Resumo: O presente trabalho monográfico, sob o título “O direito fundamental à proteção e promoção da saúde – titularidade e judicialização”, tem como objetivo examinar o conjunto de posições jurídico-subjetivas que repercutem sobre a efetividade das decisões judiciais, ou seja, a proteção do mínimo existencial, no sentido de salvaguarda das condições materiais mínimas à vida com dignidade e certa qualidade pelo Estado que permita o desenvolvimento pessoal e a fruição dos direitos fundamentais, sociais ou individuais judicializados e apresentados sobre o direito à saúde e sua omissão, ou recusa, pelo poder público, muitas vezes em situações que fogem ao conhecimento técnico dos magistrados, que por seu turno não podem negar jurisdição nem responder com o non liquet, num conflito com a separação dos poderes do Estado e sua convivência harmônica, para identificar o grau de complexidade da doença e sua responsabilidade pelo ente federado, enquanto omissão legislativa. Assim, o objeto da pesquisa será examinado sob a ótica da solidariedade e compartilhamento de custos nos moldes republicanos, o que enseja em adequação pela harmonia dos poderes em buscar os meios eficientes de solução ao dever do Estado em assegurar o direito fundamental à saúde a todos.
Palavras-chave: Saúde. Direito fundamental. Irrestrito. Solidariedade.
Abstract: The fundamental right to protection and health promotion – ownership and judicialization. Set-subjective legal positions that impact on the effectiveness of judicial decisions. Protecting the existential minimum, in order to safeguard the minimum material conditions of life with dignity and a quality state that allows personal development and enjoyment of fundamental rights, individual or social judicialized and presented on the right to health and its omission or refusal , by the public, often in situations that are beyond the expertise of judges, which in turn can not deny jurisdiction or respond with non liquet in a conflict with the separation of state powers and their harmonious coexistence, to identify the degree complexity of the disease and its responsibility by federal entity, while legislative omission. Solidarity and cost sharing in molds Republicans. Suitability for the harmony of the powers in seeking the means efficient solution to the State's duty to ensure the fundamental right to health for all.
Keywords: Health. Fundamental right. Unrestricted. Solidarity.
Sumário: Introdução. 1. Da titularidade do direito fundamental à saúde e a intervenção judicial. 2. Independência dos poderes, reserva do possível e direito a saúde. 3. Da estratificação das responsabilidades pelo grau de complexidade da assistência à saúde entre os entes públicos. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
Objetiva o presente trabalho abordar as discussões doutrinárias, jurisprudenciais e empíricas inerentes ao conflito de princípios e direitos fundamentais como: a titularidade do direito a saúde; a independência dos poderes; reserva do possível; inafastabilidade da jurisdição pelo acesso irrestrito, para tanto, a pesquisa será bibliográfica e jurisprudencial.
A titularidade do direito fundamental a saúde é pauta de debates inconclusivos em face de correntes que divergem quanto o caráter do direito, se coletivo ou individual. Uns entendem que não pode ser individual, utilizam-se de um argumento utilitarista, aduzindo o dever o Estado de maximizar o atendimento a saúde a fim de atender o maior número de pessoas possíveis aliviando suas dores e lhes proporcionando alegria. E se individualizar a prestação de serviço à saúde, buscando satisfazer isoladamente cada interesse o custo será excessivo, uma vez que o despendido para socorrer uma pessoa reverter-se-ia em prejuízo de benefício a muitas outras, o que se denota nesta lógica é que a satisfação de um pode causar dor e sofrimento numa infinidade de outros que poderão ficar desassistidos por falta de disponibilidade orçamentária. O valor destinado à saúde é fechado, se gasta mais com um o outro terá menos.
Noutra vertente, há os que defendem não haver como se restringir o exercício do direito à saúde ao meio de provocação coletiva, pois a dimensão individual não afasta o exercício do direito na esfera coletiva, ambos podem coexistir, principalmente, quando houver risco de dano a pessoa, esta tem o direito individual, subjetivo e constitucional de demandar contra o ente federado em busca da assistência à sua saúde em face do risco de morte em que se encontra.
A saúde é um direito de todos e um dever do Estado, quando este não cumpre o seu dever, ao povo é disponibilizado instrumentos de garantia aos seus direitos violados ou ameaçados. É como inserido no texto do inciso XXXV no art.5° da CF/88, impossibilitando seja excluída da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito, mesmo por força de lei. É neste sentido que se pretende demonstrar não ser correta a alegação de independência dos poderes para justificar uma restrição da atividade do Poder Judiciário na seara de recusa, ineficiência ou ausência de prestação de serviço de saúde, todas as vezes que for provocado. Caso, assim, não fosse esta a melhor interpretação do princípio da separação dos poderes – sem prejuízo do deve de convivência harmônica, porém, independente – não haveria necessidade de separação, tudo seria um só poder! A separação é que justifica a divisão dos papeis, das responsabilidades e das ações de competência de cada um; ao Judiciário, todas as vezes que um direito for negado ou ameaçado de ser violado, em sendo provocado, não pode se abster de responder a jurisdição, por imperativo constitucional, logo, não há ingerência indevida no âmbito do Executivo, mas, o exercício democrático das suas finalidades. Checks and balances – sistema de freios e contrapesos onde um poder tem mecanismos de controle e fiscalização em relação ao outro, por seu turno, o Judiciário pode intervir em caso de abuso ou desvio de poder praticado pelos outros ramos, quando instigado.
O acesso a Justiça deve ser irrestrito, inafastável, e toda vez que provocado o Judiciário deve prestar o serviço jurisdicional de forma eficiente, célere, eficaz, e nunca responder ao cidadão com o non liquet. O processo judicial admite o amicus curiae, amigo da corte, para servir como fonte de conhecimento em assuntos inusitados, inéditos, difíceis ou controversos, ampliando a discussão antes da decisão final e fornecendo elementos à convicção do julgador. Assim, não deve o juiz imputar ausência de conhecimento técnico para deixar de prestar o dever jurisdicional. Neste ponto, também, almeja o presente trabalho abordar quanto a relevância do papel do Poder Judiciário nas omissões ou ineficiência do Poder Executivo no seu dever de assistir com serviços de saúde o povo.
Esta monografia, buscará, limitadamente, dizer se a responsabilidade da assistência à saúde é solidária, ou não, entre os entes federados com fulcro nos parâmetros legais; se é correto haver negativa de prestação ao direito fundamental à saúde sob justificativa de nível por grau de complexidade como regra determinante de responsabilidade do ente federado suplicado; e se há limite na prestação jurisdicional à garantia do direito à saúde.
A temática bastante investida pelos Executivos do país – Judicialização da Saúde – vem ocupando o espaço relevante no calendário de eventos e debates, numa demonstração inequívoca de fuga da responsabilidade para efetivação do dever, atribuindo ao Judiciário a responsabilidade pelos elevados gastos com saúde por força de decisões judiciais, o que segundo o Executivo provoca um desequilíbrio orçamentário. Em verdade, a ineficiência do sistema, necessita de um “bode expiatório” a fim de camuflar a verdade e politicamente iludir o povo.
Espera ao final, demonstrar que a assistência à saúde, como dever do Estado (União, Estados, DF e Municípios) é uma obrigação solidária entre estes, devendo, pois ao município, por estar mais próximo do cidadão ser o ente que deve prestar diretamente, para tanto, recebendo o suporte econômico e técnico dos demais membros da federação brasileira. Logo, a evasiva que se busca convencer da aplicação de tabela de grau de complexidade do tratamento ou da doença para determinar qual deles poderia ser responsabilizado, demonstra-se como uma manobra artificiosa para se esquivar da obrigação de atender, individualmente, o direito do cidadão. Pois, apenas há busca da intervenção judicial, porque o Estado não cumpre com eficiência o seu papel, refletindo na judicialização das demandas. Não é o Judiciário o interventor indevido na esfera das atividades do Executivo, é o Executivo que não esta cumprindo o seu dever constitucional de prestar a quem necessita a assistência à saúde, implementando políticas públicas sociais e econômicas visando a redução do risco de doenças e de outros agravos.
Os limites da atuação do Judiciário na garantia do direito fundamental social à saúde se dá apenas dentro da perspectiva do princípio da proporcionalidade e da razoabilidade, a fim de, em agindo não prejudique diretamente outro que tem preferência legal (idade) ou de oportunidade como o da fila de espera para transplante de órgãos, por exemplo.
A pesquisa será realizada tomando, de forma panorâmica, as diversas opiniões doutrinárias e o comportamento jurisprudencial brasileiro, dividindo-se em três capítulos: Da titularidade do direito fundamental à saúde e a intervenção judicial; Direito à saúde: independência dos poderes e reserva do possível; e, Da estratificação das responsabilidades pelo grau de complexidade da assistência à saúde entre os entes federados.
O primeiro capítulo, constatada que a judicialização da saúde é um fenômeno nos últimos tempos no Brasil, apresentará a discussão jurídico-subjetiva decorrente do direito fundamental à saúde diante do conflito entre a necessidade, ou não, da prevalência das ações de caráter coletivo, muitas vezes sob acepção de “políticas públicas”, em detrimento dos processos judiciais de cunho individual, sob o argumento da garantia da “macro-justiça”, ingressando na seara da titularidade do direito, e do papel do Poder Judiciário na construção do processo democrático como instrumento de garantia aos direitos ameaçados ou violados, mesmo quando se tratar de direito fundamental social, pois não há como se restringir o exercício do direito à saúde ao meio de provocação coletiva, pois notadamente na perspectiva da dimensão subjetiva o titular do direito é quem figura como sujeito ativo, logo que está sofrendo o dano ou na iminência de sofrer – o indivíduo enfermo. O que será explicado como a dupla face ou dupla dimensão dos direitos fundamentais, como direitos subjetivos e objetivos.
O segundo capítulo buscará compor uma análise do conflito entre a independência dos poderes constituídos da república e a reserva do possível. Inúmeras teorias políticas tentaram equacionar a dicotomia existente entre a relevância da função e a limitação dos poderes constituídos do Estado. A doutrina da separação dos poderes foi a que mais se destacou, influenciando significativamente na construção do constitucionalismo ocidental. Adquirindo, inclusive, o status de um arranjo que virou verdadeira substância no curso do processo de construção e de aprimoramento do Estado Democrático de Direito, a ponto de ser incluída como cláusula pétrea, não podendo sofrer emendas, revisões, reformas ou qualquer ação capaz de abolir o seu conteúdo da Magna Carta pátria.
Os poderes do Estado têm por determinação constitucional o dever de uma convivência harmónica entre si, sem prejuízo da sua independência, conforme preceitua o art.2° da CF/88. Recomenda-se, pois, o diálogo, o debate, a vontade de se buscar soluções razoáveis e eficazes para o equacionamento na judicialização da saúde, uma vez que não compete ao judiciário à administração orçamentária para implementação de políticas e ações públicas que visem assegurar a efetividade do art. 196 da Carta Maior. Neste sentido, a jurisprudência brasileira tem se posicionado contrária a justificativa da reserva do possível para se negar direito fundamental, observando que a reserva do possível está vinculada à escassez, que pode ser compreendida como desigualdade. Bens escassos não podem ser usufruídos por todos e, justamente por isso, sua distribuição faz-se mediante regras que pressupõem o direito igual ao bem e a impossibilidade do uso igual e simultâneo. Essa escassez, muitas vezes, é resultado de escolha, de decisão: quando não há recursos suficientes, a decisão do administrador de investir em determinada área implica escassez de outra que não foi contemplada. Por esse motivo, em um primeiro momento, a reserva do possível não pode ser oposta à efetivação dos direitos fundamentais, já que não cabe ao administrador público preteri-la, visto que não é opção do governante, não é resultado de juízo discricionário, nem pode ser encarada como tema que depende unicamente da vontade política, uma vez ser direito fundamental a assistência à saúde.
No terceiro capítulo será abordada a estratificação das responsabilidades pelo grau de complexidade da assistência à saúde entre os entes federados, com a finalidade de demonstrar não ser plausível a justificativa de caráter defensivo dos entes federativos em não cumprir as suas obrigações constitucionais na seara da saúde, querendo impingir um convencimento teratológico de estratificação de responsabilidades em face da questionável avaliação de grau de complexidade da doença para fins de se eximir da obrigatoriedade constitucional de assistência e resposta a demanda do cidadão quando a lei não o faz. O Sistema Único de Saúde visa à integralidade da assistência à saúde, seja individual ou coletiva, devendo atender aos que dela necessitem em qualquer grau de complexidade, preservando o princípio maior, que é a garantia à vida digna, o mínimo existencial, que tem como direito-meio, o direito à saúde. Este tem sido o comportamento da jurisprudência brasileira ao firmar que eventual ausência de cumprimento de formalidades burocráticas não pode obstaculizar o fornecimento de medicação indispensável à cura e/ou a minorar o sofrimento de portadores de moléstia grave, por ser um direito de todos, nos moldes da Constituição da República.
Mesmo porque, não é razoável exigir o sacrifício de uma vida humana carente de um atendimento emergencial de saúde sob o pretexto de resguardar recursos financeiros para uma política pública de saúde generalizada que ainda não está em perfeito funcionamento, pois a vida é o maior bem jurídico protegido pelo direito, a proporção em que há uma necessidade pontual de guarida e proteção do Estado para socorrê-la não deve nem pode haver recusa, seja qual for o pretexto, por isto se justifica a intervenção do Judiciário, quando provocado, em cumprimento as normas constitucionais, no dever de entregar, satisfatoriamente, a prestação do serviço jurisdicional, não se furtando do seu relevante papel dentro do Estado Democrático de Direito. E assim, também, responder: se a responsabilidade da assistência à saúde é solidária entre os entes federados, logo, se pode haver negativa de prestação ao direito fundamental à saúde sob justificativa de nível de complexidade como limite de responsabilidade do ente federado, isto é, se existe limite à prestação jurisdicional de garantia ao direito à saúde.
1 DA TITULARIDADE DO DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE E A INTERVENÇÃO JUDICIAL
Entre os vários conceitos de saúde, provavelmente, o mais abrangente e preciso é dado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) no preâmbulo de sua constituição datada de 26 de julho de 1946 conceituando saúde como: “o estado de completo bem estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença ou de qualquer afecção”[1].
Importante destacar na própria legislação brasileira a preocupação de inserir o conceito de saúde como se observa, por exemplo, no art. 3º da Lei 8080/902[2], onde inclui como fatores determinantes e condicionantes da saúde pública, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais. Conforme o enunciado na lei, a própria organização social e econômica do país expressa os níveis de saúde almejados para a população. Observa-se ainda que para conceituar o termo saúde, precisa-se avaliar todo um contexto de qualidade e equilíbrio de vida.
A judicialização da saúde é um fenômeno que tem se verificado nos últimos tempos no Brasil, como se fosse uma verdadeira “tábua de salvação”, depositando no Judiciário a responsabilidade pela ineficiência dos serviços de saúde no país. Seja no contexto de responsabilidade pelas suas decisões sob a ótica do Executivo, seja, sob o ponto de visto do cidadão que exige uma resposta judicial imediata ao seu direito preterido administrativamente. Entretanto, não só o Judiciário, mas sim, todas as esferas do Poder que precisam assegurar o bem jurídico saúde, pois se encontra diretamente relacionado com a ideia de dignidade da pessoa humana e do mínimo existencial, que é a própria essência dos direitos fundamentais.
Segundo Moraes[3] direitos fundamentais do homem podem ser entendidos “como um conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano cuja finalidade primordial é o respeito à dignidade da pessoa humana, através do estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade do homem e a proteção contra o arbítrio do poder estatal”.
