A proteção ao consumidor foi agasalhada pela Carta Política de 1988, que incorporou em suas normas programáticas as recentes tendências do direito público moderno, consubstanciada no inciso XXXII do artigo 5º, in verbis: “ O Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor.”1
Esse resguardo faz-se necessário, na sociedade atual, visto que a produção e o consumo se realizam em grande escala. A Constituição procura, pois, reforçar a defesa do consumidor, de sorte que o fabricante deve arcar com maior ônus e responsabilidade, na equação consumidor – produtor.
Para o Código de Proteção e Defesa do Consumidor2 – Lei 8078, de 11 de setembro de 1990 – consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Destacam-se, entre os direitos básicos do consumidor, a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas, a facilitação da defesa de seus direitos, com a inversão do ônus da prova a seu favor, a efetiva prevenção e reparação dos danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos. Os direitos previstos neste Código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos e dos princípios gerais do direito, analogia ou costumes.
E o parágrafo único do artigo 2º equipara a consumidor a coletividade de pessoas, mesmo que indetermináveis, o que leva a abranger nesta expressão a Administração Pública.
No direito português, consumidor é todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados ao uso não profissional, por pessoa que exerça com caráter profissional uma atividade econômica que vise a obtenção de benefícios.3
O Protocolo de Montevidéu fornece os seguintes conceitos: “Artículo 3 – Consumidor – 1 Consumidor es toda persona física o jurídica que adquiere o utiliza productos o servicios como destinatario final en una relación de consumo o en función de ella. 2. No se considera consumido r o usuario a aquél que sin constituirse en destinatario final, adquiere, almacena, utiliza o consume productos o servicios con el fin de integrarlos en procesos de producción, transformación, comercialización o prestación a terceros.
Artículo 4 – Proveedor – Proveedor es toda persona física o juridica, pública o privada, nacional o extranjera asi como los entes despersonalizados, en los Estados-Partes, cuya existencia esté contemplada en su ordenamento jurídico, que desarrollen de manera profesional actividades de producción, montaje, creación seguida de ejecución, construcción, transformación, importación, distribución y comercialización de productos y / o servicios en una relación de consumo.
Artículo 5 – Relación de consumo – 1. Relación de consumo es el vínculo que se establece entre el proveedor que, a título oneroso, provee un producto o presta un servicio y quien lo adquiere o utiliza como destinatario final. 2. Equipárase a ésta la provisión de productos y la prestación de servicios a titulo gratuito cuando se realicen en función de una eventual relación de consumo.”4
Fábio Konder Comparato conceitua o consumidor como sendo aquele que se acha na posição de usar ou consumir, estabelecendo-se uma relação potencial ou fáctica, a que se deve dar uma valoração jurídica, para protegê-lo e reparando-lhe os danos sofridos, com o que se alcançam todos que se encontram na posição de consumir.5
Edilson Pereira Nobre Júnior ensina que a “expressão destinatário final é de ser interpretada de sorte a significar destinatário fático e econômico do bem ou serviço, trate-se de pessoa física ou jurídica. Não é bastante a destinação fática, em que o adquirente, apesar de retirar o bem ou serviço do mercado, poderia utilizá-lo como instrumento de produção. Dessa maneira, o exercício de atividade profissional, produzindo lucro, retiraria o contratante da esfera de incidência do CDC.”6
Sem dúvida, aplica-se o Código de Proteção e Defesa do Consumidor, ainda que se trate de contrato administrativo, quando a contratante é a Administração, no sentido que lhe dá a Lei 8666/93, sendo ela consumidora ou usuária, porque adquire ou utiliza produto ou serviço, como destinatária final. A lei não faz distinção entre as pessoas jurídicas que adquirem bens ou usufruem serviços. Não há por que se lhe negar a proteção do CPDC, já que o Estado consumidor ou usuário é a própria sociedade representada ou organizada.
Este também é o pensamento de Celso Bastos, que não exclui o Estado quando adquire produtos ou é usuário.7
A Administração Pública compreende a administração direta e a indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e abrange as entidades com personalidade jurídica de direito privado sob controle do Poder Público e das fundações por ele instituídas e mantidas.8
Na relação contratual estabelecida pela Lei de Licitações e Contratos a posição da Administração, em regra, é a de usuária ou adquirente de bens, consumidora final, não sendo fornecedora. Esta, na linguagem do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeiram, ou os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
Indubitavelmente, poderá também estar nessa posição, quando for fornecedora ou prestadora de serviços, e, como tal, deverá responder.
Mas não se lhe pode recusar, quando for usuária ou consumidora, como destinatária final, a proteção legal, como a reparação de danos patrimoniais ou por defeitos relativos à prestação de serviços públicos.
Não se alegue que a Administração, gozando das benesses da lei especial, a que se submetem os contratos administrativos, não necessita do agasalho do Código.
