O habeas corpus e a controvérsia existente no seu uso diante das punições disciplinares militares no âmbito das forças armadas

Resumo: O presente trabalho foi elaborado com o objetivo de desenvolver um estudo acerca do posicionamento adotado no ordenamento jurídico brasileiro, em relação ao cabimento ou não do habeas corpus frente às punições disciplinares militares. Para alcançar tal objetivo, foi utilizada a pesquisa qualitativa, exploratória, a descritiva e a bibliográfica. Durante o desenvolvimento da pesquisa, constatou-se que os textos dos artigos 5º, LXVIII e 142, §2º da Constituição Federal, constituem tema de grandes debates no meio jurídico e militar, pois se percebe inicialmente que há um conflito aparente de normas constitucionais, visto que a primeira norma aduz que haverá a concessão do habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder, e a outra rege a vedação da concessão do remédio constitucional nas transgressões disciplinares militares. Após a análise dos dados obtidos, conclui-se que a literatura jurídica e a jurisprudência brasileira são unânimes quanto à possibilidade de impetração do habeas corpus em relação às punições disciplinares, no que diz respeito à análise da legalidade do ato punitivo, não podendo invadir o mérito do ato administrativo, visto que o juízo de conveniência e oportunidade é inerente aos administradores públicos, no tema em questão, aos Comandantes das Forças Armadas.[1]

Palavras chave: Artigos 5º, LXVIII e 142, §2º da CF/88, habeas corpus, controvérsia, punições disciplinares militares, forças armadas, posicionamento majoritário.

Sumário: Introdução. 1. Direitos fundamentais e suas gerações. 1.1. Direito de igualdade. 1.2. Direito de liberdade. 1.3. Princípios constitucionais. 1.3.1. Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. 1.3.2. Princípio da legalidade. 1.3.3. Princípio do Devido Processo Legal. 2. O habeas corpus. 2.1. Origem. 2.2. Conceito e finalidade. 2.3. Natureza jurídica. 2.4. Legitimidade. 2.5. Hipóteses e espécies. 2.6. Descabimento. 2.6.1. Coação ilegal atribuída à Turma do Supremo Tribunal Federal. 2.6.2 Suspensão dos Direitos Políticos. 2.6.3 Decisão condenatória à pena de multa. 2.6.4 Determinação à quebra de sigilo. 2.6.5 Condenação criminal. 2.6.6 Punições Disciplinares Militares. 3. Dos fundamentos da disciplina militar. 3.1. Das forças armadas. 3.2. Hierarquia e disciplina. 3.3. Da transgressão disciplinar militar. 3.4. Das punições disciplinares militares. 3.4.1. Espécies de Punição Disciplinar Militar. 3.5. Da aplicação da punição militar por transgressão disciplinar. 3.5.1. Do Processo Administrativo Disciplinar Militar. 3.5.2. Da Prisão Disciplinar Militar. 4. Amparo constitucional às transgressões e punições disciplinares militares. 4.1. Dos princípios contitucionais frente às punições disciplinares militares. 4.1.1. Princípio da igualdade. 4.1.2. Princípio da legalidade. 4.1.3. Princípio da presunção de inocência.  4.1.4. Princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. 4.1.5. Princípio do devido processo legal. 4.1.6. Princípio da inafastabilidade da jurisdição. 4.2. Dos regulamentos disciplinares militares à luz da Constituição Federal. 5. Do cabimento do habeas corpus nas punições diciplinares militares no âmbito das forças armadas. 5.1. Posição da literatura jurídica.

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INTRODUÇÃO

O atual Direito Constitucional se consubstancia nos direitos fundamentais, que são considerados o núcleo da proteção da dignidade humana, sendo instrumentos de garantia das condições mínimas de vida e desenvolvimento do ser humano, visando garantir o direito à vida, à liberdade, à igualdade e a dignidade, para o pleno desenvolvimento social.

O direito à liberdade do indivíduo tem proteção expressa na Constituição Federal, mas precisamente no seu artigo 5º, LXVIII, dispondo que “conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”.

Tal direito, no entanto, vem sendo limitado quando contraposto ao §2º do artigo 142, também da Constituição Federal, onde aduz que “não caberá habeas corpus em relação a punições disciplinares militares”, visando resguardar os poderes hierárquico e disciplinar das Organizações Militares.

Tais disposições antagônicas constituem tema de grandes debates no meio jurídico e militar, pois se percebe, inicialmente, que há um conflito aparente de normas constitucionais, vez que uma norma veda a concessão do remédio constitucional nas transgressões disciplinares militares e a outra rege que haverá a concessão do habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.

Destarte, o militar que transgredir disciplinarmente fica sujeito à punição, que é buscada nos regulamentos disciplinares militares, sendo aplicada com vistas a sanar a infração cometida. De tal modo, cada Organização Militar detém um regulamento próprio, de natureza normalmente rígida, que contempla recompensas e punições, e de acordo com o grau da violação cometida, pode vir a ocasionar punições severas, como por exemplo, a exclusão do militar da organização a que servir.

Ademais, no que concerne às punições cerceadoras de liberdade, os §§ 3º e 4º do artigo 12 do Regulamento Disciplinar do Exército (RDE), instituído pelo Decreto nº 4.346, de 26 de agosto de 2002, disciplina que todo militar que tiver conhecimento de fato contrário à disciplina, deverá comunicá-lo ao seu chefe imediato, e em se tratando de prisão, a autoridade competente para decretá-la é aquela à qual está disciplinarmente subordinado o transgressor.

Observa-se que não é necessária ordem de autoridade judiciária competente ou uma situação de flagrante delito, como dispõe o artigo 5º, LXI, da Constituição Federal, para que o militar transgressor seja preso, por isso, conclui-se que a punição disciplinar militar é prerrogativa concedida, exclusivamente, às Organizações Militares.

Assim sendo, o habeas corpus busca proteger a liberdade, que é um direito fundamental e essencial do indivíduo. E a Constituição Federal, ao vedar a sua concessão em relação a punições disciplinares militares, visa obstar a análise do ato administrativo punitivo pelo Poder Judiciário.

Alguns juristas, dentre os quais Moraes Filho (2008), defendem que a discricionariedade da autoridade militar não é absoluta, podendo assim, haver a apreciação da punição disciplinar militar pelo Poder Judiciário. Outros, como Bellido (2003), defendem que a punição a ser aplicada a um militar deve ser decidida pelo seu comandante, não cabendo qualquer apreciação dos motivos determinantes pelo Judiciário.

Assim, o referido tema justifica-se por suscitar um questionamento embasado em doutrinas e jurisprudências minoritárias e majoritárias, no que diz respeito às controvérsias existentes quanto à possibilidade ou não da impetração da ação de habeas corpus em punições disciplinares militares. Além, de contribuir à informação da sociedade, dos militares e dos profissionais do Direito, inclusive dos acadêmicos dessa área, ao trazer aspectos legais, por meio da análise de leis e jurisprudências sobre o assunto. Ademais, a pesquisa é um referencial de informações para as futuras possíveis consultas sobre a matéria abordada, em especial quando se constatar a ação de impetração do habeas corpus em situações de punições disciplinares militares.

Esse estudo, de modo geral, analisa o posicionamento adotado no ordenamento jurídico brasileiro em relação ao cabimento ou não do habeas corpus no que tange às punições disciplinares militares. Nesse sentido, desenvolve-se uma sequencia lógica de ideias que são dividas em capítulos.

O primeiro capítulo faz um esboço acerca dos direitos e garantias fundamentais inerentes a pessoa humana, relatando que a evolução histórica dos direitos fundamentais situa-se em três gerações distintas, e vislumbra os principais princípios constitucionais garantidores da liberdade individual.

No que tange o segundo capítulo, analisa-se o processo histórico do surgimento do habeas corpus, e sua consolidação como um instituto do Direito e como uma garantia da liberdade de ir, vir e ficar dos indivíduos, bem como conceitua o habeas corpus e sua natureza jurídica, explicitando suas possibilidades de aplicação.

O terceiro capítulo apresenta os fundamentos da disciplina militar dentro das Forças Armadas, as espécies de punição disciplinar militar e como ocorre a aplicação da punição militar por transgressão disciplinar.

Já o quarto capítulo, ilustra o amparo constitucional dado às transgressões e às punições disciplinares militares e explica as controvérsias geradas quanto ao uso do habeas corpus em punições disciplinares militares.

No quinto capítulo, examina-se o entendimento majoritário adotado pela literatura jurídica e pelos Tribunais em relação à possibilidade de aplicação do habeas corpus em punições disciplinares militares.

Por fim, o presente estudo faz uma análise acerca do posicionamento do ordenamento jurídico brasileiro no que diz respeito ao habeas corpus e a controvérsia existente no seu uso diante das punições disciplinares militares no âmbito das Forças Armadas.

1 DIREITOS FUNDAMENTAIS E SUAS GERAÇÕES

Para Branco (2010), o Direito Constitucional apresentado atualmente é o resultado, em certo ponto, da afirmação dos direitos fundamentais, que são considerados o núcleo da proteção da dignidade da pessoa e da visão de que a Constituição é o local adequado para positivar as normas asseguradoras dessas pretensões.

Nesse diapasão, o autor supramencionado, relata que a evolução histórica dos direitos fundamentais situa-se em três gerações. A primeira geração abrange os direitos contemplados pelas revoluções americana e francesa, que se manifestavam em postulados de abstenção dos governantes, ou seja, criando obrigações de não fazer e de não intervir na vida particular dos indivíduos. Em suma, são os direitos ponderados como imprescindíveis ao homem, pois dizem respeito às liberdades individuais, isto é, a de consciência, de culto, à inviolabilidade de domicílio, à liberdade de reunião, entre outros direitos.

Porém, com o expressivo crescimento demográfico e, consequentemente, o surgimento de desigualdades sociais, nasceram novas reivindicações, impondo ao Estado uma função ativa de intervenção na vida econômica e social dos indivíduos, tendo por objetivo alcançar a justiça social. O que deu origem a segunda geração de direitos, que são os chamados direitos econômicos, sociais e culturais que devem ser oferecidos pelo Estado por meio de políticas públicas e com fundamento de justiça distributiva, abrangendo, desse modo, o direito à saúde, trabalho, educação, lazer, repouso, habitação, saneamento, greve, livre associação sindical, dentre outros. (BIANCO, 2006).

