Resumo[1]: Esta monografia reflete sobre a organização do Estado capitalista, da sua origem até a contemporaneidade, utilizando como referencial teórico o positivismo na perspectiva de Bobbio. Sua justificativa se consiste em ampliar o entendimento sobre os mecanismos de poder através análise das instituições estatais para auxiliar na defesa dos institutos jurídicos na tentativa de encontrar soluções mais eficazes para os problemas contemporâneos. Neste sentido predominará o caráter descritivo no método bibliográfico com a apresentação de diversas matérias objetivando refletir através da História sobre a organização do Estado; ressaltar que o homem não é um mero espectador do mundo, mas participa da criação, na tentativa de transformá-lo à sua imagem, em função de um ideal; identificar através do processo histórico a origem dos problemas da civilização ocidental capitalista, partindo dos fatores econômicos e políticos entrelaçados aos filosóficos e jurídicos; apresentar cronologicamente os fatos históricos; ampliar a visão sobre o sistema capitalista sem ficar adstrita à questão ideológico-partidária; retratar Bobbio por ser um autor contemporâneo (1909-2004) cuja importância se consiste na forma simples de transmitir a história das idéias ocidentais na defesa da democracia. O ponto de partida foi a partir das máximas de Huberman e de Saint Simon apresentadas como notas de abertura. Os principais resultados partiram de dois fatores propulsores das grandes mudanças sociais supracitados que entrelaçados a outros consolidaram o paradigma capitalista, sendo evidenciados através da análise multifacetada das instituições do Estado a qual foi apresentada ao longo da monografia. Particularmente no Capítulo 4, correlacionaram-se todos os aspectos anteriormente abordados, visando não só concluir, mas principalmente compreender nosso sistema. É mister esclarecer que nas entrelinhas pretendeu-se demonstrar que as mudanças ocorridas no mundo foram decorrentes principalmente da substituição do modo de produção artesanal pelo modo de produção capitalista. Deste modo, foi possível constatar que os fatores econômicos e políticos na verdade são os que norteiam as demais mudanças (filosóficas, jurídicas, institucionais etc.) que estão inter-relacionadas de modo a preservar o próprio sistema, tal como um conjunto de órgãos e sistemas de um organismo vivo, como Comte idealizou.
Sumário: introdução. 1. Os motivos da expansão marítima, colonial e comercial. 1.1. Considerações iniciais. 1.2. Planejamento e prioridades. 1.3. A política – econômica do mercantilismo. 2. Três séculos de revoluções e a interligação com burguesia. 2.1. O iluminismo, as revoluções inglesas e o contratualismo de Thomas Hobbes e de John Locke. 2.2. Revolução industrial e a nova ordem política-econômica liberal. 2.3. A revolução francesa e a importância de Napoleão Bonaparte dentro da perspectiva liberal. 2.4. Revoluções liberais, o liberalismo e o movimento do nacionalismo. 2.4.1. As Revoluções Liberais e o movimento do nacionalismo; O liberalismo; 2.4.2.1. O Nascimento da Doutrina Liberal e o paradigma da burguesia; 2.4.2.2. Operacionalização do sistema; 2.4.3. A operacionalização do sistema liberal; 2.4.4. Os Fundamentos jurídicos do liberalismo. 3. O positivismo. 3.1. O positivismo evolucionista. 3.2. O positivismo social; 3.3. A concepção positivista de August Comte e a sistematização de Èmile Durkheim.; 3.4. A visão de Norberto Bobbio sobre a doutrina do positivismo jurídico: o direito como fato e não como valor. O direito a partir da coação. As teorias das fontes do direito. A teoria imperativista da norma jurídica. 3.4.1. O direito como fato e não como valor. 3.4.2. O direito a partir da coação. 3.4.3. A teoria das fontes do direito e a teoria imperativista da norma jurídica. 4. O estado 4.1. Conceituação, elementos constitutivos e nação: 4.1.1.Conceituação; 4.1.2. Elementos constitutivos; 4.1.3.Nação. 4.2. A sociedade, a cultura, civilização e o direito; 4.3. O estado, o poder e a ordem; 4.4. A articulação da ordem jurídica à ordem social, as finalidades e os poderes do estado. 4.4.1. A finalidade, as funções e os Poderes do Estado e o Federalismo: 4.4.1.1. A finalidade do Estado.; 4.4.1.2. Funções e Poderes do Estado: 4.4.1.3. O Federalismo. Conclusão. Referências.
“Todas as manifestações do saber são historicamente condicionadas” Leo Huberman
“Todas as coisas que aconteceram e todas as que acontecerão forma uma única e mesma série, cujos primeiros constituem o passado e os últimos o futuro”. Conde Claude Henri de Saint Simon
INTRODUÇÃO
A proposta desta monografia foi refletir através da História sobre a organização do Estado capitalista, desde a sua origem até a contemporaneidade, objetivando entender a estrutura do poder dentro da perspectiva positivista de Norberto Bobbio que se fundamentou unicamente no direito real, isento de idéias valorativas. Além disto, Bobbio ao elaborar os conceitos de validade do Direito, valor do Direito, bem como a teoria imperativista da norma e a teoria das fontes do Direito, ele rompeu com a visão romanista do pensamento filosófico-jurídico adotado pelo Positivismo Jurídico da época. Assim sendo, Bobbio formulou uma nova interpretação a partir do pensamento medieval, o qual interpretava a lei como um comando. Bobbio inspirou-se no pensamento do canonista medieval São Tomas de Aquino que entendia aquilo que é próprio da lei é o comandar. Desta forma, Bobbio consolidou sua abordagem crítico-filosófico sobre o Positivismo Jurídico, partindo do estudo do Positivismo idealizado por August Comte que foi sistematizado por Èmile Durkeim. Neste sentido serão abordados não somente esses como os principais fatores correlatos que propiciaram não só a consolidação da ordem mundial capitalista, como também influenciaram na constituição dos regimes totalitários cujo primado é afirmar o dever absoluto ou incondicional de obedecer à lei enquanto tal.
Assim, assumindo o referencial teórico positivista a presente pesquisa intitulada: O fundamento positivo no modelo capitalista na perspectiva de Norberto Bobbio, pretendeu ressaltar que o homem não é um mero espectador do mundo, pois participa da sua criação, na tentativa de transformá-lo a sua imagem em função de um ideal ou idéia.
Assim, partindo da máxima do historiador Leo Huberman, em sua obra, História da Riqueza dos Homens, todas as civilizações passaram por um processo evolutivo que pode ser verificado através dos fatos ocorridos na História da Humanidade e que permite identificar a origem de todos os problemas que assolam a civilização Ocidental capitalista.
Neste sentido, o estudo se desenvolveu partindo de dois fatores propulsores das grandes mudanças sociais: o econômico e o político, que entrelaçados aos aspectos filosóficos e jurídicos consolidaram o paradigma capitalista no qual se está inserido e cujos problemas ir-se-á evidenciar.
Assim, partindo dos motivos do expansionismo marítimo, comercial e colonial até a formação dos Estados Nacionais com sua política-econômica do Mercantilismo, foram abordados no Capítulo 1. Deste modo, através dos fatos demonstrar-se-á a centralização monárquica com o conseqüente fortalecimento do poder real o qual se tornou absoluto por uma série de fatores. Outrossim, o Estado Absolutista para se fortalecer recebeu o apoio de duas classes sociais – a nobreza e a burguesia.
Contudo, o regime monárquico absolutista limitava o direito de propriedade, através do Mercantilismo, impedindo desta forma o enriquecimento de todos os segmentos da burguesia que com o tempo sofreu uma hierarquização em 2 espécies: alta e média burguesia. Esta hierarquização gerou rivalidades dentro deste segmento social que aliados a diversos aspectos desencadearam Três Séculos de Revoluções do século XVII ao séc. XIX, decorrendo os movimentos liberais e nacionalistas que serão retratados no Capítulo 2.
Na segunda metade do séc. XIX, durante o Romantismo nasceu um movimento que orientou toda a cultura européia, denominado o mundo por um século e que foi denominado Positivismo. Seu objetivo era consolidar a organização técnico-industrial necessária à nova ordem social, destacando-se duas vertentes filosóficas: a do Positivismo evolucionista e a do Positivismo Social, que foram utilizadas ardilosamente na dominação dos povos das sociedades consideradas primitivas, bem como para organizar o Estado Capitalista.
Neste período, o italiano, Norberto Bobbio elaborou a doutrina do Positivismo Jurídico, cujos aspectos serão apresentados no Capítulo 3.
O Capítulo 4 apresentará uma análise multifacetada do Estado, pontuando diversos assuntos, cujo escopo foi correlacionar principalmente os aspectos econômicos e políticos aos fatores filosóficos, jurídicos, sociais, abordados nos capítulos anteriores, a partir da ótica positivista que dominou o mundo por um século e que serviu para a estruturação organizacional do Estado capitalista na Idade Contemporânea, observado através da Teoria Geral do Estado.
A importância deste trabalho é ampliar o entendimento sobre os mecanismos de poder que se estabelecem dentro da organização do Estado, a partir da análise das suas instituições que auxiliam na compreensão da defesa dos institutos jurídicos.
Neste sentido predominará o caráter descritivo no método bibliográfico, com a utilização de diversificada fonte doutrinária, possibilitando o aprimoramento intelectual e científico desenvolvido através da História, da Filosofia Jurídica e da Teoria Geral do Estado.
1 OS MOTIVOS DA EXPANSÃO MARÍTIMA, COLONIAL E COMERCIAL
1.1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A herança histórica marcou significativamente a Europa e durante a transição da Idade Média (séc. V- séc. XV) para a Idade Moderna[2],[3] alguns fatos influenciaram e motivaram a conquista de novos mercados no séc. XV, a saber:[4]
a) A fome que teve três causas, principais: as más colheitas, as chuvas intensas em certas partes da Europa e as secas.
b) A Guerra dos Cem Anos entre a Inglaterra e a França pela disputa do pólo comercial da região do Flandres para o norte da Europa. Durante este período as cidades italianas mantiveram a hegemonia econômica no comércio do Mediterrâneo, deixando a Itália fora da crise européia.
c) A epidemia de Peste Negra originada na Ásia (1348-1349), exterminou um terço da população européia. Na verdade, a disseminação da doença deu-se em ração do enfraquecimento causados pela fome e pelas guerras.
d) As lutas entre o Império Bizantino e os turcos-otomanos originadas principalmente pela restrição ao comércio ítalo-árabe que culminou com a conquista de Constantinopla, em 1453, pelos turcos.
A conjugação desses fatores provocaram mudanças nos diversos campos.[5]
Do ponto de vista econômico, esse aspectos entre outros incentivaram a dissolução do feudalismo,[6] promovendo-se a partir daí a Expansão Marítima e Comercial que culminaria com a Expansão Colonial no séc. XVI.
Na verdade, a supremacia das cidades italianas localizadas no Mar Mediterrâneo deslocou-se para a Costa Atlântica. Neste sentido, vários países iniciaram sua expansão a partir do séc. XV, objetivando ampliar seus mercados. Assim, a circunavegação da África; a descoberta do caminho marítimo para as Índias por Vasco da Gama; a descoberta da América por Cristóvão Colombo; à volta ao mundo por Fernão de Magalhães e a descoberta do Brasil, no séc. XVI, por Pedro Álvares Cabral, representaram o resultado do expansionismo europeu e do surgimento do mercado mundial.[7]
Neste período, o domínio do comércio mundial era disputado entre Portugal, Espanha, Holanda, Inglaterra e França.[8]
Deste modo, a corrida expansionista marítima teve como pioneiro Portugal, seguindo-lhe Espanha, Holanda, França e Inglaterra.
A crise econômica européia originou-se por ocasião das monarquias nacionais cuja política econômica do Mercantilismo tinha como pressuposto a Expansão Colonial a qual objetivava basicamente o fortalecimento do Estado Nacional através do expansionismo das regiões produtoras e consumidoras.[9]
Assim, certos fatos contribuíram para a crise na Europa, a saber:[10]
a) A necessidade de buscar especiarias para abastecimento do continente;
b) A escassez dos metais no mercado europeu;
c) A necessidade de solucionar a crise feudal e
d) As novas descobertas como a pólvora, a bússola, o astrolábio, a invenção da caravela etc.
Particularmente, a crise feudal ocorreu principalmente por motivos econômicos e políticos. Assim, o feudalismo passou a não corresponder aos interesses gerais daquela sociedade que, embora fosse estamental e de poder político descentralizado, para crescer necessitava de condições básicas para se reestruturar:[11] estabilidade política, monetária e fiscal; novas técnicas agrícolas para atender ao aumento demográfico; estruturação de um exército permanente etc. Portanto, a formação das monarquias nacionais, que mais tarde dariam origem aos Estados Nacionais, tinham cunho político-econômico pela progressiva centralização do poder nas mãos dos reis que, em contrapartida estabeleceriam uma política-econômica favorável ao desenvolvimento do comércio, promovendo assim o enriquecimento da burguesia mercantil.[12] Neste sentido, o Estado-nação correspondia às necessidades econômicas da nascente burguesia mercantil que precisava de um novo modelo para se expandir.
Além dos fatores políticos e econômicos que foram estabelecidos, o aparecimento de grupos de mercadores foi um dos fatores que levou ao expansionismo comercial. Neste sentido, o mercador ao estabelecer contato com outros povos potencializou o mercado interno e passou a montar estratégias para modificar o quadro político-social de acordo com os seus interesses.[13] Deste modo, ao estabelecer uma aliança com o rei, o mercador aumentou seu poder de decisão. Por sua vez, o rei tinha interesse em formar um exército permanente capaz de sustentá-lo politicamente. A partir daí, a burguesia tornar-se-ía cada vez mais influente nas decisões do Estado, promovendo o declínio da nobreza para, em seguida, controlá-la. Com intuito de aumentar seus lucros, os burgueses mercantis financiaram também a cultura através dos mecenas, objetivando a derrubada da Igreja.[14]
Em resumo, em qualquer época ou país, desde o surgimento do comércio – séc. XI; passando pelo desenvolvimento da burguesia mercantil – séc. XV, durante o Mercantilismo; até o momento em que a burguesia já estava muito fortalecida –séc. XVII; a burguesia foi a grande responsável pelas mudanças político-econômico-sociais, pois ela legitimava o poder instituído ou o derrubava caso houvesse empecilho ao seu enriquecimento.[15]
1.2.PLANEJAMENTO E PRIORIDADES:
1.2.1. Planejamento
No expansionismo marítimo, Portugal foi o pioneiro, devido a precoce centralização do poder em 1383, nas mãos do Mestre de Avis, Dom João (séc. XIV).
Na revolução de Avis, D. João aliou-se aos comerciantes do litoral para derrotar a nobreza feudal portuguesa que era aliada de Castela e assumir o poder real. Deste modo, a aliança entre a burguesia mercantil portuguesa e o rei se estabeleceu. Do mesmo modo, o Estado português apoiado pela burguesia do litoral incentivou a descoberta do caminho para as Índias.
Durante o séc. XIV, Portugal tornou-se potente assumindo a liderança marítima e comercial européia, pois a Inglaterra e França estavam envolvidas na Guerra dos Cem Anos (1337-1453) pela disputa da região de Flandres e Itália. Na verdade, a importância de Champagne justificou-se porque ela interligava os dois pólos comerciais medievais, ou seja, ligava as cidades italianas à região de Flandres. Esta classe, posteriormente aventurou-se num projeto financiando a busca do caminho marítimo para as Índias, aliada à monarquia nacional portuguesa.
A partir da descoberta marítima para as Índias (1494), houve um declínio das antigas rotas comerciais da Europa e a hegemonia italiana foi destruída. Assim, a Itália mergulhou numa crise causada, principalmente, pela dependência comercial da ordem feudal circulante formada pela Igreja, Estados feudais, grandes senhores de terra, cortes aristocráticas acelerando a decadência do sistema feudal. Além destes fatores, outros contribuíram para a crise italiana: a fraqueza militar e a descentralização do poder promoveram a anarquia política e institucional, impedindo a expansão a acumulação de capital.[16]
Na luta pelo domínio do comércio mundial, a política interna adotada pelos países ibéricos (Portugal e Espanha) asseguraram a hegemonia comercial e colonial portuguesa até 1580, seguida pela Espanha até 1588.
Obviamente, todos esses fatores internos e externos serviriam para compor um planejamento de modo que houvesse acumulação de grande quantidade de meios financeiros nas mãos da burguesia e, principalmente, de retorno imediato ao capital aplicado.
A partir da expansão marítima e comercial européia surgiram as condições necessárias para o incremento da Revolução Industrial[17] e, conseqüentemente, do modo de produção capitalista com o aparecimento do trabalhador livre e assalariado que será analisado oportunamente.[18]
1.2.2. Prioridades
a) Principalmente, estabelecer entrepostos comerciais em regiões com população organizada, por exemplo, Extremo Oriente e áreas litorâneas da Índia, pois já existia uma produção organizada, economizando tempo e dinheiro no processo exploratório.
b) A médio prazo, estabelecer mercados cativos para tráfico ou exploração de mão-de-obra.
c) Criar colônias de exploração nas novas terras das Américas, objetivando principalmente complementar a economia da metrópole.
1.3. A POLÍTICA – ECONÔMICA DO MERCANTILISMO
Esta política foi implementada pelas monarquias nacionais (a partir dos séc. XV, XVI, XVII), e se caracterizou pelo intervencionismo estatal, pelo metalismo, pelo monopólio, pela manutenção de uma balança comercial favorável associadas à prática do colonialismo, à escravatura para produção agrícola tropical em larga escala necessária à economia européia e à tentativa de exploração indígena[19] que serão detalhadas posteriormente.