Realmente, o artigo 76 da Lei 8666/93 dispõe que a Administração rejeitará, no todo ou em parte, a obra, o fornecimento ou o serviço executado, contrariamente aos termos do contrato, ensejando assim a rescisão, com as conseqüências contratuais, legais e regulamentares.
Não obstante, basta cotejarem-se os dois diplomas legislativos, para se concluir que nem todas as situações previstas no Código estão relacionadas na Lei de Licitações e Contratos e vice-versa.
Há hipóteses, consagradas no artigo 74 deste diploma, que prevêem o recebimento definitivo, com a faculdade de dispensa do recebimento provisório. Este destina-se a permitir que a Administração faça o acompanhamento e a fiscalização, em se tratando de serviços e obras, e, na hipótese de compras ou locação de equipamentos, possa realizar posteriormente a verificação da conformidade do material com a especificação. Contudo, a lei autoriza a dispensa desse recebimento provisório, nos casos de gêneros perecíveis, alimentação preparada e serviços profissionais. Quando se tratar de compras ou abastecimento de navios, embarcações ou unidades aéreas ou tropas, dada a urgência e necessidade premente, poder-se-á dispensar a licitação, se dentro dos limites do artigo 23, I, a . Vale dizer: se a Administração não é obrigada a fazer o recebimento provisório, em determinadas circunstâncias, ou é obrigada a adquirir bens movida pela premência e necessidade, dispensando até a licitação, não se pode imaginar que o legislador fosse tão desavisado, a ponto de excluir a Administração da proteção do CPDC, deixando-a ao desamparo total. E, inequivocamente, não o fez.
Tome-se, por exemplo, a prestação dos serviços de telefonia, fornecimento de gás, água e luz. Apregoar-se que a entidade privada ou pública, por ser parte da Administração, está afastada do manto protetor da Lei 8078/90 é simplesmente absurdo e não se compatibiliza com o artigo 2° do Código. Servindo-se a Administração, como qualquer particular, dos serviços prestados por concessionárias do serviço público, não tem cabimento sua exclusão da proteção legal, o que feriria, brutalmente, a Constituição, que agasalha todo consumidor, sem exclusão de quem quer que seja.
Aliás, o artigo 54 expressamente indica, com precisão matemática, que os contratos administrativos se regem pelas suas cláusulas e pelos preceitos de direito público e de direito privado e, ainda, pela teoria geral dos contratos, numa harmônica constelação. É também a manifestação de Marcos Juruena Villela Souto.9
Devem, portanto, comungar-se as normas da lei especial de contratos com o CPDC.
Entretanto, Caio Tácito exclui os consumidores intermediários ou os que se valem de produtos ou serviços, como bens de produção, e considera os órgãos públicos verdadeiros fornecedores, consumidores intermediários, porque se utilizam de bens ou serviços como instrumentos de execução de seus serviços.10
Também Marçal Justen desaconselha a aplicação do Código do Consumidor, ainda que, subsidiariamente, no tocante à responsabilidade por vício do produto ou do serviço, visto que a Administração define a prestação a ser executada pelo particular, assim como as condições contratuais que regerão a relação jurídica.11
Data maxima venia, não se há de recusar à Administração, quando consumidora ou usuária final, o direito à modificação de cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou a sua revisão em vista de fatos supervenientes, tornando-as por demais onerosas, nem impedir se valha de outros direitos previstos no Código.
Sem embargo de dispor ela de legislação própria, a lei especial de proteção ao consumidor não a exclui de sua incidência, pois nenhum dos dispositivos da Lei de Licitações e Contratos lhe fornece direta proteção, quando, na posição de consumidora final ou usuária de serviços, vê-se prejudicada. O único dispositivo que apresenta certa similitude com as normas do Código é a regra do § 5º do artigo 65 da Lei 8666/93, ao determinar a revisão dos preços contratados, para menos, se houver a extinção ou alteração de tributos ou encargos legais ou ainda pela superveniência de disposições legais, que produzam efetiva repercussão nos preços.
Toshio Mukai adverte, com muita propriedade, que o Código pode e deve ser invocado pela contratante, já que, ao contratar o fornecimento de bens ou serviços, coloca-se na condição de destinatária final e, portanto, o manto protetor dessa lei não pode ser ignorado. Entretanto, ao prestar serviços públicos, poderá também estar na posição de fornecedor, submetendo-se às regras do artigo 22 e seu parágrafo único desse diploma.
O Procurador da Fazenda Nacional Aldemario Araujo Castro concorda que existe uma infinidade de situações em que a administração, como destinatária final, adquire bens e serviços sem licitação ou contrato administrativo formal, a exemplo das despesas de pronto pagamento, via suprimento de fundos, onde é irrecusável que a única proteção contra vícios típicos da atividade de consumo reside no Código de Proteção e Defesa do Consumidor.
