compensação.


O sacado ou o banqueiro que deixar de observar as disposições acima referidas é responsável pelo prejuízo que daí possa resultar ate uma importância igual ao valor do cheque.


      Duas linhas paralelas cortam o cheque, o que o identifica como cruzado. O cruzamento pode ser em branco ou nominal, não podendo mencionar entre as linhas nenhum nome, caso em que será considerado cruzado em branco. Se mencionar entre as linhas paralelas o nome de algum estabelecimento bancário, será considerado cruzado nominal.


     A faculdade de cruzar o cheque é exclusiva do emitente e do portador , conforme determina o caput do art. 44 da Lei 7.357/85.


Art. 44 O emitente ou o portador podem cruzar o cheque, mediante a aposição de dois traços paralelos no anverso do título.


5.5. Cheque para creditar


     O cheque para creditar encontra-se previsto no art. 39 da Lei Uniforme, segundo o qual:


      Art. 39 – O sacador ou o portador de um cheque podem proibir o seu pagamento em numerário, inserindo na face do cheque transversalmente a menção “para levar em conta” ou outra equivalente.


     Neste caso o sacado só pode fazer a liquidação do cheque por lançamento de escrita (crédito em conta, transferência duma conta para outra ou compensação). A liquidação por lançamento de escrita vale como pagamento.


     A inutilização da menção “para levar em conta” considera-se como não feita.


     O sacado que deixar de observar as disposições acima referidas é responsável pelo prejuízo que dai possa resultar até uma importância igual ao valor do cheque.


      Trata-se de cheque que não pode ser pago em dinheiro, mas tão somente ser creditado em conta do beneficiário, sendo vedado seu cancelamento. O sacado só pode fazer a liquidação do cheque por lançamento de escrita, (crédito em conta, transferência entre contas ou compensação). A liquidação por lançamento de escrita vale como pagamento. A inutilização da menção “para levar em conta” considera-se como não feita.


     O sacado que deixar de observar as referidas disposições será responsável pelos prejuízos que possam resultar, no limite do valor do cheque. 


     A Lei 7.357/85 adotou a figura do cheque para creditar, estabelecendo em seu art. 46:


      Art. 46 O emitente ou o portador podem proibir que o cheque seja pago em dinheiro mediante a inscrição transversal, no anverso do título, da cláusula ‘’para ser creditado em conta’’, ou outra equivalente. Nesse caso, o sacado só pode proceder a Iançamento contábil (crédito em conta, transferência ou compensação), que vale como pagamento. O depósito do cheque em conta de seu beneficiário dispensa o respectivo endosso.


5.6. Cheque visado


     Consagrado pelo comércio em geral, o cheque visado encontra amparo no art. 7º da Lei 7.357/85, segundo o qual:


      Art. 7º Pode o sacado, a pedido do emitente ou do portador legitimado, lançar e assinar, no verso do cheque não ao portador e ainda não endossado, visto, certificação ou outra declaração equivalente, datada e por quantia igual à indicada no título.


     Visto o cheque, o banco debita o valor a ele correspondente na conta do emitente (sacador), reservando a respectiva quantia em benefício do portador legitimado. Esta quantia permanece à disposição do portador legitimado, durante todo o tempo da apresentação, após o qual, caso esta não ocorra, o cheque será estornado à conta do emitente.


     A Lei do Cheque não exonera o emitente, endossante e demais coobrigados e, tampouco vincula o sacado. O visto não tem o condão de garantir o pagamento, mas apenas de atestar a existência de fundos.


     Admite-se a sustação do pagamento, pelo que se extrai da norma do art. 36 da Lei Interna:


Art. 36 Mesmo durante o prazo de apresentação, o emitente e o portador legitimado podem fazer sustar o pagamento, manifestando ao sacado, por escrito, oposição fundada em relevante razão de direito.