Galvão Filho afirma que os direitos fundamentais guardam estreita relação com os direitos do homem: “A assembleia geral das Nações Unidas aprovou a Declaração dos direitos humanos de 1948, constituindo-se em um consenso sobre valores fundamentais. Segundo Alexy, essa Declaração colocou vários problemas, destacando-se três: i) como os direitos do homem podem ser reconhecidos ou fundamentados – problemas epistêmicos; ii) quais direitos devem ser reconhecidos – problemas substanciais, quando se coloca a questão do reconhecimento, além dos direitos de liberdade e de igualdade clássicos, dos direitos sociais; iii) como os direitos do homem devem ser positivados e garantidos – problemas de institucionalização. Os direitos do homem são direitos universais que competem a todos os homens. Além disso, são direitos morais na medida em que a sua validez não depende de sua positivação, mas pressupões a validade de uma norma moral passível de justificação perante cada um, dada a sua correção material. Outra marca dos direitos do homem é a que são direitos preferenciais que devem ser positivados na Constituição. Os direitos do homem detêm prioridade frente ao Direito positivo, pois representam a medida de sua legitimidade. Eles são fundamentais, pois cuidam das carências e necessidades do homem que devem ser protegidas e fomentadas pelo Direito. Um interesse ou carência é fundamental quando sua violação ou não satisfação acerta o âmbito nuclear da autonomia. […]
Os direitos fundamentais são direitos subjetivos passíveis de exigibilidade judicial na medida em que são garantidos por normas jurídicas vinculantes”.[4]
O acesso à saúde está alocado como um direito fundamental, ou seja, um direito e garantia expresso na Constituição Federal no seu artigo 196: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.[5]
A finalidade essencial é o respeito à dignidade da pessoa humana. Bulos anota: “Ora, o reconhecimento da saúde, como direito fundamental do homem, não alcançou efetividade, no primeiro decênio de Constituição. Assim, um direito expressivo e universal ficou postergado e, por via obliqua, negado, condicionado, sufocado, anulado, porque, nesse campo, grassou indiferença, acomodação, omissão, ignorância, complacência e conformismo.
Os Poderes Públicos, incumbidos de realizar a mensagem prescritiva em epígrafe, não levam em conta o princípio de que devem receber tratamento isonômico, consoante o atual estágio da ciência médica. Assim, a norma em epígrafe não tem desempenhado qualquer efeito concreto, porque, no Brasil, o acesso à saúde é proporcional à situação econômica da pessoa. No direito constitucional anterior era pior, porque o constituinte simplesmente dava competência à União para legislar sobre a defesa e proteção à saúde, no sentido de se combater, no nível de organização administrativa, as endemias e as epidemias”.[6]
Encontra-se evidenciado o dever do Estado em garantir, mediante políticas sociais e econômicas, o acesso universal e igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação da saúde, o que não vem sendo adimplido satisfatoriamente, repercutindo no fenômeno da Judicialização da Saúde.
A Consultoria Jurídica do Ministério da Saúde que atua em praticamente todos os processos judiciais em que a União figura como ré nas ações de saúde, para fornecimento de subsídios técnicos e orientação ao Ministério da Saúde quanto ao cumprimento das decisões prolatadas, elaborou relatório nominado “Intervenção Judicial na Saúde Pública” [7] onde identifica, numericamente, o crescimento das demandas judicializadas, tendo sido constatado no ano de 2009, 10.486 (dez mil, quatrocentos e oitenta e seis) novas ações; no ano de 2010, 11.203 (onze mil, duzentos e três) novas ações, e, finalmente, no ano de 2011, 12.436 (doze mil, quatrocentas e trinta e seis) novas ações, todas propostas contra a União no âmbito da saúde.
Informações de alguns Estados da federação apontam no mesmo sentido, o Estado de São Paulo, por sua vez, somente no ano de 2008, gastou R$400.000.000,00 (quatrocentos milhões de reais) no atendimento às demandas judiciais de saúde. Esse gasto é 567% maior do que o gasto de 2006, que foi de 60 milhões. Já no ano de 2010, os gastos chegaram a quase R$700 milhões.
Facilmente se verifica que a ineficiência do Estado em cumprir o dever constitucional de promover o atendimento integral à saúde, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais, não têm sido observado pelos Executivos dos entes federados, exasperando a quantidade de ações judiciais com o fim de se impingir o cumprimento desta obrigação em face do risco de dano irreparável à saúde ou a vida do cidadão que necessitam de atendimento especializado e de urgência, não disponibilizado, ou negado, pelo Estado.
Medina anota em sua Constituição Federal Comentada: “O fato de o Sistema Único de Saúde ter descentralizado os serviços e conjugado os recursos financeiros dos entes da Federação, com o objetivo de aumentar a qualidade e o acesso aos serviços de saúde, apenas reforça a obrigação solidária e subsidiária entre eles, As ações e os serviços de saúde são relevância pública, integrantes de uma rede regionalizada e hierarquizada, segundo o critério da subsidiariedade, e constituem um sistema único(STF; trecho do voto do Min. Gilmar Mendes, no julgamento da STA 175-AgR, j.17.03.2010)”.[8]
O direito fundamental à proteção e promoção da saúde abrange um conjunto de posições jurídico-subjetivas de natureza diversa, cujas peculiaridades repercutem sobre a efetividade das decisões judiciais. Neste sentido a busca de proteger o mínimo existencial, no sentido de salvaguarda das condições materiais mínimas à vida com dignidade e certa qualidade, que permita o desenvolvimento pessoal e a fruição dos demais direitos fundamentais, sociais ou não, tem provocado o Judiciário, cada vez mais, chamando-o a decidir, arbitrando soluções, para os mais diferentes casos de conflitos concretos lhe apresentados sobre o direito à saúde e sua omissão, ou recusa, pelo poder público, muitas vezes em situações que fogem ao conhecimento técnico dos magistrados, que por seu turno não podem negar jurisdição nem responder com o non liquet. (Non liquet é uma expressão advinda do Direito Romano que se aplicava nos casos em que o juiz não encontrava nítida resposta jurídica para fazer o julgamento, e por isso, deixava de julgar. Do latim non liquere pode significar não claro)[9]
Principalmente nos dias atuais quando o Brasil recepcionou a possibilidade da participação em julgamentos do amicus curiae, amigo da corte, para servir como fonte de conhecimento em assuntos inusitados, inéditos, difíceis ou controversos, ampliando a discussão antes da decisão final e fornecendo elementos à convicção do julgador. Assim, não deve o juiz imputar ausência de conhecimento técnico para deixar de prestar o dever jurisdicional, quando lhe é facultado instrumentos para auxiliar no processo de convencimento no julgamento, embora livre, deve ser motivado e fundamentado nos moldes do Código de Processo Civil artigo 131: “O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que Ihe formaram o convencimento”[10].
Explicam Alvim, Assis e Alvim : “Livre convencimento e motivação das decisões judiciais – De acordo com o art.93, inc.IX, da CF/88, as decisões judiciais serão motivadas sob pena de nulidade. Dessa forma, o juiz tem liberdade para apreciar as provas do processo, mas deverá indicar os motivos que formaram o seu convencimento, devendo-se falar, assim, no livre-convencimento motivado, também conhecido como princípio da persuasão racional.[…]”[11]
A fim de alcançar este tirocínio, em caso de matérias especiais e técnicas distantes da sua formação intelectual e prática, pode se valer de perícia ou parecer técnicos de especialistas, conforme previsão literal do mesmo diploma processual em seu artigo 145: “ Quando a prova do fato depender de conhecimento técnico ou científico, o juiz será assistido por perito”[12].
“A prova pericial é a modalidade de prova que se faz necessária quando o juiz necessita de pessoas munidas de conhecimentos especiais (técnicos, como, por exemplo, agricultores e mecânicos, ou científicos, como por exemplo, engenheiros e médicos), que possam informar o juízo acerca da ocorrência de determinados fatos, bem como acerca do significado desses mesmos fatos (arts.420-439 do CPC). O Juiz, mesmo que disponha de conhecimentos técnicos em área estranha ao direito, deverá valer-se do perito, de molde, inclusive, a proporcionar a possibilidade das partes impugnarem o laudo pericial, valendo-se do acompanhamento de seus respectivos assistente técnicos. Ademais disso, imprescindível é que os fatos probandos, que demandem perícia, fiquem através desse meio de prova demonstrados no processo, para que o tribunal possa, igualmente, valorar tais fatos, à luz da perícia”.[13]
As questões de saúde aportam ao Judiciário com intensidade crescente. O tema saúde insere-se numa esfera complexa e técnico-científica, é um campo imenso, multifacetado e hermético, vincula-se à qualidade de vida, com repercussão direta numa comunidade cada dia mais ciosa de seus direitos e ávida por fruir – em plenitude – de todos os dons existenciais. Enquanto isto o diálogo entre a Medicina e o Direito se apresenta, e sempre foi, muito tenso[14], quando poder-se-ia evoluir para um entrelaçamento de cooperação a fim de que não haja comportamento inadequado do Judiciário com decisões negativas de jurisdição por ausência de provas técnicas, quando ele mesmo pode e deve determinar a produção, quando possível.
Dentro deste contexto processual traz-se a discussão quanto à titularidade do direito fundamental à saúde, em face do seu caráter coletivo, social, que direciona o Estado a uma ação isonômica por via de políticas públicas que visem a assistência e o atendimento disponível a toda comunidade indistintamente, não sendo, pois, há quem diga, um direito subjetivo, que autoriza o ingresso individual de demanda.
Esta discussão deságua na possibilidade de se deferir judicialmente um tratamento específico a determinada pessoa em detrimento da previsão orçamentária destinada à obrigação estatal de garantir mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação, conforme previsto no art. 196 da CF/88.
Noutra vertente, sendo como é a saúde um direito de todos, logo de cada um, merece a proteção legal todas as vezes que o Estado não cumpra o seu dever de assegurar ao cidadão contra o risco a sua vida e outros agravos a sua saúde, como o de fornecimento de medicamentos de uso contínuo e indispensáveis a sobrevivência do enfermo não assistido, etc.
Neste diapasão, é de se verificar que o direito fundamental à saúde reúne ambas características: é um direito social coletivo em face do dever de garantir o acesso universal e igualitário às ações e serviços promovidos pelo Estado; ao tempo, em que, quando ausente esta prestação estatal eficiente e eficaz pondo em risco a vida de um indivíduo, gera para este o direito individual subjetivo de promover ação contra o ente federado a fim de que seja garantido pelo Judiciário o seu direito fundamental à saúde e a vida, como resposta de jurisdição compulsória de acesso irrestrito.
O debate, ou conflito, entre a possibilidade da intervenção judicial passa pela relevância da autonomia discricionária do Poder Executivo, sob pretexto de ser o detentor da decisão, dentro dos limites orçamentários, de qual política ou ação pública é mais adequada, eficaz e urgente para a promoção, proteção e recuperação na seara da saúde que possa ser desenvolvida com acesso universal e igualitário a todos os cidadãos, nos termos da Carta Magna pátria.
Esta Justificativa se finca na teoria da reserva do possível, ou seja, o Estado não pode ser obrigado a cumprir uma ordem judicial que extrapola os limites orçamentários possíveis para determinada rubrica a fim de atender um interesse individual em prejuízo do interesse coletivo ou difuso. Por outro lado, é dever do Estado garantir a saúde e a vida de todos quanto da proteção à saúde necessitem. Qual a medida mais adequada diante do princípio da proporcionalidade, a vida ou a implementação futura, às vezes incerta, de uma ação ou política pública disponível a todos? Seria justo, se negar jurisdição a quem precisa do socorro imediato a sua vida, negado pelo Estado, quando este tem por dever assegurar?
A lei fundamental de um Estado é a sua Constituição, em seu corpo estão previstos os fundamentos organizacionais do país. A Constituição Federal brasileira em seu art.5° apresenta os direitos e as garantias fundamentais conferidas aos brasileiros natos, aos naturalizados e àqueles indivíduos que se encontram em território pátrio, ainda que temporariamente.
A Magna Carta do Brasil faz referência expressa aos direitos, deveres e garantias fundamentais : Os direitos são bens e vantagens contidos no texto constitucional, por sua vez as garantias são os instrumentos pelos quais se assegura o exercício dos aludidos direitos.
Os direitos fundamentais estão envoltos pelo contexto histórico, são universais (a todos se destinam, indiscriminadamente), não são absolutos, podem ser exercidos cumulativamente e se caracterizam por serem irrenunciáveis, inalienáveis e imprescritíveis além de terem aplicação imediata.
O Supremo Tribunal Federal, inclusive, já reproduziu a teoria das gerações dos direitos fundamentais de BOBBIO, conforme se observa no seguinte voto do Min. Celso de Mello: “[…] enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) – que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais -realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração(direitos econômicos, sociais e culturais) – que se identifica com as liberdades positivas, reais ou concretas – acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade […]”[15].
Assim, os direitos fundamentais de primeira geração são os direitos e garantias individuais e políticos clássicos (liberdades públicas), surgidos institucionalmente a partir da Magna Carta.
Nos direitos de segunda geração se encontra o direito à saúde o qual nos termos do art. 196 da CF/88 é “direito de todos” e “dever do Estado”, garantido mediante “políticas públicas sociais e econômicas” que “visem à redução do risco de doenças e de outros agravos”, regidos pelo princípio do acesso universal e igualitário” às “ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação”. Por tal redação, pode-se identificar, tanto um direito individual quanto um direito coletivo à saúde.[16]
No AgR-RE n.271.286-8/RS o Supremo Tribunal Federal, pelo Ministro Relator Celso de Mello, enfatizou a dimensão individual do direito à saúde, reconhecendo-o como direito público subjetivo assegurado à generalidade das pessoas, que conduz o indivíduo e o Estado a uma relação jurídica obrigacional – “a interpretação da norma programática não pode transformá-la em promessa constitucional inconsequente” -, impondo aos entes federados um dever de prestação positiva, e destaca que “a essencialidade do direito à saúde fez com que o legislador constituinte qualificasse como prestações de relevância pública as ações e serviços de saúde(CRFB/1988, art.197)”, legitimando, pois, a atuação do Poder Judiciário nas hipóteses em que a Administração Pública descumpra o mandamento constitucional em apreço.
Hodiernamente, protege-se como direitos de terceira geração os chamados de solidariedade ou fraternidade, que englobam o direito a um meio ambiente equilibrado, uma saudável qualidade de vida, ao progresso, a paz, a autodeterminação dos povos e a outros direitos difusos, que são os interesses de grupos menos determinados de pessoas, sendo que entre elas não há vínculo jurídico ou fático muito preciso.
Anota Ferreira Filho: "a primeira geração seria a dos direitos de liberdade, a segunda, dos direitos de igualdade, a terceira, assim, complementaria o lema da Revolução Francesa: Liberdade, igualdade, fraternidade".[17]
Por seu turno, Lafer[18] classifica esses mesmos direitos em quatro gerações, afirmando que os direitos de terceira e quarta gerações transcendem a esfera dos indivíduos considerados em sua expressão singular e recaindo, exclusivamente, nos grupos primários e nas grandes formações sociais.
Saindo desta digressão doutrinária o termo empregado genericamente pela Constituição Federal engloba os direitos e deveres individuais e coletivos, os direitos sociais, a nacionalidade, os direitos políticos, etc. Acerca da nomenclatura adotada pelo legislador brasileiro, Ingo Wolfgang Sarlet dispõe: “Estas categorias igualmente englobam as diferentes funções exercidas pelos direitos fundamentais, de acordo com parâmetros desenvolvidos especialmente na doutrina e na jurisprudência alemães e recepcionadas pelo direito luso-espanhol, tais como os direitos de defesa (liberdade e igualdade), os direitos de cunho prestacional (incluindo os direitos sociais e políticos na sua dimensão positiva), bem como os direitos-garantia e as garantias institucionais, aspectos que ainda serão objeto de consideração. No que diz com o uso da expressão “direitos fundamentais” [grifo do autor], cumpre lembrar que o nosso Constituinte se inspirou principalmente na Lei Fundamental da Alemanha e na Constituição Portuguesa de 1976, rompendo, de tal sorte, com toda uma tradição em nosso direito constitucional positivo”.[19]
Os direitos e garantias consignados na Lei Maior constituem rol meramente exemplificativo, uma vez que, tais ditames não afastam ou impedem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que o Brasil integre.