No Exclusivo Colonial (ou Pacto Colonial), as colônias seriam fornecedoras das metrópoles, produzindo artigos que não eram fabricados por estas a baixo preço e
consumindo a preços elevados.
Para alguns autores, o Mercantilismo foi entendido como uma nova ordem resultante das alternativas que se apresentaram àquela sociedade européia para superar a crise do séc. XIV, que se desenvolveu como política econômica dos Estados monárquicos, através da unificação dos mercados e do enriquecimento da burguesia. Para tanto, estabeleceu-se uma nova ordem político-econômica que adotou o regime monárquico absolutista, alicerçado no Mercantilismo em que o rei e a burguesia reuniram-se para enfrentar a Igreja e a nobreza, sendo colocada em prática nos séc. XVI e XVII, em vários países da Europa Ocidental muito embora a política intervencionista tivesse início a partir do séc. XV.[20]
O Mercantilismo pode ser entendido como a política-econômica adotada pelas monarquias nacionais. Consistiu-se num conjunto de doutrinas e normas práticas através das quais o Estado Nacional intervinha na economia. A política-econômica do Mercantilismo acompanhou o período de formação das monarquias nacionais, ou seja, a centralização do poder político nas mãos dos reis, que mais tarde originariam às modernas nações. Na verdade, o Mercantilismo tinha como objetivo básico fortalecer o Estado através do poder centralizado nas mãos dos reis.
No início da Idade Moderna, os Estados europeus encontravam-se em luta pelo domínio do comércio mundial e das colônias. Portanto, os Estados Nacionais precisavam formar exércitos e marinhas, poderosas, objetivando fortalecer o tesouro real. Para tanto, precisavam desenvolver o comércio e as manufaturas para aumentar a cobrança de impostos. Assim, reuniram numa só política-econômica medidas práticas que seriam utilizadas para viabilizar o poder e a riqueza do Estado Nacional, tais como:[21]
a) O metalismo preocupava-se em acumular ouro e prata e, através destes metais o comércio, as manufaturas e a própria agricultura dos países monárquicos se desenvolveria.
b) A manutenção da balança comercial favorável que representava a expansão das exportações e a diminuição das importações, sendo esse o objetivo comum nos diferentes tipos de Mercantilismo desenvolvidos na Espanha, França, Países-Baixos e Alemanha, para obterem mais metais preciosos. Na verdade, a principal preocupação de todos os países era conseguir novos mercados como forma de comprar mais barato e vender mais caro garantindo dessa forma um equilíbrio nas operações de compra e venda de mercadorias entre diferentes países, promovendo internamente o comércio e a indústria de manufaturas, visando principalmente às exportações, assegurando o mercado nacional pela exploração das colônias e a manutenção dos baixos salários.
c) O monopólio era uma condição fundamental para o desenvolvimento do comércio e das manufaturas, pois se constituía na única forma possível de obtenção do capital necessário à realização de grandes empreendimentos.[22]
Neste sistema o capital se unira para monopolizar um ramo de produção manufatureira, ou seja, para monopolizara o comércio de uma localidade, ou o comércio absolutista que, em troca de um pagamento, era transferido aos burgueses.
d) O intervencionismo estatal representava a intervenção do Estado na economia através de regulamentações, tais como: o incentivo e a proteção às manufaturas, a cobrança de tarifas alfandegárias, garantia do monopólio, a fixação de aumento da população para barateamento da mão-de-obra, o controle dos salários, preços e qualidade das mercadorias.
e) O sistema colonial objetivava o fortalecimento do Estado Nacional através da adoção de uma economia colonial complementar a da metrópole. Na verdade, o binômio sistema colonial / monopólio comercial representava a manutenção da balança comercial favorável na metrópole. Assim, as colônias produziam as matérias-primas e metais a baixo preço e importavam das metrópoles produtos manufaturados a preços elevados.
Estas medidas adotadas pelo regime absolutista das monarquias beneficiaram diretamente os burgueses que desejavam enriquecer.[23]
Um dos aspectos fundamentais que propiciou a queda do regime feudal foi à inexistência de um exército real permanente que assegurasse não só o rei como também o expansionismo marítimo europeu, dentro do paradigma absolutista da Idade Moderna.[24] Neste sentido, a nova classe estabelecida a partir das transações comerciais intercontinentais e dona do capital , desempenhou relevante papel financiando-lhe também a cultura através dos mecenas durante o Renascimento Cultural e a construção de universidades, pois através deles o sistema feudal se desistabilizaria. Deste modo, a burguesia desde o seu surgimento, resultante do processo de urbanização e do colapso do sistema feudal, acentuado no séc. XIV caracterizou-se pelo oportunismo, tendo em vista que para enriquecer trabalharia para a derrubada do poder constituído, na tentativa de eliminar qualquer ascensão ao poder, promovendo inclusive as Revoluções Inglesas do séc. XVII, cujo processo será retratado oportunamente. Particularmente, as Revoluções Inglesas seriam marcados por fatores político-econômicos, mas permeado também pelo religioso.
Quanto ao regime monárquico absolutista ele impedia a livre concorrência e limitava o direito de propriedade através da política-econômica do Mercantilismo e, principalmente, por causa destes dois fatores a burguesia a partir do séc. XVII iria promover a queda do regime monárquico e estimular a implantação de um outro sistema, desta vez, o sistema liberal que será cuidadosamente retratado posteriormente.
Com relação à burguesia é importante destacar que houve uma hierarquização e em razão deste escalonamento decorreram vários acontecimentos importantes que mudaram o curso da história da humanidade.
A burguesia que surgiu a partir do processo de urbanização, o qual foi acentuado
pela crise do sistema feudal a partir do séc. XIV diferenciou-se entre si ao longo do tempo. De acordo com as regiões houve uma hierarquização no séc. XV, em duas espécies: alta (ou grande) burguesia que correspondia à burguesia comercial ou também chamada de burguesia monopolista, na qual alguns mestres artesãos que haviam enriquecido passaram a empregar outros artesãos como trabalhadores assalariados e, média burguesia que era chamada de burguesia manufatureira a qual produzia para as indústrias, manufaturas em formação.[25]
Particularmente, na Inglaterra, o desenvolvimento do comércio já era evidente no séc. XIV. As indústrias manufatureiras inglesas que também se iniciaram no mesmo século atingiram seu desenvolvimento na dinastia dos Tudors.[26] [27]
A burguesia em troca do seu enriquecimento favorecido pelo poder absolutista financiava o exército real em suas guerras de poder político.
Estes fatores conduziram a rivalidades internas na burguesia, originadas principalmente porque a monarquia absolutista havia beneficiado a burguesia monopolista, desagradando a média burguesia a qual assistira ao enriquecimento daquela e da nova nobreza através do Exclusivo Metropolitano, uma das propriedades da política-econômica do Mercantilismo. Assim, como não pudera se expandir à média burguesia investiu seu capital no mercado interno. Portanto, a política-econômica das monarquias absolutistas não atendia aos interesses da burguesia manufatureira que descontente eliminaria qualquer empecilho ao seu desenvolvimento econômico e político, daí porque este segmento social promoveu as Revoluções Inglesas objetivando inicialmente seu enriquecimento com a conseqüente tomada do poder. Financiando as Revoluções Puritanas (1641-1645) e Gloriosa (1688-1689); Francesa e Liberais Burguesas, bem como promoveu anteriormente como já foi enunciada a formação dos
Estados Nacionais e, posteriormente, a Reforma Protestante.[28]
Em suma, a burguesia desde o seu surgimento caracterizou-se pelo oportunismo assumindo a cada momento histórico compromissos diversificados fossem “religiosos”, como a Reforma Protestante; filosóficos, como no Iluminismo; ou ideológicos, como na Revolução Francesa, mas que, indubitavelmente, direcionavam-se para a busca do poder através do lucro a qualquer preço. Na verdade, o comportamento da burguesia foi maciço, contínuo e estratégico em todos os momentos históricos dos quais participou.
2 TRÊS SÉCULOS DE REVOLUÇÕES E A INTERLIGAÇÃO COM A BURGUESIA
2.1. O ILUMINISMO, AS REVOLUÇÕES INGLESAS E O CONTRATUALISMO DE THOMAS HOBBES E DE JOHN LOCKE
Durante os séculos XVII, XVIII e XIX, ocorreram profundas transformações políticas, econômicas e filosóficas cujos principais aspectos serão esboçados neste capítulo.
Na segunda metade do séc. XVII, em razão da ascensão de uma nova classe, novas necessidades surgiram. Assim, promoveu-se a substituição do regime monárquico absolutista pelo regime liberal-capitalista caracterizado pela tríade: trabalhador assalariado, capitalismo e Estado Liberal[29], alicerçado sobre os três poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário.
Do ponto de vista filosófico, defendia-se uma nova visão que se baseava em matéria e consciência. Assim, a Ciência e a Filosofia assumiram nova função, ou seja, dar ao homem o conhecimento e o domínio da natureza e da sociedade. Esta nova visão considerava a razão humana como a “luz”, daí o nome Iluminismo.
Este movimento de renovação intelectual que surgiu no final do séc. XVII, originado na Inglaterra conhecido como Iluminismo foi financiado pela burguesia[30] no sentido de desenvolver técnicas de produção na sociedade e na política que levariam a um grande desenvolvimento das Ciências Naturais: (mecânica, física e química), através do método experimental. A ideologia iluminista surgiu concomitantemente ao desenvolvimento do capitalismo e se expandiu rapidamente em alguns países da Europa nesse século e no séc. XVIII, onde a Ciência e a Filosofia estariam a serviço do poder, pois, filósofos, cientistas e estudiosos trabalhariam num só sentido – expandir a produção. Para tanto, era preciso conhecer as propriedades da matéria, daí o interesse da burguesia em financiar o movimento iluminista.
A Filosofia neste momento assumiu um relevante papel, visto que, serviria para consolidar o novo paradigma ético e político condizente com os interesses da burguesia.[31] Assim, o pensamento iluminista foi desenvolvido com o objetivo de provar transformações econômicas, políticas e sociais, necessárias ao domínio da natureza, onde – matéria e consciência, seriam condições básicas da liberdade humana, incorporadas às diversas tendências positivistas que surgiram no séc. XIX.
Em sentido amplo, a burguesia ao financiar o Iluminismo objetivava expandir a produção. Através de um modelo que favorecesse esse segmento social, daí se originou a doutrina liberal.
Na verdade, a formação do Estado absolutista deu-se com o apoio burguês em troca de uma política econômica que promovesse seu enriquecimento. Porém, apenas um segmento da burguesia monopolista em razão das características do mercantilismo, conseguiu acumular metais – através do monopólio e de uma política intervencionista. Neste sentido rivalidades internas ocorreram dentro deste segmento social, promovendo inclusive a queda das monarquias absolutistas. Portanto, parte do segmento da burguesia (média burguesia), havia investido seu capital na produção interna mas estava impedida de se expandir devido às medidas adotadas pela política-econômica do Mercantilismo, (por exemplo: o monopólio que impedia a livre concorrência e o intervencionismo estatal que controlava salários, preços e qualidade das mercadorias), impedia a sua expansão econômica.
Apesar disto, alguns artesãos conseguiram prosperar e empregavam outros como assalariados, mas, a maior parte da média burguesia foi para os distritos rurais, objetivando aumentar a produção.
Contudo, a situação rural, era turbulenta em razão dos cercamentos, e os camponeses que se mantiveram na agricultura foram super-explorados pela nova nobreza. Outrossim, os latifundiários ricos começaram a serem afetados pela comercialização dos gêneros agrícolas e manufaturados, pois a transação tinha como intermediário a burguesia monopolista.
Da interação desses fatores nasceu a necessidade de superação do absolutismo, pois ele se consistia em um obstáculo ao capitalismo. Assim, a média burguesia descontente lideraria os acontecimentos revolucionários dos séc. XVII. Por outro lado, a burguesia monopolista pretendia assumir diretamente o poder, pois já havia obtido o capital necessário das monarquias absolutistas.
A crise que ocorreu no século XVII desencadeou as duas revoltas inglesas: a Revolução Puritana e a Revolução Gloriosa, nas quais os filósofos Thomas Hobbes e John Locke seriam contemporâneos respectivamente.[32]
A Revolução Inglesa Puritana ocorreria em duas fases: a primeira fase ocorreu no outono de 1641, explodiu na Irlanda uma revolta separatista entre católicos e anglicanos (protestantes ingleses) que apoiavam o Estado Absolutista cuja base favorecia a alta nobreza e alta burguesia.
A segunda fase ocorreu em 1649, comandada por um deputado puritano, Olivier Cromwell que deu um golpe de Estado prendendo deputados presbiterianos e executou o rei Carlos, estabelecendo a chamada ditadura de Cromwell.[33] Neste ano, as lutas entre o rei Carlos I e o Parlamento atingiram, portanto o seu auge.
Em 1651, Cromwell unificou a Inglaterra, Escócia e Irlanda em uma só República e impôs ao Parlamento a votar os chamados Atos de Navegação que obrigava mercadorias vindas da Ásia, África e América, as quais só podiam ser transportadas por barcos ingleses se fossem para seus portos e as mercadorias vindas da Europa seriam levadas por navios ingleses ou por navios de países produtores.
A Holanda reagiu à política de Cromwell, pois tinha muitos lucros com o comércio marítimo.
Cromwell governou como militar até a sua morte em 1658.[34]
A Revolução Gloriosa foi um compromisso assumido entre o rei Guilherme de Orange que utilizou como justificativa para esta revolta: “restaurar a liberdade e proteger a religião protestante”.
Guilherme era príncipe da Holanda, casado com Maria Stuart, filha do rei católico Jaime II, mas desejando tomar a Coroa inglesa, desembarcou na Inglaterra com seu exército formado por holandeses emigrantes ingleses com a desculpa de restaurar a liberdade constitucional, bem como proteger a religião protestante na Inglaterra, visto que seu sogro, Jaime II era católico.[35] Deste modo, Guilherme de Orange para assumir a coroa inglesa aceitou a Declaração dos Direitos (Bill of Rights) em 1689, assinalando o triunfo do liberalismo político sobre o absolutismo.[36] Deste modo, consolidou-se a Monarquia Constitucional[37] cujo poder do rei foi limitado pelo Parlamento, mas assegurava sua supremacia, tal como persiste lá até hoje. A partir daí, a burguesia inglesa aliada aos proprietários rurais passaram a exercer o poder político através do Parlamento. Na verdade, a interação desses fatores políticos favoreceu o estabelecimento da Revolução Industrial e o desenvolvimento do capitalismo baseado no trabalho assalariado e na grande indústria.
Em suma, as Revoluções Inglesas do séc. XVII: Puritana e Gloriosa, objetivavam desarticular o absolutismo, visto que ele representava um obstáculo ao capitalismo, ou seja, uma limitação da burguesia ao poder político, pois esse regime impedia a livre concorrência e restringia o direito de propriedade, com isto impedia o desenvolvimento capitalista.[38] Foi durante o período, da Revolução Inglesa Puritana que o filósofo Thomas Hobbes (1588-1679) desenvolveu a idéia do contratualismo em que a origem do Estado[39], e/ou a sociedade estaria em um contrato.
Hobbes, em 1651, refugiado na França publicou a obra intitulada Leviatã, na qual defendia o Estado soberano de poder absoluto, ou seja, defendia o Estado Monárquico Absolutista,[40] no qual o poder do Soberano era divino, ou seja, poder emanado de Deus para a defesa e a paz de seus súditos.
Na verdade, para Hobbes até a formação do Estado, o homem viveria sem poder e sem organização, num estágio que ele o denominou de estado de natureza, o qual representava uma condição de guerra. Esta era a condição natural da espécie humana cujo homem se imaginava poderoso, perseguido e traído. Neste entendimento, em sua célebre obra Leviatã (1651), Hobbes estabeleceu a máxima: “o homem é o lobo do homem” onde todo homem seria capaz de atacar o outro: fosse para vencê-lo, ou para evitar um possível ataque. Assim sendo, todo o homem estaria permanentemente em guerra contra todos os outros homens. Daí nasceria à necessidade de se criar o Estado para controlar e reprimir o homem o qual vivia em estado de natureza.[41] Desta forma, Hobbes refutou a definição aristotélica e a filosofia escolástica medieval do homem como animal social. Hobbes desmistificou assim o homem de natureza sociável e o identificou pelo estado conflituoso no qual só o Estado poderia contê-lo.[42]
Conforme Welfort[43] a visão hobbesiana, na obra Leviatã, representou a convivência social como uma relação conflituosa em que “os homens se tornaram capazes de se atacarem e se destruírem uns aos outros”. Nesta condição, sem ilusões, todo o homem teria direito a tudo. Daqui se originou o chamado direito de natureza que os autores geralmente o chamavam de jus naturale, pensamento jusnaturalista também conhecido como teoria dos direitos naturais o qual foi interpretado por Hobbes a partir do estado de natureza, estabelecendo as leis da natureza.
A proposta de Hobbes para resolução do conflito natural do homem foi definida por ele como lei da natureza. Neste sentido o plano de Hobbes seria a construção de um Estado dotado de espada, armado, pleno e capaz de forçar os homens a respeitarem o que o soberano determinasse.[44] Daí desenvolveu-se a condição para o nascimento da sociedade, ou seja, a sociedade nasceu paralelamente ao Estado Monárquico Absolutista.
