Marcio Yukio Tamada: Doutorando e Mestre em Direito pela Universidade Nove de Julho. Especialista em Direito Público pela Escola Superior de Advocacia. Procurador do Município de Mairiporã, SP. Email: marciotamada@uni9.edu.br
Tatiana Regina Souza Silva Guadalupe: Especialista em Gestão Pública pela Universidade Federal de São Paulo. Especialista em Direito Previdenciário pela Universidade do Sul de Santa Catarina. Procuradora Autárquica do Município de Osasco, SP. E-mail: professoratatiana1@gmail.com
Resumo: O artigo buscou demonstrar que a responsabilização do agente público por improbidade administrativa está jungida ao dever de motivação, com esteio em princípios, na legislação constitucional e na legislação infraconstitucional, que penalizam o dolo e o erro grosseiro. O método indutivo foi utilizado como método de abordagem. O método comparativo foi trabalhado como método de procedimento. E como técnica de pesquisa, a análise foi desenvolvida a partir da técnica de pesquisa bibliográfica e documental no ramo de conhecimento do Direito Constitucional, Direito Administrativo e do Direito Comparado.
Palavras-chave: Improbidade Administrativa – Motivação – Responsabilização – Agente Público
Abstract: The article sought to demonstrate that the accountability of the public agent for administrative improbity is linked to the duty of motivation, based on principles, constitutional legislation and infra-constitutional legislation, which penalize intent and gross error. The inductive method was used as an approach method. The comparative method was used as a procedural method. And as a research technique, the analysis was developed from the technique of bibliographic and documentary research in the field of knowledge of Constitutional Law, Administrative Law, Environmental Business Law and Comparative Law.
Keywords: Administrative Improbity – Motivation – Accountability – Public Agent
Sumário: Introdução. 1. Improbidade Administrativa. 2. Dever de Motivação. 3. Responsabilização do Agente Público. Conclusões. Referências.
Introdução
A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB foi alterada pela Lei 13.655/2018, introduzindo uma atualização da forma pela qual haveria de serem interpretadas as normas de direito público.
O controle interno e externo dos atos do poder público e consequentes responsabilidades, por vezes, interpretadas de forma legalista/ taxativa sem que pudessem ser examinadas as circunstâncias pelas quais permearam atos de administração e sem que fossem verificados motivos determinantes, das reais necessidades e reservas possíveis de atuação, que, não dissociadas servissem de azo para o efetivo controle administrativo.
Além disso, foram almejados objetivos para compatibilidade constitucional e interpretação do direito público, patrocinando eficiência e segurança jurídica com fim de evitar a nulidade dos atos administrativos.
A Lei 14.230/2021 estabeleceu novas regras para os processos por improbidade administrativa.
Assim, são considerados atos de improbidade administrativa aqueles que causam enriquecimento ilícito do agente público, lesão ao erário ou violação dos princípios e deveres da administração pública. A principal inovação é que a improbidade só pode ser caracterizada quando há comprovação de dolo do gestor. Ou seja, quando fica provado que há intenção maliciosa, e não apenas imprudência, negligência e imperícia.
A Lei 8.429/1992, originária da Lei de Improbidade Administrativa, encontra fundamento de validade no § 4º do artigo 37 da Constituição Federal.
A improbidade administrativa depreende o que é contrário à honestidade, à boa-fé, à honradez, à correção de atitude. O ato de improbidade, nem sempre será um ato, poderá ser qualquer conduta comissiva ou omissiva praticada no exercício da função ou fora dela encontrando-se regulado na Lei 8.429/92, quanto ao enriquecimento ilícito (art. 9º), danoso ao erário (art. 10) e violação aos princípios da Administração (art. 11).
Em direito administrativo, a licitude, corresponde ao requisito de validade do ato, sendo fundamental a finalidade e moralidade públicas, cujo ato, tornando incompatível com o ordenamento jurídico (inadequado) permite o controle dos atos da Administração, diante de sua vinculação, não tratando de simples ato discricionário.