5.7. Cheque em branco


     O cheque em branco encontra-se previsto no art. 16 da Lei Uniforme:


Art. 13 – Se um cheque incompleto no momento de ser passado tiver sido completado contrariamente aos acordos realizados, não pode a inobservância desses acordos ser motivo de oposição ao portador, salvo se este tiver adquirido o cheque de má fé, ou adquirindo-o, tenha cometido uma falta grave.


     Na eventualidade de alguém entregar a outrem um cheque em branco ou incompleto, e este, posteriormente, completá-lo, caberá ao sacador ou emitente provar a existência de ilícito, não prevalecendo a argüição contra terceiro de boa-fé.


     Acerca desta matéria, o governo brasileiro não exerceu a faculdade constante da reserva do art. 11 do anexo II, que permitiria não introduzir esta regra no direito pátrio. A lei brasileira não repete a norma da LUG na parte eu admitia também a oponibilidade do preenchimento abusivo do cheque ao portador que tenha cometido culpa grave na aquisição.


5.8. Cheque marcado


     Trata-se de ordem expedida pelo sacador sobre fundos existentes em poder do sacado. Não há nenhum vínculo entre sacador e sacado, ao contrário do que ocorre com a letra de câmbio. Esta modalidade de cheque, todavia, não é admitida pela Lei Interna, a qual, seguindo a orientação da Lei Uniforme, assim prescreve:


      Art. 6º O cheque não admite aceite considerando-se não escrita qualquer declaração com esse sentido.


5.9. Cheque de turismo (traveller´s check)


     Bastante utilizados, os chamados cheques de viagem são emitidos por estabelecimentos bancários em favor de terceiros, para serem pagos em quaisquer de suas agências ou correspondentes existentes no país ou no exterior.


     A Lei do Cheque, em seu art. 66 estatui que os cheques de viagem sejam regulados pelas disposições especiais a ele referentes. Os bancos vendem estes cheques isolados ou em talonários, com o valor determinado em seu texto. O viajante emite o cheque, identificando-se perante agência bancária ou casa de câmbio, em qualquer praça, assinando-o n local indicado. Conferindo a assinatura aposta anteriormente no alto do cheque, restará este emitido e pronto para ser pago.


5.10. Cheque fiscal       


     È o cheque emitido pelo Poder Público para a restituição de tributos cobrados em excesso ou destinado à poupança.


     São duas as espécies de cheque fiscal:


     ● de restituição de imposto de renda retido na fonte: com validade de seis meses a contar       da data do saque. È nominal ao contribuinte  que figura como beneficiário ou tomador.


     ● de poupança: destina-se à aplicação de incentivos fiscais, sacado em nome do         contribuinte contra o Banco do Brasil S/A e endossável às instituições financeiras      especificadas em lei. 


5.11. Cheque administrativo


     Consagrado no art. 6º da Lei Uniforme, e disciplinado no direito brasileiro pelo Decreto nº 24.777, que o estabelecia necessariamente nominal, é expressamente aceito pela Lei 7357/85, art. 9º, segundo o qual:


      Art. 9º O cheque pode ser emitido:


     (…)


     Ill – contra o próprio banco sacador, desde que não ao portador.


     Nada mais é do que o cheque emitido pelo próprio banco contra si mesmo, em favor de terceiro beneficiário. Nele as figuras do sacador e sacado se confundem, devendo ser, necessariamente, nominal ou nominativo. 


     O legislador brasileiro exercitou as faculdades constantes das reservas dos arts. 8º e 9º do anexo II, inclusive para estabelecer que o cheque administrativo não pode ser emitido ao portador, como aliás já era prescrito pelo Decreto 24.777/34. Não se admite cheque bancário ao portador que não concorra com a moeda e para não desvirtuar a natureza jurídica do instituto do cheque, por não se tratar de ordem de pagamento dada pelo emitente ao sacado em favor de terceiro. Isso porque o título não apresenta uma estrutura de saque, mas sim de obrigação subscrita pelo próprio emitente, que, ao mesmo tempo, figura na qualidade de sacado, consubstanciando, em verdade, promessa de pagamento.


