Resumo: Ao comparar as prisões seculares e as prisões eclesiásticas tornou-se patente os resquícios atuais do Direito Canônico para a busca da reestruturação espiritual do condenado. Dessa forma, a partir de uma breve inserção nas bibliografias é interessante analisar a Associação de Proteção ao Condenado (APAC) e a utilização da religiosidade e da Jornada de Libertação com Cristo como ressocialização do condenado sob a ótica da laicidade e a liberdade religiosa no ordenamento jurídico brasileiro. Oportunamente esse artigo é proveniente do Projeto de Pesquisa intitulado Execução Penal à Luz do Método APAC e foi desenvolvido por acadêmicos e professores do Curso de Direito da Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES. O presente artigo objetiva analisar a Lei n. 7.210/84 e a Constituição da Federal de 1988 à luz método APAC. Na busca de respostas sobre a importância do cristianismo para a APAC foi perceptível a influência dos Cursilhos de Cristandade, em relação à ação evangelizadora. Embora o catolicismo, conforme censo IBGE (2010), ainda seja majoritário no sistema carcerário, o aumento relativo de outras religiosidades, fez com que, o método, em respeito liberdade religiosa se adequasse em um sistema ecumênico de ressocialização.[1]
Palavras-chave: Laicidade. Humanização. Recuperando. Constituição. Apaqueano
Abstract: By comparing the secular and ecclesiastical prisons became apparent the current remnants of Canon Law for the pursuit of spiritual restructuring of the condemned. Thus, from a brief inclusion in the bibliographies is interesting to analyze the Protection Association to Doomed (APAC) and the use of religion and Liberation Day with Christ as resocialization of the convict from the perspective of secularity and religious liberty in the Brazilian legal system. This article is from the research project entitled Implementing the Criminal Light APAC method and was developed by academics and professors of Law College of the State University of Montes Claros -UNIMONTES. This article aims to analyze the Law 7.210/84 and the Federal Constitution of 1988 in the light of the APAC method. In search for answers about the importance of Christianity for APAC it was noted the influence of Cursillo in relation to the evangelizing action. Although, Catholicism according IBGE census (2010), is still majority in the prison system, the relative increase of other religiousness, made the APAC method in respect consolidated religious liberty would fit in an ecumenical system of resocialization.
Keywords: Secularity. Humanization. Recovering. Constitution. Apaqueano
Sumário: Introdução. 1 Religião: uma experiência com Deus. 2 Jornada de Libertação com Cristo: Reflexão e Interiorização. 3 Estado Laico à Luz da Liberdade Religiosa e o Método Apac. Considerações Finais. Referências.
Introdução
Para o autor Michael Foucault (1987), a prisão desde o início tem como objetivo a transformação do indivíduo, de forma que a privação da liberdade, além do sentido punitivo, tenha a função disciplinadora. Ao analisar o sistema penitenciário comum brasileiro é cediço que grande parte das prisões não cumprem o seu papel social de ressocialização de um condenado ou, muitas vezes, da modificação de um indivíduo que nunca esteve inserido na sociedade como um cidadão.
“Uma coisa, com efeito, é clara: prisão não foi primeiro uma provação de liberdade a que se teria dado em seguida uma função técnica de correção, ela foi desde o início uma “detenção legal” encarregada de um suplemento corretivo, ou ainda uma empresa de modificação dos indivíduos que a privação de liberdade permite fazer funcionar no sistema legal. Em suma, o encarceramento penal, desde o início do século XIX, recobriu ao mesmo tempo a privação de liberdade e a transformação técnica dos indivíduos”. (FOCAULT, 1987, p. 197)
O artigo 1º da Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984, conhecida como Lei de Execução Penal, além de prever o papel de efetivar as disposições da decisão criminal, impõe a necessidade de que se ofereçam “condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”.
Dessa forma, procurando solucionar a ineficácia do sistema penitenciário comum surge a Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (APAC), também denominada, inicialmente, “amando o próximo, amarás a Cristo”, modelo de prisão idealizado em 1972, em São José dos Campos, São Paulo, pelo advogado Mario Ottoboni, em conjunto com um grupo de cristãos pertencentes à Pastoral Penitenciária.
