Resumo: Trata-se de um texto que aborda as inovações que estão prestes a acorrer no âmbito do Direito Processual, especificamente, sobre o Recurso Judicial. Para a devida compreensão lógica textual, aborda-se, inicialmente, uma breve lembrança da história do referido instituto, em seguida, comenta-se sobre a atualidade, com especificações de conceitos e procedimentos e, por fim, sobre as tendências processuais dos recursos judiciais, com enfoque nos Projetos de Lei do Senado 156/2009 e 166/2010, respectivamente, Códigos de Processos Penal e Civil. Sem o objetivo de esgotar o vasto tema, a abordagem é didática e visa contribuir para o enriquecimento dos conhecimentos jurídicos.
Palavras-chave: Direito Processual. Recursos judiciais. Projeto de Lei do Senado 156/2009. Projeto de Lei do Senado 166/2010.
Sumário: 1. Introdução. 2. Relembrando a história. 3. Conceitos e procedimentos. 4. Novos caminhos. Tendências recursais. 5. Conclusões. Referências
1 Introdução
Em 2011 irão ocorrer alterações relevantes no mundo jurídico. No Direito Processual, novos códigos estão previstos. Busca-se com estas inovações, principalmente, a celeridade e a eficácia processual.
São iniciativas importantes e que irão alterar de maneira significativa a rotina dos operadores de direito e, logicamente, da sociedade brasileira.
Os recursos judiciais, nestas novas sistemáticas processuais, são afetados de várias maneiras, tanto em pequenas alterações como em casos de exclusão.
Assim, faz-se necessário o relembrar da história deste instituto, o recurso judicial, bem como, a compreensão de seus conceitos e procedimentos atuais. Pois, somente assim, consegue-se perceber as tendências de seus novos caminhos. Ou seja, o futuro dos recursos judiciais.
Para tanto, sem o objetivo de esgotar o vasto tema, são apresentados, neste texto, breves comentários sobre o referido instituto judicial.
2 Relembrando a História
A história dos recursos judiciais tem início nos sentimentos de inconformismos dos seres humanos. Pela natureza da raça humana, em sua tendência psicológica de não aceitar decisões ilegais ou injustas, a possibilidade de uma nova decisão judicial sempre esteve nos anseios da humanidade.
Assim, pelo Direito Romano, surgiu a “querella nullitatis”, que é uma ação declaratória de nulidade e não um recurso judicial. Com esta ação, surgia à possibilidade da anulação de uma decisão judicial. Na época não existia um sistema recursal estruturado. Ou seja, não existia a estrutura do duplo grau de jurisdição.
É salutar a ressalva de que o sistema processual prevê dois tipos de instrumentos para a reforma de decisões judiciais: recursos e ações. As ações, na seara criminal, podem ser exemplificadas nos habeas corpus, na revisão criminal, no mandado de segurança, etc. Em suma, não se deve confundir o recurso com a ação. Ação é o pedido de prestação jurisdicional. O recurso é mero prolongamento do exercício de direito de ação.
Retornando a história dos recursos judiciais, com o fortalecimento do Império Romano, especificamente pelos poderes do Imperador Adriano, surgiu o recurso de apelação. Posteriormente, com o desenvolvimento do Estado, outros recursos surgiram já estruturados pelo sistema recursal, com a previsão de órgãos de primeiro e segundo grau.
Pelas origens portuguesas, têm-se novos recursos, como os agravos e os embargos.
Sendo o recurso matéria de ordem pública, na atualidade, o Princípio do Duplo Grau de Jurisdição dá maior certeza à aplicação do Direito, com a proteção ou restauração do direito porventura violado.
Nos processos atuais, pela estrutura judiciária, são várias as opções de recursos que, infelizmente, são utilizados de maneira excessiva e protelatória. Este número grande de recursos, sem dúvida, possibilita maiores oportunidades de decisões mais favoráveis aos recorrentes, por outro lado, afeta a paz social pela demora das definições processuais. Neste aspecto, é complementar a citação:
“São muitos os processos que se encontram, por muitos e muitos anos, em andamento na justiça brasileira. Alguns Direitos requeridos não têm mais razão de ser. Autores que falecem, filhos que sucedem e netos que aguardam a decisão da justiça. Existem processos que registram números bem significativos de advogados que já trabalharam nos casos e pela dinâmica da vida, alguns mudaram de escritório ou aposentaram e, ainda, outros já partiram dessa vida.”[1]
Enfim, por esta breve lembrança da história dos recursos judiciais, pode-se, portanto, iniciar-se a explanação dos conceitos atuais para se adentrar as tendências recursais, como a seguir serão comentadas.
3 Conceitos e Procedimentos
Recurso é um pedido de uma nova decisão judicial. Portanto, no recurso sempre pressupõe o interesse na reforma ou alteração de decisão anterior.
Edgard Magalhães Noronha define o recurso como:
“A providência legal imposta ao juiz ou concedida à parte interessada, objetivando nova apreciação da decisão ou situação Processual, com o fim de corrigi-la, modificá-la ou confirmá-la”.
Mais sucintamente, Fernando da Costa Tourinho Filho ensina que recurso “nada mais é do que o reexame de uma decisão”.