5.12.   Cheque com pluralidade de exemplares       


     Em principio o cheque só pode ser emitido numa única via, seja ele ao portador ou nominal.


     A Lei Uniforme, entretanto, abre uma exceção, admitindo a emissão do cheque com pluralidade de exemplares. Isso ocorre tão somente com o cheque nominal, emitido num país para ser pago em outro, facultada é a emissão com vários exemplares.


     Assim dispõe a lei nominada:


      Art. 49 – Excetuado o cheque ao portador, qualquer outro cheque emitido num país é pagável noutro país ou numa possessão ultramarina desse país, e vice-versa ou ainda emitido é pagável na mesma possessão ou em diversas possessões ultramarinas do mesmo país, pode ser passado em vários exemplares idênticos.


     Quando um cheque é passado em vários exemplares, esses exemplares devem ser numerados no texto do próprio título, pois do contrário cada um será considerado como sendo um cheque distinto.


      Art. 50 – O pagamento efetuado contra um dos exemplares é      liberatório, mesmo quando não esteja estipulado que este             pagamento anula o efeito dos outros.


O endossante que transmitiu os exemplares do cheque a várias pessoas, bem como os endossantes subseqüentes, são responsáveis por todos os exemplares por ele assinados que não forem restituídos.


     Devem os exemplares ser numerados no próprio texto do título, representando todos os exemplares uma só obrigação ou valor, e o pagamento de um dos exemplares libera o emitente ou sacador do resgate dos demais, ainda que não esteja estipulado nos mesmos que este pagamento anula o efeito dos outros. Não numerados os exemplares, cada um deles será considerado um cheque distinto.


     Não há reserva aos dispositivos acima referidos, razão porque o principio vige entre nós, conquanto circunscrito ao âmbito internacional, como aliás proclama o art. 56 da Lei do Cheque.


Art. 56 Excetuado o cheque ao portador, qualquer cheque emitido em um país e pagável em outro pode ser feito em vários exemplares idênticos, que devem ser numerados no próprio texto do título, sob pena de cada exemplar ser considerado cheque distinto.


5.13.   Cheque pós-datado    


     Vulgarmente denominado cheque pré-datado, este cheque tem data posterior àquela em que realmente foi emitido. Sua adoção, antes restrita à agiotagem, tornou-se comum no sistema crediário dos estabelecimentos comerciais, ampliando sensivelmente sua circulação.


     A emissão deste tipo de cheque, contudo, tem alterado sensivelmente sua função, transformando a ordem de pagamento à vista em mera promessa de pagamento, embora mantida sua eficácia executiva extrajudicial.


     Sobre estes e outros aspectos desta modalidade de cheque, abordaremos mais detidamente no capítulo a seguir. 


6. Do cheque pós datado


6.1. Conceito


     O cheque pós datado, numa linguagem simples, nada mais é senão um cheque preenchido com data posterior àquela em que efetivamente foi emitido, com o objetivo de que sua apresentação e compensação se dêem em data posterior à data em que foi utilizado como pagamento.


     Como se pode extrair do conceito supra, criou-se entre os brasileiros a prática de se ajustar entre sacador e beneficiário (constantes ou não do título) um prazo ou termo para sua apresentação e compensação. Quando se fala em prazo, referimo-nos a um período de tempo desde a emissão até a apresentação, como, por exemplo, 10 (dez) dias. Já o termo se refere a data futura determinada, como, por exemplo, 05 de agosto de 2007. Ao proceder desta forma, o sacador obtém maior prazo para adimplemento de suas obrigações, ao passo que o beneficiário fica de posse de um título que lhe concede maior garantia do pagamento.