Em suma, o Estado Leviatã é produto do medo da morte e da esperança de ter uma vida melhor e mais confortável. A partir dele se ampliou o direito de propriedade, de modo que o proprietário em face das exigências da própria sociedade burguesa teria autonomia para fazer o que quisesse com seus bens.[45] Assim, Hobbes em sua obra, Leviatã desmistificou a idéia do homem de boa natureza rompendo, portanto com o ideal aristotélico em dois sentidos: do bom governante e do homem de boa natureza. Deste modo, o homem hobbesiano transferiu um direito natural, em troca de paz, segurança e propriedade. Através do modelo contratualista,[46] haveria a mútua transferência de direitos com o objetivo de manter os homens dentro dos limites consentidos pelo Estado que ele representou através da alegoria do monstro bíblico criado para protegê-los e defendê-los.[47]
Outrossim, outro contratualista John Locke sustentou a proteção da propriedade pelo Estado através de uma teoria a qual chamou de teoria da propriedade.[48]
John Locke (1632-1704) nascido na Inglaterra defendeu a liberdade religiosa, fundou a doutrina do empirismo, a qual entendia que todo o conhecimento derivava da experiência e foi considerado o “Pai do Liberalismo Político” cujas idéias seriam retomadas na elaboração do modelo econômico liberal de Adam Smith na segunda metade do séc. XVIII (1776).[49]
As lutas pela Restauração do Absolutismo ocorreram entre 1660 até 1688, período conflituoso entre a Coroa e o Parlamento inglês, em razão da política pró-católica e pró-francesa.
Do ponto de vista político-econômico vale ressaltar que a concentração de poder monárquico foi o grande causador das Revoltas Puritana e Gloriosa geradas principalmente pelos abusos reais e a política tributária.
Na verdade, Locke viveu durante um período marcado por lutas de cunho político que reunidas aos conflitos religiosos entre católicos e protestantes (anglicanos, presbiterianos e puritanos) conduziram à Revolução Puritana promovida pelo segmento religioso calvinista puritano.[50]
Conforme Welfort: o rei Guilherme que era príncipe da Holanda e genro de Jaime II, com o lema gravado em seu estandarte “em defesa da liberdade, do Parlamento e da Religião Protestante”, desembarcou na Inglaterra em 1688, episódio que se chamou Revolução Gloriosa que representou a vitória do liberalismo político idealizado pelo inglês John Locke sobre o absolutismo.[51]
John Locke, era contrário à Coroa inglesa ocupada pelos Stuart com sua política pró-católica e pró-francesa e ao retornar à Inglaterra após a Revolução Gloriosa publicou obras que defendia a legitimação do governo através da monarquia constitucional cujo poder seria limitado pelo Parlamento[52],[53]. Por outro lado, baseado na doutrina do direito de resistência sustentou a tese que a única fonte legítima de poder político era obtida através do consentimento expresso dos governados. Na verdade, essa obra exerceria grande influência no séc. XVII sobre as Revoluções Liberais Burguesas, além de orientar a composição do modelo do Estado Liberal.
Tanto Hobbes como Locke eram contratualista, ou seja, entendiam que houve um pacto social entre os homens e o Estado, objetivando organizar a vida em sociedade, com a transferência mútua de direitos. Embora tenham havido outras teorias que surgiram para explicar a origem da sociedade natural, a única que abordarei é essa que se tomou conhecimento como teoria contratualista. Isto porque ela exerceu grande influência prática na época contemporânea, segundo Dallari.[54] Outrossim, Locke partilha do mesmo pensamento jusnaturalista também chamado de Teoria dos direitos naturais que Hobbes, no qual haveria um estado de natureza no qual os homens se encontravam inicialmente dispostos em sociedade. Contudo, a visão do estado de natureza de Locke caracteriza-se pela mais perfeita liberdade e igualdade em que os homens viviam originalmente num estágio pré-social e pré-político. Enquanto Hobbes defendia que a condição natural do homem era uma condição de guerra baseada no medo, na força, na insegurança e na violência.[55]
Cabe por fim destacar que o contrato social de Locke se diferenciava do elaborado por Hobbes. Locke entendia que houve no contrato social um pacto de consentimento no qual os homens concordariam livremente em formar uma sociedade civil ou política, objetivando preservar seus direitos naturais tais como, a vida, a liberdade, bem como estabelecer uma forma de governo que defendesse a propriedade considerado por ele como direitos inalienáveis. Neste sentido, Hobbes e Locke se diferenciaram, pois Hobbes ao idealizar o Estado-Leviatã estabeleceu um pacto de submissão no qual trocariam a liberdade pela segurança do Estado que estava alicerçado sobre o medo e a esperança[56].
Em suma, o pensamento de Locke justificou essencialmente a propriedade, incorporando a ela o trabalho. Estabeleceu a interatividade entre cada um dos termos do quadrinômio: trabalho/propriedade/liberalismo/ protestantismo. Aquele que foi considerando “o pai do liberalismo político”, engenhosamente edificou a teoria do valor-trabalho que, posteriormente, seria desenvolvida pelos economistas do liberalismo clássico: Adam Smith e David Ricardo, mas indubitavelmente Locke consolidou definitivamente o pensamento econômico burguês.
A importância do pensamento destes dois contratualista incide justamente na idealização de um poder capaz de agregar os homens dentro de um limite territorial com o intuito de preservar e organizar a sociedade, estabelecendo desta forma as diretrizes da organização, do funcionamento e da existência do Estado.
2.2. REVOLUÇÃO INDUSTRIAL E A NOVA ORDEM POLÍTICA-ECONÔMICA LIBERAL.
A Revolução Industrial pode ser entendida como um processo prolongado de transformações em que ocorreu a transferência da supremacia econômica do capital comercial para o industrial, modificando profundamente a sociedade européia a partir do séc. XVII, mas que não aconteceria de forma simultânea em todos os países e cujos impactos seriam tardios.[57]
Na verdade, a Revolução Industrial surgiu devido às necessidades de aumentar a produção e de obter um lucro maior e mais rápido[58], O processo principiou na Grã-Bretanha em razão principalmente dos acontecimentos internos e das rivalidades internacionais ocorridas na Europa, resultantes do expansionismo marítimo, comercial e colonial ocorridas a partir do séc. XV, cujas mudanças levaram a acumulação de capital.
Do ponto de vista interno, foi o fenômeno da expulsão de grande parte da população rural de suas terras, conhecido como “cercamentos”[59], ocasionado pela super-exploração dos camponeses pela nobreza, que causou a insatisfação dos camponeses com sua conseqüente migração para as cidades. Por outro lado, artesãos começaram a irem a falência, fosse pela falta de capital ou fosse pelo desconhecimento da utilização dos novos meios de produção. Assim sendo, artesãos falidos; camponeses descontentes e famintos invadiram as cidades para trabalhar, nas indústrias como operários. Neste sentido, ocorreram mudanças profundas justificadas fosse com a substituição da produção artesanal pelo novo modo de produção capitalista, onde a máquina seria seu grande símbolo, fosse pelo excesso de trabalhadores que vendiam sua força de trabalho em troca de salário. Neste momento a Grã-Bretanha começou a criticar a política mercantilista que impedia a venda de produtos e para tanto, surgiram novas teorias sobre as Ciências Econômicas que defendiam o fim da política –econômica das Estados absolutistas.
Em suma, a Revolução Industrial representou o fim do trabalho artesanal e na divisão social do trabalho. Estes fatores culminariam com o aparecimento do proletariado, com uma nova forma de estruturação das sociedades denominadas “sociedades industriais e não-industriais”[60], onde as relações de produção seriam organizadas no sentido de obter um lucro maior e mais rápido. Desta forma, nasceram as fábricas que abrigariam máquinas e operários, mudando definitivamente todo o processo produtivo. Nascia assim a nova ordem política-econômica liberal.
Em razão do exposto, no âmbito jurídico haveriam também profundas mudanças a fim de legitimar esta nova ordem política-econômica liberal. Assim sendo, foi com o aparecimento da sociedade privada que advieram várias mudanças, haja vista o estabelecimento de uma nova ordem com seu sistema produtivo fundamentado no liberalismo que, conjugados aos efeitos tecnológicos provocados pela Revolução Industrial necessitaria do estabelecimento de leis que a legitimasse, pois o Direito deveria acompanhar as novas mudanças.[61]
Outrossim, do ponto de vista da Economia é importante salientar que na França e na Inglaterra duas vertentes liberais se destacaram, encabeçadas pelos pensadores econômicos François Quesnay e Adam Smith.
Na França, François Quesnay (1694-1774) criou a Escola Fisiocrática e na mesma fase o escocês, Adam Smith (1723-1790), a partir de sua obra, A Riqueza das Nações, estabeleceu os fundamentos da Escola Clássica do liberalismo econômico, partindo do pensamento político liberal elaborado por John Locke (1632-1704).[62]
Conforme Rossetti,[63] os fisiocratas divergiam dos clássicos, pois entendiam que a natureza governava todo o sistema, logo a Economia se constituía também em uma expressão da natureza. Conseqüentemente, seria inútil impor-lhe leis e regulamentos à organização econômica. Por sua vez, os fisiocratas defendiam que a agricultura era a única fonte de riqueza e que o comércio e a indústria eram atividades estéreis.
Na verdade, a fisiocracia era o reverso da ideologia que acompanhava a Revolução Industrial. Logo, contrária ao pensamento liberal, mas foram os primeiros liberais a defender a não-intervenção do Estado na economia.[64]
Em suma, os fisiocratas, entendiam que a indústria e o comércio não geravam renda para a sociedade, pois o valor produzido por esses segmentos sociais era gasto pelos próprios operários e industriais e que a agricultura era a única fonte de riqueza.
Na Inglaterra, a Escola Clássica do Liberalismo Econômico iniciou-se publicando a obra A Riqueza das Nações, do escocês, Adam Smith que criticou o Antigo Regime – Estado Absolutista, das monarquias nacionais, cuja política-econômica mercantilista já retratada tinha como medidas práticas o Exclusivo Colonial ou também conhecido como Pacto Colonial e o intervencionismo estatal que atrapalhavam o enriquecimento da média burguesia e sua ascensão ao poder.
Adam Smith (1723-1790), professor de filosofia moral, defendia a concentração de riqueza da população inglesa, ou seja, o bem-estar econômico de toda a sociedade.[65] Smith na obra, A Riqueza das Nações, estabeleceu uma organização econômica em que cada indivíduo poderia tomar decisões de modo a otimizar os recursos escassos da sociedade. Para tanto, utilizou-se de princípios utilitaristas. Apresentou um mecanismo de divisão de trabalho que foi capaz de estimular o crescimento das forças produtivas do trabalho,[66] transformando as tendências da natureza humana, tais como, a ambição e a busca do prazer, em interesse coletivo. Esta é a importância da sua obra dentro deste molde, pois seu entendimento foi aplicado a Revolução Industrial a qual já havia intensificado a produção de produtos e serviços e substituído o sistema doméstico (no qual o artesão executava o trabalho integralmente). Deste modo, possibilitou-se a redução de salários, visto que o trabalhador já não detinha o controle da produção e o aumento dos lucros. Conseqüentemente, sem limite de produção e com baixos salários, o próprio mercado se ajustaria a pontos ótimos de aplicação, ajustando a oferta à demanda. Assim, o preço seria diretamente proporcional à procura e inversamente proporcional à oferta. Hipoteticamente haveria a adequação da produção ao consumo a qual foi denominada por ele na obra, A Riqueza das Nações, de “mão invisível”, traduzindo-se na idéia de que tudo a ser produzido seria consumido. Deste modo esta organização justificou um sistema passível do otimismo liberal, cuja máxima liberalista era “laissez faire, laissez passer”, que traduzido do francês para o português significa “deixar fazer, deixai passar”[67]. Na verdade este pensamento materializaria os interesses dos grandes comerciantes e exportadores ingleses.
Neste sentido, a vertente liberal clássica como entendia que as liberdades do comércio e da indústria representavam atividades importantes, divergia da vertente liberal fisiocrata a qual considerava estas atividades como atividades estéreis.
Adam Smith, descobriu justamente que o elemento propulsor da riqueza era o trabalho e, na obra, A Riqueza das Nações (1776), desenvolveu o princípio do liberalismo econômico a partir do qual nasceria a nova organização econômica por ele idealizada. Nesta nova organização caberia a otimização do trabalho através do emprego eficiente de máquinas, bem como do estabelecimento de técnicas laborais, de controle do tempo e da intensificação do ritmo de trabalho dos operários,[68] elementos fundamentais para o sucesso da nova ordem econômica.
Para os autores Bernadette Abrão, Fábio Nusdeo e Francisco Welfort,[69] Smith influenciou muitos filósofos, economistas e estudiosos, os quais consolidaram através de seus estudos os princípios liberais e econômicos, como foi o caso de David Ricardo (1772-1823).
Em suma, o liberalismo econômico viabilizado por Adam Smith (1723-1790) se manteve atrelado ao liberalismo político idealizado por John Locke (1632-1704) e ao próprio sistema democrático[70] por aproximadamente um século e meio, influenciando significativamente a Ciência Jurídica. Porém, na segunda metade do séc. XIX, as escolas liberais passaram a ser muito criticadas pela expansão industrial, em função das crises do capitalismo e de superprodução que desmistificaram a idéia de ajustamento automático da oferta à demanda global e que ensejaram reformas estruturais propostas pela vertente de pensadores socialistas do séc. XIX entre eles o filósofo alemão, Karl Marx (1818-1883).
2.3. A REVOLUÇÃO FRANCESA E A IMPORTÂNCIA DE NAPOLEÃO BONAPARTE DENTRO DA PERSPECTIVA LIBERAL
Conforme Hobsbawn,[71] no fim do séc. XVIII, a França assistiu com descontentamento o progresso da Grã-Bretanha, sua maior rival, acirrando ainda mais a rivalidade entre essas potências mundiais.
O Iluminismo que havia se iniciado no final do séc. XVII, na Inglaterra, propagar-se-ia pela Europa com suas concepções racionalistas e atingiria o apogeu no séc. XVIII. Os iluministas e os filósofos da época criticavam a política-econômica do Estado Absolutista – O Mercantilismo – cujo intervencionismo estatal na economia e a restrição ao direito de propriedade obstavam ao interesse da média burguesia inglesa que havia investido seu capital na produção interna, motivos que contribuíram indubitavelmente para as Revoluções Inglesas- Puritana e Gloriosa – ocorridas no séc. XVII. Estes, portanto foram os fatores que aliados a outros transformariam a sociedade européia influenciando o pensamento dos franceses, cujo processo revolucionário ocorreu principalmente devido estrutura político-econômico social que concentrava o poder nas mãos de um rei absoluto o qual mantinha os privilégios da nobreza onerando os cofres públicos.
Apesar da Revolução Francesa, conforme já falamos, ter sido provocada pela interação de diversos fatores, tais como: a grande massa de miseráveis (de vinte seis milhões de habitantes, vinte milhões eram miseráveis); os altíssimos impostos cobrados aos comerciantes na passagem pelas barreiras alfandegárias nas propriedades feudais, pois ainda no fim do Séc. XVIII, a França mantinha o modo de produção feudal; traições, inundações e secas que influenciaram no mercado interno provocando a falência de pequenos proprietários de terra; as questões políticas-partidárias e econômicas internacionais, os quais indubitavelmente contribuíram para a Revolução Francesa, não adentraremos nesta seara, destacando apenas alguns aspectos dos ideais revolucionários em razão destes promoverem não só decadência do absolutismo, mas porque representam para a história da humanidade a transição da Idade Moderna para a Idade Contemporânea.
Deste modo, cabe ressaltar que os exércitos franceses obtendo muitas vitórias difundiram os ideais revolucionários que representavam a propaganda liberal, ou seja, em defesa da expansão econômica da burguesia que bradava: “liberdade, igualdade e fraternidade”[72].
Contudo, o chamado “governo revolucionário” era um engodo, pois na Assembléia suas medidas visavam não incomodar os “girondinos”, partido que defendia os interesses da alta burguesia e que via na guerra uma forma de enriquecimento, visto que mesmo com os altos preços dos produtos essenciais, decerto seriam consumidos.[73]
Assim, a classe que realizou a revolução foi a camada mais baixa da sociedade composta por trabalhadores, artesãos, pequenos comerciantes, camponeses e infelizes, sendo denominada plebe. A plebe cujo único poder se consistia na força da multidão, mesmo insurreta não desfrutaria dos mesmos privilégios concedidos à alta burguesia.[74]
Conforme Hobsbwam,[75] na Revolução Francesa, jovens vigorosos participaram dos embates imbuídos pelo ideal racionalista de liberdade e igualdade. Na verdade, o desfecho desse movimento seria no sentido de consolidar a sociedade burguesa através da implantação de uma nova ordem econômica – o capitalismo.
Assim, conduzidos pelo ideal revolucionário, muitos homens ingressavam nas artes militares da artilharia, muitos deles influenciados por Napoleão Bonaparte.
Cabe destacar que, a burguesia descontente com a instabilidade econômica, havia sido o pivô da Revolução Francesa, incitando a plebe a realizar revolução renunciou aos seus ideais libertários e resolveu financiar a ditadura de Napoleão Bonaparte que, em 10/11/1799, deu um golpe de Estado derrubando o “Diretório” e estabelecendo com mão de ferro a estabilidade exigida pela burguesia.
A velha rixa entre monarquistas e republicanos havia conduzido a França à ruína cujas guerras com as potências européias arruinaram o comércio e a indústria, devastaram campos, destruíram portos e estradas. Portanto, era preciso pacificar a França internamente para reorganizar um novo modelo de Estado.