Em tese, a lei prevê para cada decisão o recurso cabível. Embora, admita-se, eventualmente, a interposição de um por outro pelo fenômeno da fungibilidade. Mas, será sempre baseada na lei uma previsão de recurso. Quando não houver previsão, mas existir a necessidade de alteração de uma decisão, surgem, em alguns casos, as possibilidades das ações referidas anteriormente.
Assim, o recurso deve sempre estar previsto na lei federal (artigo 22, da Constituição Federal) ou na Constituição Federal do Brasil.
Nos Tribunais, existem meios de impugnações em seus respectivos regimentos internos, que se incorporam às possibilidades de obtenção de revisões de decisões judiciais, como, por exemplo, os agravos regimentais.
Assim como a ação, o recurso está sujeito a determinados pressupostos processuais, que são as exigências legais para que seja conhecido. São comuns a todos os recursos os pressupostos de previsão legal, forma prescrita em lei e tempestividade. Além desses pressupostos gerais existem os requisitos próprios de cada recurso.
O exame dos pressupostos é denominado de juízo de admissibilidade, inicialmente, é realizado no juízo a quo e, posteriormente, pelo juízo ad quem.
Em suma, os recursos para serem apreciados em seus pedidos devem, primeiramente, serem conhecidos, para tanto, devem atender os pressupostos processuais. Após esta fase inicial, o juízo ad quem irá dar provimento ou não aos pedidos recursais.
Salienta-se que, o exame no juízo a quo será sempre provisório, pois, poderá ser modificado por outro recurso. Ou seja, se o juízo de admissibilidade no juízo a quo for negativo, indeferindo o seguimento do recurso, tal indeferimento poderá ser examinado por outro recurso pelo juízo ad quem.
O recurso é um desdobramento da mesma ação, é uma fase da mesma relação processual. Fato que difere das ações que impugnam decisões judiciais, pois, nessas são iniciadas novas relações processuais.
Por fim, salutar a lembrança de que são previstas na legislação as hipóteses de “recursos de ofícios”, nas quais o próprio juiz determina a remessa dos autos para o tribunal para reexame de sua decisão. Porém, pela doutrina não é certo dizer que o juiz recorre da própria decisão, sendo que, o que ocorre é que a decisão não pode se tornar preclusa ou transitar em julgado, sem que seja examinada e confirmada pelo tribunal. Portanto, esta providência não é recurso.
Bem como, salienta-se que, nos casos de decisões administrativas, os pedidos de decisão em contrário não são recursos, portanto, não são submetidos aos pressupostos recursais.
Com estes comentários, tem-se uma noção dos conceitos e dos procedimentos recursais da atualidade. Pode-se, agora, percorrer os caminhos que apresentam as tendências recursais.
4 Novos Caminhos. Tendências Recursais
Pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Cezar Peluso, entre muitos outros juristas, a tendência recursal caminha para a diminuição de possibilidades de recursos judiciais. Por esta tendência a redução de recursos trará mais celeridade à Justiça.
Há tempos são apresentadas e fixadas medidas para sanear o sistema jurídico, com o intuito de lhe conferir maior celeridade e de aperfeiçoar a prestação jurisdicional.
Após a aprovação da Reforma do Judiciário, tais medidas, tornaram-se mais efetivas. Exemplos destas iniciativas é a adoção da súmula vinculante e dos recursos repetitivos, como também, o instituto da repercussão geral e o estabelecimento de metas de nivelamento, pelo Conselho Nacional de Justiça, a serem cumpridas pelos tribunais do país.
Ainda pela opinião do Ministro Cezar Peluso, os acórdãos proferidos pelos tribunais transitariam em julgado. Haveria, porém, a possibilidade da parte, que se sentisse prejudicada, entrar com recurso, porém, este seria analisado como ação rescisória, ou seja, não haveria suspensão dos efeitos da decisão questionada.
O juiz aposentado e renomado escritor, Sílvio de Salvo Venosa, em palestra proferida em 2010 na cidade de Recife, referiu-se ao projeto do novo Código de Processo Civil observando:
“Vamos aguardar que o novo Código do Processo Civil seja uma simplificação de formas, balanceada com o Direito Constitucional. Não podemos conviver com a quantidade de recursos existentes. É um martírio para todas as partes.”
O Ministro Felix Fischer, em sua posse, em 2010, como vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), enfatizou:
“Devemos combater o excesso de recursos existentes na lei. Isso não tem sentido, pois o número excessivo de recursos faz com que ocorra um desvirtuamento da natureza dos tribunais superiores”.
O crescente número de processos encaminhados ao STJ é a grande preocupação do Ministro Fischer. Segundo ele, o problema está na transformação dos tribunais superiores em terceira e quarta instâncias. Esses, ainda mais em um país de dimensão continental, devem limitar-se às questões de direito e àquelas mais relevantes.[2]
Pelos Projetos de Lei do Senado 156/2009 e 166/2010, respectivamente, alterações dos Códigos de Processos Penal e Civil, esta tendência se apresenta de várias formas.