As alusões superficiais relativas aos direitos e garantias fundamentais se fizeram importantes para introduzir a análise das posições jurídico-subjetivas decorrentes ao direito fundamental à saúde e a intervenção judicial, que é o objeto do presente trabalho.
A Constituição brasileira de 1988, reiteradamente, atribui a titularidade dos direitos sociais a toda e qualquer pessoa, independente de sua nacionalidade ou de seu vínculo de maior o menor permanência no país, à exemplo do direito à saúde expresso no art. 196, “a saúde é direito de todos e dever do Estado” analisado com o art.203 onde dispõe que “a assistência social será prestada a quem dela necessitar”, conclui-se pela adoção de uma concepção inclusiva nos moldes dos direitos sócias básicos em geral, principalmente quando em causa estiver a garantia do mínimo existencial, da própria vida e da dignidade da pessoa humana numa relação estreita com o princípio da universalidade, sem que um exclua o outro.
Não há como restringir o exercício do direito à saúde ao meio de provocação coletiva a fim de se obter um conjunto de prestações estatais que satisfaça indeterminado número de pessoas. Como observa José Ledur[20], a dimensão individual não resta afastada pelo fato do exercício do direito ocorrer na esfera coletiva, mesmo não tendo por argumento os direitos sociais, o Supremo Tribunal Federal sustentou a coexistência de uma titularidade individual e coletiva do direito à saúde, sem prejuízo da existência de vários julgados reconhecendo ser um direito subjetivo individual a prestação em matéria de saúde. (leading case do AgR-RE n.271.286-8/RS, Rel Min. Celso de Mello, DJE 12.09.2000)
Neste sentido Ingo Sarlet anota: “Em verdade, causa mesmo espécie que de uns tempos para cá, haja quem busque refutar – ainda que movido por boas intenções – a titularidade individual dos direitos sociais, como argumento de base para negar-lhes a condição de direitos subjetivos, aptos a serem deduzidos mediante demandas judiciais individuais. O curioso para impedir (o que é inaceitável sob todos os aspectos) ou eventualmente limitar (o que acaba sendo menos nefasto, e, a depender dos parâmetros e do contexto, até mesmo adequado) a assim chamada judicialização das políticas públicas e dos direitos sociais, restringindo o controle e intervenção judicial a demandas coletivas ou o controle estrito (concentrado e abstrato) de normas que veiculam políticas públicas ou concretizam deveres em matéria social. Importa destacar, ainda neste plano preliminar, que não se está aqui a afastar a tese de uma opção preferencial (em sendo possível e adequado) pela tutela judicial coletiva, desde que não impeditiva de tutela individualizada, ainda mais quando não se trata, neste, caso, de afastar a titularidade individual dos direitos sociais para um número maior de pessoas”[21]
Os que defendem a necessária prevalência das ações de caráter coletivo na seara dos direitos fundamentais sociais, em particular, o direito à saúde, argumenta que as ações individuais quando deferidas, restritamente àqueles que têm meios de acesso à justiça finda por causar prejuízo e mesmo inviabilizar as decisões de “macro-justiça”, as quais seriam destinadas à efetivação de políticas públicas disponibilizadas a coletividade. Afasta-se, pois, da perspectiva constitucional que o direito a saúde é de todos indistintamente, de cada pessoa, uma vez que intimamente ligado à proteção a vida, a integridade física e a dignidade da pessoa humana individualmente considerada. No que pese a dimensão coletiva e difusa de que se possa revestir o direito à saúde, jamais pode deixar de considerar a tutela pessoal e individual que lhe é inerente e inafastável, principalmente, quando se busca uma prestação material. Ademais, o acesso à jurisdição é uma garantia constitucional inserta no art. 5°, XXXV, “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”[22], é uma garantia fundamental ao cidadão quando negado pelo ente público a proteção ou assistência à saúde, por este motivo não há como se aderir ao posicionamento que refuta, em caráter absoluto, a judicialização das demandas por prestações materiais de caráter individual no âmbito da concreção do direito à saúde.
O titular do direito, notadamente na perspectiva da dimensão subjetiva dos direitos e garantias fundamentais, é quem figura como sujeito ativo da relação jurídica-subjetiva, explica Sarlet, o direito à proteção e promoção da saúde abrange uma gama de posições jurídico-subjetivas de natureza diversa, que diante da pretensão resistida ou da omissão do dever estatal, pode ensejar o manejo de ação judicial de caráter coletivo, e quando se busca uma prestação material individual, a titularidade é do cidadão que está carente da proteção eficaz e efetiva que lhe assegure o mínimo existencial.
Ledur explica que a dupla face ou dupla dimensão dos direitos fundamentais – como direitos subjetivo e objetivo – sendo de domínio comum, clássico, em ciência do direito: “Pode suceder que, quando se fala de dimensão jurídico-objetiva dos direitos fundamentais, logo venha à mente o que seja o direito objetivo (descrição do objeto e das condições de aplicação das normas de direito). Mas, além disso, é possível pensar-se em função jurídico-objetiva própria dos direitos fundamentais quando se cogita de direitos subjetivos, geralmente qualificados como os que possuem o atributo de serem exercitáveis por meio de ação. Isto ocorre, por exemplo, nos direitos fundamentais do trabalho, nos direitos coletivos e nos direitos prestacionais derivados, em que a fonte imediata do direito subjetivo não está na vontade pessoal, mas na lei, que incide imperativamente, independente do arbítrio individual (no caso, crescem de importância os fatos sociais e coletivos para a interpretação e aplicação do Direito). Exemplo disso vem a ser o tratamento igualitário ou isonômico já referido e que constitui princípio basilar dos direitos fundamentais sociais em geral, dos direitos sociais específicos oriundos do direito do trabalho, e bem assim dos direitos coletivos”.[23]
É de se destacar, inclusive que o Superior Tribunal de Justiça vem reiteradamente reconhecendo a legitimidade do Ministério Público para ingressar com ação, mesmo quando, tenho por objetivo imediato, o socorro a uma necessidade individual de um cidadão. É o que se observa no voto do Ministro Herman Benjamin onde rebateu o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que se posicionar no sentido de o Ministério Público não está legitimado para a defesa de direito ou interesses individuais isolados de pessoas maiores e capazes, uma vez que apenas estaria legitimado para propor Ação Civil Púbica em defesa de direito individual indisponível à saúde de hipossuficiente, dizendo: “[…] revi o fundamento acima aplicado, no sentido de que não se trata de legitimidade do Ministério Público em razão da hipossuficiência econômica – matéria própria da Defensoria Pública –, mas da natureza jurídica do direito-base (saúde), que é indisponível. […] Ainda que o Parquet esteja tutelando o interesse de uma única pessoa, o direito à saúde não atinge apenas o requerente, mas todos os que se encontram em situação equivalente. Trata-se, portanto, de interesse público primário, indisponível […]”.[24]
Para ilustrar o seu julgamento que reconhece a legitimidade do Ministério Público para a defesa dos direitos individuais indisponíveis, mesmo quando a ação vise à proteção de uma única pessoa o Ministro Herman Benjamin referiu-se a decisão proferida pela Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça ao apreciar o Resp 699599/RS, na relatoria do e. Min. Teori Albino Zavascki: “PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. FORNECIMENTO DE TRATAMENTO MÉDICO A MENOR. DIREITO À VIDA E À SAÚDE. DIREITO INDIVIDUAL INDISPONÍVEL. LEGITIMAÇÃO EXTRAORDINÁRIA DO PARQUET. ART. 127 DA CF/88. PRECEDENTES.1. O Ministério Público possui legitimidade para defesa dos direitos individuais indisponíveis, mesmo quando a ação vise à tutela de pessoa individualmente considerada.2. O artigo 127 da Constituição, que atribui ao Ministério Público a incumbência de defender interesses individuais indisponíveis, contém norma auto-aplicável, inclusive no que se refere à legitimação para atuar em juízo.3. Tem natureza de interesse indisponível a tutela jurisdicional do direito à vida e à saúde de que tratam os arts. 5º, caput e 196 da Constituição, em favor de menor que precisa fazer uso contínuo de medicamento. A legitimidade ativa, portanto, se afirma, não por se tratar de tutela de direitos individuais homogêneos, mas sim por se tratar de interesses individuais indisponíveis. Precedentes: REsp 716.512/RS, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, DJ de 14.11.2005; EDcl no REsp 662.033/RS, Rel. Min. José Delgado, 1ª Turma, DJ de 13.06.2005. 4. Recurso especial a que se dá provimento”.
No que pese a proteção à saúde como dever do Estado deva ser prestado de forma igualitária, isonômica, há situações individualizadas que necessitam de atenção diferenciada e a recalcitrância em atender enseja quebra de um dever constitucional previsto na CF/88 no art. 196, logo o direito fundamental a saúde assume uma característica híbrida, ao tempo que é um direito coletivo de caráter objetivo, também se amolda a um direito individual de caráter subjetivo, legitimando o cidadão, e inclusive o Ministério Público, a provocar a tutela jurisdicional sempre que houver prejuízo ou risco de dano irreparável ou de difícil reparação.
Quanto ao Princípio da Isonomia, ressaltamos[25]: “Quanto o princípio da isonomia, significa em resumo tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida da sua desigualdade. Como, por outro lado, no texto da Constituição, esse princípio é enunciado com referência à lei – todos são iguais perante a lei -, alguns juristas construíram uma diferença, porque a consideram importante, entre a igualdade da lei e a igualdade diante da lei, a primeira tendo por destinatário precípuo o legislador, a quem seria vedado valer-se da lei para fazer discriminações entre pessoas que mereçam idêntico tratamento; a segunda, dirigida principalmente aos intérpretes / aplicadores da lei, impedir-lhes-ia de concretizar enunciado jurídicos dando tratamento distinto a quem encarou como iguais. Essa diferença, tem-na por desnecessária, ao menos entre nós, José Afonso da Silva, ‘porque a doutrina como a jurisprudência já firmaram há muito a orientação de que a igualdade perante a lei tem o sentido que, no exterior, se dá à expressão igualdade na lei, ou seja : o princípio tem como destinatário tanto o legislador como os aplicadores da lei’.
De qualquer forma para que se tenha presente o seu relevo nos regimes democráticos, vale relembrar, com Forsthoff, que o Tribunal Constitucional da Alemanha, repetidas vezes, afirmou que o princípio da igualdade, como regra jurídica, tem o caráter suprapositivo, anterior ao Estado, e que mesmo se não constasse do texto constitucional, ainda não teria de ser respeitado”.
Não é plausível tratar um cidadão que está a necessitar de uma assistência emergencial de saúde da qual não dispõe de meios financeiros para se socorrer, passando por risco de morte, igualmente à coletividade que se encontra na situação de possível necessidade, para não se admitir que o direito a saúde é um dever do Estado e um direito subjetivo do cidadão! É dever do Estado, direito do cidadão e papel do Poder Judiciário assegurar o respeito a dignidade da pessoal humana obrigando o Estado a fornecer o mínimo existencial para o socorro à saúde negado.
O grande desafiou está na organização orçamentária, uma vez que os percentuais obrigatórios do orçamento destinados à saúde, muitas vezes, são inferiores ou equivalentes as despesas de menor importância social e coletiva, como exemplo o da “propaganda institucional”, a qual em verdade é utilizada para promoção pessoal dos gestores a fim de se credenciar as próximas eleições, tudo em detrimento do implementação eficiente das políticas públicas sociais que possam oferecer condições universais, igualitárias de assistência e proteção à saúde.
Denúncias reiteradas, ocorrem de recusa do atendimento à saúde, como no caso de prestação material de fornecimento de medicamentos, de realização de intervenções cirúrgicas de maior complexidade, exames de imagens de melhor tecnologia, etc, por questões pessoais, a exemplo da preferência política diversa ao do gestor de plantão, afrontando de forma direta o princípio da impessoalidade e da moralidade na administração pública, bem como o da dignidade da pessoa humana. Situações como estas deixam o cidadão fragilizado, desprotegido, tendo que buscar a garantia fundamental e constitucional de acesso eficaz e eficiente à jurisdição no afã de estancar a arbitrária e indevida recusa ao direito à saúde e que põe em risco o bem jurídico maior – a vida.
Na mesma vertente, o atendimento à necessidade do cidadão também se esbarra em desculpas de falta de licitação, não disponibilidade orçamentária, nível de complexidade da doença, etc, o que em nada se justifica quando do outro lado está em jogo uma vida!
As alegações de negativas de efetivação de um direito social com base no argumento da reserva do possível devem ser sempre analisadas com desconfiança. Não basta simplesmente alegar que não há possibilidades financeiras de se cumprir a ordem judicial; é preciso demonstrá-la. O que não se pode é deixar que a evocação da reserva do possível converta-se “em verdadeira razão de Estado econômico, numa AI-5 econômico que opera, na verdade, como uma anti-Constituição, contra tudo o que a Carta consagra em matéria de direitos sociais. […] a Judicialização não é uma das causas da crise da saúde, mas sim um reflexo dela”, destaca o Procurador da República Duciran Van Marsen Farena, nos autos da ACP n. 2003.81.00.009206-7, Fortaleza – CE. Farena afirma, ainda: “[…] Reconhecemos que não cabe ao Judiciário e ao Ministério Público definir qual o tratamento mais adequado para aquele problema, pois o processo é necessariamente limitado às partes. Em muitos casos, o tempo é exíguo para que sejam apreciados todos os fatores envolvidos – como saber, em poucos dias ou horas, qual o tratamento mais indicado para aquela pessoa, ou se existem casos mais graves?”.
Tal procedimento não pretende tirar a definição da política pública, que deve ser sempre do gestor e do povo através do poder legislativo, mas sim, corrigi-la quando é omissa com relação ao direito à saúde. “Daí nasce o direito do Ministério Público, associações e pacientes de recorrer à Justiça para terem assegurado o direito. O MPF tem procurado suprir essa lacuna dos pacientes que não têm acesso ao judiciário, entrando com ações coletivas”, ressaltou Farena.[26]
A Judicialização da saúde passa pela inobservância do texto constitucional que define como “Dever do Estado”, ou seja, é um dever fundamental de prestação de saúde por parte do Estado (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), um dever de promover políticas públicas que tendam à redução de doenças, à promoção, à proteção e à recuperação da saúde como expresso no art. 196 da CF/88. A competência é comum dos entes federados conforme se verifica no teor do art.23,II da Carta Magna/88 : “É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: II – cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;”. Sendo, pois, os entes federados responsáveis solidários pela saúde, tanto do indivíduo quanto da coletividade.
José Renato Nalini, com muita propriedade, escreveu: “A nação ávida de tributos que oneram o brasileiro e tornam o governo um sócio efetivo em tudo o que o cidadão produz em trabalho e renda, não devolve em qualidade de serviço algo compatível com seu apetite fiscal. A solução é contratar planos privados de saúde. Sem ele, o risco de morrer sem assistência não é mera potencialidade. É um perigo efetivo e que muitas famílias já experimentaram.
A partir desse quadro é que se elabora uma jurisprudência tutelar. O Juiz é um observador sensível e atento de sua Era. Cada magistrado consciente sente-se responsável por aquele necessitado que, em ação individual, vê-se obrigado a bater às portas da Justiça para obter atendimento médico.
É difícil para o juiz, formado à luz da ciência jurídica – e o direito não é senão o mínimo ético de que falava Jellineck – raciocinar com a lógica de governo que o acusa de fazer justiça no varejo e produzir injustiça no atacado. Ou seja: para aquele autor que procurou medicamentos, próteses, serviços médicos ou internação e obteve o provimento liminar ou a antecipação de tutela do juiz da causa, a prestação jurisdicional faz a diferença.