“Na oportunidade, sob a égide do então juiz das Execuções Dr. Silvio Marques Neto, atualmente desembargador do Estado de São Paulo, foi instituída a APAC- Associação de Proteção e Assistência aos Condenados, uma entidade jurídica sem fins lucrativos, com o objetivo de auxiliar a justiça na execução da pena, na recuperação do preso, na proteção à sociedade e no socorro à vítima, promovendo a justiça”. (Texto Base da CF/1997- CNBB apud OTTOBONI, Mario p. 17)
A APAC é uma entidade civil de direito privado, sem fins lucrativos, na qual, através do método apaqueano, busca-se a humanização da pena e consequentemente a proteção de bens jurídicos fundamentais do condenado. Atuando em parceria com os Poderes Judiciário e Executivo, a sua construção e manutenção, conforme Ottoboni (2004), é viabilizada por meio de recursos provenientes do quadro social, doações de pessoas físicas, jurídicas e entidades religiosas, formação de parcerias e convênios com o Poder Público.
O referido método possui características que destoam do sistema prisional comum, como, por exemplo, o fato de que não existem policiais, agentes penitenciários ou armas, bem como são os próprios presos que possuem as chaves das celas e ainda recebem a eventual assistência médica, odontológica e jurídica necessário. (MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça, 2011)
Os presos que se encontram na APAC devem ser denominados pela palavra recuperando, no lugar de preso ou condenado. Esse aspecto tem o objetivo de ser uma proposta de valorização humana e conferir maior dignidade ao preso.
“A mudança de denominação, que, a priori, pode parecer um eufemismo inócuo, tem profundos impactos no processo de cumprimento da pena, já que incute no indivíduo privado de liberdade, desde o início de sua reclusão, a ideia de que é possível reabilitar-se e reintegrar-se. Juntamente com os diversos trabalhos que são desenvolvidos nas APAC, o uso da nomenclatura “recuperando” exerce um papel fundamental no processo de ressocialização do indivíduo privado de liberdade, na medida em que o prepara convenientemente para estar em livramento condicional e, consequentemente, voltar ao convívio social”. (MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça, 2011)
De acordo com o projeto Novos Rumos do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (2011), o índice de reincidência das APACs é de 15%, enquanto no sistema prisional comum é de 70%, o que demonstra ainda mais a discrepância entre os dois sistemas.
O método APAC possui 12 elementos fundamentais que norteiam toda a execução do método. Esses elementos são: 1) participação da comunidade; 2)recuperando ajudando o recuperando; 3) o trabalho; 4) a religião; 5) assistência jurídica; 6) assistência à saúde; 7) valorização humana; 8) a família; 9) o voluntário e sua formação; 10) o centro de reintegração social – CRS; 11) mérito; e 12) a Jornada de Libertação com Cristo. (MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça, 2011)
O presente artigo aborda dois desses elementos, a religião e a Jornada de Libertação com Cristo. O elemento religião diz respeito à experiência com Deus, sem a imposição de qualquer religião.
Para Mario Ottoboni, “[…] dentro das APACs, deve haver um espaço para se cultivarem os valores da religião, primando sempre pelo trabalho ecumênico, sem proselitismo, levado a termo por uma equipe bem preparada, capaz de dar testemunho de unidade. Ali, mais do que em qualquer outro lugar, a noção do justo deve ser venerada”. (OTTOBONI,2011, p.104)
Quanto à Jornada de Libertação com Cristo, tem-se que esse elemento é considerado o ápice do método, conforme se relata na obra Parceiros da Ressurreição, escrita por Mario Ottoboni. A Jornada se divide em duas etapas e ocorre durante 04 (quatro) dias, com o objetivo de provocar uma reflexão e interiorização no recuperando.
Nesse sentido, o presente artigo, utilizando o método qualitativo de pesquisa através das técnicas de pesquisa documental e bibliográfica, primeiramente, analisará os elementos religião e a sua influência sobre o condenado, em seguida a Jornada de Libertação com Cristo, como o elemento primordial para a execução do método apaqueano e por fim o estudo da APAC sob a ótica da Laicidade do Estado e a liberdade religiosa. Dessa forma o artigo é dividido em: Introdução, Referencial teórico, Considerações finais e Referências.