Bonavides (2010, p. 569), explica que os direitos de terceira geração, são considerados como direitos da coletividade, já que estão direcionados à humanidade, portanto, são “direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de um determinado Estado. Tem por primeiro destinatário o gênero humano mesmo…”.

Para Bianco (2006, p. 2), os direitos de terceira geração “são os direitos ao desenvolvimento, à paz, à comunicação, ao meio ambiente, à conservação do patrimônio histórico e cultural da humanidade, entre outros”.

O autor citado acima lembra que após o surgimento das três gerações já abordadas, novas gerações de direitos sobrevieram, entretanto, a denominada quarta geração de direitos, criada por Paulo Bonavides, jurista brasileiro, foi a mais aceita entre os operadores do direito. Além disso, a quarta geração é anotada como a consequência da globalização dos direitos fundamentais, vez que se tornaram universais no meio social, e são classificados em direito à informação, ao pluralismo e à democracia direta.

Bonavides (2010, p. 571), explana que:

“Dos direitos da quarta geração depende a concretização da sociedade aberta do futuro, em sua dimensão de máxima universalidade, para a qual parece o mundo inclinar-se no plano de todas as relações de convivência. A democracia positivada enquanto direito da quarta geração há de ser, de necessidade, uma democracia direta. Materialmente possível graças aos avanços da tecnologia de comunicação, e legitimamente sustentável graças à informação correta e às aberturas pluralistas do sistema.”

Ademais, é importante frisar que “não existe hierarquia ou sucessão entre os direitos fundamentais, devendo ser tratados como valores interdependentes e indivisíveis”. (BIANCO, 2006, p. 2).

Silva, citado por Smania (2009), aduz que os direitos fundamentais representam uma espécie autônoma e intrínseca aos indivíduos, de forma a garantir certa independência perante os demais membros da sociedade e do próprio Estado, por se tratar de direitos individuais.

Foerster (2007) expõe que em decorrência de vários eventos históricos, nacionais e internacionais, a Constituição Federal de 1988 regulamentou nos artigos 5º a 17, os direitos e garantias fundamentais, aos quais vinculam-se os governantes e governados.

O autor supramencionado, explica que os direitos fundamentais possuem caráter de norma constitucional devido à sua positivação na Carta Magna e, se fundamentam no Princípio da Soberania Popular, eivados de eficácia e aplicabilidade imediata, sendo, portanto, instrumentos da efetivação de direitos, além de possuírem a característica de medidas assecuratórias.

1.1 DIREITO DE IGUALDADE

O direito de igualdade está presente explicitamente no caput do artigo 5º da Constituição Federal de 1988:

“Art. 5º – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes.”

Esse direito, que possui status de princípio constitucional, veda as discriminações absurdas e injustas que possam surgir entre os indivíduos, pois, nos dizeres de Souza (2009, p. 1): “a igualdade se configura como uma eficácia transcendente de modo que toda situação de desigualdade persistente à entrada em vigor da norma constitucional deve ser considerada não recepcionada…”.

Silva (2008) aclara que a igualdade é característica fundamental da democracia, não se admitindo privilégios e distinções, onde todos os cidadãos têm direito de tratamento idêntico pela lei.

Para Moraes (2008), as normas infraconstitucionais incompatíveis com a norma constitucional, não podem ser recepcionadas por se contraporem aos valores que a Constituição consagra como supremos. Portanto, a igualdade prevalece sobre qualquer situação de desigualdade que persistir em vigorar no ordenamento jurídico.

Por fim, Lenza (2009, p. 679), diz que não se deve buscar somente a igualdade formal prevista em lei, mas, principalmente, a igualdade material, na medida em que “a lei deverá tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades”.

1.2 DIREITO DE LIBERDADE

O art. 5º da Constituição Federal, citado no item anterior, traz o direito à liberdade, ao dispor que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade…”.

Conforme Silva (2008, p. 103), a “liberdade se amplia com a evolução humana, possuindo, portanto, caráter histórico ao depender do poder do homem sobre a natureza, a sociedade, e sobre si mesmo em cada momento histórico”.

Lima (2003) reforça que, em âmbito social, o indivíduo percebe a obrigação de cumprir certos atos e abster-se de outros, e essa percepção de obrigação julga a liberdade de cumprir e não cumprir, e sendo a prática da justiça uma obrigação social, os indivíduos veem-se coagidos a praticá-la, mas não a aceitá-la.

Segundo Silva (2008, p. 105), o exercício da liberdade, portanto, origina-se do consentimento popular, surgindo à ideia de que “autoridade e liberdade são situações que se complementam, pois a autoridade é tão imperativa à ordem social como a liberdade é indispensável à expansão individual”.

A liberdade, consoante Magalhães (2007, p. 1), é “o estado no qual se supõe estar livre de limitações ou coação, sempre que se tratar de agir de maneira lícita, de acordo com princípios éticos e legais cristalizados dentro da sociedade”.

1.3 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

Como preleciona Silva (2008, p. 92), princípio explana a ideia de mandamento essencial de um sistema, e cita que para Canotilho e Moreira, os princípios são “a base de normas jurídicas, podem estar positivamente incorporados, transformando-se em normas-princípio e constituindo preceitos básicos da organização constitucional”.

De acordo com Lima (2001), o princípio atua como um perímetro a ser seguido pelos aplicadores do direito, sendo uma espécie de vetor de interpretação usado para conter vontades pessoais, de forma a balizar o exercício de criatividade, razoabilidade e a capacidade de fazer justiça do caso concreto.

Canotilho, citado por Lima (2001, p. 1), afirma que “no direito em geral os princípios possuem pelo menos três funções: função fundamentadora; função orientadora da interpretação; função de fonte subsidiária”.

Já Barroso, mencionado por Leite (2007), traz três ordens em que se enquadram os princípios: princípios fundamentais do Estado brasileiro (republicano, federativo, democrático, dentre outros); princípios setoriais ou especiais elencados dentro da Administração Pública (impessoalidade, eficiência, moralidade e etc); e os princípios gerais, dentre os quais, o da legalidade, da liberdade, da isonomia e o do devido processo legal.

1.3.1 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

Moraes (2008, p. 123), exprime que:

“A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos”.

O princípio da dignidade da pessoa humana está positivado no artigo 1º, III, da Constituição Federal de 1988 como Fundamento da República Federativa do Brasil, senão vejamos:

“Art. 1º – A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

III – a dignidade da pessoa humana;”

A Constituição Federal inscreve a dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado, de modo que não significa apenas o reconhecimento do valor do homem em sua ascensão de liberdade, como também que o próprio Estado se constrói com base nesse princípio. (CARVALHO, 2002).

Lins (2012) destaca que sem a percepção de dignidade da pessoa humana, jamais poderia ter sido construído o conceito de direitos sociais, vez que a própria dignidade da pessoa humana não haveria de ser reconhecida, exclusivamente, para indivíduos determinados, mas à coletividade.

Luño, citado por Granja (2005, p. 4), entende que o princípio da dignidade da pessoa humana pode ser analisado sob duas dimensões, a saber: “a positiva torna obrigatório o reconhecimento da autonomia do indivíduo, proporcionando condições para o seu desenvolvimento. A negativa tem como objetivo obstar que o indivíduo seja ofendido e/ou humilhado”.

Sarlet, citado por Teixeira (2011), assevera que a dignidade da pessoa humana é uma espécie de valor, sedimentado como um princípio central e fundamental à manutenção do ordenamento jurídico.

1.3.2Princípio da legalidade

Estabelece a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, II:

“Art. 5º – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.”

Silva (2008), diz que essa previsão do princípio da legalidade na Constituição Federal, se justifica na competência geral do Poder Legislativo para criar regras sobre matérias genericamente indicadas de cunho, originariamente, modificativo e inovador.

Iurconvite (2012, p. 01), esclarece que, no Brasil, “apenas a lei, em seu sentido formal, é apta a inovar, originariamente, na ordem jurídica. Logo, não é possível pensar em direitos e deveres subjetivos sem que, contudo, seja estipulado por lei”.

Segundo Silva (2002), o princípio da legalidade caracteriza-se por ser o maior princípio do ordenamento jurídico brasileiro, e desdobra-se em outros dois princípios: o devido processo legal e a reserva legal. Sendo, portanto, a expressão maior do Estado Democrático de Direito, a garantia constitucional de que a sociedade não está presa às vontades particulares daquele que a governa.

1.3.3 Princípio do Devido Processo Legal

O princípio do devido processo legal surgiu expressamente no Brasil, na Constituição Federal de 1988, mas precisamente no seu artigo 5º, LIV, ao afirma que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.

Didier (2009) explica que o devido processo legal é postulado fundamental do processo, no qual todos os outros princípios se sustentam, tornando-se possível a justiça no caso concreto e a flexibilidade da rigidez das disposições normativas abstratas.

Salomão (2008) reforça que do princípio do devido processo legal decorrem todos os outros princípios e garantias constitucionais, sendo assim, a base legal para aplicação dos demais princípios, independentemente do ramo do direito processual, garantindo, também, outros postulados como os princípios do contraditório e da ampla defesa.

O princípio do contraditório, de acordo com a autora citada acima, garante às partes de uma lide que sejam ouvidas nos autos, exercendo a dialética processual, enquanto que a ampla defesa possui fundamento legal no direito ao contraditório, segundo o qual ninguém pode ser condenado sem ser ouvido, sendo, portanto, necessários para assegurar o devido processo legal.

Portanto, o princípio em questão, assegura a todos o direito a um processo com todas as etapas previstas em lei e todas as garantias constitucionais. Dessa forma, se no processo não forem observadas as regras básicas para o seu regular desenvolvimento, ele se tornará nulo. (BARROSO, 2008).

2 O HABEAS CORPUS

2.1 ORIGEM

O habeas corpus, instituto originário do Direito Romano, vislumbrava que “todo cidadão podia reclamar a exibição do homem livre detido ilegalmente por meio de uma ação privilegiada que se chamava interdictum de libero homine exhibendo”. (MORAES, 2008, p. 123).

Ainda, de acordo com o autor supramencionado, no Brasil, o habeas corpus surgiu expressamente no Código de Processo Criminal de 1832, e elevou-se à regra constitucional na Carta de 1891, onde previa no seu art. 72, §2º: “dar-se-á habeas corpus sempre que o indivíduo sofrer violência, ou coação, por ilegalidade, ou abuso de poder”.

Consoante Mendes (2010), a amplitude do artigo supracitado, deu ensejo a uma interpretação que permitia o uso do habeas corpus para anular até mesmo ato administrativo, o que possibilitou, na época, o cancelamento de matrícula de aluno em escola pública, além de ter sido usado para garantir a realização de comícios eleitorais, o exercício de profissão, dentre outras possibilidades.