     Para Luiz Vicente Cernichiaro[3], “ “há, sem dúvida, evidente incentivo às transações. O comprador não precisa esperar o dia do pagamento para efetuar a compra. E mais. “Amolda, ajustando com o vendedor, as datas de vencimento de parcelas”. Tal afirmação, partindo de um integrante de uma das mais altas Cortes deste país permite-nos concluir pelo caráter lícito da utilização da figura do cheque pós datado.


 6.2. Natureza jurídica


     Como dito anteriormente, embora houvesse previsão legal no sentido de que o cheque seria uma ordem de pagamento à vista, tal fato não impediu o seu desvirtuamento no cotidiano dos brasileiros, os quais se utilizam do título com contratação de prazo ou termo para apresentação. Note-se, contudo que, muito embora a lei do cheque prescreva que será considerada não escrita qualquer cláusula que contrarie a previsão de ser um título pagável à vista, não lhe vedou a emissão com data futura, não lhe afirmou a ilicitude.


     O caráter lícito do cheque pós datado, bem como a sua validade e eficácia foram expressamente reconhecidos pela jurisprudência pátria, tomando-se como exemplo a seguinte decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul[4]:


CHEQUE – EMISSÃO PARA PAGAMENTO FUTURO – É válido e eficaz o cheque antedatado ou pós-datado, pois ainda permanece como ordem de pagamento à vista, não desconfigurada a sua cartularidade, ainda que desviada de sua função. Irregularidade que não lhe retira a validade. Defesa extra cartular. Terceiro endossatário de boa-fé. Impossibilidade de oposição pelo emitente de exceção causal. Ações e exceções que se originam do negócio subjacente: cambiária e não-cambiária. Diferenças e efeitos. Embargos desacolhidos em 1º grau. Decisão mantida.


     A pós-datação gera uma forma de obrigação contratual entre as partes acordantes, uma convenção entre emitente e tomador, pela qual este se obriga a só apresentar o cheque na data estipulada, embora, pela lei, pudesse fazê-lo a qualquer tempo. Sendo um acordo entre as partes, seus efeitos não atingem o banco depositário, sendo válida sua compensação. Esse entendimento já é majoritário entre os doutrinadores e operadores do direito, que admitem que o acordo entre as partes só desnatura o título como cheque comum, persistindo suas outras características de natureza cambial.


     O cheque pós datado, portanto, é instituto juridico revestido de duas naturezas: uma cambiária (titulo de crédito), mantendo-se a sua principal caracteristica de ordem de pagamento à vista e que pode ser apresentada e compensada em data diversa da pactuada e outra contratual; tratando-se de acordo de contades por meio do qual se estipula o modo de pagamento daquilo que foi contratado ou adquirido pelo emitente.


7. Dos efeitos da compensação antecipada do cheque pós-datado


     Como visto, a pós datação do cheque não lhe é suficiente a retirar sua cartularidade, o que possibilita sua apresentação e pagamento quando apresentado ao banco sacado, mesmo antes da data pactuada entre o sacador e o beneficiário.


     O festejado Fábio Ulhôa Coelho[5], ensina que


             “Está se desenvolvendo o entendimento de que o comerciante, ao aceitar pagamento com cheque pós-datado, assume obrigação de não fazer, consistente em abster-se de apresentar o título ao sacado antes da data avençada com o consumidor. De modo que o descumprimento dessa obrigação acarretaria o dever de indenizar o emitente. Nesse contexto, no julgamento da Apelação Cível nº 238/91, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro confirmou a decisão de primeiro grau (18a Vara Cível da Comarca do Rio de Janeiro), na parte relativa ao reconhecimento do dever de indenizar do comerciante que anunciou a aceitação de cheques pós-datados e apresentou-os antes do prazo combinado com o consumidor.


