A polêmica em torno da isenção da COFINS é tamanha que envolve aspectos diversos sobre os mesmos atores, ou seja, o fisco, as sociedades prestadoras de serviço e a justiça.
Primeiro, no que tange a possibilidade ou não das sociedades prestadores de serviço serem isentas do pagamento da COFINS.
Depois, pelo conflito que envolve esta isenção, ou melhor, a discussão entre Lei Complementar n°. 70/91 e a Lei Ordinária n°. 9.430/96. E, recentemente com mais o reforço da Súmula 276 do STJ.
Por fim, a análise da sociedade prestadora de serviço, em comparação com o trabalhador assalariado e a alta carga tributária enfrentada pela primeira.
O assunto é único, a isenção da COFINS para as sociedades prestadoras de serviço. Todavia, as questões intrínsecas são diversas. Devemos, primeiramente, enfrentar a grande confusão acerca da isenção, para posteriormente, abordar a comparação com o trabalhador assalariado.
A questão que envolve a isenção da COFINS, e, notadamente as sociedades civis, por possuírem direito à mencionada isenção, em decorrência do art. 6º, II, da Lei Complementar nº. 70/91, e pela revogação da isenção através da Lei Ordinária n°. 9.430/96.
O Decreto-Lei nº. 2.397/87, citado no inciso II do artigo 6º da Lei Complementar nº. 70/91, em seu artigo 1º, classificou as sociedades civis que estariam enquadradas em tal isenção, quais sejam:
A partir do exercício financeiro de 1989, não incidirá o Imposto de Renda das pessoas jurídicas sobre o lucro apurado, no encerramento de cada período-base, pelas sociedades civis de prestação de serviços profissionais relativos ao exercício de profissão legalmente regulamentada, registrada no Registro Civil das Pessoas Jurídicas e constituídas exclusivamente por pessoas físicas domiciliadas no país. (grifo nosso)
Nota-se que as únicas exigências para as sociedades civis gozarem de tal isenção são:
I-sociedades civis de prestações de serviços profissionais relativos ao exercício de profissão legalmente regulamentada;
II-registradas no Registro Civil das Pessoas Jurídicas;
III-constituídas exclusivamente por pessoas físicas domiciliadas no país.
Inicialmente, o direito à isenção tributária da COFINS foi contestado pela Receita Federal, que argumentava que o direito ao benefício da isenção da COFINS prevista na Lei Complementar nº. 70/91 estaria condicionado à opção pelo regime de tributação para o imposto de renda.
Em 1996, um contra-ataque ratificou a questão, com a edição da Lei Ordinária n°. 9430/96, que em seu artigo 56, revogava a isenção contida na Lei Complementar n°. 70/91:
As sociedades civis de prestação de serviços de profissão legalmente regulamentadas passam a contribuir para a seguridade social com base na receita bruta da prestação de serviços, observadas as normas da Lei Complementar nº. 70, de 30 de dezembro de 1.991.
As sociedades civis que acabavam de perder um privilégio, instituído por lei complementar e revogado por lei ordinária, inundaram os tribunais, sob a alegação de que houve quebra do princípio da hierarquia das leis.
Alegava-se que um benefício instituído por lei complementar só poderia ser subtraído por outra lei complementar, nunca por lei ordinária, pois a primeira é hierarquicamente superior à segunda.
Portanto, o argumento a favor das sociedades civis, foi sempre o de que a lei ordinária n°. 9430/96 seria inconstitucional em relação à lei complementar n°. 70/91, já que a própria Constituição Federal imprimira à lei complementar, um status de lei hierarquicamente superior à lei ordinária.
Para tanto devemos estudar as diferenças entre Lei complementar e Ordinária.
No Artigo 59 da Carta Constitucional, dentre as várias espécies normativas temos:
O processo legislativo compreende a elaboração de:
I – emendas à Constituição;
II – leis complementares;
III – leis ordinárias;
IV – leis delegadas;
V – medidas provisórias;
VI – decretos legislativos;
VII – resoluções.
As leis complementares, previstas no art. 59 da CF, não constituem uma categoria uniforme.
Existem aquelas que se aplicam no âmbito nacional (arts. 146; 155, § 2º, X, a e XII; 156, III e § 3º, I e II; 165, § 9º) e outras que se aplicam apenas na esfera da União (art. 153, VII; 148; 154, I), o que afasta a tese de sua superioridade, fundada na abrangência maior do campo de atuação.
O que não comprova não haver uma hierarquia da Lei Complementar sobre a Lei Ordinária.