Cada juiz, ao trabalhar isoladamente em seu gabinete, tende a sentir-se um verdadeiro Dom Quixote, capaz de mudar vida de quem se socorreu da Justiça. Não poderia justificar uma negativa ao pleito, o desprovimento da tutela de urgência, com argumento de ordem econômica ou social. A nenhum magistrado ocorreria responder ao paciente que o procurou num processo regular, que deixa de atendê-lo individualmente, mas que o dispêndio estará reservado para a aquisição de vacinas ou para custeio de algum projeto social”.[27]
Esta construção de busca a minimizar o impacto e as consequências da Judicialização da Saúde em se firmar a prevalência do princípio da supremacia do interesse público sobre o particular vem fazer nascer um novo argumento em favor do Estado quanto a possibilidade orçamentária de cumprir as decisões judiciais, bem como da razoabilidade e proporcionalidade entre o custo efetivo do socorro a um paciente e do que poderia ser produzido em favor de inúmeras pessoas, como se pudesse avaliar o preço de uma vida ! De mais a mais, não basta ao ente estatal invocar o princípio da reserva do possível de forma genérica; é preciso que justifique, apresente dados concretos para cotejo entre a prestação positiva visada pelo particular e as suas possibilidades materiais para arcá-la. Do contrário, não haverá como se saber se existe, realmente, uma real impossibilidade de satisfação da obrigação contra si imposta. [28]
Ao Judiciário incumbe um papel inovador, corajoso, de agregar novas soluções na efetivação dos direitos sociais, com decisões inteligentes e fundamentadas dentro dos parâmetros constitucionais para garantir eficazmente a consecução destes direitos. Para tanto, se impõe análise com elevada prudência, esmero, nas ações ajuizadas contra os entes públicos para obrigá-los a fornecer medicamentos de alto custo ou aqueles ainda não reconhecido no Brasil ou realizar tratamentos de eficiência cientificamente não comprovados, sempre observando a necessidade, a razoabilidade e a urgência da pretensão, tendo como parâmetro o impacto econômico da decisão, a fim de não cair na agressão ao princípio da igualdade, na falência do Estado diante da impossibilidade de cumprir todas a decisões da mesma estirpe. Se por um lado é de se assegurar o direito fundamental a saúde, a vida, a dignidade da pessoa humana, reconhecendo a titularidade do direito nas dimensões individual e coletiva, por outro tem que se preocupar para não banalizar a importância do papel do Judiciário como instrumento constitucional de garantia destes direitos. Este equilíbrio é primordial para uma construção positiva, com parâmetros e valores sociais, de atendimento satisfatório às necessidades de assistência à saúde pelo Estado como se analisará no próximo capítulo.
O que se verifica, talvez, é um aparente desequilíbrio ou conflito entre o Judiciário e o Executivo, o primeiro no papel de responder a demanda judicializada, individual ou coletivamente, o segundo ao afirmar procurar desenvolver políticas que abranjam a coletividade, por isto a importância da harmonização da convivência quando em jogo questões de direitos fundamentais, o que Alves trata como necessidade de integração entre Direito e Política: “O lugar do Direito na Política está em algum lugar entre a legitimidade das forças que atuam na organização da polis e a construção dos espaços que garantem aos cidadãos a reivindicação e a implementação dos valores e procedimentos que realizam efetivamente a liberdade e a justiça necessárias à vida política e ao próprio direito. Nesse sentido, é mais correto afirmar que não há um lugar do Direito na Política. A subordinação não contempla a interdependência que necessariamente há. Mais correto talvez seja dizer que o Direito e Política compõem o amplo espaço que viabiliza e se materializa pelo exercício da cidadania, e que somente através dela deixa de ser uma abstração, deixa de servir à “peste” para servir ao fim da polis: o bem comum”.[29]
É de se ressaltar que o ativismo judicial como uma nova forma de atuação do direito constitucional nos tribunais induzem a interpretação de que os agentes de Poder devem assumir o compromisso de buscar mecanismos de concretização dos direitos fundamentais. Sobre o tema da nova ótica e posicionamento dos direitos fundamentais anota Bonavides: “Invalidadas as objeções do positivismo formalista que teme o colapso da normatividade das Constituições com o emprego dos critérios mateirias de interpretação dos direitos fundamentais, caberá, feitas as ressalvas de risco já apontadas, manter o reconhecimento da importância capital da dimensão objetiva.[…]
Verificamos, então, o seguinte: há na Constituição normas que se interpretam e normas que se concretizam. A distinção é relevante desde o aparecimento da Nova Hermenêutica, que introduziu o conceito novo de concretização, peculiar à interpretação de boa parte da Constituição, nomeadamente dos direitos fundamentais e das cláusulas abstratas e genéricas do texto constitucional. Neste são usuais preceitos normativos vazados em fórmulas amplas, vagas e maleáveis, cuja aplicação requer do interprete uma certa diligência criativa, complementar e aditiva para lograr a completude e fazer a integração da norma na esfera da eficácia e juridicidade do próprio ordenamento. Na Velha Hermenêutica, regida por um positivismo lógico-formal, há subsunção; em a Nova Hermenêutica, inspirada por uma teoria material de valores, o que há é concretização; ali, a norma legal, aqui, a norma constitucional; uma interpretada, a outra concretizada.[…]
Os direitos fundamentais, em rigor, não se interpretam; concretizam-se.[…]
Os direitos fundamentais são a bússola das Constituições. A pior das inconstitucionalidades não deriva, porém, da inconstitucionalidade formal, mas da inconstitucionalidade material, deveras contumaz nos países em desenvolvimento ou subdesenvolvidos, onde as estruturas constitucionais, habitualmente instáveis e movediças, são vulneráveis aos reflexos que os fatores econômicos, políticos e financeiros sobre elas projetam. O Estado padece com relação ao controle desses fatores um déficit de soberania, tanto interna como externa, perdendo assim, em elevado grau, a sua capacidade regulativa”.[30]
Em verdade o conflito e/ou desarmonia entre os Poderes em nada aproveita ao povo, que espera uma harmonização madura, republicada e eficaz, onde cada um dos poderes constituídos do Estado desçam do seu pedestal e busquem construir uma engenharia inteligente de ação e convivência, tendo como fim o bem geral. Não se admite, pois, são mecanismos de oratória a fim de se abstrair da responsabilidade de concretizar a implementação do acesso ao direito fundamental a saúde, com evasivas ou transferência desmotivada da culpa para outrem, quando a todos compete a solução do impasse. O que será abordado no capítulo seguinte.
Espera-se ao final, demonstrar que a assistência à saúde, como dever do Estado (União, Estados, DF e Municípios) é uma obrigação solidária entre estes, devendo, pois ao município, por estar mais próximo do cidadão ser o ente que deve prestar diretamente, para tanto, recebendo o suporte econômico e técnico dos demais membros da federação brasileira.
Não é justo o Executivo tentar convencer o povo e o Judiciário da aplicação de tabela de grau de complexidade do tratamento ou da doença para determinar qual deles (entes federados) poderia ser responsabilizado; tal fato se demonstra como uma manobra artificiosa para se esquivar da obrigação de atender, individualmente, o direito do cidadão. Pois, apenas há busca da intervenção judicial, porque o Estado não cumpre com eficiência o seu papel, refletindo na judicialização das demandas. Não é o Judiciário o interventor indevido na esfera das atividades do Executivo, é o Executivo que não esta cumprindo o seu dever constitucional de prestar a quem necessita a assistência à saúde, implementando políticas públicas sociais e econômicas visando a redução do risco de doenças e de outros agravos.
O limite da atuação do Judiciário na garantia do direito fundamental social à saúde é recomendável apenas dentro da perspectiva do princípio da proporcionalidade e da razoabilidade, como já exposto, a fim de, em agindo não prejudique diretamente outro que tem preferência legal (idade) ou de oportunidade como o da fila de espera para transplante de órgãos, por exemplo. Não ser razoável exigir o sacrifício de uma vida humana carente de um atendimento emergencial de saúde sob o pretexto de resguardar recursos financeiros para uma política pública de saúde generalizada que ainda não está em perfeito funcionamento, pois a vida é o maior bem jurídico protegido pelo direito, a proporção em que há uma necessidade pontual de guarida e proteção do Estado para socorrê-la não deve nem pode haver recusa, seja qual for o pretexto, por isto se justifica a intervenção do Judiciário, quando provocado, em cumprimento as normas constitucionais, no dever de entregar, satisfatoriamente, a prestação do serviço jurisdicional, não se furtando do seu relevante papel dentro do Estado Democrático de Direito, o qual – no próximo capítulo – será objeto de análise pela via de exame da reinvindicação do direito à saúde e seu balanceamento pelo argumento da “reserva do possível” num ambiente que busca equilibrar essa tensão com o princípio da independência dos poderes.
2 INDEPENDÊNCIA DOS PODERES, RESERVA DO POSSÍVEL e DIREITO À SAÚDE.
A Constituição Federal de 1988 prevê em seu Artigo 2° que são “Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”[31] esse princípio denominou-se de separação dos poderes, o qual Montesquieu fez a seguinte formulação: “Tudo estaria perdido se o mesmo homem ou o mesmo corpo dos principais ou dos nobres, ou do povo, exercesse esses três poderes: o de fazer as leis, o de executar as resoluções públicas, e o de julgar os crimes ou as divergências dos indivíduos”. [32]
Inúmeras teorias políticas tentaram equacionar a dicotomia existente entre a relevância da função e a limitação dos poderes constituídos do Estado. A doutrina da separação dos poderes foi a que mais se destacou, influenciando significativamente na construção do constitucionalismo ocidental. Adquirindo, inclusive, o status de um arranjo que virou verdadeira substância no curso do processo de construção e de aprimoramento do Estado Democrático de Direito, a ponto de ser incluída como cláusula pétrea, não podendo sofrer emendas, revisões, reformas ou qualquer ação capaz de abolir o seu conteúdo da Magna Carta pátria.
Medauar assim descreve: “A separação de poderes apresenta-se como um dos pressupostos da existência do direito administrativo, pois, se a Administração não estivesse separada dos outros poderes do Estado, dificilmente poderia existir um direito específico que disciplinasse sua atuação.
A separação dos poderes difundiu-se na formulação de Montesquieu, segundo a qual se distinguiam três funções estatais – legislação, execução e jurisdição -, que deveriam ser atribuídas a três órgãos distintos e independentes entre si. Na época, essa divisão significou uma reação ao enfeixamento de poderes na figura do monarca, significou um freio ao poder e, sobretudo, uma garantia aos direitos dos indivíduos.
A fórmula predominante no século XIX previa a elaboração de leis gerais e impessoais por um Parlamento representativo do povo, a execução das mesmas pelo Executivo e o controle da observância das leis e dos direitos dos indivíduos por um Judiciário independente. Sobressaia, então, a supremacia do Legislativo sobre o Executivo e o Judiciário e, portanto, a supremacia da lei sobre os atos emanados dos dois últimos, porque os integrantes do Legislativo eram eleitos para autar como representantes dos detentores da soberania (povo) – os monarcas, seus ministros e os juízes não eram eleitos.
Com esse teor, difundiu-se em todo o mundo ocidental e recebeu consagração expressa em declarações de direitos e constituições do século XVIII, repetindo-se em textos dos séculos XIX e XX.
Hoje, embora na maioria dos ordenamentos se mantenha o princípio da separação dos poderes, a fórmula originária não se ajusta totalmente à realidade político-institucional dos Estados. Alguns dados demonstram isso. Com o advento do Executivo eleito diretamente, não mais se justificaria a supremacia do Legislativo, pois haveria a situação de opor representantes do povo contra representantes do povo. Por outro lado, a ampliação das funções do Estado e a exigência contínua de adoção de medidas no âmbito econômico e social impõem atuação mais rápida, portanto, incompatível com a lentidão do processo legislativo. Daí a supremacia real do Executivo em todos os países na atualidade; o Executivo passou a ter atividade legislativa intensa, inclusive por atribuição constitucional de poder legislativo, como é o caso das medidas provisórias. Além do mais, verifica-se, neste fim de século, realidade dotada de maior complexidade em relação à época de Montesquieu: muitas instituições são dificilmente enquadráveis em algum dos três clássicos poderes, como é o caso do Minstério Público e dos Tribunais de Contas”.[33]
Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio M. Coelho e Paulo Gustavo G. Branco[34] anotam que “o desenho da separação de Poderes como concebido pelo constituinte originário é importante. A emenda que suprima a independência de um dos Poderes ou que lhe estorve a autonomia seria imprópria”.
José Afonso da Silva[35] afirma que “esse é um princípio geral do Direito Constitucional que a Constituição inscreve como um dos princípios fundamentais que ela adota. […] Exprimem, a um tempo, as funções legislativas, executiva e jurisdicional e indicam os respectivos órgãos, conforme descrição e discriminação estabelecidas no título da organização dos poderes”.
A divisão de poderes, entretanto, em convivência harmônica e independente, são os pilares do Estado brasileiro, ao Legislativo compete à elaboração e votação das leis, além do papel fiscalizador da atuação dos outros poderes em nome do povo; ao Executivo compete a administração pública buscando suprir as necessidades do povo, fomentando o desenvolvimento econômico e promovendo meios e assistências para uma vida com dignidade ao cidadão comum; e ao Judiciário compor os conflitos lhe apresentados, buscando inicialmente meios de mediação a fim de se alcançar a paz social, e quando não alcançados pelo argumento, seja prestada a jurisdição vertical nos termos da lei e das normas gerais de justiça, assegurando ao povo o respeito aos seus direitos, a dignidade da pessoa humana, a saúde, a vida e a todos os direitos fundamentais e sociais que sejam resistidos ou negados, e sempre dando amplo e pleno acesso a qualquer cidadão.
Neste contexto é dever do Estado-Executivo a promoção da saúde, como um direito fundamental de todos, e assim, quando falta a prestação ou os meios para uma efetiva solução diante de uma necessidade concreta a qual foi resistida ou negada, sendo judicializada a querela, deve o Estado-Juiz dar uma resposta efetiva e eficaz para atender o socorro ao bem jurídico de maior relevância que é a vida. Diante de situações como esta, onde é princípio constitucional, também, a inafastabilidade do poder judiciário na solução dos conflitos, o qual deve oferecer acesso amplo e irrestrito a todos, é que se apresenta uma tese em confronto direto com o direito pleiteado que é a da reserva do possível.