Assim sendo, Napoleão estabeleceu uma política de desenvolvimento e pacificação nacional: restabeleceu as relações com a Igreja Católica restituindo-lhes os bens que não haviam sido vendidos além de permitir-lhes o culto livremente; autorizou a volta dos “emigrados”[76], devolvendo grande parte dos bens; distribuiu postos na administração e no exército; centralizou a administração; organizou um sistema de impostos; cunhou uma nova moeda para fortalecer a economia; estimulou a indústria e o comércio que se beneficiavam com as conquistas da Itália, satisfazendo assim aos interesses da burguesia como um todo; construíram-se novos portos, estradas e canais; criaram-se novas escolas atrelando-as ao Estado, enfim estabeleceu uma política de desenvolvimento derrubando definitivamente as instituições feudais.[77]
Além disto, do ponto de vista jurídico, uma nova Constituição foi aprovada por plebiscito, legitimando seu governo – O Consulado que era exercido de fato por Napoleão investido como Primeiro Cônsul. Outrossim, foi ele que organizou o chamado “Código Napoleônico” que possuía aproximadamente dois mil artigos. Apesar da diversificada abordagem moral, política, ideológica, o novo código tinha como prioridade a proteção à propriedade privada, dispondo de cerca de oitocentos artigos a respeito.[78]
Deste modo, Napoleão consolidou os interesses da nova classe – a burguesia -, através de medidas que promoveriam a livre concorrência, estabeleceria o desenvolvimento agrário através da divisão e exploração das grandes propriedades e implementação de uma política de produção industrial por todo o país. A partir daí, a França nunca mais seria a mesma.[79]
Finalmente, do ponto de vista filosófico, a Revolução Francesa representou a corporificação do pensamento iluminista alicerçada na ideologia burguesa de desenvolvimento econômico, representada pela máxima: “liberdade, igualdade e fraternidade”. A partir desse pensamento, segundo Abrão[80], um novo modelo econômico deveria se corporificar e atender aos interesses de seus articuladores. Assim sendo, o idealismo seria francamente estimulado cuja finalidade era legitimar, mesmo que pela força, “a liberdade de empreendimento em igualdade de condições” (ABRÃO, 1999, p. 289-292). Neste sentido, diferentes e ardilosas interpretações se desenvolveram para esses três vocábulos, mas, na prática, a liberdade seria cerceada pelo despotismo da esquerda; a igualdade limitada pela propriedade e a fraternidade fragilizada pelo “Terror” de Robespierre. Contudo, o general Napoleão apreendeu o verdadeiro espírito revolucionário, personificando-o através de estratagemas. Ele, coerentemente lutou pelo poder e percebendo que a política era um engodo, não cedeu a ideologias, apenas conquistou, mudando definitivamente a história das civilizações ocidentais, razão pela qual reproduzo, trecho de seu discurso aos seus soldados: “Soldados, estais nus, mal-nutridos. Vou conduzir-vos às mais férteis planícies do mundo. Ricas províncias, grandes cidades vos esperam, ali encontrareis honra, glória e riqueza”[81].
Indubitavelmente, o pequeno grande homem que da artilharia, de uma frente de batalha passaria sucessivamente a Primeiro Cônsul, Cônsul vitalício e Imperador[82], sendo reconhecido por sua superioridade militar em todo o continente. Somente ele foi capaz de transformar um levante popular em cidadãos revolucionários, mudando definitivamente o curso da história da humanidade. Foi um estrategista genial que conduziu o exército francês à glória e ao triunfo, conquistando a Europa.[83] Tornou-se um mito secular (conforme ilustração a seguir), um personagem histórico que não começara como rei como os antigos romanos, mas devido as suas habilidades, bravura e liderança, Napoleão foi “o homem da revolução”.[84] Aquele que restaurou a estabilidade e aproveitando todas as oportunidades se revelou capaz de concluir o ideal burguês e iniciar um novo regime, inspirado nas idéias de Jean Jacques Rosseau.
2.4. REVOLUÇÕES LIBERAIS, O LIBERALISMO E O MOVIMENTO DO NACIONALISMO
2.4.1. As Revoluções Liberais e o movimento do nacionalismo
Conforme Hobsbawm,[85] no “Congresso de Viena” durante o período de 1815 e 1830 predominou um ciclo de “Restaurações”, no qual vigorou uma tendência contra-revolucionária cuja proposta básica era a restauração do “Antigo Regime”, ou seja, a Monarquia. Assim, após a derrota de Napoleão em 1815, as diretrizes idealizadas nesse congresso objetivavam reprimir a difusão das idéias liberais através da congregação das nações. Mas, os impactos da Revolução Industrial já haviam repercutido sobre a Europa os quais reunidos às transformações provocadas pela Revolução Francesa haviam mudado definitivamente a história da humanidade, aniquilando as bases do “Antigo Regime”.
Portanto, a chamada “Restauração” representava a sobreposição política da Monarquia e uma reação conservadora à ascensão da burguesia ao poder que resultou no episódio histórico conhecido como “revoluções liberais burguesas”[86]. Além disto, da aplicação do princípio da liberdade individual às coletividades resultou no desenvolvimento do nacionalismo, o qual se opôs à “restauração”.
Na verdade, tanto o liberalismo como o nacionalismo foram dois movimentos que se originaram articulados à ascensão da burguesia dentro de uma sociedade capitalista que negligenciava diversificação social.
Conforme Aquino, em sua obra História das sociedades: das sociedades modernas às sociedades atuais, os ideais nacionalistas formaram a base de ligação entre o liberalismo e o Estado. Na verdade, o Estado passou a incentivá-los ou a freá-los de acordo com os seus interesses. Mas, os pensadores do séc. XIX interpretaram o nacionalismo como um único elemento de irmandade entre os homens, pois sentimentos como paixão e fervor sobrepujavam os interesses individuais. Porém, foi com o movimento do realismo em meados do séc. XIX que o nacionalismo assumiu um caráter mais pragmático, necessário a sua estruturação. Esta é a idéia que nos interessa ressaltar pois ao lado da busca da formação territorial, de uma autodeterminação (decisão tomada livremente), somava-se a construção de um mercado para atender na verdade a burguesia nacional.
Em suma, as Revoluções ocorridas em 1830 e 1848, representaram uma tentativa de continuar os movimentos sociais oriundos da Revolução Francesa. Além disto, as crises econômicas, o liberalismo e o nacionalismo precederam aos movimentos de unificação de um conjunto de estados independentes, cuja forma de governo era a Monarquia. Neste período também se verificou que devido ao descontentamento da burguesia e do proletariado surgiram grupos socialistas, cujas teorias objetivavam transformar a sociedade através da eliminação da propriedade privada e do escalonamento social. Contudo, após 1848, na Europa predominou a tendência mais conservadora com mudanças de métodos do liberalismo, bem como a adoção de governos despóticos.
2.4.2. O liberalismo
2.4.2.1. O nascimento da doutrina liberal e o paradigma da burguesia
Com a decadência da Igreja sucedeu-se-lhe o fortalecimento das Monarquias Nacionais e a corporificação do Estado Absolutista com sua política econômica do Mercantilismo.
Para a manutenção deste regime ocorreu o expansionismo europeu a fim de implementar seu domínio sobre as colônias. Porém, alguns aspectos tais como o intervencionismo estatal; os altos impostos cobrados à população de artesãos, mercadores e lavradores, mas que isentava o clero e a nobreza; aliados à extrema pobreza que levaram às reações à política-econômica mercantilista e que culminou com o aparecimento do liberalismo econômico. Neste sentido, nos séculos XVII e XVIII ocorreu o desenvolvimento do pensamento racionalista que criticava a religião e a Igreja e que visava implantar um novo paradigma que permitisse a igualdade de poderes e a liberdade de propriedade. Houve assim do ponto de vista filosófico e político uma ligação entre o Estado e o liberalismo respectivamente. Na verdade, esse pensamento simbolizou a defesa dos interesses econômicos e políticos de ascensão da burguesia, a qual financiou o Iluminismo para que estudiosos da época estabelecessem novas técnicas de produção, que conduziriam à expansão do capitalismo[87].
Foi o sonho de consumo e de poder da burguesia que no movimento de renovação intelectual chamado Iluminismo consolidou o pensamento econômico liberal.[88]
Cabe destacar que o expansionismo europeu recaiu sobre as terras distantes da África, América e Índias, deslocando o eixo econômico do Mar Mediterrâneo para a Costa Atlântica. Mais tarde, as colônias conquistadas iniciaram um processo de independência, visto que haviam sido influenciados pelos ideais de liberdade, fulcros do pensamento racionalistas exercitado no Iluminismo.
Na verdade para o pleno desenvolvimento da burguesia colonial, o Exclusivo Colonial deveria ser substituído. Daí, as crises coloniais com a conseqüente queda do Estado Absolutista e o desenvolvimento do modo de produção capitalista baseado na grande indústria e na exploração do trabalho assalariado.[89]
Assim sendo, os iluministas precisavam desenvolver e implantar um modelo que viesse a favorecer ainda mais a burguesia. Então se originou a doutrina liberal.[90]
A doutrina liberal deveria elaborar um paradigma que operacionalizasse a liberdade e organizasse o sistema político-econômico liberal-capitalista para que a burguesia ascendesse ao poder político. Esta doutrina na verdade defendia entre outras idéias: o progresso, a defesa da propriedade e a garantia das liberdades fundamentais do homem.[91]
Por outro lado, a desvinculação das Ciências Naturais (Química, Física e Biologia) da Filosofia, durante a Idade Moderna prevaleceu na Idade Contemporânea[92] e também com relação às Ciências Sociais, seguindo-se quanto à Sociologia e à Psicologia Social. A partir do desmembramento das Ciências Naturais e Sociais estavam estabelecidas as condições favoráveis à implantação do novo paradigma que deveria operacionalizar a liberdade por meio do alicerce racionalista, exercitado no Iluminismo, e estabelecer modelos de organização social.[93]
No âmbito político, as transformações decorreriam da separação e especialização dos poderes, baseados nas idéias do barão francês e membro da aristocracia Montesquieu o qual fora influenciado por John Locke[94]. O aristocrata, Montesquieu, introduziu um traço positivista na discussão das leis, retratado em sua obra O Espírito das Leis (1748), alicerces para o funcionamento do Estado de direito e que resultaram nas revoluções democráticas.
Outrossim, o liberalismo defendia o princípio democrático para a escolha de representantes através do povo[95].
Entre os filósofos iluministas, o suíço, Jean Jackes Rosseau, em sua obra: O Contrato Social, interpretou diferentemente a teoria contratualista, já abordadas por Hobbes e Locke, que seria usada como fundamento dos Estados democráticos modernos[96] e que teria desenvolvido uma nova base de organização da sociedade e fundamentação jurídica, daí a importância da obra de Rosseau nesse momento.
A visão contratualista de Rosseau elaborou um pacto social legal e contratual que seria legitimado politicamente, com base em três princípios fundamentais: vontade, representação e soberania. Assim, o contrato social representaria a formulação de um pacto, em que haveria um corpo soberano, representativo da vontade da maioria.[97]
Em suma, no contexto contratualista de Rosseau a soberania articulou-se à política para originar o Estado democrático cuja vontade da maioria seria representada politicamente pelo Estado soberano com a delegação do poder.
O contrato social constituiu um manual prático da política que influenciou na Revolução Francesa em que Rosseau será eleito como o primeiro revolucionário.
2.4.3. A operacionalização do sistema liberal
Segundo Nusdeo, a doutrina utilitarista associada ao hedonismo seria útil na operacionalização da doutrina liberal (liberalismo econômico). Na verdade, através da mudança do pensar do homem ocorreria a consolidação do modelo político desejado, conhecido como liberalismo, o qual defendia a propriedade privada dos meios de produção e a livre troca de mercadorias.[98]
A reunião de todos esses pensamentos aliados aos aspectos de substituição do Antigo Regime[99] para atender aos interesses da burguesia, culminariam com acontecimentos que mudariam o curso da história da humanidade e marcariam uma nova fase, a Idade Contemporânea.
2.4.4. Os fundamentos jurídicos do liberalismo
Segundo Nusdeo[100], todo sistema econômico define o modelo jurídico a ser implantado. No caso do liberalismo, o modelo econômico descentralizado ou de mercado foi também chamado de sistema de autonomia.[101] Neste sistema cada pessoa tomaria decisões próprias no sentido de otimizar os recursos escassos da sociedade[102]. A implantação desse modelo ocorreu em dois momentos sucessivos: primeiramente, o movimento constitucionalista surgido entre os séculos XVI e XVIII [103], seguindo-se a codificação do Direito Privado nos países de tradição romano-germânica[104], em que a maioria dos países de língua latina se filiou, inclusive o Brasil.
Do ponto de vista jurídico-político, o movimento constitucionalista seria fundamental no processo de operacionalização do liberalismo político e do liberalismo econômico[105]. Assim, o sucesso desse sistema econômico, idealizado pelos liberais, dependia da elaboração de um modelo jurídico que se inspirou no pensamento político clássico[106] desenvolvido pelo francês Jean-Jackes Rosseau que em sua obra, O Contrato Social, estabeleceu um pacto legítimo entre os cidadãos através do qual adquiria-se a liberdade civil em troca da perda de liberdade natural para o Estado. Neste processo de legitimação do pacto social, o povo soberano tornou-se alienado politicamente e em troca lhe seria assegurado uma série de direitos considerados fundamentais e inerentes à condição humanos, conhecidos como direitos do homem e do cidadão. Neste sentido, no contratualismo de Rosseau a marca fundamental da legitimação do pacto social foi a igualdade[107].
Em troca, o Estado determinaria o modo de funcionamento da máquina política no qual o movimento constitucionalista estabeleceria a conjugação perfeita de liberdade, distribuição de propriedade e obediência[108]. Assim a vida política do cidadão teria como marco a alienação de todos, mascarada pela igualdade[109], no qual “o governo tende a ocupar o lugar do soberano, a constituir-se não como um corpo submisso[110],como um funcionário, mas como poder máximo, invertendo portanto os papéis”[111].
Assim, dois aspectos fundamentais foram alicerces jurídicos do movimento constitucionalista: a submissão do homem à vontade geral e a representação política[112], os quais foram consagrados nas democracias modernas e associadas à ideologia liberal, representando o sustentáculo político da nova ordem econômica a ser implementada e repercutindo sobre o Direito[113] .
Na verdade, a criação das Constituições foi uma opção racional , as quais foram editadas a partir dos fins do séc.XVIII e reproduziram garantias individuais[114]. Por isto, foram denominadas “Constituições Clássicas” ou “Liberais”, ou ainda “Constituições garantias”[115], visto que refletiam o sistema econômico vigente, ou seja, uma constituição omissa que não politizava a esfera do econômico. Na verdade, ao não estabelecer certa diretriz ou condição de funcionamento, o fizeram de maneira tortuosa e oculta, pois ao limitarem a ação do Estado sobre certa área, estariam possibilitando aos particulares a movimentação livre dos bens de produção e de consumo. Portanto aquele instrumento de garantias individuais cuja preocupação precípua era com a organização política da sociedade e a defesa dos direitos civis dos cidadãos, não tinha assim tanta neutralidade quanto à vida econômica, mantendo velado um interesse maior de implantar um sistema descentralizado e autônomo[116], a fim de impulsionar os mercados já existentes: a propriedade, a liberdade de profissão e de contratar, beneficiando as relações econômicas.[117]
Na França, berço do liberalismo, divergências política e doutrinária defendiam a reforma da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 26 de agosto de 1789, que teria sido a base teórica da Revolução Francesa em função de seu caráter individualista.
3 O POSITIVISMO
3.1. O POSITIVISMO EVOLUCIONISTA
O positivismo, segundo Sciacca foi um movimento que informa toda a cultura européia da 2ª metade do séc. XIX.[118]
Mais que uma doutrina filosófica foi um método cujo objeto da investigação considerava a experiência como o único critério de verdade.[119]
Esta ciência derivou do chamado “cientificismo”, cujo funcionamento era a razão humana. Deste modo, o homem deveria substituir as explicações metafísicas (teológicas), filosóficas e de senso comum por esse novo conceito. Inicialmente, inspirou-se nas Ciências Naturais (Física, Química e Biologia) na tentativa de estabelecer seu objeto (ou seja, análise da sociedade), seus métodos investigativos e conceitos, para assim adquirir a objetividade no estudo dos fenômenos sociais estudados. Surgiu durante o romantismo[120] e objetivava acompanhar e consolidar a organização técnico-industrial da sociedade durante essa fase.[121]
Independentemente, das várias formas de positivismo (francês, italiano, inglês, alemão, etc), suas características são:
a) Método investigativo – experimental (empírico);
b) A única fonte de saber e critério único da verdade partia das próprias experiências;
c) Identidade entre cognição filosófica e cognição científica, ou seja, as conclusões acerca do objeto da investigação deveria ter a objetividade científica;
d) Atitude agnóstica diante dos problemas da metafísica;
e) Concepção mecanicista da natureza e determinismo dos fatos naturais e humanos;
f) Monismo, ou seja, unidade entre matéria e espírito (teoria monista); embora alguns positivista neguem isto;
g) Explicação da gênese e justificação dos valores espirituais de acordo com a evolução biológicas e as leis da psicologia empírica.
h) Predominância da análise crítica da experiência (dos fatos sociais, morais, psíquicos, religiosos, etc).