Sobre o assunto Celso Ribeiro Bastos, in Curso de Direito Constitucional, Editora Saraiva, 18. º Edição, página 355:
Não existe hierarquia entre as espécies normativas elencadas no artigo 59 da Constituição Federal. Com exceção das Emendas, todas as demais espécies se situam no mesmo plano.
A lei complementar não é superior à lei ordinária, nem esta é superior à lei delegada, e assim por diante.
O que distingue uma espécie normativa da outra são certos aspectos na elaboração e o campo de atuação de cada uma delas. (grifo nosso)
Lei complementar não pode cuidar de matéria de lei ordinária, da mesma forma que lei ordinária não pode tratar de matéria de lei complementar ou de matéria reservada a qualquer outra espécie normativa, sob pena de inconstitucionalidade.
De forma que, se cada uma das espécies tem o seu campo próprio de atuação, não há porque falar em hierarquia. Qualquer contradição entre essas espécies normativas será sempre por invasão de competência de uma pela outra. Se uma espécie invadir o campo de atuação de outra, estará ofendendo diretamente a Constituição. Será inconstitucional. (grifo nosso)
Para HUGO DE BRITO MACHADO [1] o CTN nunca deixou de ser lei ordinária, embora disponha matéria de lei complementar: “Muitos afirmam que o CTN é hoje uma lei complementar, não obstante tenha sido aprovado como lei ordinária. A afirmação precisa ser explicada. Na verdade o CTN continua sendo uma lei ordinária. Ocorre que ele trata de matéria que, hoje, está reservada a lei complementar. Matéria que hoje somente por lei complementar pode ser tratada. Assim, é evidente que os seus dispositivos, que tratam de matéria hoje privativa de lei complementar, só por essa espécie normativa podem ser alterados”.
As palavras do renomado tributarista apenas reforçam a teoria da equivalência entre as leis. Sendo assim, ainda existe uma controvérsia, já que existem duas leis com disposições contrárias sobre o mesmo assunto.
E como resolver tal questão? Se existe equivalência entre as leis, dever-se-ia adotar a máxima que a lei posterior revoga a anterior?
Entretanto, nesta questão existe um entendimento pacífico, que somente Lei Complementar poderá revogar outra Lei Complementar e somente Lei Ordinária revogará Lei Ordinária. Com isso existe um movimento circular sem solução.
A resposta está numa análise mais aprofundada sobre os dispositivos originários do problema.
A Lei Complementar nº. 70/91 não se limitou a instituir a COFINS. Outorgou, também, a isenção a favor das sociedades civis, conferindo-lhes todas as garantias jurídicas que decorrem dessa espécie normativa, caracterizada pela exigência de quorum específico e qualificado.
Dessa forma, pouco importa que tenha o legislador a faculdade de instituir um determinado tributo, por meio de lei ordinária. No instante em que a lei complementar foi eleita como instrumento legislativo, para criar a contribuição social e, ao mesmo tempo, outorgar a isenção específica, este instrumento normativo passou a ser o único apto a promover a sua revogação ou alteração parcial, sob pena de ferir o princípio da segurança jurídica, inserto no art. 5º da CF e protegido em nível de cláusula pétrea. Imagine-se uma isenção outorgada, por vontade da maioria absoluta dos congressistas, ser eventualmente revogada por meio de votos de liderança, uma minoria inexpressiva, como costuma ocorrer na aprovação de leis ordinárias. [2]
No campo formal, para sua aprovação, a lei complementar exige maioria absoluta, enquanto que a lei ordinária exige maioria simples no Congresso Nacional. Na seara material, a primeira trata de assuntos de inequívoco interesse e importância social sendo a própria Constituição que elege tais matérias. A segunda vai tratar de todas as matérias que não pertencerem por determinação constitucional, a qualquer das demais espécies normativas, na verdade atuará no campo residual.
Eis que os Tribunais começaram a pacificar a emblemática polêmica.
Nas primeiras discussões judiciais, o fisco sustentava que, na melhor das hipóteses, a isenção só poderia favorecer as sociedades sujeitas à apuração do resultado pelo lucro real. Após inúmeras decisões favoráveis aos contribuintes[3], aquela Corte de Justiça editou a Súmula 276, nos seguintes termos:
As sociedades civis de prestação de serviços profissionais são isentas de Cofins, irrelevante o regime tributário adotado.
E, apesar da Fazenda ainda estar tentando obter uma nova modificação ao suscitar a questão para o Supremo Tribunal Federal, por hora, ao menos até o STJ, a isenção das sociedades prestadoras de serviço tem sido concedida, apesar de ainda não ser matéria pacificada, mesmo com a existência da súmula.