O Projeto de Lei do Senado 166/2010, que se refere ao Código de Processo Civil, prioriza o Princípio da Celeridade, da Efetividade, entre tantos outros princípios e Garantias Constitucionais, como a Razoável Duração do Processo, bem como, o processo sincrético.
Pelas propostas apresentadas nesta nova sistemática processual, a apelação retoma seu posto de recurso por excelência e o agravo de instrumento atendendo, apenas, aos casos urgentes.
Para melhor compreensão das tendências recursais, a seguir são apresentados alguns apontamentos do artigo: Apontamentos sobre o Anteprojeto Do Código De Processo Civil[3]:
a) O Agravo Retido foi extinto e foi alterado o regime de preclusões, ou seja, a questão, que poderia ser arguida neste tipo de recurso, poderá ser questionada em recursos de apelação.
b) Foram extintos os embargos infringentes. O relator terá o dever de declarar o voto vencido, isto como parte integrante do processo para fins de pré-questionamento.
c) Houve a unificação dos prazos recursais: quinze dias. Exceção: embargos de declaração: cinco dias.
d) O juízo de admissibilidade no recurso de apelação, passa a ser exercido apenas no segundo grau, apesar de continuar a ser interposta no primeiro grau. Foi excluída a exigência de recolhimento de caução para interposição de apelação.
e) Nos recursos ao STF e STJ haverá um aproveitamento do processo de forma plena, ou seja, maior rendimento de cada processo.
f) O recurso extraordinário e o recurso especial, decididos (acolhidos) com base em uma das causas de pedir ou em uma das razões de defesa permitirão ao Superior Tribunal de Justiça ou ao Supremo Tribunal Federal o julgamento das demais matérias, ainda que com relação a elas não tenha havido pré-questionamento, ex officio ou a requerimento da parte.
Por sua vez, o Projeto de Lei do Senado 156/2009, que se refere ao Código de Processo Penal, no tocante aos recursos, são restringidos os cabimentos dos embargos infringentes e de declaração e são apresentados novos regramentos aos recursos de apelação, agravo, extraordinário e especial e embargos de divergência.
No caso de inadmissão dos recursos extraordinário e especial o agravo cabível será interposto nos próprios autos processuais e a competência para julgamento monocrático dos recursos, quando a decisão impugnada contrariar a jurisprudência dominante ou enunciado de súmula, é atribuída ao relator.
A natureza jurídica do habeas corpus e da revisão criminal, no âmbito das ações de impugnação, passa a ser expressa, sendo que, na atualidade tais ações estão inseridas nas disposições que tratam dos recursos.
O habeas corpus passa a ter aplicação limitada aos casos de prisão e de iminência de prisão ilegal. Já nas decisões interlocutórias, inclusive no recebimento da denúncia, o agravo passa a ser o único recurso cabível.
O mandado de segurança em matéria penal é regulamentado e é ampliada a legitimidade na ação de revisão criminal.
5 Conclusão
Conclui-se, portanto, que a tendência, tanto no Direito Processual Civil como no Penal, aponta para a simplificação e a diminuição do número de recursos judiciais, investindo-se em um processo célere e eficaz.
Porém, é valiosa a posição do Doutor Ophir Cavalcante, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), referente à diminuição do número de recursos judiciais, que enfatiza:
“Acabar com os recursos é uma solução simplista, que não substituirá a necessidade de melhorar a estrutura, de providenciar mais servidores e juízes.”
O que ocorre é que na prática a morosidade da Justiça brasileira não está apenas no número excessivo de recursos judiciais e no formalismo de procedimentos. A duração dos processos depende, na verdade, de toda a estrutura do judiciário.
No judiciário existe carência de pessoal qualificado, comprometido e falta uma estrutura física que comporte uma justiça célere. Como elucidado no artigo “A cruz do Poder Judiciário: De quem é a culpa?”[4]:
”O número de demandas é imensamente superior ao número de juízes. Em algumas comarcas esta proporção é desumana, é irracional. O que se vê é um Judiciário engessado e inoperante. É necessário atingir à raiz do problema, sem medo.”
Por fim, os caminhos já percorridos pelos recursos judiciais, iniciaram-se em um marco de carência total, onde a injustiça existia pelo autoritarismo de não haver o direito de uma nova oportunidade, de uma nova decisão judicial. Por consequência, foram surgindo mais e mais formas de defesas que buscavam a efetivação da Ampla Defesa, houve, talvez, um excesso de criação de possibilidades.
Agora, o que se propõe é o caminho do retroceder, ou seja, a diminuição do número de recursos judiciais.
O que se espera, nesta estrada evolutiva, é que a segurança jurídica não se perca e que a “base estrutural do Judiciário” não seja ignorada ou esquecida, ao contrário, que seja priorizada e valorizada, com a modernização estrutural e a qualificação pessoal dos sujeitos que integram o sistema processual.
Acredita-se que, somente, com esta visão ampliada da problemática judiciária, as metas serão alcançadas, ou seja, um processo célere, efetivo e justo será disponibilizado a sociedade brasileira.
Mestranda em Direito pela Universidade de Itaúna. Especialista em Direito Processual e Ciências Penais. Professora Universitária. Advogada
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