Dando seguimento ao tema estudado, no próximo item será analisada a experiência com Deus proporcionada pela religião ao ser utilizada como um dos pilares do método apaqueano.
1 Religião: uma experiência com Deus
Em um momento em que a vingança, mutilações e suplícios marcavam o sistema penitenciário, destoaram as prisões canônicas com o objetivo de conduzir ao arrependimento do preso por meio da meditação e da oração.
“De toda a Idade Média, caracterizada por um sistema punitivo desumano e ineficaz, só poderia destacar-se a influência penitencial canônica, que deixou como sequela positiva o isolamento celular, o arrependimento e a correção do delinquente, assim como outras ideias voltadas à procura da reabilitação do recluso. Ainda que essas noções não tenham sido incorporadas ao direito secular, constituem um antecedente indiscutível da prisão moderna”. (BITENCOURT, 2004, p.27)
Destaca-se a influência dos cânones para a prisão moderna “o direito canônico contribuiu consideravelmente para com o surgimento da prisão moderna, especialmente no que se refere às primeiras ideias sobre a reforma do delinquente. ” (BITTENCOURT, 2004, p. 27). Nessa seara, buscando a recuperação espiritual do delinquente surge a APAC com utilização da religião como um dos pilares do seu método, no qual, segundo Ottoboni “O Método APAC proclama, pois, a necessidade imperiosa de o recuperando viver a experiência de Deus, ter uma religião, amar e ser amado, não impondo este ou aquele credo.” (OTTOBONI, 2004, p. 22)
Com membros advindos da Pastoral Penitenciaria, o método APAC possui forte relação com a teologia dos Cursilhos de Cristandade, no qual, o Movimento de Cursilhos de Cristandade do Brasil, “tem método próprio facilita a vivência do fundamental cristão, na conversão aos valores do reino de Deus, ajudando a descobrir e a realizar a vocação pessoal, respeitando-a e criando núcleos ambientais cristãos. ” (MOVIMENTO DE CURSILHOS DE CRISTANDADE, 2015)
Ainda conforme o Movimento de Cursilhos de Cristandade do Brasil, os cursilhos buscam semear os ambientes profissionais, familiares, políticos, sociais e religiosos dos participantes, através do evangelho, testemunhos e dos valores cristãos. (MOVIMENTO DE CURSILHOS DE CRISTANDADE, 2015)
Para a eficácia da ressocialização do recuperando é indispensável a sua cura espiritual. Dessa forma, o método apaqueano utiliza-se de ensinamentos cristãos, além de utilizar passagens bíblicas como instrumento de salvação do condenado. Nesse sentido, Muhle destaca:
“No método APAC, um dos raros métodos que tem se mostrado eficaz no desenvolvimento positivo do sistema prisional, os ensinamentos bíblicos são amplamente trabalhados na comunidade como a ideia de perdão, a por meio de ensinamentos como “quem não perdoa é porque ainda não se perdoou”; muitos se sentem atraídos pelo sobrenatural. Esse provérbio bíblico traz a mensagem de que quem tiver o coração contaminado por sentimentos como ódio, arrogância, mentira, dentre outros, não possuirá condições para perdoar seu semelhante e que perdoar é necessário para a vida seguir seu curso”. (MUHLE, 2013, p.83)
Por conseguinte, a utilização da religião como modalidade de assistência no método apaqueano contribui de forma significativa para ressocialização, pois suscita a introspecção de valores espirituais no recuperando. Como suporte espiritual e psicológico atrelado a religião será abordado em seguida no presente artigo a Jornada de Libertação com Cristo, sendo um período de reflexão e evangelização para o recuperando.
