O Controle da Atividade Notarial e de Registro

Introdução


Com o advento da Constituição Federal de 1988, diversas e significativas mudanças ocorreram no cenário jurídico, social e político brasileiro. Diferente não se deu em relação aos cartórios, que, há muito, dominados por famílias tradicionais, eram transferidos de pai para filho, tal como se dava com as longínquas capitanias hereditárias.


A nova ordem constitucional, portanto, veio romper um modelo histórico e cultural inconcebível nos dias de hoje. Estabeleceu, como forma de ingresso nas atividades notariais e de registro, o concurso público e determinou que nenhuma serventia ficaria vaga por mais de seis meses, sem a abertura do respectivo concurso.


Também, não deixou de mencionar a necessidade de o legislador ordinário regulamentar a responsabilidade civil e criminal desses profissionais, o que foi feito através da lei 8.935/94, popularmente conhecida como Lei dos Cartórios.


Ademais, estabeleceu a competência do Poder Judiciário para exercer a fiscalização sobre os atos praticados no âmbito da atividade notarial, impondo, assim, limites e formas de controle a esse ofício. Confira-se (art. 236, §1º, da CF):


“Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.


§ 1º – Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário. […]”


A fim de regulamentar o texto constitucional supramencionado, o legislador ordinário editou a lei nº 8.935/94, que, em seus artigos. 37 e 38, disciplina os contornos da fiscalização a ser exercida pelo Poder Judiciário, a ver:


“Art. 37. A fiscalização judiciária dos atos notariais e de registro, mencionados nos arts. 6º a 13, será exercida pelo juízo competente, assim definido na órbita estadual e do Distrito Federal, sempre que necessário, ou mediante representação de qualquer interessado, quando da inobservância de obrigação legal por parte de notário ou de oficial de registro, ou de seus prepostos.


Parágrafo único. Quando, em autos ou papéis de que conhecer, o Juiz verificar a existência de crime de ação pública, remeterá ao Ministério Público as cópias e os documentos necessários ao oferecimento da denúncia.


Art. 38. O juízo competente zelará para que os serviços notariais e de registro sejam prestados com rapidez, qualidade satisfatória e de modo eficiente, podendo sugerir à autoridade competente a elaboração de planos de adequada e melhor prestação desses serviços, observados, também, critérios populacionais e sócio-econômicos, publicados regularmente pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Nesse sentido, compete ao Poder Judiciário dos respectivos estados fiscalizar os serviços notariais e de registro localizados em seu território. Em geral, tal atribuição é conferida ao Corregedor-Geral da Justiça e aos Juízes de Direito investidos na função de corregedores permanentes.”


A partir da leitura dos artigos transcritos, vê-se que, a despeito de sua peculiar independência, a atividade notarial não pode transcorrer de forma irresponsável. Assim, tratou o legislador ordinário de conferir ao juiz corregedor amplos poderes para, mediante a dosagem da gravidade do ato praticado pelo notário ou oficial de registro, proceder à aplicação das penalidades previstas em lei (repreensão, multa, suspensão e perda da delegação), sempre preservando os princípios do contraditório e da ampla defesa.


Nessa toada, a Reforma do Poder Judiciário e a EC n. 45/2004 vieram ratificar a necessidade de fiscalização da atividade notarial, com a criação do Conselho Nacional de Justiça, órgão que detém, entre suas atribuições, a de exercer, juntamente com o Poder Judiciário local, o controle sobre tal serviço. 


Não por acaso, a oposição entre a garantia da independência funcional de notários e registradores e o poder correicional e disciplinar exercido pelo Poder Judiciário têm fustigado interessantes debates no campo do Direito. Qual seria, afinal, a extensão e a amplitude de tal fiscalização? Quais seriam os seus limites?


Para determinado grupo de estudiosos, o controle deveria se limitar aos aspectos técnicos dos serviços prestados, e jamais ao funcionamento dos serviços. Nessa linha, Walter Ceneviva[1] preleciona que, “desde a Lei nº 8.935/94, cabe apenas o cotejo entre os atos dos titulares e a lei, embora preocupada com a rapidez, a qualidade satisfatória e a eficiência dos serviços.”


Para outros, contudo, ao Poder Judiciário caberia exercer a fiscalização não apenas sobre os atos praticados como também sobre a estrutura organizacional e administrativa dos serviços.


Trilhando esse entendimento, o STF, no julgamento do RE 255.124/RS, oriundo do mandado de segurança impetrado contra dispositivo constante do Provimento n.º 8/95, de 24/3/95, do Corregedor-Geral de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, reiterou o caráter público dos serviços notariais e de registro, reconhecendo a possibilidade ampla de fiscalização por parte do Poder Judiciário sobre atos e serviços notariais.


Registre-se que, a despeito do entendimento jurisprudencial dominante, tal controle não confere ao Poder Judiciário poderes absolutos para invadir a esfera administrativa do serviço notarial, sendo-lhe vedado, por exemplo, a indicação de funcionários, a alteração da ordem dos serviços etc., tal como se dava antes do advento da Constituição Federal de 1988. É nesse contexto que prevalece inabalável a independência do notário e do oficial do registro, agente público (na modalidade “agente em colaboração com a administração pública”) que possui a prerrogativa de adotar as providências administrativas que entender necessárias para o bom funcionamento do cartório.


 


Referências bibliográficas:

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo, Malheiros. 1993

CENEVIVA, Walter. Lei dos Registros Públicos Comentada. Saraiva. 2002.

DINIZ, Maria Helena. Responsabilidade Civil. Saraiva, 7ª edição.

GASPARINI, Diógenes, Direito Administrativo, São Paulo, Saraiva, 2003.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. Saraiva. 2005.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 26 ed, São Paulo.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. Ed. Atlas. 2006

OLIVEIRA, Thiago Martins de. Notários e registradores: aspectos constitucionais e responsabilidade civil. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, nº. 1425, 27 maio 2007. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9938>. Acesso em: document.write(capturado()); 24 dez. 2009.

PEREZ, Miriam Azevedo Hernandez. O Estado e atividades notariais e registrais. Uma relação harmoniosa. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, nº. 645, 14 abr. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6583>. Acesso em: document.write (capturado()); 26 dez. 2009.

RODRIGUES, Pedro Nunes. Direito Notarial e Direito Registral, Almedina, Coimbra, 2005.

SANDER, Tatiana. Princípios Norteadores da Atividade Notarial. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, n.º 133. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br/ doutrina/texto.asp?id=688> Acesso em: 28 dez. 2009.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, Malheiros, São Paulo, 19ª ed., 2001.


Notas:

[1] CENEVIVA, Walter. Lei dos Notários e dos Registradores Comentada (Lei nº 8.935/94).  4. ed. rev. ampl. e atual, p.231. Saraiva: São Paulo, 2002.

Informações Sobre o Autor

Lucas Almeida de Lopes Lima

Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Alagoas, pós-graduando pelo Instituto de Direito Processual Civil.


Equipe Âmbito Jurídico

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