Explicam Fernando Gomes Correia Lima e Viviane Carvalho de Melo que: “O Princípio da Reserva do Possível ou Princípio da Reserva de Consistência é uma construção jurídica germânica originária de uma ação judicial que objetivava permitir a determinados estudantes cursar o ensino superior público embasada na garantia da livre escolha do trabalho, ofício ou profissão. Neste caso, ficou decidido pela Suprema Corte Alemã que, somente se pode exigir do Estado a prestação em benefício do interessado, desde que observados os limites de razoabilidade. Os direitos sociais que exigem uma prestação de fazer estariam sujeitos à reserva do possível no sentido daquilo que o indivíduo, de maneira racional, pode esperar da sociedade, ou seja, justificaria a limitação do Estado em razão de suas condições sócio, econômicas e estruturais”.[36]
E complementam: “O Princípio da Reserva do Possível consiste em uma falácia decorrente de um Direito Constitucional Comparado equivocado, na medida em que a situação social brasileira não pode ser comparada àquela dos países membros da União Europeia (máxima do Princípio da Igualdade Material). ‘Devemos lembrar que os integrantes do sistema jurídico alemão não desenvolveram seus posicionamentos para com os direitos sociais num Estado de permanente crise social com milhões de cidadãos socialmente excluídos, um grande contingente de pessoas que não acha uma vaga nos hospitais mal equipados da rede pública, crianças e jovens fora da escola, deficiência alimentar, subnutrição e morte”.[37]
E neste entendimento que a jurisprudência brasileira tem se posicionado contrária a justificativa da reserva do possível para se negar direito fundamental, observando que a reserva do possível está vinculada à escassez, que pode ser compreendida como desigualdade. Bens escassos não podem ser usufruídos por todos e, justamente por isso, sua distribuição faz-se mediante regras que pressupõem o direito igual ao bem e a impossibilidade do uso igual e simultâneo. Essa escassez, muitas vezes, é resultado de escolha, de decisão: quando não há recursos suficientes, a decisão do administrador de investir em determinada área implica escassez de outra que não foi contemplada. Por esse motivo, em um primeiro momento, a reserva do possível não pode ser oposta à efetivação dos direitos fundamentais, já que não cabe ao administrador público preteri-la, visto que não é opção do governante, não é resultado de juízo discricionário, nem pode ser encarada como tema que depende unicamente da vontade política. Nem mesmo a vontade da maioria pode tratar tais direitos como secundários. Isso porque a democracia é, além dessa vontade, a realização dos direitos fundamentais. Portanto, aqueles direitos que estão intimamente ligados à dignidade humana não podem ser limitados em razão da escassez, quando ela é fruto das escolhas do administrador. Não é por outra razão que se afirma não ser a reserva do possível oponível à realização do mínimo existencial. Seu conteúdo, que não se resume ao mínimo vital, abrange também as condições socioculturais que assegurem ao indivíduo um mínimo de inserção na vida social.[38]
Medina observa o princípio da dignidade da pessoa humana: “Dignidade da pessoa humana. O art.1°, III da CF estabeleceu a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. O conteúdo desse fundamento é compreendido a partir de outros princípios e garantias existentes na própria Constituição, bem como nas disposições que inspiraram o constituinte. Na Declaração Universal dos Direitos Humanos, fala-se em dignidade ‘inerente a todos os membros da família humana’, e, de acordo com o seu art.1°, ‘todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade’. Com base na referida disposição, a doutrina extrai as seguintes características: ‘a) a dignidade da pessoa humana reporta-se a todas e a cada uma das pessoas e é a dignidade da pessoa individual e concreta; b) cada pessoa vive em relação comunitária, mas a dignidade que possui é dela mesma, e não da situação em si; c) o primado da pessoa é a do ser, não do ter; a liberdade prevalece sobre a propriedade; d) a proteção da dignidade das pessoas está para além da cidadania portuguesa [ou brasileira, acrescentamos nós] e postula uma visão universalista da atribuição de direitos; e) a dignidade da pessoa pressupões a autonomia vital da pessoa, a sua autodeterminação relativamente ao etado, às entidades públicas e às outras pessoas’( Jorge Miranda, Manual de direito constitucional, t.IV, p.169). Trata-se , pois, de princípio de aceitação universal: a dignidade da pessoa humana é o eixo em torno do qual deve girar todo o sistema normativo, núcleo fundamental dos direitos fundamentais”.[39]
A saúde é uma premissa essencial no contexto da dignidade humana, elemento de cidadania, constitui-se um direito de extrema relevância para a sociedade, estando diretamente vinculada aos parâmetros de qualidade de vida de uma sociedade, sendo, na esfera jurídica, o direito à saúde indispensável no âmbito dos direitos fundamentais sociais, pois repercute diretamente no direito à vida.
O direito à saúde se configura como um dos elementos que marcam o constitucionalismo liberal para o constitucionalismo social, na concretização em norma constitucional de direitos à prestação, direitos estes que impõem um dever ao Estado, que passa a ser cobrado enquanto ente responsável em propiciar a liberdade humana, não mais aquela atividade negativa, de restrição de sua atuação, mas uma ação positiva, através de uma efetiva garantia e eficácia do direito fundamental prestacional à saúde.
Figueiredo ao tratar do conteúdo do direito à saúde, explana: “Por mais superficial que se possa constituir, qualquer investigação em torno do direito à saúde é bastante para afirmar a complexidade e a diversidade de ações e prestações que compõem o conteúdo desse direito fundamental. Nesse sentido, a doutrina parece convergir quanto aos aspectos curativo, preventivo e promocional da saúde, interpretando os textos jurídicos dentro desse enquadramento. Assim é Schwartz, por exemplo, entende que a Constituição de 1988, ao aduzir à ‘recuperação’, estaria conectada ao que se convencionou chamar de saúde curativa; as expressões ‘redução do risco de doença’ e ‘proteção’, por seu turno, teriam relação com a saúde preventiva; enquanto, finalmente, o termo ‘promoção’ estaria ligado à busca da qualidade de vida.[…]
O Conceito proposto pela Organização Mundial de Saúde – OMS – ademais, teria alargado a noção de saúde, por superar o enfoque estritamente negativo da ‘ausência de enfermidades’ e propugnar o aspecto positivo da ‘obtenção do estado de completo bem-estar físico, mental e social’. Com isso, a OMS teria retomado a ideia de qualidade de vida : ‘uma saúde efetivamente palpável, e não mais tão-somente preventiva’”. [40]
Para Amartia Sem há privação de liberdade também está na inacessibilidade ao serviço de saúde: “Um número imenso de pessoas em todo o mundo é vítima de várias formas de privação de liberdade. Fomes coletivas continuam a ocorrer em determinadas regiões, negando a milhões a liberdade básica de sobreviver. Mesmo nos países que já não são esporadicamente devastados por fomes coletivas, a subnutrição pode afetar numerosos seres humanos vulneráveis. Além disso, muitas pessoas têm pouco acesso a serviço de saúde, saneamento básico ou água tratada, e passam a vida lutando contra uma morbidez desnecessária, com frequência sucumbindo à morte prematura. Nos países mais ricos é demasiado comum haver pessoas imensamente desfavorecidas, carentes das oportunidades básicas de acesso a serviço de saúde, educação funcional, emprego remunerado ou segurança econômica e social. Mesmo em países muito ricos, às vezes a longevidade de grupos substanciais não é mais elevada do que em muitas economias mais pobres do chamado Terceiro Mundo. Adicionalmente, a desigualdade entre mulheres e homens afeta – e as vezes encerra prematuramente – a vida de milhões de mulheres e, de modos diferentes, restringe em altíssimo grau as liberdades substantivas para o sexo feminino”.[41]
O Brasil pode ser considerado um Estado Social e Democrático de Direito, assim, é dever do Estado assegurar com eficiência os direitos básicos inerentes ao povo, os direitos fundamentais, revelam-se, já no próprio sentido da palavra, como essencial, indispensável, vital, ou seja, é pressuposto para a vida digna de qualquer ser humano. O direito à saúde se consubstancia em um direito público objetivo que tem repercussão subjetiva, todas as vezes que o Estado fracassa na prestação da assistência necessária e urgente a uma pessoa, faz nascer um direito subjetivo que legitima o necessitado a – em seu nome, em face do risco de dano irreparável a sua saúde – exigir do Estado atuação positiva que lhe garanta com eficácia o socorro na esfera da saúde.
Difícil é se compreender, dentro de uma lógica de equidade no contrato social, a eleição de verbas para promoção de festas públicas, divulgações midiáticas de promoção pessoal de gestores dissimuladas de institucionais, custos excessivos com uso de carros e combustíveis, etc, enquanto o povo passa por privações de sua liberdade de ter acesso à saúde, e quando uma vítima deste sistema judicializa sua demanda, vem o poder público justificar da impossibilidade de cumprir o seu dever constitucional, alegando a teoria da reserva do possível, como desculpa para sua absurda insensibilidade social e a vida humana.
Observa Lima ao introduzir o debate quanto a inefetividade dos direitos humanos:“O ponto mais óbvio, mais comum em qualquer discussão – na academia, no âmbito poítico-institucional – sobre direitos humanos talvez seja mesmo sua inefetividade; tal ponto que a efetivação plena dos direitos humanos aparece recorrentemente como algo inatingível, um ‘sonho distante’. É tão sensível a distância entre o que ‘preveem” as normas e a realidade experimentada que essa inefetividade aparece como um topoi. Não se trata, portanto, de simples reprodução de um senso comum, ou do entendimento de um ou outra corrente teórica, mas da constatação, empírica e cotidiana, de um fato evidente. Dados governamentais, relatórios produzidos pelas Nações Unidas, pesquisas científicas e mesmo pensadores liberais tendem a reiterar essa compreensão do cenário, em níveis local e global.
Contudo, as respostas comumente formuladas diante do assunto percorrem um circuito fechado, Buscam suas respostas no âmbito específico das ciências jurídicas ou da política, enquanto esfera de governança. Parece-nos que, dessa forma, as respostas, detidas ainda sobre o aspecto fenomênico do problema, estão fadas a, no máximo, gerar perguntas”.[42]
Outro, ainda, absurdo, é a hodierna imputação de interferência indevida do Judiciário na gestão do Executivo, como sendo o motivo causador do desequilíbrio e desorganização do sistema de saúde no Brasil, ao determinar medidas como fornecimento de medicamentos, realização ou promoção de meios capazes para procedimentos cirúrgicos de urgência, etc, estar-se-ia inviabilizando economicamente os entes públicos, que extrapolam as suas previsões orçamentárias destinadas à saúde por força de decisões judiciais. Ora, a ordem judicial para se atender e socorrer a saúde ou a vida de uma pessoa, apenas foi prolatada em razão da ineficiência do Estado em promover a prestação de serviços de saúde eficazmente, e o Judiciário atuou, não ex officio, mas porque alguém buscou administrativamente e não alcançou resultado, obrigando o agente a judicializar a sua pretensão, necessidade, como a última instância de lograr êxito.
A necessidade da justificativa para tentar encobrir a ineficiência do sistema de saúde, faz com que as elites políticas dominantes despejem a culpa em um terceiro que não necessita do voto popular para se manter em seu cargo. Monteiro e Duarte assim explicam: “Ocorre que Mosca estava com a razão no ponto que se refere à organização da classe dominante. O poder em si existe e é um constante, mas o seu exercício voltado à manutenção da classe que dele se beneficia, requer em primeiro lugar a consciência de elite votada à consecução dos fins que bem ou mal lhe move; para tanto, a educação, a informação, as estruturas jurídico-administrativas, todo o eixo democrático deve estar mobilizado para esse fim.
Elemento psicológico importante há na manutenção dos privilégios das elites dominantes, como uma espécie de tentativa branda a impor certos padrões à massa a fim de que sejam por ela mesma almejado determinados fins já alcançados pela minoria”.[43]
Desprezam, pois, o dever e juramento de ética e justiça que encobre a atividade jurisdicional, que tem a responsabilidade de entregar uma resposta que seja legal ao tempo que deva ser justa, equilibrada e exequível.
Neste sentido, é aconselhável que o juiz tenha a sensibilidade e perspicácia suficiente para analisar cada caso com suas nuances, não se portando com indiferença irrestrita em relação ao argumento da reserva do possível, principalmente quanto à viabilidade material de sua decisão sempre que em apreciação matéria de saúde. Portanto, é plausível realizar análise de até onde sua ordem está sujeita ao atendimento sem arriscar o equilíbrio financeiro do Sistema de Saúde, por isto, cautela nunca é demais. Uma vez, que não é suficiente apenas alegar que não há possibilidade financeira de se cumprir a ordem judicial, impõem-se que se demonstre. Na mesma vertente, algumas pretensões, pelas suas próprias características, de logo, vê-se não enquadrar nos ditames da proporcionalidade entre o direito individual e o coletivo.
A solução prática adequada para o conflito entre o princípio da separação dos poderes, a teoria da reserva o possível, o princípio da inafastabilidade da jurisdição e o princípio da dignidade da pessoa humana, está na aplicação ao caso concreto do princípio da proporcionalidade. Ou seja, não é plausível que se determine ao gestor público que ele construa um hospital com equipamentos de ultima geração, blocos cirúrgicos, UTI’s contrate médicos de reconhecida capacidade científica, etc (perspectiva comunitária, coletiva). Porém, em caso de urgência de um atendimento a uma situação onde se está em risco a vida de um cidadão pela ausência de fornecimento de medicamentos de uso contínuo e essencial a sua sobrevivência, a decisão que obriga, e mesmo sequestra valores com este objetivo, por abrigar a proteção ao maior bem jurídico da humanidade – a vida – ( perspectiva individual, concreta, a pessoa em si mesma) não se pode recepcionar e respeitar a negativa sob pretexto da reserva do possível, uma vez que é dever do Estado fornecer o mínimo existencial para que o cidadão possa viver com dignidade. É desproporcional a negativa aos atendimentos essenciais e de urgência por justificativa orçamentária de rubrica equivalente, quando do outro lado está uma vida em risco, principalmente quando não é demonstrada, peremptoriamente, a impossibilidade do cumprimento da ordem.
O Supremo Tribunal Federal se posicionou quanto a Dignidade da pessoa humana, mínimo existencial e reserva do possível: “[…] A cláusula da reserva do possível – que não pode ser invocada, pelo Poder Público, com o propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar a implementação de políticas definidas na própria Constituição – encontra insuperável limitação na garantia constitucional do mínimo existencial, que representa, no contexto de nosso ordenamento positivo, emanação direta do postulado da essencial dignidade da pessoa humana. […] A noção de ‘mínimo existencial’, que resulta, por implicitude, de determinados preceitos constitucionais (CF, art.1°, III, e art.3°, III), compreende um complexo de prerrogativas cuja concretização revela-se capaz de garantir condições adequadas de existência digna, em ordem a assegurar, à pessoa, acesso efetivo ao direito geral de liberdade e, também, a prestações positivas originárias do Estado, viabilizadoras de plena fruição de direito sociais básicos, tais como o direito à educação, o direito à proteção integral da criança e do adolescente, o direito à saúde, o direito à assistência social, o direito à moradia, o direito à alimentação e o direito à segurança”.[44]
Vê-se, pois, que o direito fundamental deve ser tratado como uma verdadeira cerca de resistência ao discricionário sistema político-administrativo o qual deve respeitar e cumpri-lo sem qualquer pretexto.
O Ministro Herman Benjamin do Superior Tribunal de Justiça votou no REsp 1068731 / RS no sentido de que o direito à saúde deve ser tratado com prioridade pelo ente público: “[…] O direito à saúde, expressamente previsto na Constituição Federal de 1988 e em legislação especial, é garantia subjetiva do cidadão, exigível de imediato, em oposição a omissões do Poder Público. O legislador ordinário, ao disciplinar a matéria, impôs obrigações positivas ao Estado, de maneira que está compelido a cumprir o dever legal.[…]
Em regra geral, descabe ao Judiciário imiscuir-se na formulação ou execução de programas sociais ou econômicos. Entretanto, como tudo no Estado de Direito, as políticas públicas se submetem a controle de constitucionalidade e legalidade, mormente quando o que se tem não é exatamente o exercício de uma política pública qualquer, mas a sua completa ausência ou cumprimento meramente perfunctório ou insuficiente.
A reserva do possível não configura carta de alforria para o administrador incompetente, relapso ou insensível à degradação da dignidade da pessoa humana, já que é impensável que possa legitimar ou justificar a omissão estatal capaz de matar o cidadão de fome ou por negação de apoio médico-hospitalar, p. ex.. A escusa da “limitação de recursos orçamentários” frequentemente não passa de biombo para esconder a opção do administrador pelas suas prioridades particulares em vez daquelas estatuídas na Constituição e nas leis, sobrepondo o interesse pessoal às necessidades mais urgentes da coletividade. O absurdo e a aberração orçamentários, por ultrapassarem e vilipendiarem os limites do razoável, as fronteiras do bom-senso e até políticas públicas legisladas, são plenamente sindicáveis pelo Judiciário, não compondo, em absoluto, a esfera da discricionariedade do Administrador, nem indicando rompimento do princípio da separação dos Poderes”.[45]
O Estado-Juiz não deve se furtar em fazer valer o respeito à dignidade da pessoa humana assegurando os direitos fundamentais contidos na Constituição Federal sob a justificativa da repercussão econômica de sua decisão no equilíbrio orçamentário do ente federado, uma vez que, não respeitada a urgência no socorro pode levar a supressão da vida de alguém, enquanto isto, gestores públicos destinam nas leis orçamentárias elevadíssimas quantias para fins de promoção pessoal através da mídia institucional, verbas estas, que recentemente, foram o veículo do maior escândalo de corrupção do país – O processo do “mensalão” – ao tempo em que direitos sociais fundamentais, assistências, imprescindíveis ao mínimo vital é negado administrativamente, por justificativas absolutamente não razoáveis, como o da reserva do possível, sem a cabal demonstração técnica de impossibilidade do cumprimento.