A inadequação do ato é demonstrada, legalmente, também, quando da Lei de Ação Popular, que, mesmo sendo de caráter discricionário quanto ao motivo (móvel) perde suporte de validade ao disposto no artigo 2º, da Lei 4717/1965 a inexistência dos motivos se verifica quando a matéria de fato ou de direito, em que se fundamenta o ato, é materialmente inexistente ou juridicamente inadequada ao resultado obtido.
O ato de improbidade administrativa é conceituado por BERTONCINI (2018): “Considera-se ato de improbidade administrativa para os fins do art. 37, § 4.º, da Constituição Federal, e de sua Lei de regência (8.429/92), as condutas de qualquer agente público contrárias diretamente aos princípios da finalidade, publicidade, do concurso público, da prestação de contas e da licitação, bem como a violação de segredo e a prevaricação, independentemente de qualquer resultado material, e os comportamentos prescritos na lei (regras), que produzam os resultados prejuízo ao erário e enriquecimento sem justa causa do agente e ou do terceiro, ensejando tais procedimentos, normalmente dolosos e excepcionalmente culposos, marcados pela violação do princípio da moralidade, responsabilização sujeita a um regime jurídico próprio, autorizador da aplicação proporcional das sanções pertinentes e compatíveis de perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos, pagamento de multa civil e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios fiscais ou creditícios, independentemente das instâncias administrativa, criminal, civil e política, tendo em vista a concretização do projeto constitucional de probidade na Administração Pública”.
Com efeito, o artigo 10 da Lei 8.429/1992, até a sua mudança, que cuida dos atos de improbidade administrativa, que causam lesão ao erário, corresponde a única modalidade de ato de improbidade que permitia a punição de agentes públicos na modalidade culposa. Em conformidade com o disposto no artigo 28 da LINDB teria acabado essa possibilidade, de modo que eles passariam a responder apenas quando agissem dolosamente, restando assim impunes na modalidade culposa.
Diante desses elementos, necessária se fez a construção das questões propostas utilizando-se o método dedutivo para análise legal, sistemática e finalística dos diplomas que associam a compreensão do estudo.
Tem-se que o dever de motivação é pressuposto do Estado de Direito, constituindo um necessário instrumento do controle da atividade jurisdicional, na esfera processual é na motivação que o juiz presta contas do exercício do poder jurisdicional, demostrando às partes, aos tribunais e reflexamente aos casos parelhos a ratio decisória.
O dever de motivação é fundamental para a ascensão da tutela de segurança jurídica, onde expande a jurisdição em decorrência de sua função, aclarando a ratio quando da materialização da congruência entre as normas e os fatos que a embasam, de forma argumentativa de que tratam as alterações da LINDB e sua regulamentação.
Nesse sentido, tratou a regulamentação da LINDB com o advento da Lei 13.655/2018 e do Decreto 9.830/2019, em relação aos pilares de: motivação e decisão, revisão e decisão na invalidação, revisão quanto à validade por mudança de orientação geral, nova interpretação de normas de conteúdo indeterminado, regras de transição, termo de ajustamento de gestão, responsabilização do agente público, dos novos instrumentos de pacificação e da segurança jurídica na aplicação das normas.
Imbuído nessas matérias estão os princípios da consequência prática, consequência jurídica, da reserva do possível e da segurança jurídica e a modulação de efeitos.
Por certo, a motivação compreende o dever do julgador e uma das mais importantes garantias do devido processo legal, posto ser indispensável ao controle e a legitimação da atividade judicial e administrativa essa instrumentalizada a partir do Decreto em obediência ao disposto no inciso IX do artigo 93 da Constituição Federal.
Diante disso, desde a promulgação da Lei 13.256/2015 (Código de Processo Civil), dá nova interpretação ao dever de motivação das decisões, o qual estabelece, de forma bastante detalhada, o que é motivar adequadamente uma decisão judicial (artigo 489, § 1º e § 2º).
A justificativa do estudo, conforme destaque, é a interpretação e destaque das novas disposições legais a necessária sistematização entre as normas: disposições processuais civis, a Lei 13.655/2018, o Decreto 9.830/2019 e a Constituição Federal.