2 Jornada de Libertação com Cristo: Reflexão e Interiorização
A Jornada de Libertação com Cristo, programa desenvolvido durante quinze anos, juntamente com a Pastoral Penitenciária, tem como finalidade auxiliar o recuperando em sua recuperação espiritual e psicológica. Trata-se de um encontro que envolve os recuperandos, chamados de jornadeiros no evento, ex-recuperandos e voluntários, sendo que os recuperandos dos regimes fechado, semiaberto e aberto, em algum momento, devem participar, preferencialmente durante o regime fechado, conforme explica Ottoboni (2004).
Ainda nas palavras de Ottoboni (2004, p. 32), nesse encontro são proferidas doze palestras, algumas meditações e testemunhos, abordando temas de valorização humana e religião. A Jornada ocorre durante quatro dias, começando, preferencialmente, em uma quinta-feira e encerrando-se no domingo. São formadas equipes, compostas por dirigentes e, grupos, compostos pelos jornadeiros, os quais podem levar nomes de santos. Sobre o tema Ottoboni esclarece:
“As propostas desenvolvidas pelos expositores com base em temas adrede preparados, que envolvem a psicologia do preso e objetivam fazê-lo refletir sobre as benesses da vida e a misericórdia divina, propiciam, com certeza uma introspecção, o reencontro consigo mesmo e a descoberta de valores. Isto, somado ao aprendizado colocado ao seu alcance e ao acompanhamento que virá depois da Jornada, facilitará ao preso conhecer-se melhor como criatura feita à imagem e semelhança de Deus”. (OTTOBONI, 2004, pág. 31)
Conforme descreve Ottoboni (2004, p.33), prepara-se um tema central que irá nortear toda a Jornada e que provoque a introspecção no recuperando, como, por exemplo, “Reconciliai-vos com Deus e com o próximo” e “Cristo liberta de todas as prisões”.
“A Jornada se divide em duas etapas: a primeira preocupa-se em revelar Jesus Cristo aos jornadeiros. Sua bondade, autoridade, misericórdia, humildade, senso de justiça e igualdade. Para Deus todos são iguais e titulares dos mesmos direitos. A parábola do filho pródigo é o fio condutor da Jornada, culminando com o retorno ao seio da família, num encontro emocionante do jornadeiro com seus parentes”. (OTTOBONI, 2004, p.69).
Antes de se iniciar a jornada, devem ser tomadas algumas providências, como, por exemplo, os recuperandos devem preencher uma ficha de inscrição, respondendo perguntas como qual o nome, tempo de condenação, a religião que profetiza, entre outras.
“São entregues aos jornadeiros, dentre outros itens, Novos Testamentos, Crucifixos, imagem de Nossa Senhora das Graças, sendo este entregue apenas aos recuperando de orientação católica”. (OTTOBONI, 2004)
Dessa forma, a Jornada de Libertação com Cristo propõe ao jornadeiro um momento de reflexão e interiorização utilizando-se de elementos religiosos em sua programação. Destarte, no próximo item será realizada uma análise do direito à liberdade religiosa estabelecido constitucionalmente, bem como do caráter laico do Estado democrático brasileiro.
3 Estado Laico à Luz da Liberdade Religiosa e o Método APAC
A palavra laico se origina do grego laïkós, representando a autonomia da atividade humana. Nesse sentido, conforme explica o professor Celso Lafer (2007, p.02), Estado Laico é aquele que não tem uma confissão religiosa, isto é, não adota uma religião específica como a oficial do país, a exemplo do que ocorre nos Estados Confessionais. Sendo ainda característica do Estado Laico, a ausência de fusão entre o poder político e o religioso, ao contrário do que ocorre nos Estados Teocráticos.
Vale esclarecer que ser laico não significa ser antirreligioso ou ateísta, a referida característica está mais ligada à neutralidade do país em relação à religião, de forma a se promover a liberdade de consciência religiosa, de culto e de pensamento.
Em relação à liberdade religiosa, aduz Silva, que essa engloba a “[…] a liberdade de aderir a qualquer seita religiosa, a liberdade (ou o direito) de mudar de religião, mas também compreende a liberdade de não aderir a religião alguma, assim como a liberdade de descrença, a liberdade de ser ateu e de exprimir o agnosticismo”. (SILVA, 2005, p. 249).