Em seguida, conforme o autor citado acima, todas as demais Constituições brasileiras, sem qualquer exceção, incorporaram a garantia do habeas corpus. De tal modo, a Constituição Federal de 1988 prevê no seu art. 5º, LXVIII, que “conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”.

Como anota Falcão, apud, Moraes (2008), a garantia do habeas corpus se distingue das demais pelo fato de ser muito antiga, mas não envelhecer. Ou seja, é atualmente usada de forma rotineira.

2.2 CONCEITO E FINALIDADE

O habeas corpus é uma garantia individual ao direito de locomoção, adquirindo essa identidade por meio de uma ordem dada pelo juiz ou Tribunal à autoridade coatora, fazendo cessar a ameaça ou coação à liberdade de locomoção do indivíduo. (MORAES, 2008).

Paulo e Alexandrino (2010) aduzem que o habeas corpus é remédio constitucional destinado a proteger o direito de locomoção de pessoa natural, não podendo ser impetrado em favor de pessoa jurídica, sendo este o entendimento do STF, no HC 92.921/BA, rel. Min. Ricardo Lewandowski, de 19.08.2008.

Ademais, o habeas corpus não poderá ser utilizado para a correção de qualquer inidoneidade que não implique coação ou iminência direta de coação à liberdade de ir e vir, assim, por exemplo, as súmulas 693 e 695 do STF, preveem que não caberá habeas corpus para questionar pena pecuniária ou quando já extinta a pena privativa de liberdade, respectivamente. (MORAES, 2008).

2.3 NATUREZA JURÍDICA

De acordo com Paulo e Alexandrino (2010, p. 202):

“O habeas corpus é ação de natureza penal, de procedimento especial e isenta de custas (é gratuito), com objeto específico, constitucionalmente delineado – liberdade de locomoção -, não podendo ser utilizado para a correção de qualquer ilegalidade que não implique coação ou iminência de coação, direta ou indireta, à liberdade de ir, vir e permanecer”.

Para Mendes (2010), o habeas corpus tem natureza de ação sumaríssima, e por isso exige prova pré-constituída, o que impede sua utilização para superar situação de fato controvertida ou que demande dilação probatória.

Por isso, para o autor mencionado acima, não se tem aceitado a viabilidade do habeas corpus, por exemplo, para examinar questão relativa à incidência de causa excludente de culpabilidade, para a análise de comprovação de indícios de autoria e materialidade do crime, para se aferir a importância ou não da prova para o caso concreto, para examinar a tipicidade da conduta do paciente ou para verificar se a decisão dos jurados é ou não manifestadamente contrária à prova dos autos.

Destarte, Morares (2008) conclui que a liberdade de locomoção há de ser entendida de forma ampla, afetando toda e qualquer medida de autoridade que possa em tese acarretar constrangimento para a liberdade de ir e vir.

2.4 LEGITIMIDADE

Quanto à legitimação ativa, entende-se que o habeas corpus é universal, pois “qualquer do povo, nacional ou estrangeiro, independentemente de capacidade civil, política ou profissional, de idade, de sexo, profissão, estado mental, pode ingressar com habeas corpus, em benefício próprio ou alheio”. (MORAES, 2008, p. 127).

O habeas corpus, nos termos do artigo 654 do Código de Processo Penal, pode ser impetrado por qualquer pessoa, advogado ou não, em seu favor ou de outrem, bem como pelo Ministério Público. Dessa forma, as condições de titular do direito à ação de habeas corpus, isto é, o paciente, e o impetrante não são necessariamente coincidentes. Pois, na prática, tornou-se comum a dissociação entre o impetrante, em geral o advogado, e o paciente, a pessoa afetada por qualquer ato do Poder Público na sua liberdade de locomoção. (MENDES, 2010).

Quanto à legitimidade passiva, o habeas corpus deverá ser impetrado contra ato do coator, que poderá ser tanto autoridade, como por exemplo, delegado de polícia, promotor de justiça, juiz de direito, tribunal, como também particular. No primeiro caso, têm-se as hipóteses de ilegalidade ou abuso de poder, enquanto no segundo caso, somente as hipóteses de ilegalidade. (MORAES, 2008).

Portanto, de acordo com o autor supracitado, a ameaça ou coação a liberdade de locomoção por parte do particular constituirá crime previsto na legislação penal, bastando à intervenção judicial para fazê-la cessar. Isso, porém, não impede a impetração do habeas corpus, mesmo porque existirão casos em que será difícil ou impossível a intervenção da polícia para fazer cessar a coação ilegal, como por exemplo, nos casos de internações em hospitais e clínicas psiquiátricas.

2.5 HIPÓTESES E ESPÉCIES

Paulo e Alexandrino (2010) mencionam que o habeas corpus pode ser repressivo ou liberatório, quando a pessoa já teve desrespeitado o seu direito de locomoção, e pretende fazer cessar esse desrespeito; ou preventivo (salvo-conduto), quando há apenas uma ameaça de que o seu direito de locomoção venha a ser desrespeitado.

Mirabete (1996, p. 765), confirma que:

“(…) embora desconhecida na legislação referente ao habeas corpus, foi introduzida nesse remédio jurídico, pela jurisprudência, a figura da ‘liminar’, que visa atender casos em que a cassação da coação ilegal exige pronta intervenção do Judiciário. Passou, assim, a ser mencionada nos regimentos internos dos tribunais a possibilidade de concessão de liminar pelo relator, ou seja, a expedição do salvo conduto ou a ordem liberatória provisória antes do processamento do pedido, em caso de urgência. Sendo uma medida cautelar excepcional, a liminar em habeas corpus exige requisitos como o periculum in mora (probabilidade de dano irreparável) e o fumus boni iuris (elementos da impetração que indiquem a existência de ilegalidade no constrangimento).”

Além disso, as hipóteses de cabimento do habeas corpus se acham previstas, em enumeração não exaustiva, no artigo 648 do Código de Processo Penal, quais sejam: ausência de justa causa, como exemplo, no caso de o indivíduo ser preso por determinada conduta que não constitua crime; excesso de prazo, quando o indivíduo encontrar-se preso por tempo maior que o permitido pela lei; incompetência do coator, no caso, por exemplo, de ordem de prisão emanada de juiz incompetente; cessação do motivo de coação, exemplificadamente quando revogada prisão preventiva; quando a fiança for prestada e o preso não for liberado; quando couber fiança e esta não for concedida; dentre outras hipóteses. (CARVALHO, 2006).

2.6 DESCABIMENTO

2.6.1 Coação ilegal atribuída à Turma do Supremo Tribunal Federal

Conforme jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, será incabível a impetração de habeas corpus para impugnar decisões do Plenário, ou qualquer das Turmas do STF, visto que esses órgãos, quando decidem, representam o próprio Tribunal. (PAULO; ALEXANDRINO, 2010).

Nesse sentido, verifica-se o julgamento improcedente da Ação de Habeas Corpus nº 113768, que teve como relatora a Ministra Cármen Lúcia, in verbis:

“EMENTA: SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. HABEAS CORPUS. PENAL E CONSTITUCIONAL. PRISÃO PARA EXTRADIÇÃO. IMPETRAÇÃO CONTRA MINISTRO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. SÚMULA N. 606 DO SUPREMO TRIBUNAL. INVIABILIDADE DA IMPETRAÇÃO. PRECEDENTES. HABEAS CORPUS AO QUAL SE NEGA SEGUIMENTO Este Supremo Tribunal Federal tem admitido habeas corpus apenas excepcionalmente para revogar prisão preventiva para fins de extradição. Nessa linha, o Habeas Corpus n. 83.881, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence (DJ 11.6.2004), não se admitindo a impetração se nela são suscitados questões ou fatos novos, não levados à consideração do Relator ou do Ministro que decretou a prisão preventiva. Nesse sentido, o Habeas Corpus n. 83.540, Relator o Ministro Joaquim Barbosa (DJ 6.2.2004), no qual são mencionados outros precedentes. No caso vertente, não há comprovação de que as questões aqui suscitadas tenham sido antes submetidas ao Relator da Extradição n. 1.215. Contudo, mesmo que fosse admitida essa interpretação, razão jurídica não assistiria à Impetrante, pois a presente ação não é juridicamente viável. Nesse sentido, por exemplo, decisão do Ministro Gilmar Mendes, Relator do Habeas Corpus n. 90.234, proclamando ser incabível habeas corpus contra decisão de Ministro Relator do Supremo Tribunal Federal: "O órgão apontado como coator neste ‘writ’ é o Supremo Tribunal Federal, em virtude da decisão do Ministro Joaquim Barbosa, que denegou a ordem no HC n. 90.169/SC. O não cabimento de habeas corpus’ contra atos jurisdicionais do Supremo Tribunal Federal, referentes a outros ‘habeas corpus’ impetrados perante esta mesma Corte é entendimento pacífico nesta Corte [sem grifo no original]. Incabível, portanto, a pretensão deduzida no presente ‘habeas’, que encontra óbice na jurisprudência deste Tribunal”. (STF – HC nº 113768. Rel. Min. Cármen Lúcia, 06 de junho de 2012, p. 2).

Dessa forma, a circunstância referente ao objeto impugnado ser de cunho decisório emanado da própria Corte, inviabiliza o ajuizamento da ação de habeas corpus. (MORAES, 2008).

2.6.2 Suspensão dos Direitos Políticos

Não cabe habeas corpus da decisão que determina a suspensão dos direitos políticos, essa é a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, a seguir:

“HABEAS CORPUS. PRETENSÃO DE AFASTAR OS EFEITOS DA SENTENÇA CONDENATÓRIA COM TRÂNSITO EM JULGADO. NULIDADE. AUSÊNCIA DE INTERROGATÓRIO. REDAÇÃO ORIGINAL DO ART. 359 DO CÓDIGO ELEITORAL. INOCORRÊNCIA.

1. O habeas corpus não é a via adequada para afastar a inelegibilidade descrita na alínea e do inciso I do art. 1º da Lei Complementar nº 64/90, tampouco meio idôneo para restabelecer a condição de elegibilidade, disposta no inciso II do § 3º do art. 14 da Constituição Federal.

2. Os atos processuais praticados com base na redação originária do art. 359 do Código Eleitoral são válidos. Logo, a ausência de interrogatório – antes da vigência da nova redação do dispositivo em comento – não viola as garantias do contraditório e da ampla defesa. Precedentes.