O Código de Processo Civil, no que concerne à matéria, expôs situações em que a decisão não será fundamentada garantindo um provimento de maior qualidade (artigo 489, § 1º e 2º).
Desta senda, mostra-se preciso resguardar o devido processo constitucional, permitindo um maior controle contra arbitrariedades, subjetivismos e abuso de poder.
Por essa medida justifica-se a questão se as normas disciplinadas na LINDB estão em conformidade com o dever de motivação do julgador disciplinadas no Código de Processo Civil.
Talvez por uma decorrência lógica e sistemática, o Código de Processo legitima o interesse processual de aclarar decisão por base por base do artigo 1.022, parágrafo único, II.
A conectividade da legislação processual e civil para com a LINDB representa constitucionalização das relações civis, compreendendo interpretação máxima de nova leitura dos instrumentos legais e disso se extrai do artigo 8º do Código de Processo Civil, ao indicar dignidade da pessoa humana, observação da proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e eficiência.
Desta premissa, o artigo 1º do Código de Processo Civil nos revela que, o direito processual civil será ordenado, disciplinado e interpretado à luz da nossa atual Constituição Federal. A partir daí a interpretação do direito com reflexo processual não passa ser mais subjetiva e sim imperativa com base na tutela de segurança.
Está é uma das formas de ver o que HESSE (1991) chama de força normativa da Constituição, refutando a assertiva de que a Constituição jurídica só possui capacidade de regular e de motivar uma vez que seja compatível com a Constituição real.
Nesse sentido, a Constituição escrita possui força normativa própria, daí o título de seu livro. Com isso, ao afirmar que tal negação do direito constitucional irá negar também o seu valor enquanto ciência jurídica, uma vez que o Direito Constitucional é ciência normativa, não sendo, portanto, uma ciência da realidade, tal como ocorre com a Sociologia e a Ciência Política, muito embora as cortes supremas tenham a faculdade de conferir as leis interpretação conforme a carta política.
Tecnicamente, o inciso I do artigo 489, § 1º do Código de Processo Civil impõe que o magistrado demonstre a correlação dos fatos com suporte fático do ato normativo, já o inciso II, exige a justificação da utilização de conceitos jurídicos indeterminados.
O caput do artigo 489 por sua vez, trouxe inovação da identificação do caso aos elementos da sentença, não considerando fundamentada decisão que não explicar relação com causa e a questão decidida, motivos justificadores de outra decisão, que não enfrentar todos os argumentos deduzidos, não indicar enunciado jurisprudencial que não identifique a causa e não usar os julgamentos majoritários sem o uso do distingue-se.
A reflexão perante o questionamento perpassa, justamente, pela correlação do disposto no inciso IX do artigo 93 da CF, lembrando a base da constituição real, que, a decorrer de sua inobservância, confere nulidade a decisão.
Assim, parece prudente entender que o julgador tem necessariamente que expor os motivos que o levou a entender de que modo às provas confirmam os fatos alegados nos autos.
Em mesma senda o Decreto regulamentador da LINDB inova ao tratar da necessidade de motivação de decisões baseadas em valores abstratos.
O Decreto regulamentador da LINDB determinou a necessidade de a decisão ser motivada com a contextualização dos fatos, quando cabível, e com a indicação dos fundamentos de mérito e jurídicos, contendo em seus fundamentos a congruência entre as normas e os fatos que a embasaram de forma argumentativa, normas, a interpretação jurídica, a jurisprudência ou a doutrina que a embasaram.
A lei processual civil, no artigo 489, §1, do Código de Processo Civil que dispõe: não será considerada fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acordão, que: II empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso.
Além disso, o inciso V, do artigo 489, §1º, exige racionalidade no uso de precedentes pelo julgador, buscando impedir a citação indiscriminada de emendas de julgados que muitas vezes são impertinentes ao caso concreto.
O Enunciado 307 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC) elenca a nulidade da sentença e da teoria da causa madura, nos seguintes termos: “307: (Arts. 489, § 1º, 1.013, § 3º, IV) Reconhecida à insuficiência da sua fundamentação, o tribunal decretará a nulidade da sentença e, preenchidos os pressupostos do § 3º do art. 1.013, decidirá desde logo o mérito da causa. (Grupo: Competência e invalidades processuais)”.