Moraes anota o seguinte : “A legitimidade democrática do Poder Judiciário baseia-se na aceitação e respeito de suas decisões pelos demais poderes por ele fiscalizados e, principalmente, pela opinião pública, motivo pelo qual todos os seus pronunciamentos devem ser fundamentados e públicos.
A verdadeira, duradoura e incontrastável legitimidade do Poder Judiciário será concedida pela opinião pública, pois somente ela é que, em definitivo, consagrará ou rejeitará essa instituição, analisando-a em virtude de sua jurisprudência e de sua atuação perante o Estado, pois, como ressalta Henry Abraham, ‘as decisões que contrariam o consenso geral simplesmente acabam não perdurando’.[…]
A grandeza do Poder Judiciário e a efetividade de sua atuação em defesa do Estado de Direito estão diretamente relacionadas com a aceitação e respeito de suas decisões pela opinião pública e por seu reconhecimento como guardião supremo da Constituição e dos direitos fundamentais”.[46]
Ao Judiciário, como visto, compete também está em sintonia com o povo, sempre aberto as transformações sócio-econômica-cultural a fim de que seus valores jurídicos não restem comprometido pela frieza do texto legal, que pode ser ou não ser, ao caso sob julgamento, justo ou não. Assim, é importante que fatores externos e atuais, sejam analisados e avaliados pelo órgão julgador.
Esses panoramas exógenos os quais influenciam a decisão do juiz, sensível aos acontecimentos que lhe circundam no tempo e no espaço, foi observado por Adeodato: “A decidir, o Judiciário lança mão de critérios, fornecidos não apenas pelas fontes do direito, mas também pelas inclinações pessoais de cada juiz, todos ‘inseridos em um contínuo de indeterminação’ que é simplesmente impossível de esclarecer em sua totalidade.[…]
É preciso entender, porém, que o sistema jurídico vai muito além dessas bases textuais normativas, pois as interpretações, argumentações e decisões jurídicas não estão além nesse livro que se denomina ‘a Constituição’. A esse conjunto de apreciações das controvérsias constitucionais pelo Judiciário dá-se o nome de jurisdição constitucional”.[47]
Calamandrei, por sua vez, atribui a responsabilidade na prolação do decisum para que os argumentos trilhados estejam em harmonia com a motivação e o desfecho, para que o ato judicial possa ter repercussão positiva no meio destinatário, diz: “[…] a fundamentação da sentença é certamente uma grande garantia de Justiça quando consegue reproduzir exatamente, como num levantamento topográfico, o itinerário lógico que o Juiz percorreu para chegar à sua conclusão, pois se esta é errada, pode facilmente encontrar-se, através dos fundamentos em que altura do caminho o Magistrado se desorientou”.[48]
O judiciário deve buscar uma aproximação com os destinatários de suas decisões, pelo menos quando se tratar de matéria repetitiva ou de maior incidência de demandas sobre o mesmo tema, a fim de se buscar um equacionamento do problema que desequilibra a qualidade da prestação jurisdicional na mesma proporção que interfere na gestão do demandado, seja pessoa pública ou privada. O que importa e a realização de composição que atenda o maior número de pessoas da coletividade, promovendo de forma eficaz a pacificação social por via da mediação extrajudicial, com vista a redução no volume de judicialização das demandas.
O diálogo para construção de meios eficientes passa pelas necessárias informações reais, verdadeiras, transparentes e sem camuflações que devem ser disponibilizadas ao Judiciário, a fim de se construir uma relação harmônica e independente, nos ditames do Estado Democrático de Direito, contribuindo para composição do pensamento e convicção pessoal dos julgadores, é o que se propõem, atualmente, através de Câmaras Técnicas de Saúde, independentes, as quais poderiam ser um bom instrumento de facilitação para o êxito deste impasse concreto e hodierno, que vem prejudicando a população e causado sensação de insegurança jurídica pela diversidade de posicionamento nos julgamentos dos conflitos judicializados nesta seara, a fim de que não enseje o que Adeodato prevê como a utilização da fundamentação constitucional mais como “uma justificação posterior de um opção ética criada casuisticamente”[49].
Importante, destacar, que esta Câmara Técnica de Saúde tem que ser absolutamente independente, com formação em regime de plantão permanente, com resposta célere, instaladas nos Fóruns Judiciais, composta por médicos especialistas e de reputação notoriamente ilibada, para não sofrer ingerência de qualquer das partes nem de laboratórios de multinacionais interessadas na venda de medicamentos sem licitação e sob o manto da legalidade da ordem judicial, ameaçando, assim, os princípios da administração pública insculpidos no art. 37 da CF/88 – legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade.
Na mesma vertente o Decreto n° 7.508/2011 que veio regular a Lei n° 8.080/90 deveria ter previsto a participação do CNJ na Comissão Intergestores prevista em seu art.2° em caso de matéria a nível nacional, e de representantes do Poder Judiciário e Ministério Público, regionais, quando as decisões forem inerentes a pactuação das regras de gestão compartilhada dos entes federados nas respectivas regiões do País. Pois o Judiciário e o Ministério Público devem integrar esta rede em face da sua responsabilidade em não ignorar o fato de que indivíduos correm sérios riscos de vida, em face de não terem acesso às novas tecnologias farmacêuticas ou condições financeiras para a aquisição dos medicamentos, entretanto, o princípio da proporcionalidade exige que tendo conhecimento das políticas públicas estabelecidas e disponibilizadas, que asseguram um tratamento mais igualitário, evite decisões que afrontem, por exemplo, a interferência no critério de prioridades como listas de transplantes, cirurgias eletivas, etc. “A dignidade da pessoa humana é o centro da irradiação dos direitos fundamentais, conhecidos como núcleo essencial de tais direitos”, afirma Lethícia Andrade Mameluk.[50]
Se de um lado a judicialização da saúde tem recebido críticas e reações do Poder Executivo, por outro, ela é resultante da falha ou da falta do poder público em cumprir seus deveres. As pessoas vão ao judiciário porque acreditam e confiam na resposta ao seu direito violado ou ameaçado, e muitas vezes, estimulados por condutas obscuras de prepostos da administração pública que em muitas vezes repelem as demandas com a seguinte resposta: “isso eu não faço, só por ordem judicial”; estimulando o cidadão à judicializar a pretensão meramente administrativa e de sua responsabilidade legal. Com isto, a responsabilidade é, indevidamente, transferida para o Juiz que conceder a ordem, abstraindo-se o gestor da sua responsabilidade fiscal, por incapacidade ou seguindo intenções inescrupulosas na aplicação das verbas públicas, como subterfúgio de justificativa perante os órgãos de fiscalização.
Os poderes do Estado têm por determinação constitucional o dever de uma convivência harmónica entre si, sem prejuízo da sua independência, conforme preceitua o art.2° da CF/88. Recomenda-se, pois, o diálogo, o debate, a vontade de se buscar soluções razoáveis e eficazes para o equacionamento na judicialização da saúde, uma vez que não compete ao judiciário à administração orçamentária para implementação de políticas e ações públicas que visem assegurar a efetividade do art. 196 da Carta Maior, ao tempo, sendo provocado, pela resistência ou recusa de atendimento ou pela deficiente prestação na seara da saúde, não poder, nem dever, recusar jurisdição e, muito mais, responder com o non liquet, sob pena de se igualar na ineficiência do cumprimento do papel constitucional inserido nas normas e princípios regentes do Estado Democrático de Direito.
Mesmo, porque, a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito: “Em outras palavras, quer isso dizer que a Constituição assegura ao titular de uma pretensão a faculdade de exercitá-la em Juízo por meio da ação própria, buscando a tutela jurisdicional para o seu direito. E que o direito de ação, assim instituído, não pode ser cerceado por nenhuma disposição legal.
O poder jurisdicional alcança, com a sua tutela, todas as lesões ou ameaças a direitos individuais ou coletivos, o que levou Pontes de Miranda a batizar o princípio em referência de princípio da ubiquidade da Justiça”.[51]
Para tanto, é relevante referenciar o que diz Karine da Silva Cordeiro[52]: “Convencionalmente, as funções são divididas entre Poder Executivo, Poder Legislativo e Poder Judiciário. Não existe fórmula única para o sistema de freios e contrapesos, nem mesmo em matéria de direitos fundamentais. A quase totalidade das democracias adotou o constitucionalismo na linha do modelo estadunidense, que pode ser sintetizado nas seguintes características: supremacia da Constituição; controle judicial de constitucionalidade (que pressupõe um Poder Judiciário politicamente independente); e proteção ativa dos direitos fundamentais. A Constituição define as fronteiras dentro das quais cada uma das esferas do governo deve agir, e o trabalho constitucional do Judiciário é, primariamente, o de uma patrulha de fronteira. Ainda que todos os Poderes tenha legitimidade para interpretar a Constituição, a interpretação final e vinculante é dada pelo Judiciário.
Nesse modelo, a questão que se coloca é saber se é democrático um grupo de juízes, que não busca sua legitimação no voto popular, tomar decisões morais fundamentais em nome de toda a sociedade. Trata-se da dificuldade contramajoritária referida por Bickel. Porém, uma vez adotada a concepção substancial de democracia, a resposta é necessariamente positiva. A legitimidade democrática dos juízes advém justamente desta aparente contradição: embora a função dos juízes constitucionais seja política, eles não pertencem à política. O propósito não é aumentar o poder dos juízes, desequilibrando a balança em prol do Judiciário, e sim, aumentar a proteção da democracia e dos direitos fundamentais.[…]
No Brasil, o eixo da balança, responsável último por manter o equilíbrio entre a vontade da maioria e os direitos fundamentais, é o Poder Judiciário”.
Assim, a evasiva do argumento da reserva do possível para mitigar o dever de respeito e concretização do direito fundamental à saúde não está sendo recepcionada seja na esfera doutrinária ou na jurisprudencial, tendo a Corte Constitucional, como visto, reiterado este entendimento em diversos julgados.
Talvez em decorrência desta tendência de não mais se recepcionar, indistintamente, a teoria da reserva do possível como excludente da responsabilidade da prestação que assegure o exercício do direito fundamental à saúde em sua plenitude, agora, os representantes dos entes federados passaram a levantar uma tese da estratificação da responsabilidade com a saúde vinculando-a por grau de complexidade das doenças, dos tratamentos e/ou dos medicamentos, a fim de construir um escalonamento considerando o município responsável pelos procedimentos mais simples ou menos complexos e a União o de alta complexidade.
Este novo comportamento vai de encontro à filosofia do Sistema Único de Saúde, previsto no arts.198 e 200 da CF/88, para os quais Bulos faz as seguintes anotações: “Neste ínterim, caberá à união, Estados, Distrito Federal e Municípios praticar ações e executar serviços, com base nos princípios da descentralização, atendimento integral e participação da comunidade, os quais denotam um direito difuso da comunidade, de um lado, e o direito social do indivíduo, tomado em si mesmo, do outro.[…]
A competência do Sistema Único de Saúde (SUS) envolve tarefas normativas, fiscalizatórias e executivas, além de outras disciplinas em lei ordinária. Dentro da amplitude de suas atribuições, compete-lhe toda a produção material e intelectual, direcionada à área de saúde, através da execução de ações(quais sejam, ordenar, participar, incrementar, fiscalizar e colaborar), que busquem preservar dos direitos metaindividuais do homem. Notadamente os difusos.[…]
Conclusão: o Brasil seria a melhor das nações se um sistema de saúde, chamado único, funcionasse plenamente, cumprindo, de modo criterioso, o programa estampado no art.200. Será que algum dia conseguirá?” [53]
A própria Constituição teve a preocupação em dizer que “os sistema único de saúde será financiado, nos termos do art.195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes”[54], além de buscar uma redistribuição dos recursos visando a redução das desigualdades regionais, como se observa, o sistema é único e solidário.
Não é a vontade dos representantes dos entes federados que vai mudar o texto constitucional e sua essência, pois está sedimentado que a assistência à saúde, como dever do Estado (União, Estados, DF e Municípios) é uma obrigação solidária entre estes, devendo, pois ao município, por estar mais próximo do cidadão ser o ente que deve prestar diretamente, para tanto, recebendo o suporte econômico e técnico dos demais membros da federação brasileira por integrarem um sistema único, solidário e que busca reduzir as desigualdades regionais. Não é justo o Executivo tentar convencer o povo e o Judiciário da aplicação de tabela de grau de complexidade do tratamento ou da doença para determinar qual deles (entes federados) poderia ser responsabilizado; tal fato se demonstra como uma manobra artificiosa para se esquivar da obrigação de atender, individualmente, o direito do cidadão, numa busca contínua e sem limites de desculpas para se eximir do dever constitucionalmente assegurado como direito de todos, como será demonstrado no próximo capítulo.
3 DA ESTRATIFICAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PELO GRAU DE COMPLEXIDADE DA ASSISTÊNCIA À SAÚDE ENTRE OS ENTES FEDERADOS
Analisadas a titularidade do direito fundamental à saúde, a intervenção do Poder Judiciário no primeiro capítulo quando se pode verificar que se trata de um direito objetivo e subjetivo, coletivo e individual, constitucionalmente assegurado como direito de todos, e que a intervenção judicial apenas ocorre quando omisso o Estado em efetivar as políticas públicas de caráter social da saúde ou em caso de negativa de atendimento individual, passou-se, no segundo capítulo, a observar o significado do direito à saúde como uma obrigação do Poder Executivo, não sendo indevidas ou ameaçadoras ao sistema democrático de separação dos poderes as decisões judiciais, que respeitem o princípio da proporcionalidade, e que obriguem o Estado a promover ações em socorro a saúde e/ou a vida do indivíduo, uma vez que está mitigado o argumento das elites políticas dominantes de respeito a reserva do possível, como excludente de suas responsabilidades sociais na seara do direito fundamental à saúde.
Como visto ao final do capítulo anterior, a necessidade de se manter no domínio do poder, as elites políticas, buscam convencer o povo com argumentos populistas a fim de se eximir da sua responsabilidade na prestação dos serviços públicos sociais básicos. Agora, surge, a tese que a responsabilidade de cada ente federado se limita ao grau de complexidade da assistência à saúde. Busca-se delimitar as funções das esferas de governo – federal, estadual e municipal – no planejamento, no financiamento e na execução das ações e dos procedimentos de baixa, média e alta complexidade, desprezando, por absoluto, a ausência de previsão legal, pois tal repartição de competência não está definida pelas normas que constituíram o Sistema Único de Saúde, além de ser contrária aos ditames constitucionais que regem a matéria.
O SUS, portanto, é definido como um sistema único, organizado como uma rede regionalizada e hierarquizada e com a diretriz de descentralização, nos termos do art. 198 da CF/88: “As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I – descentralização, com direção única em cada esfera de governo; II – atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; III – participação da comunidade”.[55]
O parágrafo primeiro deste dispositivo esclarece que o SUS será financiado, nos termos do art.195, com recursos da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes; no inciso II do parágrafo terceiro prevê uma atualização quinquenal dos critérios de rateio dos recursos da União entre os entes federados visando à redução progressiva das disparidades regionais.
O Sistema Único de Saúde se apresenta com uma estrutura descentralizada onde prevalece aos Municípios a prestação dos serviços de atendimento à saúde da população, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado nos termos do art.30, VII da CF/88, assim, apesar de constituírem um sistema único e integrarem uma rede regionalizada e hierarquizada, as prestações de saúde foram descentralizadas no tocante à sua execução.
Ora, se o texto constitucional não define a forma de descentralização das responsabilidades pela assistência à saúde que o SUS deverá adotar, nem mesmo como se constituirá efetivamente a rede hierarquizada e regionalizada, instituindo grau de complexidade, não pode qualquer outro ato de caráter normativo infraconstitucional o fazer. Mesmo porque, o dispositivo que consagra a saúde como direito de todos e dever do Estado está consubstanciado em uma norma de natureza principiológica que estabelece fins a serem buscados pelo Estado (CF, art.196).