3. Habeas corpus conhecido em parte e, nessa parte, denegado”. (TSE – HC nº 557. Rel. Min. Carlos Ayres Britto, 12.12.2006, p.2).

E é tema pacificado, também, no entendimento do Supremo Tribunal Federal, ao dispor que o habeas corpus impetrado para que se garanta a manutenção dos direitos políticos há de ser negado, sendo possível, apenas, na hipótese, de proteger a liberdade de ir e vir do paciente (HC 74.272, Rel. Min. Néri da Silveira, 03/09/96).

2.6.3 Decisão condenatória à pena de multa

A Súmula 693 do STF prevê que: “não cabe habeas corpus contra decisão condenatória a pena de multa, ou relativo a processo em curso por infração penal a que a pena pecuniária seja a única cominada”.

Nessa esteira, se posicionou o Superior Tribunal de Justiça ao julgar o Habeas Corpus nº 160.829 – SP, de 13 de dezembro de 2011, que teve como relator o Ministro Jorge Mussi:

EMENTA: HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇAO PREVISTA NO 4º DO ART. 33 DA LEI 11.343/2006. FRAÇAO DO REDUTOR. DISCRICIONARIEDADE. NATUREZA E QUANTIDADE DE DROGA APREENDIDA. ESCOLHA JUSTIFICADA. DESPROPORCIONALIDADE. PARTICULARIDADES DO CASO QUE AUTORIZAM A APLICAÇAO DO PATAMAR DE 1/2 (UM MEIO). CONSTRANGIMENTO ILEGAL EM PARTE EVIDENCIADO.

Trata-se de habeas corpus com pedido liminar impetrado pela Defensoria Pública em favor de GEOVANIO COSTA DO NASCIMENTO e WELSON CONCEIÇAO SOUZA, apontando como autoridade coatora a 15ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que, julgando a Apelação Criminal n.º 990.09.028013-1, manteve a sentença que condenou os pacientes às penas de 4 (quatro) anos, 10 (dez) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicial fechado, e ao pagamento de 485 (quatrocentos e oitenta e cinco) dias-multa, como incursos no artigo333, caput e 4º, c/c o artigo400, III, ambos da Lei n.º11.3433/06. Entretanto, tal questão não é passível de discussão em sede de habeas corpus, já que, como já se decidiu "não há qualquer risco de à liberdade de locomoção do paciente, já que a pena pecuniária, acaso descumprida, não poderá ser convertida em sanção privativa de liberdade, nos termos do art. 51 do Código Penal, pelo que incabível o manejo de habeas corpus nesse ponto. [sem grifo no original]. (HC 162.313/SP, Rel. Ministro SEBASTIAO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 06/10/2011, DJe 09/11/2011). Da fundamentação do voto mencionado, retira-se, por oportuno: Cumpre salientar que configura requisito inafastável para a ação constitucional do habeas corpus a existência de qualquer indício de ameaça de violência ou constrangimento ilegal à liberdade de ir e vir do paciente, com o intuito de que, caso verificada a ilegalidade ou abusividade do ato tido como coator, o direito de liberdade reclamado seja restituído ao indivíduo com a maior brevidade possível, minimizando-se as consequências nefastas da sua restrição indevida, não se podendo, pois, conhecer-se do writ nos casos em que tal pressuposto não for observado. Aliás, é esse o entendimento consolidado na Súmula 693/STF: Não cabe habeas corpus contra decisão condenatória a pena de multa, ou relativo a processo em curso por infração penal a que a pena pecuniária seja a única cominada” (STJ – HC nº 160.829/SP – (2010/0015985-8). Rel. Min. Jorge Mussi, 02 de fevereiro de 2012, p. 10).

A ação de habeas corpus é utilizada para proteger, exclusivamente, o direito de liberdade de locomoção do indivíduo que esteja diretamente ameaçado de lesão. Dessa forma, não cabe o remédio constitucional quando a pena a ser ou já aplicada não for privativa ou restritiva de liberdade de locomoção, como por exemplo, nas hipóteses de penas de multa, perdimento de bens, ressarcimento de danos, etc. (VALLADÃO, 2004).

2.6.4 Determinação à quebra de sigilo

Não cabe a impugnação por via de ação de habeas corpus a determinação de quebra de sigilo telefônico, bancário ou fiscal, se desta medida não puder resultar condenação à pena privativa de liberdade. (PAULO; ALEXANDRINO, 2010).

É a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

“CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. "HABEAS-CORPUS". DECISÃO QUE DECRETA A QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO. DIREITO DE LOCOMOÇÃO. LESÃO. INOCORRÊNCIA. – O "habeas-corpus" é remédio constitucional que tem por objetivo a proteção do direito de locomoção, não se prestando para afastar decisão que decreta a quebra do sigilo bancário. "Habeas-corpus" denegado”. (STJ – HC nº 8218/SP (1998/0089936-7). Rel. Min. Vicente Leal, 03 de fevereiro de 1999, p. 384).

Por fim, de acordo com Paulo e Alexandrino (2010), resta provado que o habeas corpus é remédio constitucional que tem por objetivo a proteção do direito de locomoção, não se prestando para afastar decisão que decreta a quebra do sigilo bancário.

2.6.5 Condenação criminal

A Súmula 695 dispõe que: “não cabe habeas corpus quando já extinta a pena privativa de liberdade”.

Assim, consoante com o artigo 659 do Código de Processo Penal, o pedido ficará prejudicado, pois não há mais coação ou ameaça à liberdade do indivíduo já que a pena privativa de liberdade, que é a única que pode gerar ameaça a este direito, já foi extinta.

Para Cruz (2009), é desnecessário saber se a extinção da pena privativa de liberdade se deu por cumprimento integral ou porque a lei posterior deixou de considerar como crime a conduta punível, mesmo assim, não caberá habeas corpus.

2.6.6 Punições Disciplinares Militares

O artigo 142, §2º, da Constituição Federal, estabelece que “não caberá habeas corpus em relação a punições disciplinares militares”.

Segundo Paulo e Alexandrino (2010), o motivo dessa vedação é inerente ao próprio meio militar, onde há regras próprias de conduta, baseadas nos preceitos da hierarquia e da disciplina. Logo, não faria sentido o magistrado, alheio às peculiaridades das Organizações Militares, substituir o juízo de conveniência e oportunidade da autoridade militar na imposição de uma punição disciplinar.

3 DOS FUNDAMENTOS DA DISCIPLINA MILITAR

Magalhães (1998) aduz que os preceitos da hierarquia e da disciplina remontam os primórdios da civilização, quando se apresentavam cheias de rigor e severidade e consistiam praticamente na obediência que os subordinados deveriam ter para com os seus superiores.

Ainda, segundo o autor citado acima, as principais civilizações que deram origem à hierarquia e à disciplina foram a grega e a romana, que se tornaram dignas de admiração pelos povos posteriores, em virtude da organização e força de seus exércitos.

No Brasil, as primeiras notícias que se tem sobre os preceitos da hierarquia e da disciplina remontam às Guerras Aborígenes, travadas entre os indígenas e o sistema militar português, sendo, que somente após a instalação da coroa lusitana no Brasil, e sucessivas guerras, como por exemplo, contra os franceses e holandeses, surgiu o Exército Brasileiro como força organizada e constituída, e por consequência as Forças Armadas do Brasil. (BARROSO, 2000).

Por conseguinte, Magalhães (1998) anota que seja na Grécia ou na Roma antigas, no Brasil colonial, imperial ou republicano, sempre existiram organizações militares que sustentaram a integridade territorial e seus interesses políticos, por meio de conflitos armados ou pelo simples fator intimidativo de sua grandeza e respeito, conquistados através de uma guerra silenciosa, baseada na obediência fiel às estruturas da hierarquia e da disciplina por todos os seus integrantes.

3.1 DAS FORÇAS ARMADAS

Gomes (2011) preleciona que as Forças Armadas são compostas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, e regidas pelos princípios da hierarquia e da disciplina, sendo os seus integrantes uma categoria especial de servidores da pátria denominados de militares.

Ademais, o próprio artigo 142 da Constituição Federal estabelece que as Forças Armadas são constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, e as conceitua como “instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais …”.

Oliveira (2010) informa que o legislador constituinte ao atribuir o caráter de instituições nacionais às Forças Armadas, teve como objetivos precípuos coibir que os estados federados criassem instituições dessa espécie e estabelecer o dever de servir a nação. Por outro giro, a característica das instituições militares como sendo permanentes, atua como vedação à supressão de qualquer uma das instituições que compõe as Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica) e também impede o fenômeno da transitoriedade. E por fim, o atributo da regularidade previsto no texto constitucional, tem a finalidade de impedir que fossem criadas instituições irregulares, isto é, similares às Forças Armadas e não previstas nos seus quadros de efetivos.

Ainda, de acordo com Ferreira Filho, citado por Oliveira (2010, p. 60), a Constituição Federal atribui às Forças Armadas a autoridade suprema do Presidente da República, indicando que a este cabe “a direção política das Forças Armadas, decidindo sobre seu emprego quando conveniente e oportuno”, enquanto que a direção estratégica ou técnica cabe aos comandantes miliares.

Ritta (2012) ressalta que as Forças Armadas têm fundamento constitucional de existência, servindo como parâmetro às normas próprias de organização das instituições militares, além de disposições gerais que não devem ser desrespeitadas pela legislação ordinária.

Oliveira (2010) lembra, ainda, de outro aspecto previsto no texto constitucional, isto é, a vinculação aos princípios da hierarquia e disciplina à organização das Forças Armadas.

Rosa (2007) relata que os militares estão submetidos a regulamentos disciplinares, aprovados por meio de decretos presidenciais recepcionados pela nova ordem constitucional, estando sujeitos ao poder disciplinar quando cometem violação de qualquer dos dispositivos de seus respectivos regulamentos disciplinares.

3.2 HIERARQUIA E DISCIPLINA

Oliveira (2010) menciona que a hierarquia e a disciplina militar não devem ser vistas simplesmente como um poder de organização e atuação da Administração Pública, mas como princípios de direito, vez que a previsão desses preceitos no artigo 142 da Constituição Federal estabelece o regime jurídico das Forças Armadas.