Para Sciacca, o positivismo interpretou a Ciência:
“Como a revelação do Ser, o progressivo realizar-se do Infinito, a resolutória de todos os problemas, a instauradora de uma nova ordem social. Em suma, a Ciência não é apenas o único conhecimento humano, mas é a nova religião da humanidade, que torna supérfluas todas as religiões tradicionais”.[122]
Assumindo um papel de garantir o destino do homem, como indivíduo e membro da sociedade. Assim, a partir do momento que o positivismo se firmou como doutrina, toda a atividade humana foi convertida à Ciência. Assim, a moral, a política, a religião, etc, nesta nova sociedade técnica industrial teriam o seu fundamento, em sentido amplo, e a sua garantia na Ciência.[123]
Segundo Sciacca, o otimismo positivista “ingênuo e romântico” cultuava a ciência transformando-a em mito, ao invés de ter um conceito crítico a respeito dela.
Neste sentido, para os positivistas tudo é ciência inclusive a filosofia e a religião.
Destacaram-se 2 vertentes filosóficas: a do positivismo evolucionista e do positivismo social que passaremos a narrar.
O positivismo evolucionista se baseou na teoria da evolução[124], também chamada por Abbagnano[125] de “teoria do progresso” a qual foi idealizada por Lamark (1744 – 1829) e Darwin (1809 – 1882). Segundo Sciacca[126], eles entendiam a evolução como um transformismo biológico, no qual haveria um processo evolutivo das espécies que foi denominado por eles de seleção natural.
Para Abbagnano[127], a idéia central da seleção natural, retratada na obra de Darwin intitulada A origem do homem, era a de uma perpetuação de espécies mais evoluídas. O mais expressivo doutrinador desta corrente foi, Herbert Spencer (1820 – 1857), engenheiro inglês que baseado em dois princípios básicos do positivismo de evolução e progresso[128] imprimiu um caráter religioso[129] a esta vertente positivista que indubitavelmente seria muito útil na composição da nova ordem social. Por outro lado, segundo Sciacca[130] otimismo de Spencer e sua confiança no progresso denunciaram a ingenuidade crítica deste doutrinador.
Para Abbagnano[131] e Sciacca[132] ao conciliar a religião com a Ciência, Spencer assegura um papel essencial à Filosofia na composição da nova ordem, já que a todas as ciências (biologia, sociologia, ética, religião, etc) seria aplicado o princípio evolutivo. Deste modo, a evolução da sociedade poderia ser entendida como uma adaptação progressiva do próprio homem as suas condições de vida e onde a vida melhor é aquela mais adaptada às suas condições, na qual o bem se estaria relacionado ao prazer (hedonismo, utilitarismo).[133]
Assim haveria a evolução com a passagem do indefinido ao definido. Aplicando-se este entendimento na composição da nova ordem, as sociedades primitivas passariam da condição de indefinição, na qual caberia-lhes a execução de tarefas e funções específicas daquelas que eram evoluídas, onde predominava a divisão do trabalho e das classes sociais, justificando-se assim a dominação dos povos.[134]
3.2. O POSITIVISMO SOCIAL
O positivismo social, segundo Sciacca, colocou a Ciência como fundamento da nova ordem social e religiosa.[135]
Seus fundamentos foram elaborados por Saint Simon, para quem a história se desenvolve consoante um progresso necessário e ininterrupto numa série de fatos únicos e contínuos.[136]
Contudo, devido ao objeto de estudo passaremos a concepção positivista de August Comte (1798 – 1857).
3.3. A CONCEPÇÃO POSITIVISTA DE AUGUST COMTE E A SISTEMATIZAÇÃO DE ÈMILE DURKHEIM
A perspectiva de Comte sobre o positivismo que irá nos interessar é a de que a humanidade se desenvolveu passando por 3 estados (lei dos 3 estados):
1°) do estado teleológico (onde predominava a fantasia para explicar os fenômenos da natureza); 2°) estado metafísico (no qual prevalecia as explicações por meio de forças ocultas e misteriosas) e deste, ao terceiro estado que é o estado positivo ou científico que seria orientado pela Ciência. Deste modo, as Ciências passariam de uma forma mais simples para uma mais complexa; conforme Sciacca[137] e Gusmão[138].
Mas qual a importância do pensamento de Comte na estruturação da nova ordem?
Inicialmente, cabe ressaltar que segundo Gusmão[139] a noção do positivismo como uma ciência positiva desvinculada dos fenômenos sociais e o termo Sociologia foram criados por ele, razão pela qual foi considerado seu fundador.
A importância de Comte se deu por 2 motivos: o 1°, segundo Costa[140], ele estabeleceu uma ideologia capaz de racionalizar a exploração da matéria-prima e da mão-de-obra e, o segundo motivo, o fez ao estabelecer uma ciência positiva, cujo objetivo era a superação do estado metafísico e a substituição definitiva das explicações de senso comum com o coroamento do saber científico[141], em um momento de divisão do poder entre as forças produtivas da riqueza.[142]
Neste sentido, a ciência positiva e autônoma dos fenômenos sociais, inicialmente chamada de Física Social e, depois, de Sociologia[143], seria consagrada como a ciência universal da sociedade[144].
Do ponto de vista jurídico, esta superação da metafísica para Gusmão reduziria o direito ao direito positivo, no qual só seria positivo na medida que fosse sancionado pelo poder público (direito legislado), ou criado pelos costumes, ou reconhecido pelo Estado, ou pelo consenso entre nações (direito internacional)[145]. Razão pela qual Noberto Bobbio afirmava não haver outro direito senão o direito positivo[146]. A partir desta perspectiva nasceu o Positivismo Jurídico.
Na verdade, Comte ao definir o direito positivo como fato, passível de estudo científico, fundamentado em dados reais[147] e expressão da vontade do legislador reduziu-o ao direito do Estado, que por isso foi denominado de positivismo estatal (ou normativista) e no qual predominava a lei (observado no positivismo francês, alemão e italiano), bem como o precedente judicial ( no positivismo anglo-americano) sobre as demais fontes do direito[148].
Por fim, a orientação dada por Comte ao positivismo jurídico por afastar os valores da nova ciência positiva permitiria estabelecer uma disciplina capaz de “melhorar a sociedade e conduzi-la a uma nova organização”, mais progressiva e sólida, orientada fundamentalmente para o “progresso”, com a conseqüente evolução[149]. Esta evolução, no dizer de Costa[150], seria capaz de expandir o próprio modelo capitalista por meio da nacionalização da exploração da matéria-prima e da mão-de-obra e, que seria adotada também nas sociedades colonizadas[151]. Isto porque, segundo Hobsbawm, a estrutura capitalista, estaria associadas às sucessivas crises de superprodução que ocorreriam ao longo do tempo onde quer que fossem, com a subsistência apenas das maiores indústrias, dependente do capital bancário para se manter e se expandir. Deste modo, os Estados europeus aventuraram-se na conquista de outros continentes, principalmente Ásia e África a fim de minimizar a crise de superprodução européia, lançando-se no domínio de novos mercados em uma nova forma de expansionismo que revelaram em nome do neocolonialismo e do imperialismo, a fim de manter a sobrevivência do capitalismo industrial[152].
Segundo Costa[153], o capitalismo nesta fase assumiu a chamada forma de “missão civilizadora”, que do ponto de vista internacional serviria para justificar a opinião
pública mundial, a qual defendia a dominação dos povos, onde a intervenção da Europa na vida dos chamados “povos primitivos que necessitavam de desenvolvimento” ocorreria, tendo em vista o paradigma positivista, cuja vertente idealizada por Comte seria também utilizada. Deste modo assinalou-se a sua importância na nova estrutura organizacional do Estado capitalista que por todo o exposto daria estabilidade econômica e social a este modelo, cuja interdependência de seus órgãos e sistemas se assimilariam a um organismo vivo.
Em sentido amplo, a análise que devemos tecer a respeito do positivismo, (incluindo-se aqui o aspecto jurídico), é que existiram das diversas vertentes existentes, tais como: a alemã que acolhia as lições do historicismo jurídico, cuja origem estava em Hegel, o qual interliga as manifestações culturais com situações históricas); a francesa (que entendia o positivismo jurídico como culto da vontade do legislador e como conseqüência, aos códigos considerados perfeitos e sem lacunas, cujo juiz estaria subordinado a sua vontade); a inglesa (que reduzia o direito aos costumes, aos precedentes judiciais e à lei, independentemente de serem justas ou injustas), caracterizada pela análise e a sistematização do direito positivo, orientada para a formulação de conceitos jurídicos fundamentais, afastada de juízos de valor (que no dizer de Austin foi denominada Analytical Jurisprudence, a qual seria o embrião da Teoria Pura do direito de Kelsen) e a italiana cujo maior pensador foi Roberto Ardigò, na visão de Sciacca.[154] Cabe destacar que a Itália orientava-se pelas tradições seculares e nobre. Porém, após 1880, as profundas transformações influíram no pensamento filosófico italiano[155], no sentido de se orientar para o industrialismo e o triunfo da técnica, conforme Sciacca. Todas as teorias consideravam ser o direito expressão da vontade do legislador, manifestação da vontade do Estado, criado e reconhecido por ele, imbuídas de promover a superação do estado metafísico cujas interpretações eram predominantemente abstratas e transcendentes, e estavam indubitavelmente orientadas para atender os interesses do modelo industrial.
Dentro desta orientação cabe adjetivar o direito positivo, também chamado de positivado, ou de legislado como: “o direito vigente, garantido por sanções, coercitivamente aplicadas, ou então, o direito vigente aplicado coercitivamente pelas autoridades do Estado e pelas organizações internacionais, quando inobservado. É, finalmente, o direito que, historicamente, é obrigatório para todos; Promulgado no caso da lei; declarado pelos tribunais, no caso do direito norte-americano, contido, nesse caso, em precedentes judiciais; estabelecido por consenso das nações em tratados no caso do direito internacional”, no dizer de Gusmão[156].
A ótica positivista de leis dos fatos sociais descoberta por Comte seria sistematizada pelo francês Èmile Durkheim (1858-1917) que transformou, segundo essa autora, a Sociologia em Ciência. Em outras palavras, apesar de Comte ter sido considerado como “o pai da Sociologia”, além de ter-lhe atribuído nome, Durkheim foi tido como o primeiro grande teórico da Sociologia por ter definido seu objeto,- métodos e aplicabilidade dos fatos sociais e com isso estabeleceu uma crise quanto à sistemática de Comte e Spencer[157].
Èmile Durkheim (1858-1917) estabeleceu em seus estudos que os fatos sociais deveriam ser considerados como “coisas”[158]. Neste sentido, esses objetos deveriam ser observados independentemente das consciências dos indivíduos ou de seus estudiosos, isto é, de seus juízos de valores e afetividade. Assim, ao adotar este entendimento estaria reafirmando o caráter normativo dos fatos sociais. Na verdade, ao definir os fatos sociais Durkheim diferenciou três características:[159]
– A coerção social;
– A educação e
– A generalidade.
A coerção social se estabeleceria pela força, levando-se em conta as regras de uma dada sociedade, independente da sua vontade ou escolha. Esta força se manifestaria: fosse pela adoção de um idioma, ou de um tipo de formação familiar, ou determinada pela lei.[160]
A educação, em sentido amplo, fosse ela formal ou informal, exerceria uma importante função de ajustamento do indivíduo à sociedade, já que após algum tempo estariam internalizadas e se transformariam em hábitos humanos. Por sua vez, as regras sociais, as leis e os costumes seriam impostos através da coerção social e da educação. Na verdade, Durkheim identificou o binômio educação/coerção e os inter-relacionou.[161]
Segundo esta autora a característica primordial do método adotado por Durkheim para analisar os fatos sociais foi a objetividade, ou seja, a análise científica deveria ser desprovida sem quaisquer traços de afetividade, predominando a racionalidade, o empirismo (caráter experimental) e o pragmatismo na verificação dos fatos Neste caso, ultrapassou-se a reflexão filosófica e atingiu-se uma sistematização inovadora para investigar a sociedade.[162] Deste modo, a nova ciência não só explicaria a sociedade como também buscaria solucionar a vida social, transformando os fatos sociais em dados cuja coleta seria observada, mensurada e relacionada aos demais elementos.[163] Assim sendo, a metodologia durkheimiana fixou à Ciência Sociológica as Ciências Exatas com o uso da matemática estatística inter-relacionando a análise qualitativa e quantitativa e resguardando o sucesso da sociologia científica.[164] A importância deste método foi fundamental para a expansão do capitalismo industrial europeu por inúmeras razões, mas principalmente porque baseado no modelo positivista esboçado por Comte cujo principal objetivo era a preservação do todo social. Que tal como outros estudiosos da época, ressaltava a interdependência dos órgãos e sistemas com caracteres universais, assim como um organismo vivo.
Um aspecto relevante que merece destaque dentro da análise de Durkheim, foi quanto a consciência que ele denominou de “consciência coletiva”, pois no interior de qualquer sociedade ou grupo haveria uma forma padronizada de conduta e pensamento e esses dois reunidos revelariam o tipo psíquico da sociedade[165] mas que sobretudo se imporia aos indivíduos ao longo do tempo. A partir dessa “consciência coletiva”, a moral perduraria fosse ela qual fosse e onde fosse.[166]
Quanto às sociedades, o método durkheimiano ao comparar as diversas sociedades estabeleceu uma classificação de espécies sociais que embora distintas quanto à organização e comportamento elas eram resultantes de características universais de uma mesma espécie. Foi assim que se formou o campo da morfologia social, isto é, da classificação das espécies[167] sociais, cuja análise seria consubstanciada no estudo experimental.[168] Deste modo, segundo Cristina Costa foi que se identificou a transição da chamada “solidariedade mecânica” (predominante nas sociedades pré-capitalistas cujos indivíduos se relacionavam por meio da família, da religião, das tradições e dos costumes, mas se mantinham independentes e autônomas quanto à realização do trabalho) para a denominada “solidariedade orgânica” (típica das sociedades capitalistas e que tinha como característica principal a divisão do trabalho, cujo modelo tornava todos os indivíduos interdependentes).[169] Assim sendo, os estudos durkheimianos de morfologia social foram habilmente ajustados ao modelo positivista idealizado Comte através da identificação, da observação e da sistematização de seu objeto, os fatos sociais.[170] Outrossim, seus estudos sociológicos justificaram as diferentes formas de organização social como sociedades inferiores e superiores, legitimando assim a dominação dos povos europeus sobre as demais espécies.[171]
3.4. A VISÃO DE NORBERTO BOBBIO SOBRE A DOUTRINA DO POSITIVISMO JURÍDICO: O DIREITO COMO FATO E NÃO COMO VALOR.O DIREITO A PARTIR DA COAÇÃO. AS TEORIAS DAS FONTES DO DIREITO. A TEORIA IMPERATIVISTA DA NORMA JURÍDICA.
3.4.1. O direito como fato e não como valor
Norberto Bobbio ao abordar o Positivismo jurídico admitiu o Direito como um fato social, ou seja, o Direito passaria a ser tido pelo jurista como um conjunto de dados, de fatos ou de fenômenos sociais. Neste sentido, o Direito transformar-se-ia de natural (prevalecendo antes do séc.XVIII) em uma ciência formulada com um juízo de fato. A partir da, o conhecimento da realidade passou a ser: uma questão puramente objetiva, pragmática, avalorativa, motivada pela eficiência, de caráter informativo, técnico, sem qualquer influência frente à realidade, fundamentado por critérios unicamente formalizados que desconsidera seu conteúdo.[172] Assim sendo, a interpretação do Direito passaria a ser imparcial, sem ressonância emotiva ou valorativa, e a atitude do jurista seria tal qual ao do cientista que estudaria o Direito como é, não como deveria ser. Com isto, uma nova concepção da justiça foi implementada que se traduzia numa ruptura com a moralidade ou a metafísica, rompendo com a concepção teológica da natureza, segunda a qual fundamentava-se no Direito Natural. Deste modo, nasceu um novo comportamento que compreendia a realidade como uma concepção puramente experimental, excluída de toda qualificação valorativa que diferenciava bom e mau, justo de injusto, originando a Teoria da Validade do Direito, conhecido como Teoria de Formalismo Jurídico[173]. A abordagem juspositiva, para Bobbio, deve sustentar-se unicamente no direito real, isenta de ideais valorativos que outrora norteava os jusnaturalistas.[174]
Bobbio distinguiu a atitude juspositivista da jusnaturalista através dos conceitos de validade do Direito e valor do Direito. À validade do Direito atribuiu a qualidade de uma norma jurídica é válida efetivamente, concretizando-se realmente numa sociedade.[175] Ao valor do Direito atribuiu a conotação do direito ideal que, concilia todos os valores fundamentais nos quais o direito deve se inspirar[176] sintetizou o direito universal, natural e imutável que se posiciona frente à realidade e, conseqüentemente, influencia na escolha.[177] Deste modo, o positivismo assinala um reducionismo do direito ontológico, que não deveria se sobrepor ao Direito Natural, por representarem juízos e critérios diferentes.
Bobbio destaca no juízo de validade e no juízo de valor a demarcação entre Ciência do Direito e Filosofia do Direito. Assim, a Filosofia jurídica pode ser tida como uma definição do direito valorativo com perspectiva ideológica ou deontológica, que define o direito tal como deve ser para satisfação de um certo valor. Já a Ciência do Direito pode ser tida como uma definição científica, factual, avalorativa, ontológica, isto é, onde o Direito é definido como ele é.[178]
O autor caracterizou na definição valorativa a estrutura teológica: cujo direito é definido como um ordenamento que visa um valor. Naturalmente este valor é sempre subjetivo[179]. Portanto, cada jusfilósofo imprime novo caráter ao valor definido. Como exemplo de definições valorativas tem-se:
– As que definem o direito em função da justiça, ou seja, cuja finalidade é a realização da justiça, defendida pelo filósofo grego Aristóteles (Escola Jusnaturalista ou do Direito Natural)
– As que definem o direito em função da realização do bem comum, formulado por São Tomas de Aquino (Escola teológica) em que não haveria uma preocupação quanto a sua aplicação na sociedade.