No mesmo diapasão a Lei n.°8.080/90 – Lei Orgânica da Saúde – apresenta atribuições comuns às três esferas de gestão. No art. 15 e nos artigos 16, 17 e 18 as atribuições são especificadas, mas também há lacuna quanto às competências assistenciais em saúde, e mais, repita-se, trata como responsabilidade da União a cooperação técnica e financeira com os Estados, Distrito Federal e Municípios, o que repete quanto da competência dos Estados a mesma obrigatoriedade de prestar apoio técnico e financeiro aos Municípios. Logo, não há como se estratificar ou identificar uma descentralização de responsabilidades, muito pelo contrário, ao Judiciário compete em caso de omissão ou negativa impor o cumprimento do dever constitucional de proteção à saúde como mínimo existencial, ficando a repartição dos custos aos entes federados que devem está conveniados, pactuados, para fins de ressarcimento ou suprimento de verbas, a fim de não causar lesão ao direito individual subjetivo de assistência a qualquer pessoa, em razão de o direito à saúde ser titularizado por todas as pessoas que estejam no território brasileiro, independentemente da nacionalidade e do país de domicílio, ponto pacificado na literatura jurídica e na jurisprudência.
Esclarece Meirelles, ao tratar da competência do Município em assuntos de interesse local: “[…] o interesse local se caracteriza pela predominância (e não pela exclusividade) do interesse do Município, em relação ao do Estado e da União. Isso porque não há assunto municipal que não seja reflexamente de interesse estadual e nacional. A diferença é apenas de grau, e não de substância. Estabelecida essa premissa, é que se deve partir em busca dos assuntos da competência municipal, a fim de selecionar os que são e os que não são de seu interesse local, isto é, aqueles que predominantemente interessam à atividade local. Seria fastidiosa – e inútil, por incompleta – a apresentação de um elenco casuístico de assuntos de interesse local do Município, porque a atividade municipal, embora restrita ao território da Comuna, é multifária nos seus aspectos e variável na sua apresentação, em cada localidade.
Acresce, ainda, notar a existência de matérias que se sujeitam simultaneamente à regulamentação pelas três ordens estatais, dada a sua repercussão no âmbito federal, estadual e municipal. Exemplos típicos dessa categoria são o trânsito e a saúde pública, sobre as quais dispõem a União (regras gerais: Código Nacional de Trânsito, Código Nacional de Saúde Pública), os Estados (regulamentação: Regulamento Geral de Trânsito, Código Sanitário Estadual) e o Município (serviços locais: estacionamento, circulação, sinalização, etc.; regulamentos sanitários municipais). Isso porque sobre cada faceta do assunto há um interesse predominante de uma das três entidades governamentais. Quando essa predominância toca ao Município, a ele cabe regulamentar a matéria, como assunto de seu interesse local.”[56]
Nada impede que aos Municípios sejam repassadas a gerência e gestão dos serviços de média e alta complexidade, desde que pactuado entre os entes federados, uma vez que a “descentralização” do sistema deve se dar com ênfase na municipalização (princípios do SUS, alínea “a”, inciso IX, art.7°, da Lei n° 8.080/90), o que é reforçado no inciso I do art.17, às Secretarias Estaduais de Saúde devem promover a descentralização para os municípios dos serviços e das ações de saúde. Lamentavelmente, relacionamentos políticos partidários entre os gestores dos entes federados, de menor significância no âmbito dos princípios da moralidade e impessoalidade da administração pública, dificultam a implementação do SUS para fins de atendimento às necessidades da população, o que respinga na judicialização dos pleitos, assoberbando o Poder Judiciário e elevando a vitimização dos gestores que diante do caos e das suas irresponsabilidades constitucionais utilizam-se dos discursos populistas para deslocar a sua ineficiência na prestação ao direito à saúde à responsabilidade do Judiciário, em face das suas decisões que socorrem indivíduos não atendidos e com riscos de morte, o que se constitui num enorme absurdo. Como bem observou FARENA, para o qual, “a Judicialização não é uma das causas da crise da saúde, mas sim um reflexo dela”[57].
A Portaria do Ministério da Saúde n°648/2006 – que aprovou a Política Nacional de Atenção Básica, estabeleceu a revisão de diretrizes e normas para a organização no Programa Saúde da Família (PSF) e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) – definiu a atenção básica em saúde : “A atenção básica caracteriza-se por um conjunto de ações de saúde, no âmbito individual e coletivo, que abrangem a promoção e a proteção da saúde, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação e a manutenção da saúde.
É desenvolvida por meio do exercício de práticas gerenciais e sanitárias, democráticas e participativas, sob forma de trabalho em equipe, e dirigidas a população de territórios bem delimitados, pelas quais assume a responsabilidade sanitária, considerando a dinamicidade existente no território em que vivem essas populações. Utiliza tecnologias de elevada complexidade e baixa densidade, que devem resolver os problemas de saúde de maior frequência e relevância em seu território.
É o contato preferencial dos usuários com os sistemas de saúde. Orienta-se pelos princípios da universalidade, da acessibilidade e da coordenação de cuidado, do vínculo e da continuidade, da integralidade, da responsabilização, da humanização, da equidade e da participação social.[…].
A atenção básica tem a Saúde da Família como estratégia prioritária para sua organização de acordo com os preceitos do Sistema Único de Saúde”.[58]
Ora, o Decreto n°7.508/2011[59] repete no art.8° os princípios do acesso universal e igualitário, entretanto, no art.28, restringe o atendimento as necessidades de medicamentos à prescrição por profissional de saúde no exercício regular de suas funções no SUS, o que é contraditório e inconstitucional, por ser norma restritiva que se contrapõem ao princípio da universalidade e da isonomia.
Ora, como se admitir que se prive o indivíduo da liberdade de escolha do profissional de saúde! O decreto em comento é fruto do que já foi tratado ao abordar a posição de Monteiro e Duarte[60] no Capitulo 2, constitui um “elemento psicológico importante” para a “manutenção dos privilégios das elites dominantes”, ao disponibilizar o serviço com restrições atentatórias aos princípios de liberdade e da isonomia, aparentemente amplia a assistência à saúde, convencendo a todos de uma pseudo-eficiência, ao tempo em que no discurso omite a restrição que ensejará enorme economia aos cofres públicos, mas ajudando a manter no poder pela conformação da massa.
O mesmo decreto exigir que seja respeitada a Relação Nacional de Ações e Serviços de Saúde (RENAME), bem como, os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas o que se verifica como critério de prevenção e segurança, a fim de apenas financiar os tratamentos cientificamente comprovados como eficaz diretamente vinculado ao princípio da economicidade e ao da razoabilidade, mas não é plausível se aceitar a possibilidade de restringir a titularidade da prescrição dos medicamentos e tratamentos exclusivamente aos médios que integram o SUS, tal disposição fere diretamente a liberdade individual do cidadão, o exercício profissional da medicina, e elo de confiança entre paciente e médico, e mais, interfere nos ditames de éticas dos juramentos dos profissionais de saúde por assumirem o compromisso de não recusar atender que esteja em sofrimento por questões de saúde.
O Decreto em epígrafe se afigura desproporcional e por conseguinte, não razoável, logo, inconstitucional, por ser restritiva ao exercício do direito fundamental e humano à saúde.
No sítio da internet nominado “Portal da saúde” do Governo Federal encontra-se a definição do que seja média e alta complexidade em saúde: “A média complexidade ambulatorial é composta por ações e serviços que visam atender aos principais problemas e agravos de saúde da população, cuja a complexidade da assistência na prática clínica demande a disponibilidade de profissionais especializados e a utilização de recursos tecnológicos, para o apoio diagnóstico e tratamento.
A definição de alta complexidade consta como o conjunto de procedimentos que, no contexto do SUS, envolve alta tecnologia e alto custo, objetivando propiciar à população acesso a serviço qualificados, integrando-os aos demais níveis de atenção à saúde (atenção básica e de média complexidade)” [61].
Nas normas de diretriz e regulamentação do SUS ainda não há específica e estratificada definição da competência de responsabilidade por ente federado quanto o nível de complexidade do atendimento, o que está a depender das decisões das Comissões Intergestores (instância de pactuação consensual entre os entes federativos para definição das regras de gestão compartilhada do SUS) nos termos do Decreto n°7.508/2011, assim, ao Poder Judiciário compete, em caso de negativa de atendimento a demanda de saúde, assegurar o acesso aos serviços de saúde, avaliando a gravidade do risco individual e/ou coletivo, claro dentro de um critério cronológico e isonômico, respeitando, ainda, as especificidades previstas para pessoas com proteção especial de acordo com a lei. Tudo em conformidade com o art.12 do referido Decreto onde está assegurado ao usuário a continuidade do cuidado em saúde, em todas as suas modalidades, nos serviços, hospitais e em outras unidades integrantes da rede de atenção à saúde, inclusive, podendo integrar o planejamento da saúde a iniciativa privada, planos de saúde conforme se verifica no art.15 do mencionado Decreto.
Hierarquizar ou estratificar o atendimento a saúde por complexidade restringindo a competência por ente federado, como à União as ações de alta complexidade, aos Estados as de média complexidade e aos Municípios o atendimento básico de baixa complexidade (ao Distrito Federal o que compete aos Estados e Municípios – Art.19 da Lei n°8.080/90) quando todas as normas pertinentes remetem a uma necessária pactuação entre eles, uma vez que a Constituição Federal não faz esta divisão, não é possível. E recepcionar este argumento, seria negar jurisdição e assim, quebrar o princípio do acesso a Justiça e da inafastabilidade do Poder Judiciário, pois se é concorrente e solidária a obrigação, aos entes federativos são os únicos capazes de enfrentar a solução da repercussão econômica da ordem judicial na seara da saúde, devendo, pois, o Ministério da Saúde fazer a devida intervenção no suprimento de sua cota e dos outros responsáveis, o que não se admite e a inibição do exercício da garantia do direito fundamental em detrimento da saúde e/ou da vida de alguém.
Tem sido este o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, conforme o voto do Ministro Luiz Fux no REsp 814076 / RJ : “[…] O Sistema Único de Saúde-SUS visa a integralidade da assistência à saúde, seja individual ou coletiva, devendo atender aos que dela necessitem em qualquer grau de complexidade, de modo que, restando comprovado o acometimento do indivíduo ou de um grupo por determinada moléstia, necessitando certo medicamento para debelá-la, este deve ser fornecido, de modo a atender ao princípio maior, que é a garantia à vida digna e que tem como direito-meio, o direito à saúde. Em preciosa lição, José Afonso da Silva discorre acerca da garantia constitucional à saúde, in Curso de Direito Constitucional Positivo, 20ª edição: ‘É espantoso como um bem extraordinariamente relevante á vida humana só agora é elevado á condição de direito fundamental do homem. E há de informar-se pelo princípio de que o direito igual à vida de todos os seres humanos significa também que, nos casos de doença, cada um tem o direito a um tratamento condigno de acordo com o estado atual da ciência médica, independentemente de sua situação econômica, sob pena de não ter muito valor sua consignação em normas constitucionais.
O tema não era de todo estranho ao nosso Direito Constitucional anterior, que dava competência à União para legislar sobre defesa e proteção à saúde, mas isso tinha sentido de organização administrativa de combate às endemias e epidemias. Agora é diferente, trata-se de um direito do homem.’”[62]
Tal entendimento é deveras antigo, e por conseguinte sedimentado, como se verifica nesta decisão: “CONSTITUCIONAL. RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. FORNECIMENTO DE MEDICAÇÃO (INTERFERON BETA). PORTADORES DE ESCLEROSE MÚLTIPLA. DEVER DO ESTADO. DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA E À SAÚDE (CF, ARTS. 6º E 189). PRECEDENTES DO STJ E STF. 1. É dever do Estado assegurar a todos os cidadãos o direito fundamental à saúde constitucionalmente previsto. 2. Eventual ausência do cumprimento de formalidade burocrática não pode obstaculizar o fornecimento de medicação indispensável à cura e/ou a minorar o sofrimento de portadores de moléstia grave que, além disso, não dispõem dos meios necessários ao custeio do tratamento. 3. Entendimento consagrado nesta Corte na esteira de orientação do Egrégio STF. 4. Recurso ordinário conhecido e provido”.[63]
Não se justifica a defensiva dos entes federativos em não cumprir as suas obrigações constitucionais, querendo impingir um convencimento teratológico de estratificação de responsabilidades em face da questionável avaliação de grau de complexidade da doença para fins de se eximir da obrigatoriedade constitucional de assistência e resposta a demanda de saúde do cidadão, como bem explana Meirelles, o interesse local se define onde está o problema, onde reside o cidadão: “Muitas, entretanto, são atividades que, embora tuteladas ou combatidas pela União e pelos Estados-membros, deixam remanescer aspectos da competência local, e sobre os quais o Município não só pode como deve intervir, atento a que a ação do Poder Público é sempre um poder-dever. […]
Examinando-se a atividade municipal no seu tríplice aspecto politico, financeiro e social, depara-se-nos um vasto campo de ação, onde avultam assuntos de interesse local do Município, a começar pela elaboração de sua lei orgânica e escolha de seus governantes (prefeitos e vereadores) e a desenvolver-se na busca de recursos para a administração (tributação) , na organização dos serviços necessários à comunidade (serviços públicos), na defesa do conforto e da estética da cidade (urbanismo), na educação e recreação dos munícipes (ação social), na defesa da saúde, da moral e do bem-estar público (poder de polícia) e na regulamentação estatutária dos servidores.
[…] O que importa fixar, desde já, é que os assuntos de interesse local surgem em todos os campos em que o Município atue com competência explícita ou implícita.
Para aferição desse interesse local, que legitimará a ação do Município, o melhor critério é, como já se disse, o da predominância do seu interesse em relação ao das outras entidades estatais – União e Estado-membro”. [64]
Identificado o problema, a necessidade de assistência à saúde do munícipe, o Município imediatamente deve socorrer, tratando-se, como se trata, de um Sistema Único de Saúde, nos termos da Constituição Federal já tão mencionada, o custo desta ação é problema da necessária convivência institucional entre os entes federados, que devem se respeitar e tratar a coisa pública nos termos superiores da urbanidade, do respeito ao ser humano, e acima de tudo da vida que está em jogo, partilhando e repassando as devidas compensações financeiras do custo operacional do atendimento e promovendo o efetivo apoio técnico, seguindo, sempre, o princípio da boa fé, e nunca com prevenções em razão da conformação político-partidária que mais se adequa ao momento ou tempo político.
O direito à saúde, por sua vinculação direta à dignidade da pessoa humana, e própria Constituição teve a preocupação em dizer que “os sistema único de saúde será financiado, nos termos do art.195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes”[65], além de buscar uma redistribuição dos recursos visando a redução das desigualdades regionais, como se observa, o sistema é único e solidário, não havendo, pois, como se reconhecer a estratificação de responsabilidade distribuída pelos entes federativos pelo grau de complexidade do atendimento a demanda de saúde.
Como já dito, não é a vontade isolada e egoísta, da perpetuação de poder pelas elites politicas dominantes, de plantão como representantes dos entes federados, que vai mudar o texto constitucional e sua essência, pois está sedimentada a assistência à saúde como dever do Estado – União, Estados, DF e Municípios unidos em um sistema nacional único, descentralizado, compondo uma obrigação solidária.