A hierarquia e a disciplina são consideradas pelas Organizações Militares como seus princípios basilares, onde se fundamenta uma série de procedimentos e comportamentos exigidos pela rigidez da vida militar. Sem elas, ou mesmo o desrespeito a alguma delas, não é possível manter o ritmo diário das atividades dentro dos quartéis, que muitas vezes exigem esforços físicos e abnegação, bem como privação de sono, fome, lazer e, primordialmente, o respeito às ordens emanadas das autoridades militares constituídas. (BARROSO, 2000).

Pereira (2004, p. 24) lembra que os militares estão submetidos a um regime jurídico peculiar, assinalado por rígida disciplina e hierarquia, onde são forçados a adotar “uma postura ética diferenciada do modo tradicional de pensar, crer e agir das demais pessoas, devendo estar sempre preparados, do ponto de vista físico e psicológico, para evitar a ruptura da organização política e social vigente”.

Para Thomazi (2008), os princípios da hierarquia e disciplina almejam dar a mais alta eficácia às Organizações Militares, aferindo-lhes poder e controle sobre seus integrantes, destacando-se a superioridade do todo sobre a parte, que é o fundamento utilizado na intenção de protegê-las de possíveis irregularidades e transgressões disciplinares.

O artigo 7º do Regulamento Disciplinar do Exército (Decreto nº 4.346, de 26 de agosto de 2002), define a hierarquia militar como “a ordenação da autoridade, em níveis diferentes, por postos e graduações”. O que de acordo com Shirmer (1987), é um conceito estreitamente vinculado às chamadas patentes, aos postos hierarquizados dentro de uma escala de gradação que no âmbito militar é comumente conhecida por antiguidade, onde o aumento da autoridade cresce em nível proporcional a responsabilidade sobre as pessoas comandadas.

Silva (2008), diz que a hierarquia nas Forças Armadas é o vinculo de subordinação escalonada e graduada de inferior a superior, sob o comando supremo do Presidente da República, pois além da relação hierárquica interna a cada uma das armas (Aeronáutica, Marinha e Exército), a previsão legal da subordinação em conjunto ao Chefe do Poder Executivo Federal, está no artigo 84, XIII, da Constituição Federal.

Já no que se refere à disciplina, o artigo 8º do Regulamento Disciplinar do Exército dispõe que “é a rigorosa observância e o acatamento integral das leis, regulamentos, normas e disposições, traduzindo-se pelo perfeito cumprimento do dever por parte de todos e de cada um dos componentes do organismo militar”.

Shirmer (1987) descreve que a disciplina surge como algo que extrapola os muros das organizações militares por mostrar-se como uma virtude enraizada no caráter das pessoas, que é traçado juntamente com a educação, desde o início da formação da personalidade de cada indivíduo. Destarte, cabe aos militares, infiltrá-la entre seus integrantes, de tal maneira a moldar os padrões comportamentais da vida em sociedade, para que se obtenha êxito em qualquer atividade que vierem a desenvolver representando sua instituição militar.

Ainda, segundo o autor supramencionado a:

“Disciplina significa respeito aos costumes e às pessoas em qualquer lugar em que estiver o soldado, seja na paz, seja na guerra, em seu próprio território ou país estrangeiro. É o apreço por si próprio, a aversão aos vícios; é a pontualidade no serviço, a exatidão na obediência, o escrupuloso respeito às leis e aos regulamentos, a austera dignidade na subordinação; é ordem, é método, é a prática constante de hábitos sadios.” (SHIRMER, 1987, p.21).

Segundo Silva (2008, p. 773), a disciplina é “o poder que têm os superiores hierárquicos de impor condutas e dar ordens aos inferiores”. Sendo, o dever de obediência dos subordinados em relação às ordens ditadas pelos hierarquicamente superiores.

Por fim, de acordo com Shirmer (1987), a hierarquia e a disciplina no seio militar é princípio fundamental e norteador, cujo acatamento independe de posto ou de graduação, cabendo apenas aos seus integrantes o dever incontestável de respeitá-las e fazê-las serem respeitadas, bem como manter sua integridade nas instituições a que servirem.

3.3 DA TRANSGRESSÃO DISCIPLINAR MILITAR

Na ordem do Direito Constitucional, Miranda, citado por Moraes (2008, p.139), descreve que: “quem diz transgressão disciplinar refere-se, necessariamente à hierarquia, através da qual flui o dever de obediência e de conformidade com instruções, regulamentos internos e recebimentos de ordens…”.

No domínio do Direito Administrativo, Francisco, apud, Costa (2009, p. 01), conceitua transgressão disciplinar como sendo “a violação, pelo funcionário, de qualquer dever próprio de sua condição, embora não esteja especialmente prevista ou definida”.

Rosa (2007) conta que o militar no cumprimento de suas funções tem o dever de observar os dois preceitos fundamentais inerentes às Organizações Militares, isto é, a hierarquia e a disciplina. Pois, a conduta de desrespeito a estes preceitos poderá caracterizar prática de faltas administrativas, que são denominadas transgressões disciplinares.

Ribas (2011, p. 38) discorre que a transgressão disciplinar militar pode ser entendida como “todos os atos praticados em contrariedade aos princípios éticos, envolvendo a honra e a moral da classe, e dos deveres e obrigações militares, desde que não sejam enquadrados como crime ou contravenção penal”.

Junto ao extenso alcance dos conceitos supramencionados, vislumbra-se a denominada transgressão disciplinar militar, que no âmbito da administração das instituições militares, está tipificada em seus regulamentos disciplinares, que por sua vez são criados com a finalidade de resguardar suas normas de organização e funcionamento. (GOMES, 2009).

O Regulamento Disciplinar da Marinha (Decreto n.º 88. 545, de 26 de julho de 1983), traz no seu artigo 6º, as transgressões disciplinares, no entanto, designa-as de contravenções disciplinares:

“Contravenção Disciplinar é toda ação ou omissão contrária às obrigações ou aos deveres militares estatuídos nas leis, nos regulamentos, nas normas e nas disposições em vigor que fundamentam a Organização Militar, desde que não incidindo no que é capitulado pelo Código Penal Militar como crime”.

O artigo 8º do Regulamento Disciplinar da Aeronáutica (Decreto n.º 76.322, de 22 de Setembro de 1975), descreve a transgressão disciplinar, como “toda ação ou omissão contrária ao dever militar, e como tal classificada nos termos do presente Regulamento”.

O Capítulo II, do Regulamento Disciplinar do Exército (Decreto nº 4.346, de 26 de agosto de 2002), que trata Das Transgressões Disciplinares, especificamente a Seção I, Da Conceituação e da Especificação, traz em seu art. 14, a definição mais recente de transgressão disciplinar:

“Transgressão disciplinar é toda ação praticada pelo militar contrária aos preceitos estatuídos no ordenamento jurídico pátrio ofensiva à ética, aos deveres e às obrigações militares, mesmo na sua manifestação elementar e simples, ou, ainda, que afete a honra pessoal, o pundonor militar e o decoro da classe”.

A partir da análise das definições de transgressão disciplinar previstas nos regulamentos das Forças Armadas, verifica-se que aquela não constituiu crime, porém, ainda assim, o militar que transgredir uma norma imposta pelo regulamento a que estiver subordinado, poderá, a critério do seu superior hierárquico, ser punido disciplinarmente, visto que a conduta de inobservar o regulamento,  fere os princípios da disciplina e da hierarquia, que são fundamentos essenciais às instituições militares. (FRANCISCO, 2009).

3.4 DAS PUNIÇÕES DISCIPLINARES MILITARES

Para Martins, citado por Pereira (2004, p. 24):

“A punição disciplinar é a pronta resposta da administração à transgressão disciplinar. É a sanctio aplicável à ofensa disciplinar que, tal como a pena na órbita penal, esta cumpre dupla finalidade: é retributiva, na medida em que a Administração Pública deve buscar através do mal justo, personificado na sanção, desestimular o mal injusto da transgressão disciplinar. E é reeducadora, pois visa sintonizar o militar com os seus deveres e obrigações inerentes à vida em caserna. Daí não se falar em função ressocializadora da punição disciplinar, uma vez que o militar sancionado não é um criminoso que precisa ser recuperado para a vida em sociedade.”

Gomes (2009) afirma que quando ocorre a violação de uma conduta estabelecida num regulamento disciplinar militar, presume-se que houve uma transgressão disciplinar, nascendo assim, o dever da Instituição Militar de apurar devidamente a infração e impor uma punição ao transgressor.

A punição disciplinar será exercida através de um processo administrativo disciplinar militar, que segundo o art. 23 do Regulamento Disciplinar do Exército, tem como objetivo precípuo “a preservação da disciplina e deve ter em vista o benefício educativo ao punido e à coletividade a que ele pertence”.

Dias (2008, p. 01) detalha que a punição disciplinar “é aplicada no âmbito administrativo e funciona como uma apenação imposta ao servidor público que comete algum desvio de conduta ou transgressão disciplinar, abstraindo-se o ilícito penal, caso houver”.

No que diz respeito às Instituições Militares, o servidor militar ficará sujeito à punição disciplinar quando não acolher os deveres que lhes são impostos pelos referidos regulamentos da instituição a que servir, pois tais deveres se não observados constituíram transgressão disciplinar militar. (BELLIDO, 2007).

A punição disciplinar possui natureza jurídica de ato administrativo, vez que é uma manifestação unilateral de vontade da Administração Pública, com o fito impor obrigações aos administrados (militares), devendo, entretanto, preencher os requisitos de validade inerentes a todo ato administrativo: a competência, a finalidade, a forma, o motivo e o objeto. (PEREIRA, 2004).

Segundo Ferreira Filho, citado por Pereira (2004, p. 27), o ato punitivo disciplinar militar, na sua especificidade, deve atender, ainda, outros quatro pressupostos, que lhes são próprios, quais sejam: “hierarquia: o transgressor deve estar subordinado a quem o pune; poder disciplinar: a lei deve atribuir poder de punir a esse superior; ato ligado à função: o fundamento da punição tem de ligar-se à função do punido; pena: ou seja, sanção prevista em lei”.

3.4.1 Espécies de Punição Disciplinar Militar

As espécies de punições disciplinares vêm tipificadas nos próprios regulamentos disciplinares militares das Forças Armadas. Dessa forma, o Regulamento Disciplinar do Exército elenca no seu artigo 24 a ordem crescente de gravidade as punições, isto é, a advertência, o impedimento disciplinar, a repreensão, a detenção disciplinar, a prisão disciplinar e o licenciamento e a exclusão a bem da disciplina.