O tamanho esmero por parte do fisco em impedir a pacificação da isenção reside apenas e tão somente no interesse arrecadatório que envolve a questão, visto que, se for concedida a isenção, a fazenda nacional, e, por conseguinte o governo perderá uma soma considerável de receita advinda dessas sociedades.
O grande problema é que em momento algum, tanto o fisco, quanto o governo estão se importando com a capacidade das pequenas sociedades prestadoras de serviço para pagar a COFINS, o que efetivamente está sendo considerado é a receita que tais sociedades podem produzir.
E, neste caso começa a abordagem sobre a segunda parte deste, ou seja, a capacidade contributiva das sociedades prestadoras de serviços para poderem pagar tributos como a COFINS, o PIS, a CSLL etc.
A principal alegação do fisco para justificar a arrecadação é que estas sociedades fazem parte de um regime fiscal mais favorecido, o lucro presumido, e que os tributos cobrados variam na mesma proporção da arrecadação, não havendo injustiça na cobrança.
O único pequeno esquecimento do fisco é que o regime fiscal do lucro presumido é o mesmo de uma sociedade prestadora de pequeníssimo porte, para uma de pequeno, médio, ou de grande porte. No final, todas irão pagar os mesmos tributos.
E não há comparação entre a arrecadação entre essas sociedades. E o argumento do imposto ser proporcional ao rendimento não dirime o desnível, pois o resultado a ser pago para os pequenos representam mais em seu diminuto orçamento do que para uma empresa de médio ou grande porte. Sem qualquer questão acerca do tributo ser justo ou não de ser cobrado.
A isenção da COFINS sempre suscitou uma grande controvérsia. Tanto pelo aspecto legislativo que envolve a questão, quanto pela finalidade do benefício, e principalmente, para quem é devido.
Exatamente nesta questão existe uma grande polêmica sobre a concessão de isenção para as sociedades prestadoras de serviços e para os pequenos empresários.
E a queda de braço entre o legislativo, o governo e o cidadão já perdura por um grande período.
Pelo lado legislativo paira a existência de duas legislações com sentido inverso, uma que autoriza a isenção e outra que não a concede. Com toda a discussão se a isenção pode ser concedida por Lei Complementar ou por Lei Ordinária, já exaustivamente tratada anteriormente.
No âmbito governamental, a questão envolve a arrecadação, e o argumento dominante é o de que se for concedida a isenção, o governo terá uma redução de sua receita, o que não é possível no orçamento atual.
Por fim, o maior prejudicado até o presente momento: o cidadão que deve arcar com o pagamento, notadamente as sociedades prestadoras de serviços.
A estas cabe uma carga tributária equiparada a de empresas de médio porte, que dificultam e muito o funcionamento da própria prestadora, que deve além de se preocupar em exercer bem sua atividade, buscar um atendimento mais quantitativo do que qualitativo, para que possa obter os fundos de sua elevada despesa fixa mensal.
Ocasionando um prejuízo direto ao consumidor que vê a atividade de profissionais, como os médicos, se preocuparem cada vez mais com a quantidade de pacientes que a sua empresa atende, do que com a qualidade deste atendimento.
E, apesar de tentar fornecer um atendimento melhor, o médico se vê compelido a enveredar para a quantidade, pois, do contrário, não terá fundos para pagar os tributos e suas despesas.
Neste aspecto, os trabalhadores assalariados conseguem ter uma vantagem maior em relação ao prestador de serviço, apesar da diferença arrecadatória não ser tão grande. O benefício existe devido ao fato do assalariado estar isento de arrecadações de tributos como PIS e COFINS.
O que faz o profissional repensar sobre a sua própria empresa. Se os altos gastos merecem ser mantidos, ou se não será mais compensatório trabalhar para alguma empresa e não ter de pagar tantos encargos. Ocorrendo um elevado desprestígio para a mantenedura das pequenas sociedades prestadoras de serviços.
Indo a contrario sensu dos próprios interesses do governo que incentiva a criação das empresas, o exemplo claro disto é a criação da empresa optante pelo SIMPLES, que tem encargos diferenciados e mais reduzidos.
Mas, infelizmente os prestadores não podem optar por tal tipo societário, lhes sendo possível apenas a dissolução societária ou o pagamento dos tributos.
Exatamente por isso uma alternativa deve ser desenvolvida. A concessão de isenção da COFINS tem como argumento o fato das pequenas sociedades, bem como atividades autônomas e prestadores de serviços, se aproximarem da atividade do assalariado e do trabalhador comum. Este é totalmente isento de qualquer tributação de COFINS.