Não compete ao Executivo impor ou ditar limites à atuação do Judiciário, o que seria, aqui, sim, um risco verdadeiro ao princípio democrático da separação dos poderes, principalmente quando o Judiciário atual na garantia de um direito fundamental social, prestacional, que o direito à saúde. Os limites de atuação jurisdicional podem ser aceito, apenas dentro da perspectiva do princípio da proporcionalidade e da razoabilidade, como já exposto, o qual se encontra dentro das garantias constitucionais do “devido processo legal” e do “duplo grau de jurisdição”, controle judicial, e nunca exógeno, o que seria ilegítimo. No que pese, em discursos de clamor social, visem os “gestores de saúde” conformar o povo, proclamando ações e acessos no orbe da saúde, antes limitados à minoria, mas, na prática, emitem normas administrativas restringindo o que deveria ser pleno, castrando os princípios da universalidade e da isonomia do atendimento à saúde. No mesmo sentido, não é razoável exigir o sacrifício de uma vida humana carente de um atendimento emergencial de saúde sob o pretexto de resguardar recursos financeiros para uma política pública de saúde generalizada que ainda não está em perfeito funcionamento, pois a vida é o maior bem jurídico protegido pelo direito, a proporção em que há uma necessidade pontual de guarida e proteção do Estado, se este fracassa, ao Juiz compete o dever de entregar, satisfatoriamente, a prestação do serviço jurisdicional, enfrentado a matéria e assegurando o exercício do seu mister no Estado Democrático de Direito que é promover a justiça, também, em seu caráter social no contexto do direito fundamental à saúde.
CONCLUSÃO
A Constituição brasileira de 1988, reiteradamente, atribui a titularidade dos direitos sociais a toda e qualquer pessoa, independente de sua nacionalidade ou de seu vínculo de maior o menor permanência no país, à exemplo do direito à saúde que deverá ser prestado por assistência a quem dela necessitar, o que denota a adoção de uma concepção inclusiva nos moldes dos direitos sócias básicos em geral, principalmente quando em causa estiver a garantia do mínimo existencial, da própria vida e da dignidade da pessoa humana numa relação estreita com o princípio da universalidade, sem que um exclua o outro.
Por isto, não se vê como restringir o exercício do direito à saúde ao meio de provocação coletiva a fim de se obter um conjunto de prestações estatais que satisfaça indeterminado número de pessoas. Como já decantado, o direito fundamental à saúde tem caráter objetivo e subjetivo, coletivo e individual, a dimensão individual não afasta, peremptoriamente, o exercício do direito vir a ocorrer na esfera coletiva, mesmo não tendo por argumento os direitos sociais, a coexistência de uma titularidade individual e coletiva do direito à saúde, em nada afeta a busca de sua efetividade. Será objetivo/coletivo quando se tratar temas relativos a políticas sociais públicas, de interesse coletivo, sem prejuízo de ser reconhecido como um direito subjetivo individual, quando negado ou não disponibilizado atendimento ou a prestação em matéria de saúde, pois irá repercutir no patrimônio individual, a saúde ou a vida do individuo. Assim, a titularidade pode se apresentar de ambas as perspectivas, pois uma não exclui a outra, uma vez que a Carta Maior afirma ser direito de todos e dever do Estado.
A ineficiência do sistema de saúde, ainda não eficazmente implementado nos termos da Constituição de 1988, que este ano comemora seu “Jubileu de Prata”, tem repercutido diretamente no processo nominado “judicialização da saúde”, um fenômeno que tem se verificado nos últimos tempos no Brasil, como se fosse uma verdadeira “tábua de salvação”, depositando no Judiciário a responsabilidade de superação e/ou solução da ineficiência dos serviços de saúde no país, todas as vezes que não disponibilizado uma política universal de atendimento as necessidades básicas de saúde ou negado uma pretensão a um enfermo carente de assistência urgente. Diante de um quadro real desta espécie não é razoável exigir o sacrifício de uma vida humana carente de um atendimento emergencial de saúde sob o pretexto de resguardar recursos financeiros para uma política pública de saúde generalizada que ainda não está em perfeito funcionamento, “teoria da reserva do possível”, ou seja, não é correto o Judiciário interferir nas previsões orçamentárias de um ente federativo ordenando a realização de determinado procedimento prestacional de saúde em favor de um demandante necessitado, posto ter ciência quanto haver, ou não, disponibilidade financeira na rubrica inerente para tal ato. Esquecem-se, pois, os adeptos desta argumentação, que a vida é o maior bem jurídico protegido pelo direito, a proporção em que há uma necessidade pontual de guarida, proteção, assistência do Estado e este fracassa no seu dever, apresentada a pretensão ao Judiciário deve ser entregue, dentro dos parâmetros dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, satisfatoriamente a prestação do serviço jurisdicional, enfrentado a matéria de forma responsável, utilizando-se dos instrumentos legais de auxílio técnico permitido e fazendo valer o exercício do seu mister no Estado Democrático de Direito que é promover a justiça, também, em seu caráter social no contexto do direito fundamental à saúde, todas as vezes que o direito for preterido administrativamente ou o Estado se porte omisso.
O que afeta o principio da separação dos poderes é Executivo querer impor ou ditar limites à atuação do Judiciário.
Vencida a “tese da reserva do possível” como justificativa para limitar a atuação do Judiciário, após reiteradas manifestações doutrinárias e jurisprudências, inclusive da Corte Constitucional do Brasil, como visto no capítulos anteriores do presente estudo, os representantes do Executivo, gestores de saúde, levantam a hipótese de se estabelecer critérios de repartição de responsabilidades dos entes federativos quanto à assistência à saúde, por nível de complexidade da prestação do serviço à saúde, com os ditames Constitucionais que trata o Sistema Único de Saúde como descentralizado e solidário entre os entes federativos, os posicionando em condições de igualdade, solidariedade, sem qualquer restrição ou indicação de limites. Ora, se a Carta Magna não estratificou a responsabilidade, não se pode refutar por teses e argumentos que não há solidariedade ou responsabilidades compartilhadas. Quem defende esta quebra de corresponsabilidade ingressa no que pode ser chamado de “teoria do absurdo”, em face de ser contrários as leis materiais e da lógica, se portando de forma irredutível a elas, no afã de se perpetuar no domínio do poder político, utilizando as riquezas públicas de forma pessoa e discricionária, esbarrando no absurdo de desprezar a natureza principiológica da norma constitucional que expressamente declara que a saúde é um direito de todos e dever do Estado.
Importante, ainda destacar, que o Sistema Único de Saúde é de acesso universal e igualitário e para funcionar de forma descentralizada promovendo o atendimento integral, inclusive com mecanismos de compensação às regiões menos favorecidas, devendo a União e os Estados prover financeiramente e com apoio técnico ao Município para que este como mais próximo do titular do direito possa o exercer com eficiência a proteção ao bem jurídico saúde o qual se encontra diretamente relacionado com a ideia de dignidade da pessoa humana e do mínimo existencial, que é a própria essência dos direitos fundamentais, pois saúde também significa qualidade de vida.
A saúde é uma premissa essencial no contexto da dignidade humana, elemento de cidadania, constitui-se um direito de extrema relevância para a sociedade, estando diretamente vinculada aos parâmetros de qualidade de vida de uma sociedade, sendo, na esfera jurídica, o direito à saúde indispensável no âmbito dos direitos fundamentais sociais, pois repercute diretamente no direito à vida.
O direito à saúde se configura como um dos elementos que marcam o constitucionalismo liberal para o constitucionalismo social, na concretização em norma constitucional de direitos à prestação, direitos estes que impõem um dever ao Estado, que passa a ser cobrado enquanto ente responsável em propiciar a liberdade humana, não mais aquela atividade negativa, de restrição de sua atuação, mas uma ação positiva, através de uma efetiva garantia e eficácia do direito fundamental prestacional à saúde.
Hodiernamente, não há como se admitir a recusa do prestação da assistência à saúde por justificativa de não está inserida numa gradação de complexidade que refreia a responsabilidade do ente federativo provocado administrativamente; ora, isto é negativa de um dever constitucional, inadmissível e atentatório à dignidade da pessoa humana, agressão inexorável ao direito fundamental à saúde e à vida – mínimo existencial – o que respinga na responsabilidade civil do Estado e do gestor que ordenou a recusa ao atendimento. Situações desta estirpe são as responsáveis pela judicialização dos direitos fundamentais, e, é ao Poder Judiciário confiado a proteção de tais direitos, a fim de corrigir as distorções e violações praticadas pelo administrador, e mesmo, numa certa medida, até prevenir essas violações. O sistema de proteção judicial baseia-se na ideia de que um Poder cujos membros gozam de adequada independência, com um estatuto que lhes preserva a imparcialidade, habituados e vinculados à aplicação do Direito, constitui o melhor meio de preservar os direitos individuais, e mormente os fundamentais contra o Executivo, nos moldes já enfrentados nos capítulos anteriores.
Hierarquizar ou estratificar o atendimento a saúde por complexidade restringindo a competência por ente federado, como à União as ações de alta complexidade, aos Estados as de média complexidade e aos Municípios o atendimento básico de baixa complexidade, quando todas as normas pertinentes remetem a uma necessária pactuação entre eles, uma vez que a Constituição Federal não faz esta divisão é algo juridicamente impossível. O Juiz, caso venha recepcionar este argumento, estará negando jurisdição e assim, quebrar o princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário. Pois, inserto no texto constitucional que é concorrente e solidária a obrigação aos entes federativos que integram o Sistema Único de Saúde, logo, são os únicos capazes de enfrentar a solução da repercussão econômica da ordem judicial na seara da saúde, devendo, pois, o Ministério da Saúde fazer a devida intervenção no suprimento de sua cota e dos outros responsáveis, fomentar os mecanismos de suporte técnico, etc, o que não se admite e a inibição do exercício da garantia do direito fundamental em detrimento da saúde e/ou da vida de alguém.
O que deve nortear as decisões inerentes ao direito fundamental à saúde quando judicializados os conflitos em face da negativa do Estado é o critério da razoabilidade, pois se todos os seres humanos são merecedores de respeito, não importa quem sejam ou onde vivam, é errado tratá-los como meros instrumentos da felicidade coletiva, poder-se-ia defender, até, os direitos humanos baseando-se no fato de que, em longo prazo, respeitá-los maximiza a utilidade (felicidade da maioria das pessoas). Nesse caso, entretanto, seu motivo para respeitar os direitos humanos não estaria baseado no respeito pelo indivíduo, mas sim no objetivo de tornar as coisas melhores para o maior número de pessoas, numa perspectiva utilitarista. Mas, seria razoável exigir o sacrifício de uma vida humana carente de um atendimento emergencial de saúde sob o pretexto de resguardar recursos financeiros para uma política pública de saúde generalizada que ainda não está em perfeito funcionamento? A vida é o maior bem jurídico protegido pelo direito, a proporção em que há uma necessidade pontual de guarida e proteção do Estado para socorrê-la não deve nem pode haver recusa, seja qual for a justificativa. Pelo princípio da dignidade humana, todo ser da família humano possui direito ao mínimo existencial, o que indica um direito aos meios que possibilitem a satisfação das necessidades básicas, entre as quais a necessidade de ter saúde, ter saúde implica em ter qualidade de vida!
A quem defenda, ainda, que sendo, como é, a saúde um direito de todos, nos termos do art.196 da CF/88, não deve ser aplicado como regra o binômio necessidade/capacidade, pois o Estado tem o dever de promover a assistência à saúde a todos indistintamente.
Importa ponderar que na política de saúde pública a questão orçamentária da Administração Pública, o princípio da supremacia do interesse público sobre o particular, é relevante no contexto e na pauta do debate. A fim de não se posicionar de forma sectária em detrimento do interesse coletivo, e defesa cega do direito individual subjetivo, convoca-se a prudente observação dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.
Os princípios da proporcionalidade e razoabilidade devem ser aplicados sempre, pois, quando o requerimento judicializado, seja, por exemplo, para um município de pequeno porte construa um Hospital de elevada qualidade para determinada área específica de atividade, comprometendo, assim, o seu orçamento para o desenvolvimento de politicas e ações públicas em benefício da coletividade, ou mesmo, da sua disponibilidade orçamentária no âmbito do atendimento individual em caso de emergência, no patrocínio de intervenção cirúrgica vital ou fornecimento de medicamentos essenciais a sobrevivência do indivíduo. O julgamento em situação como esta, é prudente a investigação técnica para se aferir a repercussão financeira e social da decisão.
No mesmo sentido, a questão elencada neste trabalho, a da interferência na lista cronológica de cirurgias eletivas, de transplantes de órgãos, etc, na qual se verifica a má utilização do Poder Judiciário, quando o indivíduo em busca de se aproveitar da carência de informações do Juiz, pretende obter vantagens desproporcionais e em prejuízo do interesse e direito de outros, avançando indevidamente na ordem cronológica a qual se encontra posicionado, quando não há qualquer motivo relevante que o justifique.
O mais interessante seria encontrar mecanismos à minimizar o impacto e as consequências da Judicialização da Saúde tendo como parâmetro a prevalência do princípio da supremacia do interesse público, reunindo todas as esferas de poder, integradas num mesmo propósito inovador, corajoso e agregador de novas soluções na efetivação dos direitos sociais, a fim de se buscar um equacionamento do problema que desequilibra a qualidade da prestação jurisdicional na mesma proporção que interfere na gestão do ente demandado, seja pessoa pública ou privada. O que importa e a realização de composição que atenda o maior número de pessoas da coletividade, promovendo de forma eficaz a pacificação social por via da mediação extrajudicial, mas com a participação do Judiciário, com vista à redução no volume de judicialização das demandas.
Com já grifado, se faz necessário o diálogo para construção de meios eficientes compostos com incremento da disponibilização das informações reais, verdadeiras, transparentes das verbas orçamentárias destinadas ao Sistema Único de Saúde, a fim de se construir uma relação harmônica e independente, nos ditames do Estado Democrático de Direito, contribuindo para composição do pensamento e convicção pessoal dos julgadores e gestores de saúde, através de grupos credenciados e representativos.
Outra opção, que se desenha, são as Câmaras Técnicas de Saúde, independentes, as quais poderiam ser um bom instrumento de facilitação para o êxito deste impasse concreto e hodierno, que vem prejudicando a população e causado sensação de insegurança jurídica pela diversidade de posicionamento nos julgamentos dos conflitos judicializados na seara da saúde, a fim de que não enseje decisões sociais sem compromisso com sua repercussão econômica e moral.
Importante, destacar, que esta Câmara Técnica de Saúde tem que ser absolutamente independente, com formação em regime de plantão permanente, com resposta célere, instaladas nos Fóruns Judiciais, composta por médicos especialistas e de reputação notoriamente ilibada, que integrem o patrimônio da confiança judicial, para não sofrer ingerência de qualquer das partes nem de laboratórios de multinacionais interessadas na venda de medicamentos sem licitação e sob o manto da legalidade da ordem judicial, ameaçando, assim, os princípios da administração pública insculpidos: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade.
Na mesma vertente o Decreto n° 7.508/2011 que veio regular a Lei n° 8.080/90 deveria ter previsto a participação do CNJ na Comissão Intergestores prevista em seu art.2° em caso de matéria a nível nacional, e de representantes do Poder Judiciário e Ministério Público, regionais, quando as decisões forem inerentes a pactuação das regras de gestão compartilhada dos entes federados nas respectivas regiões do País. Pois o Judiciário e o Ministério Público devem integrar esta rede em face da sua responsabilidade em não ignorar o fato de que indivíduos correm sérios riscos de vida, em face de não terem acesso às novas tecnologias farmacêuticas ou condições financeiras para a aquisição dos medicamentos, entretanto, o princípio da proporcionalidade exige que tendo conhecimento das políticas públicas estabelecidas e disponibilizadas, que asseguram um tratamento mais igualitário e universal evite decisões que afrontem, por exemplo, a interferência no critério de prioridades legais como listas de transplantes, cirurgias eletivas, etc.
Acredita-se, que, o regime democrático possibilitará, mais cedo ou mais tarde, uma engenharia adequada à solução dos impasses entre a efetividade do direito fundamental à saúde e a o adequado funcionamento do Sistema Único de Saúde, pois assim alcançando, a todos aproveitará.
Juiz de Direito/PB Especialista em Direito Processual Civil Mestre em Ciências Jurídicas Professor da ESMA/PB e atualmente Juiz Auxiliar da Presidência do TJPB
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