Entende, da mesma forma, Jorge Ulisses Jacoby Fernandes, na sua didática obra, COMPRAS PELO REGISTRO DE PREÇOS. Leciona, com ênfase, que o Código de Defesa e Proteção do Consumidor pode ser utilizado pela Administração, sempre que se sentir prejudicada por fornecedor ou prestador de serviços.12
Todos os preceitos, que disciplinam a alteração contratual, para restaurar o equilíbrio econômico – financeiro, visando restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da Administração para a justa remuneração, têm em vista sempre a contratada, excepcionada a hipótese do § 5º citado.
Destarte, têm plena aplicação, no que couber, as disposições da Lei 8078/90.
EM CONSEQÜÊNCIA:
Aplicam-se, no que couber, as disposições do código de proteção e defesa do consumidor.
A administração pública, na relação contratual estabelecida pela lei de licitações e contratos, em regra é a usuária, adquirente de bens, consumidora final, não sendo fornecedora, mas também poderá ficar nesta posição e, então, como tal, deverá responder.
Notas:
1. Consultem-se também os artigos 150, §5º, 170, V, e 48 do ADCT. O citado artigo 48 determinava a elaboração, pelo Congresso Nacional, do Código, que foi finalmente editado com a Lei 8078, de 11 de setembro de 1990.Consultem-se, ainda, o Decreto 2.181, de 20 de março de 1997 (DOU 21.3.97 ) que dispõe sobre a organização do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC), estabelece as normas gerais de aplicação das sanções administrativas previstas na Lei. 8.078, de 11.9.1990, revoga o Decreto. 861, de 9.7.1993, e dá outras providências, e a Portaria MJ/SDE Nº 4, DE 16 de março de 1998.
2. CPDC.
3. Cf. Lei do Consumidor – Lei 24, de 31 de julho de 1996, apud Coletânea de Legislação – Dos Contratos de Consumo em Especial, elaborada pela Professora Ângela Frota, Coimbra Editora, 1997.
4. Cf., de Nelson Santiago Reis, O Consumidor e a Globalização. Protocolo de Montevidéu, in TEIA JURÍDICA, INTERNET: http://www.teiajuridica.com/a/amecons.htm.
5. Cf. Citação de Celso Bastos, in Comentários à Constituição do Brasil, Saraiva, 2º volume, 1989, p.160. Cf. o comentário inserido em A Constituição na Visão dos Tribunais, Tribunal Regional da 1ª Região, Juiz – Diretor Fernando da Costa Tourinho, Neto, Editora Saraiva, volume I, págs. 64/66, 1997.
6. Cf. aut. cit. , A Proteção Contratual no Código do Consumidor e o Âmbito de sua Aplicação, in Teia Jurídica cit.
7. Cf. op. cit., p. 160.
8. Cf. artigo 6º da Lei 8666/93.
9. Cf. Licitações & Contratos Administrativos, ADCOAS – ESPLANADA, 2ª edição, 1ºvolume, p. 170.
10. Cf. Temas de Direito Público ( Estudos e Pareceres ), 1º volume, Renovar, 1997, p. 613.
11. Cf. Comentários á Lei de Licitações e Contratos Administrativos, AIDE EDITORA, 4ª edição, 1996, p. 421.
12. Cf. op. cit., Editora Juarez de Oliveira, São Paulo, 1998.
escritor, poeta, jornalista, advogado, subprocurador-geral da Fazenda Nacional aposentado, especialista em Direito do Estado e metodologia do ensino superior, conselheiro e presidente da Comissão de Arbitragem da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Distrito Federal, juiz arbitral da American Arbitration Association, Nova York, USA, juiz arbitral e presidente do Conselho de Ética e Gestão do Centro de Excelência de Mediação e Arbitragem do Brasil, vice-presidente do Instituto Jurídico Consulex, acadêmico do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal (diretor-tesoureiro), da Academia de Letras e Música do Brasil, da Academia Maçônica de Letras do Distrito Federal, da Academia de Letras do Distrito Federal, da Associação Nacional dos Escritores, da Academia Brasileira de Direito Tributário e membro dos Institutos dos Advogados Brasileiros, de São Paulo e do Distrito Federal, Entre suas obras, destacam-se: LITERÁRIAS: Hebreus – História de um povo, Orquestra das cigarras, ensaios, contos, poesias e crônicas. Crônicas e poesias premiadas. JURÍDICAS: Responsabilidade Tributária, Execução Fiscal, Medidas Provisórias (esgotadas), Medidas Provisórias – Instrumento de Governabilidade. Ensaios sobre Crimes de Racismo, Contratos Administrativos, arbitragem, religião. Condecorações e medalhas de várias instituições oficiais e privadas.
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