– As que definem o direito a partir da lei universal da liberdade de Kant (Direito Racional).[180]
Além do que já foi dito quanto a abordagem no Positivismo Jurídico, a partir da definição do pensamento medieval de Marsílio de Pádua acrescentou ao direito das idéias a de poder soberano e a coerção. Sucessivamente, introduziu-se na definição valorativa uma concepção de direito como um conjunto de comandos emanados pelo soberano. Assim o jurista no desempenho de sua função expressaria um caráter normativista, colocando as normas jurídicas no plano do dever ser (de validade), mediante coerção a ser aplicada, caso seja contrariada.[181]
Bobbio destacou na corrente doutrinária contemporânea do realismo Jurídico, a introdução do requisito da eficácia jurídica no direito, justamente porque sendo essa corrente pertencente ao positivismo jurídico, ela sustentava um outro posicionamento com relação a eficácia jurídica (do ser), introduzindo um caráter valorativo centro dele. Para os realistas, “o direito é uma realidade social, uma realidade de fato, e sua função é ser aplicada: logo, uma norma que não seja aplicada, isto é, que não seja eficaz, não é, conseqüentemente, direito”. Em resumo, o direito a partir desta nova concepção jurídica passaria a ser considerado “como o conjunto de regras que são efetivamente seguidas numa determinada sociedade”, que será destacado adiante como “o direito em função da coação”.
Outros aspectos destacados pelo autor no estudo do Positivismo foram relativos a necessidade do comprimento e da observância das leis pelos legisladores e juízes; a eficácia e a validade na aplicação do ordenamento jurídico pelos juízes; ao formalismo jurídico presente em seu ordenamento; bem como da abrangência do conteúdo jurídico revelando assim as principais características das normas jurídicas: bilateralidade, coercibilidade, imperatividade e generalidade, respectivamente.[182]
3.4.2. O direito a partir da coação
Bobbio ao referir-se ao Direito em função da coação destacou no Positivismo, a coação como elemento fundamental e típico do direito. Utilizando-se do historicismo, remete-nos à concepção da organização social do Estado. Assim, do mesmo modo, que definiu o Direito em função de coação, considerou-o a partir do Estado. Esta idéia é contemporânea, originária da formação do Estado Nacional Moderno (ou das Monarquias Nacionais), a partir de séc. XIV até o séc. XVI, tratado pelo filósofo contratualista Thomas Hobbes, no séc. XVII.[183]. A concepção da coação tornou-se expressiva dentro do positivismo jurídico e, embora ele tenha sido originado das idéias positivistas de August Comte (séc. XVIII-XIX) foi com Émile Durkheim (séc. XIX-XX) que ele se concretizou como ciência.
A dilemática de Bobbio acerca da origem histórica da coação reverteu-se, fundamentalmente, para a concepção moderna da coerção, isto é, do uso da força física pelo Estado, reunido ao da coação que é a capacidade do Estado de exigir do sujeito o cumprimento do dever.
Bobbio ressaltou a inovação feita pelo jusnaturalista nacionalista Thomasius, no fim do séc. XVIII, na esfera da ética que, utilizando-se da “operação de purificação lingüística” estabeleceu uma nova concepção de direito e tornou-se a clássica concepção jusnaturalista do direito como norma coercitiva. Na realidade, com Thomasius as regras de conduta ganharam um cunho deontológico caracterizado em 3 categorias distintas.
É a partir desta proposição lingüística que o direito assumiu um novo revestimento, para Bobbio, em que foram acrescentadas as idéias de que as normas jurídicas não eram somente coercitivas, mas também reguladoras das ações externas e intersubjetivas.[184]
Em suma, a teorização de Thomasius acerca da coação foi fundamentada nos princípios jusnaturalistas da ética, a qual merece destaque devido a sua interligação com os limites da competência do estado e da parte final desta pesquisa. Bobbio verificou vários aspectos relevantes da teoria da coatividade em obras de diferentes autores:
– Na Metafísica dos Costumes, Emmanuel Kant definiu o direito como um meio de assegurar a coexistência das esferas de liberdade de todos os cidadãos e no qual a coerção seria admitida como fundamento da liberdade externa.[185]
– Em a Liberdade do Direito, Rudolf Von Jhering definiu a coação como a realização de uma finalidade mediante a subjugação de vontade alheia. Também, interpretava o Direito, em sentido amplo, como a forma de garantir as condições vitais da sociedade, fundado no poder coercitivo do estado, ou ainda como um conjunto de normas coativas vigentes num Estado.[186]
– Em Lições de Filosofia do Direito, Del Vecchio destacou também como característica do Direito a coercitividade.[187]
– Na obra, Teoria Geral do Direito, Carnellutti identificou como elementos constitutivos da norma jurídica o preceito e a sanção, presente portanto a coação.[188]
Estas interpretações na verdade representam a chamada teoria clássica ou tradicional da coação, que em suma encerram a idéia de que o direito é o conjunto de normas coativas vigentes num Estado.[189]
Para Bobbio a moderna teorização da coação só se confirmaria com Kelsen e Ross (o qual foi ex-aluno de Kelsen, mas inovou em muitos aspectos) que a entendiam como um conjunto de regras cujo objeto “era a regulamentação do exercício da força numa sociedade”[190].
Neste sentido, ocorreria a passagem do estado de natureza (ressaltado por Thomas Hobbes, no qual haveria um estado de bem-estar primitivo caracterizado pelo uso indiscriminado da força individual) ao estado civil, (sendo que aqui a própria sociedade haveria transferido os “direitos naturais” ao Estado). E ai, o direito surgiria como conseqüência do exercício indiscriminado da força individual para regulamentar as modalidades de exercício de força em 4 aspectos:[191]
– Quem deveria usar a força?
Na verdade, o que temos aqui é o estabelecimento ou a formação do monopólio do uso da força em favor de um grupo social – O Estado e os seus órgãos, cujo exercício se qualificaria como lícito ou ilícito dependendo do grupo monopolizador.[192]
– Quando o grupo monopolizador pode usar a força?
Esta só poderia ser exercida pelo grupo monopolizador em situações previstas em lei, não sendo, portanto arbitrárias, justificadas, por exemplo, quando cometidos ilícitos.[193]
– Como a força deve ser exercida?
Neste sentido, haveriam normas processuais específicas de modo a proporcionar aos cidadãos garantias fundamentais contra o uso arbitrário do poder por parte do Estado.[194]
– Qual a quantidade de força que deveria ser exercida?
Caberia ao Direito regular a quantidade de força que deveria ser estabelecer,objetivando restringir o exercício por parte do grupo monopolizador, ou seja, limitar o seu poder.[195]
Deste modo, na moderna concepção da teoria da coerção o direito surgiria como um conjunto de normas disciplinadoras do uso da força que se justificaria em circunstâncias especificadas em ordenamentos normativos[196], que poderiam ser inclusive diferente daquele Estado, ampliando-se aqui as relações internacioanis para fora dos limites territoriais.[197]
3.4.3. A teoria das fontes do direito e a teoria imperativista da norma jurídica
Norberto Bobbio em sua abordagem do Positivismo Jurídico se utilizou de duas teorias: a teoria da fonte do direito e a teoria imperativista da norma jurídica.
Bobbio ao examinar a origem do Positivismo Jurídico verificou que durante a formação do Estado Moderno (capítulo I) a lei predominava sobre as outras fontes de direito existentes. Inicialmente, ele traduziu esta expressão “fontes de direito” como: “são fontes do direito aqueles atos aos quais um determinado ordenamento jurídico atribui a competência ou a capacidade de produzir normas”[198]. Portanto as fontes do direito estariam ligadas à validade das normas jurídicas.
Para Noberto Bobbio “(…) se não postulássemos uma norma fundamental, não acharíamos o ubi consistan, ou seja, o ponto de apoio do sistema”.[199] Assim, tem-se já apontado que a norma fundamental produz o poder constituinte.
Dessa forma, tal qual uma ciência física em que os postulados são de assaz importância na sua estruturação, sorte igual deve ser atribuída à norma fundamental dentro de uma ciência jurídica, pois seria inconcebível admitir um ordenamento jurídico sem um “fundamento de validade de todas as normas do sistema”.[200]
Noberto Bobbio destaca:
“Direito é uma figura deôntica e, portanto, é um termo da linguagem normativa, ou seja, de uma linguagem na qual se fala de normas e sobre normas. A existência de um direito, seja em sentido forte ou fraco, implica sempre a existência de um sistema normativo, onde por existência deve ter-se tanto o mero fato exterior de um direito histórico ou vigente quanto o reconhecimento de um conjunto de normas como guia da própria ação. A figura do direito tem como correlato a figura da obrigação”.[201]
Contudo a doutrina juspositivista adotou como fonte principal à lei, mas para que tal situação se efetivasse haveria a necessidade de duas condições:
1ª.) A existência de um ordenamento jurídico complexo, ou seja, com várias fontes de direito e;
2ª.) Uma hierarquização entre as fontes, ou seja, no ordenamento haveriam níveis ou planos diferentes de valores no qual uma fonte estaria subordinada a outra.[202]
Deste modo, a lei dentro do ordenamento jurídico seria a que ocuparia o topo da pirâmide hierárquica, sendo a manifestação direta do poder soberano do Estado, e, as demais fontes estaria subordinadas a ela. Neste sentido, a Constituição é a ordem Suprema, é a lei maior definidora de normas que traduzem os valores supremos de uma sociedade.
Um outro aspecto relevante destacado por Bobbio dentro da teoria das fontes do direito foi quanto ao processo de formação do Estado Moderno (capítulo I) onde o Juiz assumiu uma posição diferente daquela a qual possuía (até este momento ele era tido como fonte principal – produção do direito), passando a ocupar a posição de órgão estatal, mas subordinado ao Poder Legislativo.[203]
Quanto à teoria, imperativista da norma jurídica ligada diretamente à concepção legalista-estatal do direito, ou seja, somente ao Estado caberia estabelecer as fontes de direito e a lei seria a única expressão do poder normativo estatal, daí a sua importância para a consolidação do Estado Moderno.[204]
É mister esclarecer que a teoria do direito não surgiu com o Positivismo Jurídico, mas sim do pensamento filosófico jurídico-romano.[205]
Para José Carlos de Matos Peixoto[206] esse pensamento vigorou como: “o direito comum em diversos países da Europa, desde a sua recepção na Idade Média até a codificação do direito privado em cada um deles”. Portanto, em muitos países europeus o sistema jurídico vigente era o romano que na visão desse romanista ocorreu por força da “universalidade dos princípios do direito romano, a sua perfeita adaptabilidade à vida dos povos que o perfilharam”.[207]
Outrossim, segundo o autor, além do sistema jurídico-romano houve a influência germânica nas legislações européias, principalmente do direito costumeiro, ocorrida por força das invasões bárbaras, no século V, no Ocidente.[208]
Assim sendo, na maioria dos países europeus prevalecia a tradição jurídica romano-germânica adotada desde o Santo Império Romano-germânico, fundado por Oto, o Grande em 962.[209]
Porém, Bobbio interpretou a teoria imperativista da norma jurídica sob a ótica do pensamento medieval, pois este pensamento interpretava a lei como um comando. Assumiu assim um outro posicionamento e, inspirado nos canonistas medievais, como, por exemplo, São Tomás de Aquino que entendia “aquilo que é próprio da lei é o comandar”[210], consolidou sua abordagem crítico-filosófica sobre o Positivismo Jurídico, partindo do estudo do Positivismo idealizado por August Comte. Bobbio em sua abordagem crítica-filosófica identificou duas correntes doutrinárias que criticaram o Positivismo jurídico:[211]
1ª.) Do realismo jurídico (ou jurisprudência sociológica) cuja crítica se desenvolveu quanto ao aspecto teórico do Positivismo Jurídico, a qual afirmava que não havia uma representação adequada da realidade efetiva do direito.
2ª.) Do jusnaturalimso a qual ressaltava os aspectos ideológicos do juspositivismo e suas conseqüências funestas, principalmente como sendo uma das causa na constituição do regime totalitário, especialmente quanto ao nazismo alemão, haja vista que a ideologia típica do positivismo jurídico é afirmar o dever absoluto ou incondicional de obedecer à lei enquanto tal. Este dever, para Bobbio era oriundo da explicação histórica, já que no Estado Moderno a lei se tornou não só a única fonte de direito, mas o direito estatal-legislativo se tornou o único sistema de regulamentação do comportamento do homem em sociedade. Deste modo, o Estado, na época moderna emergiu como organização política, mas também moral, substituindo a Igreja, concentrando em si como único prestador de valores morais e substituindo a Igreja e as instituições religiosas em geral. Neste momento, o dever de obedecer às leis passou a ser absoluto e incondicionado[212], daqui decorrem as críticas ao Positivismo Jurídico.
Bobbio coadunando com os críticos do Positivismo Jurídico, destacou em sua obra, O Positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do direito, essas duas correntes e, no mesmo sentido entendeu como os críticos do início do século XX, que esta cultura jurídica a qual dominou o mundo justamente por seu aspecto ideológico de obediência incondicional à lei do Estado repercutiu e influenciou o advento dos regimes totalitários.[213]
4. O ESTADO
4.1. CONCEITUAÇÃO, ELEMENTOS CONSTITUTIVOS E NAÇÃO
4.1.1. Conceituação
O Estado no dizer de Dallari[214], pode ser abordado de diferentes perspectivas, mas 3 orientações são fundamentais:
a) Uma orientação voltada para Filosofia do Estado que se relaciona com os valores éticos da pessoa humana;
b) Outra orientação na qual predomina os fatos concretos e que se aproxima da Sociologia do Estado;
c) Terceira grande corrente que considera o Estado só como uma realidade normativa, criada pelo direito para realizar fins jurídicos, cujos estudos sobre o Estado são a partir de considerações técnico-formais.[215]
Dallari destaca que embora essas orientações sejam fundamentais uma outra orientação mais adequada surgiu justamente por compreender o Estado uma totalidade de aspectos, ou seja, considerava-o em 3 ordens indissociáveis: filosófica, sociológica e jurídica[216]. Neste sentido, a Teoria Geral do Estado considera o Estado como um conjunto de fatos integrados numa ordem e ligados a fundamentos e fins que estão em constante movimento.[217]
Muitas correntes teóricas se desenvolveram no sentido de explicar a origem do Estado que dependendo da concepção adotada, segundo Dallari, haveriam conclusões inteiramente diferentes.[218]
A noção de Estado que abordaremos irá relacioná-lo ao direito, ao poder, à ordem e à sociedade dentro da perspectiva jurídico positiva, objetivando analisá-lo e refletir sobre ela.
Etimologia de Estado é do latim, status, que significa estar firme, aparecendo pela primeira vez associada a permanente convivência e à sociedade política, na obra de Maquiavel, O Príncipe (1513). Portanto, o Estado estaria associado à idéia de sociedade política.[219]
Mas a palavra “direito” oriunda do latim directum e que em síntese corresponde à idéia de direção sem desvio, entre os romanos tinha um sentido diverso que correspondia ao sentido de justiça (jus), ou seja, de qualidade de direito.[220]
Segundo Gusmão, em sentido amplo, direito teria 3 sentidos:
1ª.) Como regra de conduta obrigatória (direito objetivo);
2ª.) Como sistema de conhecimento jurídico (ciência jurídica);
3ª.) Como faculdade ou poder que uma pessoa tem ou pode ter e, assim sendo, poderia exigir de outra pessoa (direito subjetivo).
Apesar de existirem inúmeras definições de direito, seja no sentido de norma de organização, seja como norma bilateral, ou ainda como norma geral, ou também como norma estatal. Particularmente, os positivistas o entendem a partir da sua principal característica que é a coercibilidade, mas não somente eles.[221]
Do ponto de vista filosófico, conforme Gusmão, a vertente positivista se desenvolveu no sentido do direito depender da vontade do Estado. Contrapondo-se a essa surgiu o jusnaturalismo que defende que o Estado deve legislar conforme os princípios da justiça, sua teoria é a do direito natural no qual a Justiça é o fundamento da autoridade do Estado e a fonte de legitimação de seu direito.[222]
Pode portanto ser entendido como conjunto de regras de comportamento e organização que consagradas pelo Estado regulariam a convivência social, impondo-se a todos coercitivamente. Nesta acepção o direito positivo poderia se fazer cumpri com emprego da força física.[223]
Mas o ideal é o Estado de direito, isto é, autovinculado à lei como expressão da vontade comum da sociedade[224], onde a garantia individual dos direitos e o controle do poder do Estado seriam apreciadas e corrigidas pelo Judiciário.[225]
Na verdade, o Estado por ser um ente complexo possui muitas acepções, entre elas:
1) “É instituição social; igualmente como a família, a propriedade, a Igreja, etc”[226], ou,
2) “É organização jurídica do poder destinado a proporcionar em determinado território, ordem, paz social, segurança e desenvolvimento do povo nele fixado”[227],ou,
3) Conforme Heller: “Estado é unidade de dominação”[228].
4) No dizer de Gurvitch: “Estado é monopólio do poder”[229], ou,
5) Segundo Burdeau: “Estado é a institucionalização do poder”[230].
