Estado de Direito é aquele
onde, acima
das pessoas e de suas
conveniências, de fato, reine o que é direito; ou seja, o que
esteja conforme àquilo
que as regras
de convivência social
prevêem. Em outras palavras,
onde a lei
prevaleça e a justiça se faça, doa a quem doer. Aí, nesse Estado,
sobressai a figura do juiz de direito
– aquele que
tem a difícil missão
de dizer do que,
em dado
caso concreto,
é direito (conforme
a lei e ao sentido
de justiça). Esse
profissional, que,
em se tratando da carreira
da magistratura, se submete a duro
exame de admissão[1],
no exercício de sua
função, goza
– ou deveria gozar,
num País de gente
séria e esclarecida
– de garantias plenas, justamente para que, com independência, dê a cada um o que sua consciência, aliada
à técnica da qual
dispõe, diga ser o direito[2].
Daí a razão de a Lei
Orgânica da Magistratura
– Lei Complementar
federal nº 35/79 – cercá-lo com as garantias (a bem da população, a servir-se de seu
trabalho) da vitaliciedade,
inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos
(do que também
se vê na Constituição
Federal)[3]. Atenta à inequívoca
relevância social
da função de julgar,
notadamente, com vistas
à imparcialidade do juiz,
a sociedade brasileira,
há muito, estabeleceu ser
soberana a decisão
que esse
profira, até eventualmente
modificada por via
de recurso – tudo,
note-se, segundo previsão
legal. Aliás,
para os que não sabem, as leis
não são
feitas pelos
juízes, mas pelos
parlamentares.
O magistrado,
como pessoa humana que também é, como todos, é sujeito a erros e acertos,
inclusive em suas decisões. Todavia, no campo
específico de sua
função – julgar
(do que não
é dado a todos
fazer, porque
nem todo
mundo está capacitado a tanto) –, o controle
de possíveis desacertos
se faz, também por
previsão legal,
por via de recursos interpostos das decisões
que exare. Ou
seja, certa ou
errada, até que
eventualmente se a modifique, a decisão deve ser respeitada
– ao menos.
Porém, para que disso se entenda e algo
se respeite, há de se ter espírito
elevado e honestidade
de propósitos, capaz
de descortinar, por
dentre o jogo
de interesses das muitas conveniências
humanas, do impositivo e da necessidade
de preservação de regras
institucionais inevitáveis à sobrevivência da sociedade.
A essas regras – impessoais – se devem curvar, inclusive, os políticos e detentores
momentâneos de poder,
queiram ou não.
Quem objetive o contrário,
busca o direito
da força e não
a força do Direito.
Sob a máscara
de objetivos inconfessáveis,
muitos se têm revelado nesse sentido, buscando negar à sociedade brasileira
o Estado de Direito
de que, aqui,
tanto se carece. Em
verdade, desejam um
Estado sem
Direito, exceto
o seu próprio,
segundo o jogo
movediço de suas
conveniências.
Pelo teor
das decisões que
profira, ao juiz de direito
não se pode punir[4]. Pode-se,
sim, delas discordar,
mas sem
as desrespeitar, a ponto
– até – de se incorrer
em crime
de difamação (quando
não de calúnia),
como recentemente
fez político deste País
ao afirmar ter o juiz de Teodoro Sampaio, Estado
de São Paulo, agido de má-fé, simplesmente
porque cumpriu seu
dever de ofício,
determinando a prisão de líderes
do MST (Movimento dos Sem-Terra) naquela região,
à vista dos elementos
dos autos de processo
judicial. Pior
de tudo: esse
político, que
também é advogado
e ligado visceralmente ao centro de Poder momentaneamente estabelecido neste Brasil, teria – mais que ninguém – de dar o bom exemplo, de
respeito à decisão
judicial proferida com
base na lei
(o silêncio, aliado
a eventual recurso,
seria a melhor expressão
de pensamento e lhe teria caído bem). Mas,
para certas pessoas, infere-se, a lei
é o que menos
conta, na aritmética calculista de interesses
políticos subalternos.
No caso, procurou-se desnaturar algo
corriqueiro na vida
do Judiciário – decisão
atrelada à consciência do julgador –, visando-se dividendos políticos
tendentes, mais
ainda, à debilitação
de um Poder –
o Judiciário – indispensável
à vida da Nação.
Em País
sério, de gente
sensata, isso
não acontece. Há forma
legal de se manifestar
discordância: o recurso. A não ser assim, rasgar-se-á a lei
(feita pelo legislativo), estabelecendo-se a tirania
e o despotismo do juiz
em causa
própria. De fato, o que será o Estado brasileiro sem o respeito ao Direito e
àqueles que lhe servem de instrumento? Já passou do tempo dos oportunistas de plantão
aprenderem a conviver em sociedade, cônscios de que seu tempo passará e de que,
no tempo da História, só ficará a marca indelével do exemplo dado, bom ou mau.
Que os homens de bem e de visão deste País, definitivamente, abram os olhos,
agucem os ouvidos e se unam nos movimentos de correção de rumos desta
sociedade, fazendo valer o estado de direito de todos, com base na lei e em
prejuízo de atos irrefletidos de alguns.
Notas:
[1] Lei Complementar nº 35, de 14/3/79:
Art. 78 – O ingresso na magistratura
de carreira dar-se-á mediante nomeação, após concurso público de provas e títulos,
organizado e realizado com a
participação do Conselho Seccional da Ordem dos Advogados
do Brasil. (negrejei).
[2] Idem:
Art. 23 – Os juízes e membros de Tribunais e Juntas
Eleitorais, no exercício de suas funções e
no que lhes
for aplicável, gozarão de plenas garantias
e serão inamovíveis. (negrejei).
[3] Idem:
Art. 25 – Salvo
as restrições expressas na Constituição, os magistrados
gozam das garantias de vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos.
[4] Idem:
Art. 41 – Salvos
os casos de impropriedade
ou excesso
de linguagem, o magistrado não pode ser punido ou prejudicado pelas opiniões
que manifestar
ou pelo teor das decisões
que proferir.
(negrejei).
Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo. Mestre em Direito Processual Civil pela PUC-SP
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