Nessa linha parece ter caminhado o legislador na ordenação das regras gerais civis quando da elaboração de dispositivos não só para permitir o motivo justificador da decisão tomada pelo administrador como a evitar nulidades dos atos.
O legislador civil com base nas alterações além de preocupar com a fundamentação do caso concreto destacou que quando da indicação do cumprimento de obrigações decorrentes da sentença, há necessidade do decisor apresentar quando possível consequências realizáveis, empregando operabilidade e materialização.
Desta feita, entende-se ter havida regulamentação da exegese da motivação para o administrador público como ao julgador processual civil quando da alteração do Código de Processo Civil, em sintonia com o artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal.
Com efeito, a máxima da proporcionalidade é verificada pelos critérios da adequação do meio utilizado para a persecução do fim, necessidade desse meio utilizado e a aplicação estrito senso da proporcionalidade, isto é, da ponderação. Por essa situação em vertente do direito material, estando diante de uma colisão entre direitos fundamentais, utiliza-se um meio, verificando o uso deste, solucionando a colisão por uma ponderação.
Em diversos casos, contudo, não se reconhece a existência de nulidade, nem as pronuncia em vista de um juízo de proporcionalidade relativo a efeitos práticos. Em algumas situações, o desfazimento do ato administrativo poderia gerar efeitos muito mais nocivos do que a sua preservação.
De outro modo, em medida de controle externo, acentua-se controle com a prospecção de efeitos, com marco de início quando da chegada do processo no Tribunal de Contas, conforme Tema 445 do Supremo Tribunal Federal.
Nesses termos, em sendo realizado controle deste, atribui-se o marco de 05 (cinco) anos em respeito à segurança e confiança legítima de aposentados e pensionistas conforme Súmula Vinculante 03 do Supremo Tribunal Federal.
Para evitar risco de nulidade o legislador determinou a necessidade congruência entre as normas e os fatos que embasaram de forma argumentativa, levando a construção da subsunção do fato à norma para controle do processo pelas partes acerca dos fundamentos da decisão. Quanto ao fundamento baseado em notas técnicas, pareceres, informações e decisões atestou facultatividade ao julgador somente sob esse prisma, compreendendo critério acessório e estepe de fundamentação.
Além da fundamentação, o legislador exigiu do agente público a necessidade de quando da tomada das decisões, sejam observadas as consequências práticas sempre que a questão versar valores jurídicos abstratos.
Processualmente falando, podemos utilizar esse ordenamento para fomentar antecipação e operabilidade prática de um direito em casos em que, a realização de perícias, afira se há reflexo da aplicação da norma ao caso concreto, cuja perpetuação e postergação da lide, esperando o término do processo de conhecimento, leve a triste situação de casos de procedência da lide sem liquidez na face de execução, como no caso de reajustes e aplicação de índices de atualização monetária, cuja sentença, vulgarmente falando, se torne negativa.
No que tange a nulidade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa a lei exige que o administrador público indique de modo expresso suas consequências jurídicas e administrativas.
Em medida de cautela administrativa instituiu o legislador a necessidade de quando da interpretação de normas gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados. De igual sorte, circunstâncias práticas quanto à regularidade de conduta ou validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa.
Nesse prisma me parece ter sido legalizada a reserva do possível. O princípio da reserva do possível surgiu na Alemanha, em 1972, fruto de uma ação impetrada por alunos que pleiteavam o direito de ingresso na Universidade Pública, no curso de medicina. A alegação utilizada para justificar tal direito foi baseada na Lei Fundamental Alemã em seu artigo 12, I, onde estabelece que, todos os alemães têm o direito de livremente escolher profissão, local de trabalho e de formação profissional.