     Desta forma, a conduta do beneficiário de levar o cheque à apresentação em data diversa daquela pactuada, lançada no título, age de forma ilícita, traindo a boa-fé e a confiança que deve presidir as relações contratuais. Referida conduta, como reiteradamente vêm decidindo nossos tribunais é passível de indenização, pois inadmissível seria deixar impune a conduta do beneficiário do cheque pelos prejuízos normalmente causados a quem vê antecipado o vencimento de uma obrigação, muitas vezes sem a provisão de fundos necessária ao pagamento da mesma, gerando-lhe transtornos morais e financeiros.


     A título de exemplo, colacionamos a este trabalho julgado proferido pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal, segundo o qual:


     Ação de Indenização por Danos Morais. Cheque pós-datado. Apresentação antes da data aprazada. Danos morais configurados. Indenização devida. Ilegitimidade passiva descartada. Sentença mantida. 1. O cheque é uma ordem de pagamento à vista, porém, nada impede que as partes convencionem o seu depósito para uma determinada data, prática corriqueira e por demais usual no comércio. 2. A responsabilidade pela reparação do dano recai, obviamente, sobre quem lhe deu causa. Age de forma ilícita, traindo a boa fé e a confiança que deve existir nas relações de consumo, o comerciante que recebe do consumidor cheque “pós-datado” e, antes da data aprazada para sua apresentação, o repassa a terceiro, o qual vem imediatamente a depositá-lo, causando prejuízo ao emitente que, por não estar aguardando a apresentação, não mantém no banco saldo suficiente para cobri-lo, vindo a ter sua imagem maculada e seu direito de crédito abalado, pela inscrição indevida de seu nome no Cadastro de Emitentes de Cheques sem Fundos – CCF.Decisão: Rejeitar a preliminar de ilegitimidade passiva e, no mérito, negar provimento.


     TJDF. (20040310063515ACJ, Relator JESUÍNO RISSATO, Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do D.F., julgado em 31/08/2004, DJ 11/10/2004 p. 46)


     Cumpre esclarecer, ainda, que com relação às instituições bancarias não há que se falar em responsabilidade pela antecipada compensação de cheque. A jurisprudência nesse sentido é uníssona, sendo este também o entendimento do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, senão vejamos:


APELAÇÃO CÍVEL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. DEVOLUÇÃO DE CHEQUES SEM FUNDOS. SALDO INSUFICIENTE. NEGATIVAÇÃO NO SERASA. EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO. 1. Tratando-se de cheque depositado antes da data aprazada, a responsabilidade não é do banco, mas de quem efetua o depósito antes da data. 2. Neste caso, os débitos efetuados na conta corrente foram superiores aos créditos, donde se conclui que o saldo existente era insuficiente para cobrir o valor do cheque reclamado. 3. Quando o cheque é reapresentado e retorna por falta de fundos, é lícito o envio do nome dos autores aos cadastros restritivos de crédito, pois trata-se de exercício regular de direito. 4. Improvimento das apelações. (TJRJ. Proc. nº 2006.001.13590 – Apelação Cível Des. Jose Carlos Paes – Oitava Câmara Cível)


     Em se tratando de relações de consumo, aplica-se o Código de Defesa do Consumidor no sentido de resguardar os direitos daquele que foi prejudicado por oferta de prazo através do cheque, tendo sido descumprida tal oferta com a apresentação antecipado do título. Rege o art. 30 a obrigação de quem publicou anúncio de fazer cumprir o publicado na íntegra. Sendo proibida, segundo o art. 37 “toda publicidade enganosa ou abusiva.” É relevante lembrar que no direito consumerista o ônus da prova cabe ao comerciante e não ao consumidor, no caso, tendo este que provar a não apresentação antecipada.


     Conclui-se, de forma singela, que a prática de emissão de cheque com data de apresentação posterior é de pacífica aceitação pelo ordenamento jurídico. Tal prática encontra-se amparada não apenas pelo direito civil, como também pelo consumerista, dada a relação contratual efetivada entre as partes, como também pela publicidade geralmente veiculada pelo comerciante.