O que se pretende correlacionar em todos os conceitos apresentados é a ligação do Estado à noção de força e à disciplina jurídica.[231] Deste modo, o Estado como ordem jurídica soberana, dotado de competência exclusiva legislativa em seu território e que é fonte de direito, garantido pelo poder coercitivo que monopoliza, assegurando a eficácia da ordem jurídica aplicada por meio de seus órgãos.[232]
Assim sendo a integração da força e do direito ao Estado são fundamentais para a organização estatal, assegurando todo o conjunto dos seus elementos constitutivos: povo (população), território, governo e soberania e que, também é tido como forma de conceituação de Estado.
4.1.2. Elementos constitutivos
Assim, passaremos à definição sucinta desses elementos adotada por Gusmão.[233]
– Povo: é a coletividade humana ou o agrupamento de homens submetidas juridicamente ao Estado.
– Território: é o espaço geográfico em que o Estado exerce a sua autoridade, presente uma ordem jurídica e no qual se encontra a sua população. O território é formado por, solo, sub-solo, espaço aéreo que o recobre, ilhas e mar territorial que podem banhá-lo, servindo em muitos países como fronteira. É mister esclarecer que sobre os bens do território o Estado exercerá o domínio, ou seja, o seu poder.
Santi Romano e Jellinek, afirmam que não há Estado sem território.[234]
Governo ou vínculo político em qualquer um dos dois sentidos há a idéia de submissão da população à autoridade pública a qual se subordina, estando obrigada a obedecê-la. Deste modo surge o vínculo entre governante e governados. Neste sentido, o Estado através de seus órgãos exerce as funções do Estado, administrando e gerindo os serviços públicos. Tomando a acepção de Gusmão: governo e a autoridade ou o órgão constitucional que exerce o Poder Executivo e administra o Estado[235]. E exatamente aqui que o Direito, através do ordenamento jurídico estrutura e organiza o poder do Estado[236], objetivando o cumprimento das suas finalidades, bem como organizar e disciplinar a sociedade a fim de possibilitar o seu desenvolvimento e progresso. Segundo Paupério,[237] Direito e Poder são termos inseparáveis, dentro da perspectiva do Direito Positivo, os quais estabelecem um liame com a Política e a Filosofia Política (cujo o objeto é o Estado justo)[238], elementos estudados em Teoria geral do Estado que no Brasil a partir dos anos 50 recebeu o nome de Ciência Política[239], os quais não abordaremos, pois nosso objeto de análise relaciona-se ao Direito.
É relevante porém, neste momento apontar apenas que o Direito tem como marca essencial e exclusiva a coercibilidade, a qual no direito positivo: “a norma jurídica tem a possibilidade de fazer-se cumpri com o emprego da força física”. Deste modo, todos os governados são obrigados a obedecer ao direito[240], mas em que pese considerações a respeito primeiramente definiremos Soberania como um dos elementos constitutivos do Estado.
Soberania e o poder originário e supremo de governar e organizar juridicamente um povo, dentro de um território, sem intervenções de outro poder, país ou ordem jurídica. A acepção dada a poder originário, no dizer de Gusmão[241] é aquele que não deriva de outra ordem jurídica ou de outro poder. Destinado, a soberania seria sinônimo de independência, invocada por dirigentes dos Estados quando desejam afirmar não serem mais submissos a qualquer potência estrangeira[242]. Outrossim, a soberania pode ser interpretada como expressão de poder jurídico supremo, ou seja, o poder de decisão dentro dos limites do Estado, no qual prevalece a sua vontade[243]. De qualquer modo, segundo Dallari, se houver a prevalência da vontade de um Estado, cujo potencial de força material seja mais forte, é sempre um ato irregular, antijurídico, o qual configuraria uma violação da soberania, passível de sanções jurídicas, já que soberania se baseia na igualdade jurídica dos Estados e respeito recíproco como regra basilar de convivência. Além disto, ainda que haja deficiência de recursos o caráter antijurídico não se dissipa, já que pode impulsionar reivindicações e movimentos de solidariedade entre Estados, com base em dois princípios de direito internacional: o princípio de não intervenção nos negócios internos de um Estado soberano por parte de outro Estado e o princípio de autodeterminação que reconhece a cada Estado o poder de decidir soberanamente dentro dos seus limites territoriais.[244]
Acerca da conceituação do Estado, do poder e do direito guarda relevância devido ao tema ora analisado, entender o termo nação.
Segundo Dallari[245] a acepção de nação adveio da concepção unitária de povo, passando à afirmação do Estado como ordem jurídica soberana, em um momento em que os povos europeus buscavam se firmar como unidades sólidas e estáveis. Na verdade, este conceito é uma criação doutrinária que foi amplamente evocado no séc.XVIII, para favorecer a burguesia economicamente poderosa à conquista do poder político. Em nome da nação justificavam-se as lutas, tanto para obter do povo a sua adesão contra o Absolutismo como para instituir lideranças, pela via emocional, a exemplo temos a Revolução Francesa já retratada anteriormente, reiterando-se também sobre este aspecto o caráter oportunista da conquista do poder pela burguesia. Conforme já abordado anteriormente, igualmente no séc. XIX, durante o expansionismo e a corrida imperialista na Ásia e África, utilizou-se dos chamados sentimentos nacionais para reafirmar o poderio das nações tidas como superiores.[246]
4.1.3. Nação
Coadunando com Dallari[247],o termo nação foi na verdade uma falácia para: “envolver o povo em conflitos de interesses alheios, jamais teve significação jurídica, não indicando a existência de um vínculo jurídico entre seus componentes”.
Apesar da relevante abordagem sociológica sobre o termo Nação, não adentraremos neste aspecto ficando apenas com a conclusão atribuída por Dallari:[248] “o Estado é uma sociedade e a Nação uma comunidade”, logo são elementos distintos por 3 motivos:
– Primeiramente, enquanto a sociedade é o agrupamento de pessoas reunidas pela vontade e com um objetivo, a atingir; a comunidade se forma independente da vontade, e de qualquer objetivo e a sua única aspiração é a sua preservação.
– Segundo, na sociedade existe um poder social reconhecido pela ordem jurídica. Na comunidade, não há regras jurídicas, nem finalidade a atingir, nem um poder, quando muito há centros de influências, no qual os membros da comunidade conferir prestígio, cujo comportamento pode influir.
– Terceiro, a sociedade se manifesta por um conjunto juridicamente organizado, cujos membros apresentam-se ligados por vínculos jurídicos. Na comunidade inexiste relação jurídica e os membros possuem comportamentos comuns determinados apenas pelos sentimentos.
Esta distinção de base sociológica foi elaborada por Ferdinand Tonies, sociólogo alemão, a qual guarda relação com a convivência primaria ou seja, com o agrupamento permanente de pessoas e que foi apresentada aqui em razão da construção doutrinária do termo Nação, aceita por um grande número de jurista, no dizer de Dallari.[249]
Contudo o elemento que irá merecer destaque é a sociedade justamente porque o direito existe em razão das suas necessidades, daí o brocardo: “Ubi societa ibi jus” (onde há sociedade há direito).[250]
4.2. A SOCIEDADE, A CULTURA, CIVILIZAÇÃO E O DIREITO
Partindo da concepção de Ferdinande Tonies, a sociedade é o agrupamento de pessoas reunidas pela vontade e com um objetivo comum, pressuposta é a organização desses indivíduos que compartilha das mesmas aspirações e são capazes de reunir esforços e/ou recursos para em ação conjunta atingir seus ideais, bem como assegurar a continuidade de um todo harmônico.
Na verdade é perfeitamente possível que um grupo constituído por pessoas culturalmente diferentes resolva se unir para a realização de um objetivo que lhes interessa.
Desta forma, através dos vínculos, das ligações se estabelece uma sociedade, sem que necessariamente desapareçam as diferenças culturais.[251]
Portanto, a cultura e o direito são inseparáveis, haja vista as tradições e os valores de uma sociedade.[252]
O conceito de cultura, segundo Gusmão, é: “a parte do ambiente feita pelo homem”[253], ou seja, tudo aquilo que o indivíduo em sua sociedade conseguiu reunir (crenças, costumes, normas, culinária, artes) é cultura. Neste sentido, a cultura é única, relevante somente para a sociedade que a criou e neste sentido ela é, para esse autor, intransmissível.
Dentro desta perspectiva multifacetada do direito, a civilização foi conceituada, segundo Gusmão, da melhor maneira por Marcel Maus, englobando um complexo de fenômenos culturais comuns a várias sociedades mais ou menos relacionadas pelo contato prolongado. Deste modo, diferentes sociedades podem se desenvolver e se perpetuarem irmanadas por uma única cultura como é o caso da Civilização Ocidental que se originou na Grécia, mas se estendeu à Roma, e, posteriormente, através do fenômeno do cristianismo alcançou todos os continentes, baseando-se na reunião destas três culturas: greco – romana – cristã, mudando a história da humanidade definitivamente.[254]
Este é portanto o aspecto crucial dentro do direito, já que inegavelmente o direito ocidental adveio deste complexo de fenômenos culturais perpetuado por séculos através da Civilização ocidental e apesar da divisão do mundo em Ocidente e Oriente – com ordens sociais e jurídicas completamente distintas, ambos se submetem a uma Ordem Universal cujo primado é o próprio direito[255].
Quanto à finalidade social como um objetivo, conscientemente estabelecido[256] , ela guarda uma estreita relação com o poder, já que no dizer de Bertrand Russel, o poder é a alavanca motora da dinâmica social, o impulsor das transformações sociais. Neste sentido, em torno do poder podemos estabelecer uma conexão entre todos os elementos apresentados: o direito, a sociedade, a cultura, a civilização e a ordem, já que tanto podemos relacioná-lo às aspirações sociais; como ao direito através da organização de normas jurídicas cujo escopo é a manutenção da paz e da ordem pela lei[257] e, ainda, à idéia de força, como possibilidade de fazer observar uma ordem mesmo com a efetiva resistência dos seus destinatários como já ocorreu não só nos períodos revolucionários, mas também para legitimar um governo, ou autoridade, ou uma classe social, como já foi demonstrado anteriormente durante as guerras ou no positivismo.
4.3. O ESTADO, O PODER E A ORDEM SOCIAL
O fenômeno do poder em todas as épocas da história da humanidade e em todas as civilizações – Orientais e Ocidentais – sempre foi objeto de estudo dentro da organização do Estado.
Segundo Dallari[258], apesar das sociedades se apresentarem de forma variada, o que dificulta a análise do tipo de poder existente dentro de uma sociedade, é possível identificá-la através de características gerais que nos permitirá obter um estudo mais preciso da sua organização e do seu funcionamento, a saber:
A primeira característica é a da sociabilidade, isto é, o poder é um fenômeno social, não podendo ser entendido por considerações de fatores individuais unicamente.
A segunda característica é a bilateralidade ou seja, o poder para existir necessita da ocorrência de duas ou mais vontades e da predominância de uma delas.
Ademais, o poder pode ser observado ou como relação ou como processo, verificando-se aqui a posição individual ou a sua dinâmica, respectivamente.
Na verdade, não haverá poder sem submissão de vontade. Portanto, o controle só se efetivará através da vontade humana sem a qual nenhum poder alcança a legitimidade e a legalidade dentro do Estado.[259]
Entendendo “a sociedade como um produto da conjugação de um simples impulso associativo natural e da cooperação da vontade humana”, no dizer de Dallari[260], que desde o século IV a.C., na obra de Aristóteles, “A Política”, encontra-se presente, haja vista o brocardo “o homem é naturalmente um animal político”, cuja natureza associativa predomina como impulso na espécie humana. Portanto, o estabelecimento de um ponto comum entre seus elementos, unindo-os em torno de um ideal é de suma importância para a instituição de uma ordem social e porque não dizer de uma ordem universal, pois deste modo os vínculos se formariam de modo favorável ao desenvolvimento da sociedade fosse qual fosse e onde fosse, o poder se legitimaria de forma ampla e universal.[261]
Contudo, é significativo perceber que mesmo havendo um ponto de convergência entre muitos indivíduos do modo a mantê-los ordenados e harmônicos, um valor maior seria necessário para mantê-los assim, já que a coletividade deve reconhecer a sua ligação com o poder para se submeter a ele. Neste sentido, é que ocorre a conexão entre o poder, o Estado e a sociedade, pois no dizer de Dallari, a legitimidade do poder, ou seja, para adquirir autoridade é indispensável que haja convergência de aspirações do grupo e dos objetivos do poder estatal. Neste aspecto é que se daria a cumplicidade deles “onde o poder legítimo é o poder consentido”. Só assim se consolidaria ordem e o desenvolvimento do Estado, haja vista a necessidade de conjugação de esforços permanentes capazes de promover o progresso social.[262]
E qual valor seria invocado pelo Estado dentro da sua organização faze às divergências, às preferências e às diferentes possibilidades entre os homens?
Segundo Dallari[263], o bem comum foi o valor invocado como elemento indispensável para congregar a sociedade. Neste sentido, todas as instituições estatais conceituados por Gusmão[264]: “como modelos de ações básicas destinadas a satisfazer necessidades vitais do homem e desempenhar funções essenciais”, tais como, o próprio Estado, a família, a propriedade, a religião, o, casamento etc, seriam organizados através do seu ordenamento jurídico, isto é, de uma ordem jurídica.[265] Por sua vez, a ordem social ou ordenamento social deveria se submeter a esta ordem, objetivando a coexistência pacífica, organizada e progressista. Desta forma, haveria uma unidade em torno de um mesmo ideal, onde, tudo se dava de forma articulada, coadunando plenamente com a ideologia de August Comte de interdependência de órgãos e sistemas para a preservação de um todo. Na verdade, a nova orientação social e econômica era otimizar a matéria-prima e a mão-de-obra. Neste sentido, deu-se a retórica da exaltação à coesão social, da harmonia entre os indivíduos e do bem estar social, conforme já apontado anteriormente, tendo como seu sistematizador Èmile Durkheim o qual atribuiu um caráter experimental, normativo e pragmático na análise dos fatos sociais, livre do juízo de valor, viabilizando o capitalismo industrial.
4.4. A ARTICULAÇÃO DA ORDEM JURÍDICA À ORDEM SOCIAL, AS FINALIDADES E OS PODERES DO ESTADO
À medida que se multiplicam as hipóteses de relacionamento aumenta também a complexidade das relações humanas e com elas a possibilidade de conflitos se expandem, rompendo a barreira dos Estados e dos ordenamentos.
Assim sendo, o ordenamento jurídico deve acompanhar a evolução da sociedade, pois existe um entrelaçamento entre evolução e conflito de relacionamentos, conforme Secco[266].
Outrossim, cabe ressaltar que a ordem social ou também chamada de ordenamento social exerce um poder efetivo que controla os relacionamentos através de suas instituições educacionais, religiosas, comunicações etc, todos orientados para manter ou restabelecer o equilíbrio das relações entre os homens[267]. Assim, este ordenamento social também se orienta por uma complexa estrutura de princípios, regras, conceitos e métodos que devem ser respeitados por seus membros para que haja harmonia social.
Portanto, dentro do Estado coexistem duas ordens: uma ordem social e uma ordem jurídica; ambas com a finalidade organizar e disciplinar a sociedade, de modo a possibilitar o desenvolvimento humano e o progresso social.[268]
Segundo Secco[269]: “a ordem jurídica é uma das partes integrantes da ordem social”, que pode ser conceituada como o sistema de legalidade do Estado realizado por intermédio do Direito. É a organização e o disciplinamento da sociedade compreendendo todas as fontes à disposição do Direito, internas e externas, e não somente os atos legislativos (leis ordinárias, complementares etc), como também, os tratados internacionais, os costumes etc. neste sentido, este autor interpreta a ordem jurídica de forma abrangente ampliando as possibilidades de composição dos conflitos, de pacificação social[270], além de auxiliar o Estado a desempenhar suas finalidades e funções.
Inegavelmente, ainda que pese outras considerações acerca do ordenamento jurídico como uma ordem imperiosa e estruturada, interna e externamente, identificado por Bobbio em sua teoria das fontes do direito, já, retratada anteriormente, como atos capazes de produzir normas, manifestado diretamente do poder soberano do Estado[271], ultrapassaremos este aspecto atendo-nos no entrelaçamento articulado do qual decorre um sistema de legalidade. Na verdade, a articulação tinha como objetivo ampliar os limites do Estado e consolidar uma ordem única, orientada por um critério jurídico-econômico. É a História da própria humanidade que pode guarnecer este pensamento, haja vista os três séculos de revoluções – Capítulo 1 – no qual demonstrei, as lutas e os interesses políticos que nortearam as Revoluções: Inglesas, Francesas e Liberais Burguesas, sendo a única ciência capaz de estabelecer o elo no espaço e no tempo e que nos serviu de referencial teórico.[272]
Os impactos das guerras na ordem jurídico-econômica é um fato incontroverso e muitas delas decorreram por motivos políticos-econômicos.[273] A ampliação de mercados e serviços sempre foi e será a tônica de todos os Estados e de todos os tempos, em razão de sua finalidade e funções, através das quais o Estado mantém os seus Poderes e com elas encerraremos nossa abordagem.
4.4.1. A finalidade, as funções e os Poderes do Estado e o Federalismo
4.4.1.1. A finalidade do Estado
Conforme Dallari, a idéia da finalidade do Estado é fundamental para a sua compreensão, pois além de envolver a consciência dos fins que irá organizá-lo e orientá-lo nas questões políticas, permite que seus administrados possam sobretudo identificar quais prioridades estabelecidas por ele, já que “tais finalidade constituem o conteúdo de toda a atividade estatal, determinando mesmo a estrutura fundamental do Estado”, e do poder, já que “O Poder é o elemento especial ou uma nota característica do Estado”[274].