Acerca da liberdade de culto, Pontes de Miranda assevera que "compreendem-se na liberdade de culto a de orar e a de praticar os atos próprios das manifestações exteriores em casa ou em público." (PONTES DE MIRANDA, 1970, P.119)
Por fim, sobre a liberdade de organização religiosa, segundo Silva, destaca que ela diz respeito “à possibilidade de estabelecimento e organização das igrejas e suas relações com o Estado”. (SILVA, 2005)
Quanto ao Brasil, tem-se que também é possível afirmar que se trata de um Estado Laico. Isso porque a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, embora não tenha as palavras “Estado Laico” expresso em seu texto, possui dispositivos que corroboram nesse sentido.
A saber, o artigo 5º, inciso VI, da Constituição Federal de 1988, estabelece a inviolabilidade de consciência de crença, assegurando o livre exercício de cultos religiosos e garantindo proteção aos lugares onde ocorrem os cultos e as suas liturgias. Há também o artigo 19 da CFRB/88, que veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou suas representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público.
Nessa seara da laicidade é conveniente mencionar que a APAC é muitas vezes criticada por estudiosos por ser um cárcere baseado na fé cristã, utilizando passagens bíblicas como instrumento de salvação do condenado em um Estado Laico, em que se preza a liberdade religiosa. Ottoboni contrapõe esse questionamento ao endossar a pluralidade religiosa do método.
“Atualmente, porém, ao menos no plano do discurso, a metodologia se aprimorou com novas descobertas, a fim de acompanhar as mudanças sociopolíticas, econômicas, culturais e religiosas do país que incidiam diretamente sobre a população prisional. À guisa de exemplo, até 1985, 98% dessa população era constituída de católicos. Hoje esse quadro apresenta uma outra face, com 20% dos presos declarando-se de outros credos”. (OTTOBONI, 2006, apud SILVA JUNIOR, 2015, p. 82)
Em razão da sua criação por um grupo de cristãos liderados por Mário Ottoboni, esses pertencentes à Pastoral Penitenciária, a APAC culminou em ter suas raízes em preceitos católicos. Entretanto, em conformidade com a Lei de Execução Penal juntamente com o direito à liberdade religiosa amparado constitucionalmente, coube ao método apaqueano adequar-se à pluralidade religiosa vigente no sistema prisional. O Censo do IBGE demonstra que existem diversas religiões adotadas pelos presos:
“O campo religioso brasileiro tem se mostrado cada vez mais diversificado. Os censos do IBGE realizados em 2000 e 2010 apontam, em âmbito nacional, para um declínio do catolicismo (de 73,6% para 64,6%) e um aumento significativo dos evangélicos (de 15,4% para 22,2% – sendo 60% destes pentecostais, 18,5% de missão e 21,8% não determinados), além de uma breve elevação no número de espíritas (de 1,3% para 2,0%) e dos que se declararam “sem religião” (de 7,3% para 8,0%); lado outro, os adeptos da umbanda e do candomblé mantiveram-se estáveis em 0,3%”. (BRASIL apud SILVA JUNIOR, 2015, p.03)
Em consonância com os preceitos constitucionais do Art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, ao estabelecer a liberdade de crença, salienta-se que o método apaqueano é facultativo e a sua aceitação é de responsabilidade pessoal e intransferível do condenado. Apesar de a prática religiosa ser de livre arbítrio, todavia, para os recuperados da APAC, não existe escolha, para serem transferidos do sistema penitenciário comum para a uma APAC necessitam se converter a alguma religião, uma vez que a religião constitui um dos elementos necessários para a recuperação.
Os doze elementos do método APAC se constituíram como um modo eficiente de execução da pena no sistema prisional e em consonância com a Lei n. 7.210/84 (Lei de Execução Penal) e sendo amparado pela Lei nº 15.299, de 9 de agosto de 2004. Destaca-se, também, o artigo 71 do Estatuto da APAC frente a responsabilidade da aplicabilidade do método apaqueano “A fundação da APAC depende de expressa autorização da Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados-FBAC, mediante compromisso de obediência à ‘Metodologia APAC’, destinada à recuperação de condenados (as) a pena privativa de liberdade”.