     A emissão de títulos de crédito e sua rápida circulação é atividade fundamental para a evolução da economia, sendo claro e objetivos seus limites e direitos. Nas palavras de Fran Martins: “Com o aparecimento dos títulos de crédito e a possibilidade de circulação fácil dos direitos neles incorporados, o mundo na verdade ganhou um dos mais decisivos instrumentos para o desenvolvimento e o progresso”.


     Mas em que pese a evolução do nosso ordenamento no que tange ao reconhecimento e determinação dos efeitos do instituto, mister se faz a positivação de normas claras a respeito do tema, a exemplo do que fizeram os ordenamentos da Argentina e Uruguai que criaram o chamado cheque de pago diferido.


     De acordo com o art. 52 do Código Civil de La República Argentina:


art. 52: El cheque de pago diferido es una orden de pago librada a días vista, a contar desde su presentación para registro en una entidad autorizada, contra la misma u otra en la cual el librador a la fecha de vencimiento debe tener fondos suficientes depositados a su orden en cuenta corriente o autorización para girar en descubierto, dentro de los límites de registro que autorice el girado.


Sin perjuicio de las responsabilidades en que incurra por el derecho común, bajo ninguna circunstancia el girado será responsable si el cheque no es pagado a su vencimiento. Ni el registro del cheque, ni la determinación de límites de registro generan responsabilidad.


     O ordenamento uruguaio, por sua vez, estabelece no art. 3º da Lei 14.412:


     Artículo 3º.- El cheque de pago diferido es una orden de pago que se libra contra un banco en el cual el librador, a la fecha de presentación estipulada en el propio documento, debe tener fondos suficientes depositados a su orden en cuenta corriente bancaria o autorización expresa o tácita para girar en descubierto.


     Ainda em relação à referida lei, cumpre observar que dedica capítulo especial exclusivamente ao tratamento do cheque de pago diferido, ou seja, ao cheque pós datado. Eis aí um bom exemplo a ser seguido pelo legislador brasileiro.


Referências


ALMEIDA, Amador Paes de. Teoria e prática dos títulos de crédito. 25.ed., São Paulo: Saraiva, 2006.


BULGARELLI, Waldirio. Títulos de crédito. 10.ed., São Paulo: Atlas, 1994.


COELHO, Fábio Ulhôa. Curso de direito comercial. v.2., 2.ed., São Paulo: Saraiva, 1999.


__________. Código Comercial e Legislação Complementar Anotados. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.


MARTINS, Fran. Títulos de Crédito. v.2., 11. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1999.


ROSA JUNIOR, Luiz Emygdio Franco da. Títulos de crédito. 2.ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2002.


SIDOU, Othon. Do cheque. 2.ed., Rio de Janeiro-São Paulo: Forense, 1976.



Notas:


[1] ROSA JUNIOR, Luiz Emygdio Franco da. Títulos de crédito. 2.ed. Rio de Janeiro-São Paulo: Renovar, 2002, p.506.


 [2] MARTINS, Fran. Títulos de crédito. 2v., 11.ed., Rio de Janeiro: Forense, 1999, p.11. 




[3] Cheque Pré-datado no Brasil. In: Revista Consulex. Ano 3, n. 25, p. 54, jan. 1999.




[4] (TJRS, Apelação Cível n.º70002596880, 9ª Câmara Cível, Rel.(a) Des.(a) Mara Larsen Chechi, julgado em 30 de outubro de 2002).


 [5] Código Comercial e Legislação Complementar Anotados, 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 457




Informações Sobre o Autor

Ademir de Oliveria Costa Júnior

Advogado. Mestrando em Direitos Fundamentais pela UNIFIEO, especialista em Direito Processual Civil pela Mackenzie e especialista em Direito Empresarial pela Unisinos.


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Equipe Âmbito Jurídico

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