Já o Regulamento Disciplinar da Marinha no artigo 14 classifica as penas disciplinares de forma escalonada, in verbis:

“a) para Oficiais da ativa:

1. repreensão;

2. prisão simples, até 10 dias; e

3. prisão rigorosa, até 10 dias.

b) para Oficiais da reserva que exerçam funções de atividade:

1. repreensão;

2. prisão simples, até 10 dias;

3. prisão rigorosa, até 10 dias; e

4. dispensa das funções de atividade.

c) para os Oficiais da reserva remunerada não compreendidos na alínea anterior e os reformados:

1. repreensão

2. prisão simples, até 10 dias; e

3. prisão rigorosa, até 10 dias.

d) para Suboficiais:

1. repreensão;

2. prisão simples, até 10 dias;

3. prisão rigorosa, até 10 dias; e

4. exclusão do serviço ativo, a bem da disciplina.

e) para Sargentos:

1. repreensão;

2. impedimento, até 30 dias;

3. prisão simples, até 10 dias;

4. prisão rigorosa, até 10 dias; e

5. licenciamento ou exclusão do serviço ativo, a bem da disciplina.

f) para Cabos, Marinheiros e Soldados:

1. repreensão;

2. impedimento, até 30 dias;

3. serviço extraordinário, até 10 dias;

4. prisão simples, até 10 dias;

5. prisão rigorosa, até 10 dias; e

6. licenciamento ou exclusão do serviço ativo, a bem da disciplina.”

Quanto ao Regulamento Disciplinar da Aeronáutica, o artigo 15 estabelece como punições disciplinares: a repreensão, em particular (verbalmente ou por escrito) ou em público (verbalmente ou por escrito); detenção de até 30 dias, prisão (fazendo serviço, ou comum, até 30 dias, sem fazer serviço, até 15 dias, em separado, até 10 dias); licenciamento a bem da disciplina; e exclusão a bem da disciplina.

Não obstante, os regulamentos disciplinares da Marinha e da Aeronáutica apenas citarem as espécies de punições disciplinares, o Regulamento Disciplinar do Exército explica cada uma delas, assim, a punição de advertência, está prevista no artigo 25 do citado regulamento, como sendo “a forma mais branda de punir, consistindo em admoestação feita verbalmente ao transgressor, em caráter reservado ou ostensivo”.

Quanto ao impedimento disciplinar, nos termos do artigo 26 do regulamento disciplinar supracitado, “é a obrigação de o transgressor não se afastar da Organização Militar, sem prejuízo de qualquer serviço que lhe competir dentro da unidade em que serve”.

No caso da repreensão, o artigo 27 preceitua que “é a censura enérgica ao transgressor, feita por escrito e publicada em boletim interno”.

No que concerne à detenção disciplinar, é conceituada no artigo 28 do Regulamento Disciplinar do Exército, como sendo “o cerceamento da liberdade do punido disciplinarmente, o qual deve permanecer no alojamento da subunidade a que pertencer ou em local que lhe for determinado pela autoridade que aplicar a punição disciplinar”.

Ademais, a prisão disciplinar vem descrita no artigo 29 do regulamento supracitado e consiste na “obrigação de o punido disciplinarmente permanecer em local próprio e designado para tal”.

Os casos de licenciamento e exclusão a bem da disciplina, estão previstos no artigo 32 e consistem “no afastamento, ex officio, do militar das fileiras do Exército, conforme prescrito no Estatuto dos Militares”.

Carvalho (2009), conclui que apenas configuram restrição ao direito de ir e vir às punições disciplinares de detenção de até 30 dias ou prisão (fazendo serviço até 30 dias; sem fazer serviço até 15 dias; em separado até 10 dias).

3.5 DA APLICAÇÃO DA PUNIÇÃO MILITAR POR TRANSGRESSÃO DISCIPLINAR

O artigo 42 do Estatuto dos Militares, Lei nº 6.880/80, prevê que a “violação das obrigações ou dos deveres militares constituirá crime, contravenção ou transgressão disciplinar, conforme dispuser a legislação ou regulamentação específicas”.

Oliveira (2010) assevera que com base no dispositivo supracitado, o Poder Executivo Federal elaborou os regulamentos disciplinares de cada Instituição Militar pertencente às Forças Armadas, quais sejam: o Regulamento Disciplinar do Exército (Decreto nº 4.346, de 26 de agosto de 2002); o Regulamento Disciplinar da Aeronáutica (Decreto n.º 76.322, de 22 de Setembro de 1975); e o Regulamento Disciplinar da Marinha (Decreto n.º 88. 545, de 26 de julho de 1983).

Portanto, verifica-se que cada instituição militar possui seus próprios regulamentos disciplinares, nos quais situam as condutas que constituem as transgressões, especificam as regras utilizadas na apuração da infração, as circunstâncias agravantes e atenuantes, e preveem a aplicação da punição cabível a cada espécie de transgressão disciplinar militar. (GOMES, 2009).

Mello, citado por Vieira (2008, p. 02), narra que:

“(…) os Regulamentos Militares Disciplinares são normas específicas a serem aplicadas aos integrantes de cada Força Armada ou Forças Auxiliares, e os próprios Regulamentos Disciplinares conferem poderes discricionários aos superiores hierárquicos para punirem seus subordinados e, nestas Normas Disciplinares há grande poder de discricionariedade de avaliação e decisão por parte dos superiores hierárquicos”.

Rosa (2007) explica que se o militar praticar conduta que acarrete a violação de um bem jurídico relevante para o direito, como por exemplo, a vida e a integridade, ele não estará praticando uma transgressão disciplinar, mas um crime, e ficará sujeito a uma sanção prevista no Código Penal Militar, após regular processo criminal de competência dos Tribunais Militares.

Nesse sentido, o artigo 8º do Regulamento Disciplinar da Aeronáutica dispõe que a transgressão disciplinar é toda ação ou omissão contrária ao dever militar, caso esteja classificada como tal no referido regulamento, e “distingue-se do crime militar que é ofensa mais grave a esse mesmo dever, segundo o preceituado na legislação penal militar”.

Pereira (2004) elucida que o militar que deixar de observar os deveres que lhes são “impostos pelas leis e regulamentos vigentes, fica sujeito à punição disciplinar, pois a inobservância de tais deveres constitui transgressão disciplinar. Esta é, pois, pressuposto daquela e implica necessariamente a sua existência”.

Ainda, segundo o autor citado acima, o não acatamento dos preceitos fundamentais das organizações militares, ou seja, a hierarquia e a disciplina, pelo militar no cumprimento de suas funções, poderá configurar transgressões disciplinares, e após um regular processo administrativo interno, onde devem ser assegurados a ampla defesa e o contraditório, o militar ficará sujeito a uma punição disciplinar prevista no regulamento disciplinar militar da Força Militar a que servir.

3.5.1 Do Processo Administrativo Disciplinar Militar

O Regulamento Disciplinar da Aeronáutica no seu artigo 34, III, estabelece que “nenhuma punição será imposta sem ser ouvido o transgressor e sem estarem os fatos devidamente apurados”, porém quando forem necessários maiores esclarecimentos sobre transgressão, deverá ser procedida sindicância.

No mesmo sentido, o artigo 26, §2º, do Regulamento Disciplinar da Marinha prevê que “quando houver necessidade de maiores esclarecimentos sobre a contravenção, a autoridade mandará proceder a sindicância ou, se houver indício de crime, a inquérito, de acordo com as normas e prazos legais”.

De acordo com Silva (2010), a sindicância é:

“(…) o conjunto de averiguações promovidas no intuito de se obter informações e esclarecimentos necessários à determinação do verdadeiro significado dos fatos denunciados, de forma a permitir à autoridade competente concluir sobre as medidas disciplinares aplicáveis ao caso”.

O autor supracitado explica que o processo de sindicância geralmente é iniciado após denúncia ou notícia de fato ensejador de punição, e se prossegue com a realização das medidas que objetivam averiguar se houve transgressão disciplinar. Por conseguinte, a sindicância esclarecerá a falta funcional e determinará a sua autoria.

Michaelsen (2012, p. 1) aduz que sindicância disciplinar militar é o procedimento que reúne elementos inquisitoriais e processuais, e “cuja produção não só legitimará uma possível ação administrativa punitiva da autoridade instauradora contra o sindicado, mas deverá vincular a motivação do ato decisório ao que efetivamente foi apurado na sindicância”.

Moreira (2011) lembra que por ser a sindicância procedimento de natureza inquisitiva, não se instaura nele o contraditório e a ampla defesa. Entretanto, se na fase de sindicância do processo administrativo disciplinar militar, ficar evidenciado fato que caracterize transgressão disciplinar e presentes os elementos de autoria e materialidade, o militar que constatou a suposta irregularidade, após informar o acusado, formulará a competente acusação disciplinar militar, onde poderá o acusado impor o contraditório e a ampla defesa, além de requerer a produção das provas necessárias.

Ainda, com a apresentação da defesa pelo acusado e após a instrução probatória, “os autos devem ser remetidos à autoridade militar com poder disciplinar sobre o acusado, que estando segura deverá prolatar a competente sentença administrativa disciplinar militar”. (MOREIRA, 2011, p. 5).

Pereira (2004) declara que é na fase de julgamento que se define a gravidade da punição, que conforme previsto nos artigos 16 a 20 do Regulamento Disciplinar do Exército, leva em conta critérios objetivos, relacionados ao objeto da transgressão e critérios subjetivos relacionados à pessoa do transgressor.

O artigo 16 do Regulamento Disciplinar do Exército, dispõe que: “o julgamento da transgressão deve ser precedido de análise que considere: a pessoa do transgressor; as causas que a determinaram; a natureza dos fatos ou atos que a envolveram; e as consequências que dela possam advir”.

Assim, o artigo 17, do regulamento citado acima, preceitua que durante o julgamento da transgressão disciplinar, podem ser levadas em consideração causas que justifiquem a conduta faltosa do transgressor, ou circunstâncias que a atenuem ou a agravem a punição.

No caso do Regulamento Disciplinar do Exército, as causas de justificação, estão previstas no seu artigo 18, onde estabelece que:

“Haverá causa de justificação quando a transgressão for cometida:

I – na prática de ação meritória ou no interesse do serviço, da ordem ou do sossego público;

II – em legítima defesa, própria ou de outrem;

III – em obediência a ordem superior;

IV – para compelir o subordinado a cumprir rigorosamente o seu dever, em caso de perigo, necessidade urgente, calamidade pública, manutenção da ordem e da disciplina;

V – por motivo de força maior, plenamente comprovado; e

VI – por ignorância, plenamente comprovada, desde que não atente contra os sentimentos normais de patriotismo, humanidade e probidade.”