Se os prestadores de serviço se aproximam do trabalhador assalariado, então devem gozar dos mesmos benefícios.
Sendo assim é uma equiparação na tentativa de se obter uma aproximação do pequeno empresário com o assalariado, e não a luta da isenção no que tange a Lei Complementar ou Lei Ordinária, a real questão é a simplicidade da arrecadação.
Para o pequeno empresário, as atividades são muito próximas as do trabalhador assalariado, já que a estrutura é diminuta, não há a grande complexidade do sistema de produção.
No que envolve a empresa de médio e grande porte, o pagamento da COFINS é totalmente devido, haja visto os altos custos e despesas em contraprestação ao ganho. Já a pequena empresa dispõe de uma estrutura primária com poucos gastos e lucros na mesma proporção.
Neste caso, a isenção tem como condão beneficiar o próprio pequeno empresário e garantir sua competitividade. Visto que, com o pagamento de tributos como PIS/COFINS e similares, a própria atividade do pequeno empresário está comprometida, devido à obrigação de arrecadar fundos para sanar gastos iniciais de elevada escala, que não estão no mesmo compasso da arrecadação.
Ao se conceder o não pagamento para os assalariados, claramente se reconhece as poucas condições desse tipo de trabalhador, que se tivesse de pagar tributo, ou inviabilizaria sua sobrevivência, ou compensaria não trabalhar. Exatamente por isso o crescente número da informalidade.
Esta mesma forma de entendimento se aplica aos pequenos empresários, porque se existe o benefício à empresa optante pelo SIMPLES, com a finalidade de incentivar a produção, com uma carga tributária menor, o mesmo benefício pode ser estendido ao pequeno empresário.
Neste mesmo quadro se encontra a sociedade prestadora de serviços. Tais tipos de sociedades têm uma situação tributária similar à de empresas de maior porte que o seu e que possuem maior saúde financeira, do que uma prestadora de serviços que atende alguns clientes e geralmente é composta por dois profissionais.
Um médico que tem uma empresa prestadora de serviços terá de se preocupar em desenvolver uma atividade eminentemente arrecadatória, ao invés de se concentrar em sua própria profissão? E qual o porquê de tal visão usurária? Pelo simples fato de precisar sobreviver.
Com uma carga tributária tão elevada, se o profissional optar por se dedicar exclusivamente à profissão sua empresa estará condenada à insolvência. Qualquer pessoa que tem de ficar se preocupando em pagar tributos e demais contas não consegue ter a tranqüilidade necessária para desenvolver bem a sua própria profissão e fornecer o tratamento qualificado que dele se espera.
Após todos os argumentos favoráveis acerca da isenção do pagamento da COFINS pelas sociedades prestadoras de serviços, a conclusão que podemos ter é que a questão que envolve a isenção é muito maior do que o conflito legislativo.
O objetivo claro e nítido em se lutar tanto para manter a cobrança, por parte da fazenda, é apenas pelo interesse financeiro que a arrecadação produz. Entretanto, não adianta apenas tirar dinheiro das prestadoras de serviço, indiscriminadamente.
Ao se conceder a isenção a esta modalidade societária, o benefício final será a própria sobrevida da própria prestadora de serviço. Que terá um pouco de fôlego para desenvolver suas atividades.
Com o objetivo único de arrecadar o governo está desestimulando a abertura deste tipo de empresa, já que os custos serão elevados para a mantenedura da sociedade. Quando, na verdade, o que deveria ser feito era o estímulo para o surgimento de novas sociedades.
Há uma precípua necessidade de mudança de enfoque. A cobrança ou não da COFINS deve dar passagem para uma renovação do pensamento governamental que atualmente somente objetiva arrecadar. Uma estratégia deve ser tratada para arrecadar, mas com qualidade, sem contribuir para a penúria empresarial.
No que tange a isenção, seja pelo aspecto legal, ou pelo aspecto humanitário, a isenção deve ser concedida.
Advogado, Membro da Association Internationale de Droit Penal, Membro da Associação Brasileira dos Constitucionalistas. Membro da Comissão dos Direitos Humanos da OAB/SP, Mestrando em Filosofia do Direito – PUC/SP, Especialista em International Criminal Law: Terrorism´s New Wars and ICL´s, Responses – Istituto Superiore Internazionale di Scienze Criminali, Especialista em Direito Penal Econômico Europeu pela Universidade de Coimbra, Pós Graduado em Direito Penal – Teoria dos delitos – Universidade de Salamanca, Pós Graduado em Direito Penal Econômico da Fundação Getúlio Vargas – FGV
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