De forma explicativa MATTA (2006), descrevendo o princípio e sua relação com a proporcionalidade: “Entre essas duas reservas do possível a fática e a jurídica deve caminhar o administrador público na busca para tornar sua ação a mais eficiente possível. Observados os limites materiais e as imposições jurídicas, deve o administrador ponderar dentre as diversas alternativas possíveis àquela que promove o melhor custo-benefício. Nesse balanço entre bônus e ônus, entram não apenas os recursos financeiros em si, mas toda a gama de interesses coletivos e individuais afetados pela ação administrativa. Em decorrência da revisão quanto à validade de atos, contratos, ajustes, processos ou normas administrativos cuja produção de efeitos esteja em curso que tenha sido concluída ou de orientação geral levará em consideração as orientações gerais da época. Assim, no tocante as regras objeto de mudança o estabelecimento de uma regra de transição”.
Além disso, a legislação estabelece mecanismos como o de compensação evitando a litigiosidade de interesses e maiores responsabilidades entre as partes.
Na hipótese de a autoridade entender conveniente para eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situações contenciosas na aplicação do direito público, poderá celebrar compromisso com os interessados, observada a legislação aplicável, após oitiva do órgão jurídico, realização de consulta pública, caso seja cabível na presença de razões de relevante interesse geral. A decisão que celebra o compromisso será também motivada com a congruência entre as normas e fatos.
O compromisso tem por fim buscar a solução proporcional, equânime, eficiente e compatível com os interesses gerais e não poderá conferir desoneração permanente de dever ou condicionamento de direito reconhecido por orientação geral; prevendo a obrigação das partes, o prazo e o modo para cumprimento, forma de fiscalização quanto a sua observância, os fundamentos de fato e de direito, tendo eficácia de título executivo extrajudicial e tratando as sanções aplicáveis em caso de descumprimento.
O processo administrativo que subsidiar a decisão de celebrar compromisso será instruído com pareceres técnicos conclusivos: do órgão competente sobre a viabilidade técnica, operacional e, quando for o caso, sobre as obrigações orçamentário-financeiras a serem assumidas, do órgão jurídico sobre a viabilidade jurídica do compromisso, contendo a análise da minuta proposta, a minuta do compromisso, as alterações decorrentes das análises técnica e cópia de outros documentos que possam auxiliar na decisão de celebrar o compromisso.
Além disso, a edição de atos normativos por autoridade administrativa poderá ser precedida de consulta pública para manifestação de interessados, preferencialmente por meio eletrônico. A convocação de consulta pública conterá a minuta do ato normativo, disponibilizará a motivação do ato e fixará o prazo e as demais condições.
ISSA (2015) nos traz exemplo de um modelo que emprega as manifestações dos interessados: “A agência reguladora deverá analisar todas as manifestações ofertadas pelos interessados, com exposição motivada a respeito da opção adotada, tendo em vista que nada adiantaria estabelecer-se um procedimento amplo e com participação de diversos interessados, se a agência viesse posteriormente a selecionar as manifestações sobre as quais irá tecer comentários. Os atos normativos sujeitos à regra do artigo 29 são aqueles editados por autoridade administrativa que tenha caráter geral e abstrato como regulamentos, resoluções, circulares e portarias que afete o direito dos particulares de todas as Administrações direitas e indiretas, bem como órgãos que, embora não recebam o nome de agência, regulam setores específicos (CVM, BACEN, IBAMA etc.)”.
Com isso, conclui-se que as normas disciplinadas na LINDB estão em conformidade com o dever de motivação do julgador disciplinadas no Código de Processo Civil.
A forte atuação dos agentes públicos nos Tribunais de Contas no controle externo, em especial na crescente profissionalização e especialização dos Tribunais gerou uma mudança de postura na gestão pública.
A crescente especialização tem demonstrado cuidado dos gestores para com o desempenho das atividades e iluminado o legislador a exigir a motivação de atos e aferição de consequências.
No entanto, são complexas as situações de atuação dos gestores na utilização de recursos públicos, especialmente em um país de diversas realidades diferentes a depender das regiões, o que passou levantar diversas discussões acerca da apuração e responsabilização dos agentes públicos a proporção dos meios e fins, fatores reais, condições atuais, lendo-se obstáculos e dificuldades.