Rosa (2007) descreve em seu artigo “Causas de justificação da transgressão disciplinar militar”, que, nem sempre, a transgressão disciplinar militar ensejará a imposição de uma punição ao militar, pois o ato de transgressão poderá ter sido praticado de forma justificada, o que impede a imposição de uma sanção disciplinar. É o que retrata o parágrafo único do artigo supracitado: “não haverá punição quando for reconhecida qualquer causa de justificação”.

O artigo 19 do aludido Regulamento, traz as circunstâncias que atenuam a pena: “o bom comportamento; a relevância de serviços prestados; ter sido a transgressão cometida para evitar mal maior; ter sido a transgressão cometida em defesa própria, de seus direitos ou de outrem, não se configurando causa de justificação; e a falta de prática do serviço”.

Já o artigo 20 do Regulamento Disciplinar do Exército, enumera as circunstâncias agravantes:

“I – o mau comportamento;

II – a prática simultânea ou conexão de duas ou mais transgressões; III – a reincidência de transgressão, mesmo que a punição anterior tenha sido uma advertência;

IV – o conluio de duas ou mais pessoas;

V – ter o transgressor abusado de sua autoridade hierárquica ou funcional; e

VI – ter praticado a transgressão:

a) durante a execução de serviço;

b) em presença de subordinado;

c) com premeditação;

d) em presença de tropa; e

e) em presença de público.”

Rosa, apud, Ritta (2012, p. 7), entende que a autoridade administrativa militar:

“(…) deve atuar com imparcialidade nos processos sujeitos a seus julgamentos, e quando esta verificar que o conjunto probatório estampado nos autos é deficiente deve entender pela absolvição do militar. A precariedade do conjunto probatório deve levar à absolvição do acusado para se evitar que este passe por humilhações e constrangimentos de difícil reparação, que poderão deixar suas marcas mesmo quando superados, podendo refletir nos serviços prestados pelo militar à população”.

Em suma, Moreira (2011) enfatiza que apesar da celeridade inerente aos processos administrativos disciplinares, inclusive o natureza militar, é imprescindível a observância dos princípios constitucionais, pois estes não interferem nas prerrogativas conferidas à administração pública, que deve punir de forma justa todos os seus agentes transgressores.

3.5.2 Da Prisão Disciplinar Militar

Mello (2011) assevera que é comum no direito disciplinar militar a aplicação de punições que impliquem em cerceamento da liberdade do militar transgressor, e cita como exemplos, o artigo 24 do Regulamento Disciplinar do Exército que prevê as penas de detenção, prisão e prisão em separado; o artigo 14 do Regulamento Disciplinar da Marinha que estabelece as penas disciplinares de impedimento, prisão simples e prisão rigorosa; e por fim, o artigo 15 do Regulamento Disciplinar da Aeronáutica, que institui a detenção, a prisão fazendo serviço ou comum até 30 dias, sem fazer serviço até 15 dias e em separado até 10 dias.

Segundo Rosa (2007), somente após o regular desenvolvimento do processo administrativo disciplinar militar, no qual devem ser assegurados o contraditório e a ampla defesa, poderá ser aplicada punição cerceadora da liberdade a ser cumprida em estabelecimento militar. Uma vez que o próprio artigo 35, §1º, do Regulamento Disciplinar do Exército, prevê que “nenhuma punição disciplinar será imposta sem que ao transgressor sejam assegurados o contraditório e a ampla defesa, inclusive o direito de ser ouvido pela autoridade competente para aplicá-la, e sem estarem os fatos devidamente apurados”.

Rosa (2000, p. 1) relata que “no campo do direito administrativo militar, existe a possibilidade do servidor (federal ou estadual) ter a sua prisão administrativa decreta por uma autoridade militar sem qualquer autorização judicial neste sentido”.

O autor supracitado explica que a prerrogativa administrativa de decretar a prisão sem ordem judiciária não denota que o militar tenha perdido a sua condição de cidadão ou que os direitos e garantias fundamentais constitucionais perderam a sua eficácia, vez que essa prerrogativa somente será concedida quando a conduta ensejadora da prisão estiver expressamente prevista em lei.

Lima (2007, p. 2) preceitua que a prisão administrativa não deve ser uma ferramenta com finalidade meramente repressiva, todavia uma medida excepcional, “devendo ser assegurado ao infrator todas as garantias processuais, para que o cerceamento da liberdade, jus libertatis, possa ser revisto pelo Poder Judiciário, que é o guardião dos direitos e garantias do cidadão”.

Rosa (2007) explica que a prisão disciplinar militar poderá ocorrer na forma de detenção ou prisão a ser cumprida em estabelecimento militar, em regra na Organização Militar de origem do infrator, onde permanecerá durante o prazo estipulado pela autoridade competente, que de acordo com o artigo 23, parágrafo único, do Regulamento Disciplinar do Exército, não ultrapassará 30 (trinta) dias.

No entanto, Peniche (2010) lembra que em razão da presunção de veracidade dos atos administrativos, o militar transgressor poderá de preso preventivamente, o que independe de ulterior sindicância ou processo administrativo disciplinar.

Nesse desiderato, o artigo 41 do Regulamento Disciplinar da Marinha dispõe que o superior hierárquico “deverá também dar voz de prisão imediata ao contraventor e fazê-lo recolher-se à sua Organização Militar quando a contravenção ou suas circunstâncias assim o exigirem, a bem da ordem pública, da disciplina ou da regularidade do serviço”.

A prisão preventiva disciplinar constitui medida legal imediata, aplicável para restaurar a ordem militar, sendo efetivada em nome da preservação da disciplina, vez que constitui condição de existência às Organizações Militares. (PENICHE, 2010).

Vasconcelos (2010) esclarece que as punições disciplinares militares cerceadoras de liberdades constituem matéria de debate em âmbito jurídico, vez que aparentemente se observa certa incoerência entre as garantias constitucionais e a viabilidade do cerceamento da liberdade pela administração pública.

4 AMPARO CONSTITUCIONAL ÀS TRANSGRESSÕES E PUNIÇÕES DISCIPLINARES MILITARES

Conforme Augusto Júnior (2011), a Constituição Federal é o fundamento para todas as demais normas, cabendo a estas observarem os dizeres constitucionais, caso contrário não produzirão nenhum efeito.

Mello (2011) relata que determinados comandantes militares inadmitem a intervenção dos princípios constitucionais (reserva legal, ampla defesa, etc) na apuração das punições disciplinares militares, pois defendem total discricionariedade no ato de punir seus subordinados. E infere que muitas punições privativas de liberdade, consideradas legais e justas pelos comandantes, na visão do Poder Judiciário são ilegais e arbitrárias.

Ainda, para o autor supracitado, a obediência aos direitos fundamentais constitucionais assegurados aos cidadãos não configura irreverência à hierarquia e à disciplina. Porquanto, constata-se por meio da interpretação do artigo 5º da Constituição Federal que não há diferença entre o cidadão militar e o cidadão civil, vez que todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza.

4.1 DOS PRINCÍPIOS CONTITUCIONAIS FRENTE ÀS PUNIÇÕES DISCIPLINARES MILITARES

Gomes (2011) aduz que: “os princípios são a base de um sistema jurídico, são as ideias centrais do sistema. São eles que determinam o alcance e o sentido das normas. São como um farol que guia uma embarcação a um ponto seguro”.

Ainda, segundo o autor descrito acima, a supremacia dos princípios constitucionais é irrefutável. Desse modo, a interpretação dos princípios e normas infraconstitucionais deve ser feita em conformidade com os princípios constitucionais, mesmo que implícitos no Texto Maior.

Segundo Ritta (2012), com a vigência da Constituição Federal de 1988, não se pode olvidar que os princípios e normas constitucionais devem ser aplicados ao Processo Administrativo Disciplinar Militar (PADM). Entretanto, há certa dificuldade na aceitação por parte dos militares, sobretudo dos oficiais formados durante o regime militar, quanto à ingerência dos preceitos constitucionais nos processos administrativos militares.

Ademais, Gomes (2011) certifica que os princípios precisam ser obedecidos diante da aplicação do habeas corpus nas punições disciplinares militares, e cita como exemplos o princípio do contraditório e da ampla defesa, o princípio da legalidade, o princípio da inafastabilidade do Judiciário, o princípio do devido processo legal, o princípio da razoabilidade e da proporcionalidade etc.

4.1.1 Princípio da igualdade

A Constituição Federal em seu artigo 5º, caput, estabelece que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.

Nesse sentido, Gomes (2011) explica que os militares são cidadãos brasileiros amparados pela Constituição Federal, e como o próprio dispositivo constitucional afirma, não deve haver distinção de qualquer natureza entre civis e militares, pois para ambos são garantidos os direitos, em favor do princípio da igualdade. Portanto, não seria justo excluir os militares desta garantia constitucional.

Ribas (2011, p. 9) preleciona que “determinados cidadãos sujeitam-se a condições especiais, diferentes por vezes dos demais, como é o caso dos cidadãos militares”. E explica, que os próprios dispositivos constitucionais referentes aos militares trazem um tratamento desigual, como exemplo, o artigo 142, §2º, da Constituição Federal: “não caberá habeas corpus em relação a punições disciplinares militares”.

4.1.2 Princípio da legalidade

O princípio da legalidade previsto no artigo 5º, II, da Constituição Federal, garante que a ninguém será imposta obrigação de fazer ou não fazer sem prévia cominação legal. Nessa esteira, Oliveira (2010) apura que a previsão do princípio da legalidade no caput do artigo 37, também da Constituição Federal, que trata dos princípios fundamentais que devem ser observados pela Administração Pública, elucida que a atividade administrativa deve se desenvolver conforme o estabelecido em lei, só podendo fazer o que a lei autoriza.

O autor assinalado acima indica que o princípio da legalidade na aplicação das sanções administrativas deve ser entendido como o princípio da cobertura legal, isto é, deve ser utilizado de forma mitigada, levando em consideração a natureza das funções administrativas.

Loureiro Neto, citado por Mello (2011), entende que as transgressões disciplinares miliares não se submetem ao princípio da legalidade, vez que os regulamentos disciplinares trazem dispositivos indeterminados e flexíveis, admitindo aos comandantes militares maior discricionariedade na apreciação da conduta do subordinado, com a finalidade de atender os princípios de oportunidade e conveniência da penalidade a ser aplicada.