Segundo este autor, há uma estreita relação entre finalidade e funções do Estado, e eficaz é o direito efetivamente observado e que atinge a sua finalidade[275].
Embora existam inúmeras classificações de finalidades do Estado, não abordaremos este aspecto por entender que apesar de relevante para construção de raciocínio político, nosso objetivo é correlacioná-lo ao aspecto jurídico. Neste sentido, como já foi colocado, quando ao refletir sobre a sociedade como um produto da conjugação do impulso associativo e da cooperação da vontade humana, ele é uma sociedade política, conforme afirma Aristóteles[276] e, com um fim geral que é o bem comum entendido aqui como o valor capaz de converter os indivíduos e a mantê-los ordenados e harmônicos dentro do Estado e principalmente submetidos ao seu poder.
Mas o quê seria o bem comum, além de ser um elemento capaz de elevar o homem e capacitá-lo ao altruísmo?
Como bem conceituou o Papa João XXXIII, na Encíclica, I, 58, Pacem in Terris: “é o conjunto de todas as condições de vida social que consintam e favoreçam o desenvolvimento integral da personalidade humana”.
Assim sendo, o bem comum se qualifica não somente como uma finalidade de importância prática, que converte pessoas e mantém o poder constituído, mas também como um valor Universal.
4.4.1.2. Funções e Poderes do Estado
Conforme já foi mencionado existe um entrelaçamento, no dizer de Dallari, entre finalidade e funções do Estado no sentido de legitimar o poder[277] e este foi também o entendimento de Burdeau, como já abordamos, que teorizou: “O Estado é a institucionalização do poder”, significando que os governantes do Estado teriam não só a sua legitimidade reconhecida, ou seja, a sua autoridade consentida pela sociedade civil, mas principalmente assegurar-lhes-ía o poder. Na verdade, é esta a maior preocupação do Estado, já que se por meio dele o poder se estabelece e assim sendo Estado é poder[278].
Por isto, seus atos obrigam, fundamentados pela: ordem, proteção, defesa, bem-estar e progresso, que constituem os outros fins do Estado. É justamente neste ponto que finalidades e funções do Estado se entrelaçam com o poder, formando um arcabouço poderoso, dotado de um poder originário porque é o princípio dos submetidos e ao mesmo tempo um poder irresistível, por ser um poder dominante. Assim sendo, carece conceituar o termo dominar que segundo Dallari: “significa mandar de modo incondicionado e poder exercer coação para que se cumpram as ordens dadas”[279].
Deste conjunto de idéias decorre a interligação entre Direito e Poder, retratando não só um caráter político, mas também jurídico do Estado[280].
Neste entendimento muitas acepções de Estado já foram descritas anteriormente, entre elas de Heller: “O Estado é unidade de dominação”[281], e, a de Gurvitch. “O Estado é monopólio do poder”[282].
De tudo que foi dito o essencial é perceber mesmo nas sociedades mais primitivas o poder e, conseqüentemente, o direito estiveram presentes e interligados, pois conforme Dallari: “organizar-se é constituir-se com um poder”[283], reafirmando-se aqui basicamente 2 aspectos:
1) Não existe organização sem a presença do direito, e
2) Não há poder que não seja jurídico e
Em razão da própria organização do Estado, conforme Gusmão[284]: “O poder é a garantia da eficácia do direito”, isto porque se não houver uma estrutura de poder capaz de assegurar a norma, ela poderia ser violada sem qualquer conseqüência.
É exatamente neste aspecto que se diferencia direito e moral, já que a norma de conduta ou de organização é assegurada pelo poder organizado, ou seja, institucionalizada. Aqui está a grande importância do filósofo italiano, Norberto Bobbio para a compreensão positivismo jurídico, já retratado anteriormente, e a razão da sua percepção como fundamento filosófico desta monografia, visto que ele ao elaborar a teoria imperativista da norma jurídica, tratou de estabelecer uma ligação direta com a concepção legalista-estatal do direito donde somente ao Estado caberia estabelecer as fontes de direito e a lei seria a única expressão de poder normativo estatal[285] e desenvolveu sua crítica. No dizer de Gusmão, poderíamos resumir positivismo jurídico como a corrente de pensamento que reduziu o direito ao legislado ou consuetudinário, opondo-se à teoria do direito natural[286]. Eis aqui a diferença entre o direito positivo conceituado como: “sistema de normas vigentes, obrigatórias, aplicáveis coercitivamente por órgãos institucionalizados por sanções eficazes, tendo a forma de leis, de costumes ou de tratados”, e o direito natural. No direito natural a norma não depende de lei alguma, sendo portanto autônoma, espontânea e, assim sendo, a norma não era assegurada pelo poder institucionalizado ela pertencia ao domínio da moral[287], constituindo-se como um valor ou ideal. Portanto, no dizer de Dallari, a norma estaria ligada ao domínio da ética[288], que guarda relação com a teoria do direito natural cujo primado são valores universais, tais como justiça, igualdade e liberdade, ideais jurídicos destinados a satisfazer as exigências naturais do homem. Estes são os ideais da civilização ocidental e que historicamente tiveram a primeira referência na literatura grega[289], os quais serviram como fundamento da corrente jusnaturalista a qual contrapunha-se ao positivismo, matérias tratadas anteriormente, fonte inspiradora da Revolução Francesa, retratada no Capítulo 2.
Finalmente, feitas todas as considerações sobre o positivismo jurídico quanto a sua origem, essência, objetivo e, reconhecido o Estado como poder e o poder como garantia da eficácia do direito[290], só nos resta apresentar os Poderes do Estado como manifestação efetiva do seu poder, emanado de uma autoridade competente para formulá-lo, adquirindo assim a validade do direito.
Conforme Dallari:[291] “O Estado é poder, mas ele é poder abstrato”, cuja manifestação se dá através dos órgãos do poder.
Dentro da perspectiva organizacional do Estado assentou-se doutrinariamente que a palavra poder, segundo Robert[292], poderia assumir dois sentidos:
1ª.) O sentido orgânico no qual haveria a repartição do Poder Estatal e
2ª.) O sentido funcional seria o modo como é exercido o Poder Estatal.
De qualquer forma em ambos os sentidos o poder é manifestado através de seus órgãos no sentido de realizar as finalidades e funções do Estado.
O conceito de órgãos que adotamos é conceito clássico que os entende como unidades abstratas que sintetizam os vários círculos de atribuições do Estado exercidos através dos seus agentes.
Segundo Robert, função é atividade estatal.
Cabe contudo ressaltar dentro da acepção de repartição do Poder Estatal a teoria da divisão dos Poderes, desenvolvida por Montesquieu e a doutrina dos freios e contrapesos (checks and ballances), justamente porque foi dentro desta concepção que o Estado Democrático de Direito e a Federação se fundamentaram.[293]
Conforme Robert, a teoria da divisão dos Poderes ou também chamada de teoria da tripartição atribuiu o poder estatal a três órgãos diferentes, independentes e autônomos para o exercício das funções estatais onde cada um dos Poderes exerceria uma função chamada de típica, por ela ser preponderante ou própria deste poder, mas também exerceriam as duas outras funções atípicas ou secundárias, a saber:[294]
– Poder Legislativo caber-lhe-ía a função típica de legislar, ou seja, a função legiferante e secundariamente a função administrativa e a função judicante.
– Poder Executivo caber-lhe-ía a função típica de executar, ou seja, a função administrativa e secundariamente, as funções legiferante e judicante.
– Poder Judiciário caber-lhe-ía a função típica de julgar, ou seja, a função judicante e secundariamente a função administrativa, bem como a função legiferante.
Montesquieu ao teorizar a divisão dos Poderes preconizou a exclusividade da atividade estatal a cada órgão correspondente. Contudo, foi com a chamada doutrina dos freios e contrapesos (checks and ballances) que se estabeleceu através do constitucionalismo norte-americano uma nova visão para a teoria elaborada por Montesquieu, a qual em síntese assegurava não só a harmonia entre estes Três Poderes[295], como também a garantia de todo o sistema jurídico europeu e americano, tendo sido acolhida pela Revolução Francesa, no art. 16, da Declaração de Direitos do Homem e do cidadão[296].
A importância da teoria da separação dos Poderes dentro da ordem econômica democrática foi no sentido de separação com colaboração entre os Três Poderes, devendo controlarem-se reciprocamente, evitando o abuso do poder.
Neste sentido, o poder deveria ser exercido por órgãos diferentes e independentes, pois conforme dizia Montesquieu: “para que não se possa abusar do poder é necessário que as coisas se disponham de modo a que o poder detenha o poder”[297].
A doutrina dos freios e contrapesos acrescenta à teoria da divisão dos Poderes, elaborado por Montesquieu, segundo Gusmão[298], a atribuição a cada órgão do Estado de determinada função com interpedência dos outros poderes. Deste modo, transformou-a em teoria da divisão de funções, “cabendo a cada órgão uma dessas funções a título principal, podendo exercer outra a título acessório dentro de certos limites”[299]. Neste sentido, é que está a sua importância, pois estariam asseguradas a segurança e as liberdades individuais, independentemente do governo.
Foi justamente por isso que a teoria da divisão de poderes foi incorporada ao Estado de direito, isto é, o Estado, que se submete à sua ordem jurídica, pois os indivíduos não dependeriam das razões de Estado, nem ficariam a mercê dos seus governantes[300], estabelecendo-se um equilíbrio entre governantes e governados, através dos freios e contrapesos.
Mas o poder do Estado é uno indivisível e a sua distribuição surge como uma necessidade de descentralização de funções e serviços, bem como por questão de segurança individual.
4.4.1.3. O Federalismo
Finalmente, passamos à concepção de Federação justamente porque ela guarda relação organização do Estado, cuja organização político-administrativo federativa forma o Estado Federal prestigiado no mundo contemporâneo no dizer de Dallari, justamente por corresponder às expectativas dos governados na defesa dos objetivos comuns.[301]
Etimologicamente, federação (do latim foedus) quer dizer pacto, aliança.
A importância da aliança ou união dos Estados faz, segundo Dallari: “em qualquer época da história humana”[302], muito embora o Estado Federal seja, um fenômeno moderno que só apareceu no séc. XVIII, com a constituição dos Estados Unidos da América (1787), onde as treze colônias britânicas da América declararam-se em (1776) independentes, formando um novo Estado constituindo pela união de Estados – membros.
A importância da organização federativa para nós se fundamenta na autonomia dos Estados-membros, ou seja, haveria assim uma menor concentração de poder, ou em outras palavras uma maior distribuição de poder que se evidencia pelas reunião de vários centros de poder político, todos autônomos, mas submetidos a um governo central, ou seja, um Estado Federal, objetivando a concentração de suas finalidades[303] e funções[304] . Na verdade, a organização federativa nasceu da necessidade da atividade estatal de modo intenso e planificado, bem como exigências dos serviços e do recursos para a realização dos fins do Estado.
A grande vantagem do Estado Federal é que a federação além de possibilitar a conjugação dos esforços, permitindo uma maior integração, é a manutenção dos valores do Estado-membro, bem como de suas características sócio-cultural.
Contudo, a maior desvantagem da organização federativa incide no fato de que o governo federal não consegue assegurar a todos os Estados-membros um tratamento igual no exercício do poder político, criando na prática apenas uma igualdade formal, gerando como conseqüência as diferenças regionais.[305]
CONCLUSÃO
Desde o fim da Idade Média, séc. XV, com o fortalecimento e a centralização do poder real prevaleceram os interesses da burguesia que verdadeiramente foi o pilar na corporificação do Estado. Na realidade, um pacto foi estabelecido, pois o rei precisava de um exército permanente para derrubar o poder hegemônico da Igreja e da nobreza feudal e centralizá-lo em torno de si. Para tanto, o rei necessitava de recursos financeiros, os quais foram cedidos pela burguesia que a princípio desejava enriquecer. Em troca, a burguesia necessitava de medidas que permitissem o lucro e a usura (valores combatidos pela Igreja), pela exploração do trabalho assalariado e o empréstimo de dinheiro. Assim, o feudalismo passou a não corresponder aos interesses gerais daquela sociedade que, embora fosse estamental e de poder político descentralizado, necessitava de condições básicas para se reestruturar e crescer. Neste sentido foi estabelecido um pacto entre o rei e a burguesia e lhes foram asseguradas prerrogativas na organização do Estado Nacional Absolutista, cuja política-econômica do Mercantilismo estabeleceu um conjunto de doutrinas e normas, através das quais o Estado Nacional intervinha na economia, tais como o metalismo, o monopólio, a manutenção de uma balança comercial favorável associada à prática do colonialismo, entre outras. O excedente econômico produzido pela implantação destas medidas provocou melhorias para a sociedade que, num período de transição entre a Idade Média e a Idade Moderna promoveram o desenvolvimento da humanidade. Porém, a burguesia ao financiar o fortalecimento do rei, ou a arte, ou a cultura com a criação das universidades, ou através de outras iniciativas promovidas por ela, pretendia incontestavelmente desestabilizar as forças atuantes da época, (a Igreja e a nobreza), para enriquecer e viabilizar sua ascensão ao poder. Isto se confirma, pois a partir da segunda metade do séc. XVIII, quando já estava suficientemente fortalecida e não precisava mais daquela forma de governo, de poderes ilimitados e de autoridade política absoluta, começou a criticar veementemente, o Absolutismo. Todos estes fatores reunidos conduziram a rivalidades internas na burguesia, originadas principalmente porque a Monarquia Absolutista havia beneficiado através do Mercantilismo a burguesia monopolista. A média burguesia descontente assistira ao enriquecimento da facção monopolista e da nova nobreza através do Exclusivo Metropolitano e, como não pudera se expandir investiu seu capital no mercado interno. Assim sendo, o Mercantismo não atendia aos interesses da burguesia manufatureira que eliminaria qualquer empecilho ao seu desenvolvimento econômico e político. Assim sendo, este segmento social promoveu através ou do financiamento ou de medidas práticas:
1) o movimento de renovação intelectual que surgiu no final do séc. XVII, denominado Iluminismo que objetivava possibilitar o desenvolvimento do capitalismo. Para tanto, filósofos, cientistas e estudiosos trabalhariam num só sentido – expandir a produção e conseqüentemente conduzi-la ao poder;
2) as Revoluções Inglesas: Revoluções Puritanas (1641-1645) e Gloriosa (1688-1689), nas quais os filósofos Thomas Hobbes e John Locke seriam contemporâneos respectivamente;
3) a Revolução Francesa (1789) destacando-se como Napoleão o homem da revolução;
4) as Revoluções Liberais Burguesas (1830 e 1848) cujos movimentos do liberalismo e do nacionalismo se originaram articulados à ascensão da burguesia uma sociedade que negligenciava diversificação social.
Quanto à Revolução Industrial, o processo principiou na Grã-Bretanha devido aos acontecimentos internos e as rivalidades internacionais ocorridas na Europa, resultantes do expansionismo marítimo, comercial e colonial ocorridas a partir do séc. XV, cujas mudanças culminaram com o fim do trabalho artesanal e a divisão social do trabalho. Neste processo a população rural faminta migrou para as cidades composta de camponeses insatisfeitos com a super-exploração pela nobreza e de artesãos falidos que invadiram as cidades para trabalhar nas indústrias como operários. Assim, mudanças profundas ocorreram justificadas com a substituição modo de produção artesanal pelo novo modo de produção capitalista, cujos trabalhadores vendiam sua força de trabalho em troca de salário e a máquina seria seu grande símbolo. O aparecimento do proletariado culminou com uma nova forma de estruturação das sociedades denominadas sociedades industriais e não-industriais, cujas relações de produção seriam organizadas no sentido de obter um lucro maior e mais rápido, mudando definitivamente todo o processo produtivo. Originou-se assim a nova ordem política-econômica liberal que requeria mudanças em todos os sentidos: do ponto de vista econômico surgiram duas vertentes liberais encabeçadas pelos pensadores econômicos François Quesnay e Adam Smith; do ponto de vista filosófico surgiu o Positivismo, que foi um movimento que informou toda a cultura européia da 2ª metade do séc. XIX e do qual originou o Positivismo Jurídico o qual dominou durante um século a cultura jurídica.
Assim, aliados a todos os fatores apresentados e partindo de três aspectos do Positivismo Jurídico apresentados: a ideologia do direito elaborada por Comte, o método para o estudo do direito realizado por Durkheim e as teorias do direito na perspectiva de Bobbio, foi possível refletir sobre a estrutura organizacional do Estado, bem como os mecanismos de poder que lhe são próprios para consolidar a ordem jurídica e o paradigma capitalista.
Com o escopo de obter uma ampla visão analítica deste sistema, sem ficar adstrita à questão ideológica partidária, foram utilizados vários ramos da Ciência, tais como a Economia, a Filosofia Jurídica, a Teoria Geral do Estado, o Direito entre outros, todos norteados pela História, justamente porque ela permite atingir não só um aprimoramento intelectual e científico mediante fatos concretos; realizar uma apreciação reflexiva, crítica e racional, mas principalmente porque ela é a única Ciência capaz de estabelecer o entrelaçamento de todas as demais Ciências e conseqüentemente de todos os institutos abordados. Só assim é possível encontrar soluções para os problemas da sociedade contemporânea.
Bacharela em Direito pela Universidade Estácio de Sá
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