Perante a nova disposição da LINDB, o agente público, somente poderá ser responsabilizado por suas decisões ou opiniões técnicas se agir ou se omitir com dolo, direto ou eventual, ou cometer erro grosseiro, no desempenho de suas funções. Perante a lei, considera-se erro grosseiro aquele manifesto, evidente e inescusável praticado com culpa grave, caracterizado por ação ou omissão com elevado grau de negligência, imprudência ou imperícia.
Pietro, comentando o então artigo 27 do Projeto de Lei do Senado Federal nº 349/2015 atual art. 28, entendeu que o dispositivo tem por objeto acabar com a controvérsia quanto à responsabilização profissional, especialmente dos advogados públicos, pela opinião técnica ou jurídica que emitem para dar embasamento a uma decisão adotada no âmbito da Administração Pública. Apenas em caso de dolo ou erro grosseiro tais agentes poderiam ser responsabilizados.
O erro grosseiro está intrinsecamente ligado a um agir com desleixo, incúria, desmazelo, desprezo à coisa pública, o que, aparentemente, ultrapassa a mera questão da análise da delegação de competências e de sua culpa in vigilando e da culpa in eligendo.
A apuração do erro do administrador necessariamente precede da apuração de processo administrativo específico, sendo que nem sempre a causalidade entre a conduta e o resultado danoso implicará responsabilização, exceto a própria comprovação de dolo ou erro grosseiro, independente do dano ao erário conforme a LINDB.
A caracterização do dolo e erro grosseiro também se fazem necessários para a responsabilidade do agente público quando da sua opinião técnica de mesma sorte quando a culpa in vigilando. Desta feita, a decisão que atribuir a responsabilidade do agente deverá considerar: A natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para a administração pública; as circunstâncias agravantes ou atenuantes; os antecedentes do agente; o nexo de causalidade e a culpabilidade do agente.
Por decorrência das novas disposições legais, dúvidas surgirão acerca da expressão do dolo e erro grosseiro diante do disposto no art. 37, § 6º, da Constituição Federal.
A lei geral, por diretriz de seu conteúdo garante a permanência da lei anterior.
Talvez por esse motivo tenha sido editada a Lei 14.230/2021, para atender as especificidades ao conteúdo da LINDB no tocante a necessidade de dolo no caso do artigo 10 da Lei de Improbidade Administrativa, justamente porque compreendem prejuízo ao erário, cuja essência da LINDB dissocia a culpa para aferição da responsabilidade conquanto presente o dolo.
Desta feita, a necessidade da análise das questões objeto de apreciação: Se as normas disciplinadas na LINDB, no tocante a limitação por dolo ou erro grosseiro estão em conformidade com a Constituição Federal, e se a LINDB motivou o legislador à elaboração da Lei 14.230/2021, que dispõe sobre improbidade administrativa.
O dispositivo Constitucional ao versar acerca da responsabilidade do agente público não excepcionou a modalidade se por dolo ou culpa, o que traz para nós reflexão acerca da necessidade de responsabilização somente quando da prova dolo de que trata a LINDB e agora a Lei 14.230/2021, em todas as hipóteses de improbidade administrativa e não somente as descritas nos artigos 09 e 11 do dispositivo.
Recentemente, tivemos o afastamento de responsabilidade de agente público por culpa in elegendo quando da aplicação do artigo 10 da Lei de Improbidade Administrativa, o que parece já ser uma sinalização de mudança de paradigma no tocante as mudanças legislativas objeto de análise, muito embora a fundamentação tenha permeado pela aferição da culpa, mesmo atribuída suposta intenção correspondente à aferição do dolo.
Em medida de hermenêutica e escala das regras jurídicas não é de ser atribuída análise das leis pela antinomia, vez que a Constituição Federal prevalece, seja pelo critério da especificidade, seja pelo critério da hierarquia. Pela leitura do ordenamento jurídico constitucional disciplinado no § 6º do artigo 37, quando da responsabilização objetiva, há independência da mensuração da culpa do agente.
