É inegável que um grande avanço no terreno de proteção aos direitos do consumidor ocorreu em 1990 com o Código de Defesa do Consumidor (CDC).
O CDC trouxe para a legislação pátria muitos avanços em relação aos direitos e deveres de consumidores e prestadores de serviços, ampliando a proteção de quem adquire bens e serviços, facilitando as reclamações e impedindo que comerciantes inescrupulosos iludissem consumidores de boa-fé.
O que se seguiu, entretanto, foi o caos, com os Juizados Especiais Cíveis e mesmo as Varas Cíveis, na chamada “justiça comum”, acusando uma verdadeira avalanche de processos, muitas vezes completamente infundados.
É patente que existe mais oferta que demanda em relação a ocupação de milhares de bacharéis que saem anualmente das faculdades de direito espalhadas pelo país. Por outro lado, estas se multiplicam assustadoramente, com ou sem aprovação do MEC. Ao contrário de outras faculdades, o Direito necessita de pouco investimento além de base física e uma biblioteca, muitas vezes pífia.
O resultado é uma perversão dos princípios mais básicos das boas relações econômicas e de crédito. Escudando-se na alegada “função social do contrato” contida não apenas no CDC mas também na CF, os consumidores, em sua grande maioria de origem humilde, saem à caça de indenizações alicerçados em outro instituto distorcido, o “dano moral”.
Faz-se necessário um redimensionamento do conceito de dano moral, e a pacificação da jurisprudência no que tange ao instituto em questão, restringindo de forma eficaz sua abrangência.
Inobstante, o legislativo tanto estadual quanto federal está subordinado a fatores de ordem política, o que acaba por gerar leis oportunistas e eleitoreiras, que visam conseguir a todo custa a simpatia do eleitor das camadas mais desfavorecidas. Destaque-se a lei estadual nº 3.762/02, que impedia a inscrição de devedores nos órgãos de proteção ao crédito, que foi declarada inconstitucional no âmbito do controle difuso pelo TJ do Rio de Janeiro em 2004.
Como se vê, ao erodir a autoridade dos fornecedores de bens e serviços de poder compelir o inadimplente a quitar seu débito, o que se verifica é o esvaziamento das relações de crédito normais. O devedor assume a dívida, recusa-se a pagar, usufrui o bem ou serviço e, ao sofrer alguma sanção em decorrência de seus atos, ingressa em Juízo em busca dos “danos morais”, estimulado pelos serviços de defesa do consumidor, certos membros da defensoria pública e causídicos do ramo, interessados apenas em apresentar números para as estatísticas oficiais, e não no correto andamento da justiça.
É certo que os consumidores merecem e necessitam de proteção. Contudo, deve-se atentar para que as distorções normalmente verificadas quando da transposição das normas legais ao campo prático. Institutos muitas vezes corretos se vêem despidos de seu melhor.
Na tentativa de corrigir injustiças sociais por via transversa, o legislador optou por criar leis que não fazem mais que inundar os já atarefados e morosos tribunais pátrios com demandas sem fundamento, e o que se vê na sociedade atual é a justificativa para o injustificável. A pobreza permite tudo: a invasão de terrenos produtivos no campo, de propriedade privada nas cidades, o não pagamento de impostos, taxas e tarifas de toda a sorte, e até mesmo crimes hediondos, alegadamente arrimados na “falta de perspectivas”, onde se vê, antes da condenação dos criminosos e a execração de seus atos, a comparação com políticos e corruptos que sempre escapam incólumes à atuação da justiça.
É necessária a distinção. Se todos os culpados não são punidos, este fato não faz automaticamente inocentes criminosos reincidentes e confessos. Não há nas prisões grandes exemplos de inocência.
Faz-se imprescindível não apenas a conscientização dos magistrados, para que se refreiem de aplicar o direito embasado apenas em uma suposta justiça social e não na letra da lei, e também dos advogados, para que, na busca pela inserção no mercado de trabalho, não façam dos desfavorecidos deste Brasil – que são muitos – meros instrumentos para sua ascensão social e profissional.
Advogado, mestre em Ciências Jurídico Internacionais pela Universidade de Lisboa e professor de Direito Internacional Publico e Privado na UniverCidade, UCAM, UNISUAM e UNIFESO.
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