No que diz respeito ao elemento religiosidade, frisa-se, em especial, a obrigatoriedade da assistência religiosa no sistema prisional, local adequado para a realização dos cultos religiosos e a não imposição da obrigatoriedade da prática da atividade religiosa presente no artigo 24 da Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/84). No entanto, o sistema prisional comum, nesse ponto, difere do método apaqueano e do que a Lei de Execução Penal determina. A CPI do sistema carcerário, publicada em 2009, em análise a prisões de 18 estados brasileiros, quanto ao aspecto da assistência religiosa constatou que:
“Em alguns Estados, foi denunciado o cerceamento das atividades religiosas. Situação injustificável diante da importância das atividades religiosas como meio de amenizar o inferno em que vive a população carcerária. Há necessidade de serem contemplados, de forma obrigatória na arquitetura prisional, espaços para prática de atividades religiosas. No atual ambiente carcerário, as organizações religiosas correm riscos de vida, tendo suas atividades limitadas. A deficiência na assistência social e a limitação às atividades religiosas deixam espaço para a barbárie e o domínio do crime organizado no sistema carcerário”. (BRASIL, 2009, p.241)
O que se indaga no método APAC é como a utilização do cristianismo em um método de ressocialização prisional apoiada pelo Estado poderia ir contra a liberdade religiosa, ao impor a conversão aos preceitos cristãos como requisito para a transferência do sistema comum ao apaqueano. A resposta para tal questionamento pode está presente no próprio método, ao se apresentar como uma forma de ressocialização alternativa e não como algo imposto ao condenado como é o sistema prisional tradicional.
Após estudo o Estado laico à luz da liberdade religiosa, por fim, apresenta-se as considerações finais obtidas a partir do estudo e da análise da liberdade religiosa do método apaqueano à luz da Constituição Federal de 1988 e da Lei n. 7.210/84 (Lei de Execução Penal).
Considerações Finais
A pesquisa aponta a importância e adoção do cristianismo pelo método apaqueano, tanto em orações como em palestras da Jornada de Libertação com Cristo. Justifica-se essa influência, pelo surgimento do método por membros pertencentes a Igreja Católica. Entretanto, atualmente, a importância do recuperando fazer parte de uma religião e abrangência da pluralidade religiosa no sistema comum fez com que o método APAC ao longo dos anos se transformasse em um método ecumênico, em que, a religiosidade e a espiritualidade encaminham o recuperando para a cura e a libertação espiritual.
Assim como no sistema penitenciário comum, a religião desempenha importante papel junto à ressocialização do preso. A modificação espiritual do indivíduo transgressor é de suma importância, pois a partir dessa mudança, surge o reconhecimento dos erros cometidos e oportunidade de encontrar em Cristo o amor e o acolhimento, que acabam por se revelar essenciais na ressocialização do recuperando.
O artigo 24 da LEP assegura a prestação de assistência religiosa nas entidades civis de internação coletiva, além de proibir em seu parágrafo segundo a obrigatoriedade da participação em atividades religiosas. Nesse contexto, surge o questionamento sobre a obrigatoriedade participação na Jornada de Libertação com Cristo, culminando em sanções disciplinares para o recuperando em caso de descumprimento. Porém, como dito anteriormente, a APAC não é um sistema de execução da pena obrigatório como o sistema comum. A inserção ao método depende da anuência do condenado e a sua permanência está sujeita a regras e sanções que tutelam a disciplina e sucesso do método. Ao utilizar da religião e da Jornada de Libertação com Cristo como um dos pilares da ressocialização torna-se impossível por parte do condenado inserir-se em uma APAC sem se sujeitar a esses dois métodos para que ocorra a sua recuperação.
Portanto, durante a jornada de libertação com Cristo, e mesmo na utilização do elemento religião durante toda a estadia na APAC, há o respeito à liberdade religiosa do recuperando, tendo em vista que não há a imposição a nenhum credo ou repressão àquele que não é cristão.
Acadêmico de Direito da Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES
Acadêmica de Direito da Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES
Acadêmica de Direito, da Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES
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