Com base nessa limitação restaram correntes discussões acerca da extensão e constitucionalidade do dispositivo supra em face do artigo 37, parágrafo 6º da Constituição Federal, dispositivo que deixa certa a responsabilidade da Administração de forma objetiva, ou seja, sem a imputação ao lesado de comprovar a culpa da administração, limitando-se a atestar o elo entre o fato lesivo à causa e aquele que implique a violação de direitos e causador do dano efetivo, sem prejuízo da ação regressiva, se o caso.
A responsabilidade objetiva, porém, independe da verificação de espécies de culpa, em destaque ao que aponta BELMONTE (2020): “São requisitos da responsabilidade objetiva: a) o desenvolvimento habitual de atividade de risco ou previsão legal específica, b) dano patrimonial ou extrapatrimonial; c) relação de causalidade entre a lei e o dano. No entanto, as especificidades de atos, ditos ímprobos, excepcionam a desnecessidade da comprovação da culpa, como regra geral e atribuem às questões a que são peculiares, à sobreposição do dolo a culpa, não somente as hipóteses disciplinadas nos artigos 9º e 11 da LIA, como agora em simetria às hipóteses do artigo 10 da respectiva lei o que já vinha sendo sinalizado pelo STF. Outrora, também, o STJ quando da análise da aplicação do artigo 71 da Lei de Licitações de contratos administrativos, quando da ADC 16, quanto à culpa pela omissão, permeado ao dever de fiscalização, tal qual objeto do julgamento do Recurso Especial 1.713.044/SP”.
No que tange a responsabilidade do tomador de serviços, o TST reputa responsabilidade deste pelos atos de seus prepostos diante da ausência de fiscalização na prestação de serviços.
Desta feita, o retrato acerca da importância da culpa para a prestação de serviços decorrentes da intermediação de mão de obra não é idêntico ao mais, quando da presença de atos de improbidade administrativa decorrente do artigo 10 da lei de improbidade recentemente promulgada e ao que aos atos administrativos gerais de que trata a LINDB.
Não o bastante, a questão também perpassa pela análise acerca da invasão da competência judiciária ou administrativa, sob pena de ser violado o princípio constitucional da tripartição dos poderes.
Sendo assim, necessário refletir se as mudanças legislativas indicativas de atribuição de responsabilidades e com a ideia de irresponsabilidade do agente por mera culpa no espectro da lei de improbidade administrativa, perquirindo-se a mens lege para fiel atendimento ao bem comum, em atenção aos princípios da proporcionalidade, da razoabilidade e da motivação, intimamente ligados ao caso em estudo.
Conclusões
O direito segue aos reclamos judiciais que desafiam aos tribunais interpretar as normas, aplicá-las aos casos concretos, modulando efeitos de sua aplicação.
A elaboração da LINDB deixou certa a necessidade de transparência dos atos administrativos, a motivação dos atos e mensuração das consequências práticas quando da interpretação, decisão, elaboração de atos, tomada de opiniões, materialização de compromissos, adotando responsabilidade a eles por dolo ou erro grosseiro.
Capitaneada por esse fim, inobstante critério atemporal, a mais Alta Corte do país sedimentou a mesma interpretação ultrapassando ao que era decidido acerca da responsabilidade omissiva da Administração Pública por culpa, quando do julgamento da Ação Direta de Constitucionalidade 16, no julgamento do Recurso Especial 1.713.044/SP.
Acompanhando a mesma tendência jurisprudencial, o legislativo conferiu paridade da necessidade de dolo para todas as hipóteses de improbidade administrativa em aversão à culpa in elegendo e in vigilando peculiares aos precedentes que deram ensejo a confecção da Súmula 331 do TST.
Assim, conclui-se que as normas disciplinadas nas alterações legislativas, no tocante a limitação por dolo ou erro grosseiro recebem tratamento diferenciado ao que consta da Constituição Federal, dada especialidade da Lei de Improbidade Administrativa e da LINDB, em harmonia à inovação da ordem jurídica pela Lei 14.230/2021 – de forma que a responsabilização do agente público deverá estar sempre jungida ao dever de motivação, após exercício do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal.
Referências
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