Entretanto, Ritta (2012) afirma que a punição disciplinar militar pode acarretar o cerceamento da liberdade, portanto, devido ao valor do bem jurídico sobre o qual incide a punição, seria arbitrária a concessão ilimitada à autoridade militar punir o subordinado, afrontando o princípio da legalidade.

4.1.3 Princípio da presunção de inocência

Segundo Vasconcelos (2010), no direito moderno a liberdade é consequência da cidadania e, quando articulada ao princípio da presunção de inocência, obsta que o indivíduo tenha sua liberdade coagida sem autorização judiciária. Entretanto, diante da excepcional possibilidade do militar ter sua prisão disciplinar decretada pelo seu superior hierárquico, os estudiosos do direito se interrogam sobre a constitucionalidade de tal exceção.

Rosa, citado por Ritta (2012, p. 7), preceitua que “o princípio da inocência é uma realidade do processo administrativo militar e deve ser aplicado pelo administrador quando o conjunto probatório impeça a prolação de um seguro decreto condenatório”.

Rosa, citado por Fernandes (2003, p. 3), frisa que “na dúvida, quando da realização de um julgamento administrativo onde o conjunto probatório é deficiente, não se aplica o princípio in dubio pro administração, mas o princípio in dubio pro reo…”.

Nesse ínterim, Silva (2011) infere que a ausência de provas diante da presunção de inocência acarreta a absolvição do acusado. Assim, apesar da Administração Pública Militar possuir discricionariedade no julgamento dos seus subordinados, quando os meios de provas não acudirem suficientes para a condenação daqueles, prevalecerá o princípio da presunção de inocência.

4.1.4 Princípios da razoabilidade e da proporcionalidade

De acordo com Gomes (2011), há autores, que com fundamento no princípio da razoabilidade e da proporcionalidade, justificam a interferência do Judiciário no mérito do ato administrativo, uma vez que determinadas autoridades utilizam a discricionariedade de forma desproporcional, não atingindo a real finalidade da aplicação da punição disciplinar.

O autor supramencionado entende que ao Poder Judiciário não cabe questionar o mérito da decisão administrativa ensejadora de punição, já que o mérito do ato administrativo é próprio poder discricionário que possui a administração pública de utilizar-se do juízo de conveniência e oportunidade. No entanto, há limites impostos no exercício de tal discricionariedade, ou seja, a ponderação dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade quanto à aplicação da punição à transgressão disciplinar.

Martins (2007) esclarece que o motivo do ato administrativo punitivo se desdobra nas razões de fato e de direito que determinam a aplicação da sanção disciplinar. Desse modo, o grau de liberdade dado à autoridade competente para fazer a subsunção da transgressão disciplinar à norma sancionadora, confere a valoração subjetiva da gravidade da conduta do transgressor, não podendo se afastar nesse caso a razoabilidade quando da aplicação da sanção, pois poderá ocorrer a impugnação judicial do ato pela falta de proporcionalidade entre a punição e seu motivo.

4.1.5 Princípio do devido processo legal

A Constituição Federal de 1988 assegurou a todo cidadão brasileiro uma série de garantias, que foram estendidas, inclusive, aos estrangeiros domiciliados no Brasil ou até mesmo de passagem, dentre estas garantias e direitos destaca-se o devido processo legal e seus corolários, isto é, a ampla defesa e o contraditório. (LIMA, 2011).

O princípio do devido processo legal, previsto no artigo 5º, LIV, da Constituição Federal, dispõe que "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.

Paixão (2002, p. 1) revela que “embora a garantia do devido processo legal seja tradicionalmente associada aos processos judiciais, é indiscutível a sua aplicação em todos os casos em que o direito à liberdade e a propriedade possam ser afetados”.

Conforme Lima (2011, p. 13), fazem parte do devido processo legal “todos os outros princípios processuais, como o da isonomia, do juiz natural, da inafastabilidade da jurisdição, da proibição da prova ilícita, da publicidade dos atos processuais, do duplo grau de jurisdição e da motivação das decisões judiciais”.

Ainda, segundo o autor citado acima, o princípio do devido processo legal que antes da vigência da Constituição Federal de 1988 era assegurado apenas aos acusados em processo judicial foi estendido àqueles que respondam a processo administrativo. Dessa forma, a ampla defesa e o contraditório que até então era uma exceção no ramo do Direito Administrativo Militar, passaram a ser a regra, sob pena de nulidade da sanção disciplinar aplicada.

4.1.6 Princípio da inafastabilidade da jurisdição

Segundo Pinho, citado por Nascimento (2010, p. 2), o princípio da inafastabilidade da jurisdição é “uma decorrência do monopólio da atividade jurisdicional pelo Estado. Trata-se do direito ao processo, à atividade de distribuição da justiça exercida pelo Poder Judiciário”.

O inciso XXXV do artigo 5º da Constituição Federal, aduz que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

Nascimento (2010) conta que tal dispositivo traz o princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário no exame de lesão ou ameaça a direito no âmbito das Organizações Militares.

Ademais, para Gomes (2011), a Constituição Federal por meio de tal princípio torna evidente a amplitude do controle jurisdicional sobre dos atos do Poder Público. Dessa forma, o Poder Judiciário tem o dever de analisar os litígios apresentados, averiguando, minuciosamente, qualquer lesão ou ameaça a direito.

4.2 DOS REGULAMENTOS DISCIPLINARES MILITARES À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

O artigo 5º, LXI, da Constituição Federal, dispõe que “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”.

Augusto Júnior (2011) explica que a norma preestabelecida excepciona duas circunstâncias em que o indivíduo poderá ter seu direito de locomoção restringido sem necessidade de flagrante delito ou autorização judiciária, ou seja, no caso do cometimento de transgressão militar e nos crimes propriamente militares.

De acordo com o autor mencionado acima, a exceção relativa à possibilidade de prisão por transgressão disciplinar militar sem situação de flagrante delito ou ordem judiciária, deveria estar prescrita em lei, pois perante o Texto Constitucional, questiona-se se os regulamentos disciplinares, os quais foram instituídos por decretos, e não por intermédio de lei, estariam em consonância à Lei Maior, ferindo, de qualquer modo, o princípio da legalidade.

Gomes (2011), dentre outros autores, alega que alguns regulamentos disciplinares militares trazem em seus textos disposições que desafrontam a Constituição Federal de 1988, e cita como exemplo, o parágrafo único do artigo 7º do Regulamento Disciplinar da Marinha, onde preceitua que:

“São também consideradas contravenções disciplinares todas as omissões do dever militar não especificadas no presente artigo, desde que não qualificadas como crimes nas leis penais militares, cometidas contra preceitos de subordinação e regras de serviço estabelecidos nos diversos regulamentos militares e determinações das autoridades superiores competentes.”

Silva Júnior (2002) justifica que o dispositivo acima é entendido no sentido de que o cidadão militar poderá ser preso por violar uma conduta não tipificada como transgressão, dependendo exclusivamente e apenas do livre arbítrio da autoridade competente, uma vez que considera transgressão todas as ações e omissões ou atos não especificados no rol das transgressões. Em suma, o militar acusado não poderá se esquivar de uma punição disciplinar, se a critério da autoridade militar, assim resolver. Sendo, desse modo, a mais grave violação constitucional encontrada nos regulamentos disciplinares militares, e que há situações semelhantes nos Regulamentos Disciplinares do Exército e da Aeronáutica.

Segundo Gomes (2011), a interpretação aplicada ao parágrafo único do referido artigo, é muito ampla, alargando assim, a discricionariedade conferida às autoridades militares. Igualmente, o aludido dispositivo constitui um atentado aos princípios constitucionais, visto que a Constituição Federal impera em seu artigo 5º, XXXIX, que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. Ademais, esta regra constitucional, carece ser ampliada às hipóteses de transgressões disciplinares, em consideração ao princípio da legalidade.

Contudo, Rosa (2007), relata que a questão mais discutida entre os autores que debatem a constitucionalidade de alguns dispositivos presentes nos Regulamentos Disciplinares Militares, é a interpretação do § 2º do artigo 142 da Constituição Federal de 1988, que integra o Título que trata da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas, onde prevê que: "não caberá habeas corpus em relação a punições disciplinares militares".

Conforme Bellido (2007, p. 3):

“A possibilidade da prisão administrativa ser decretada sem qualquer autorização judicial não significa que o militar tenha perdido o seu status de cidadão ou que os direitos e garantias fundamentais assegurados pela CF perderam a sua eficácia. O Estado apenas concedeu a possibilidade de cerceamento da liberdade por ato de autoridade diversa da autoridade judiciária nos casos expressamente previstos em lei como crime militar ou transgressão disciplinar militar.”

O autor citado acima entende que a prisão por transgressão disciplinar, deve ser revista, por ser aplicada de forma inconstitucional por militares incompetentes para ato, pois qualquer cidadão só deve ser preso por determinação judicial conforme estabelece a Constituição Federal, no caso dos militares, por ordem de juízes militares, após o devido trânsito em julgado do processo ou nos casos prescritos em lei, como ocorre nas prisões penais militares, por exemplo, no flagrante delito a militar, onde o auto de flagrante poderá ser lavrado por autoridade civil ou até mesmo por autoridade militar, sendo o crime posteriormente apurado pela Justiça Militar Federal.

5 DO CABIMENTO DO HABEAS CORPUS NAS PUNIÇÕES DICIPLINARES MILITARES NO ÂMBITO DAS FORÇAS ARMADAS

5.1 POSIÇÃO DA LITERATURA JURÍDICA

A Constituição Federal de 1988 regulamenta o habeas corpus em seu artigo 5º, LXVIII, que assim estabelece: “conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”.

Ribas (2011) anota que a norma apresentada acima, institui que o habeas corpus é um direito que pode ser concedido a todos os cidadãos, no entanto, constata-se que o seu cabimento às punições disciplinares militares vem a alguns anos sendo debatido tanto pela doutrina quanto pelos tribunais superiores. Isso porque, a própria Constituição Federal de 1988 veda em seu artigo 142, §2º, a possibilidade de impetração do habeas corpus contra as punições disciplinares militares: “não caberá habeas corpus em relação a punições disciplinares militares”.

Tal artigo, conforme o autor supramencionado aparenta contrapor-se ao disposto no inciso LXVIII do artigo 5º da Carta Magna, que estabelece que será concedido habeas corpus sempre que for lesado o direito de ir e vir do cidadão.

Neste sentido, Pereira (2004, p. 13) pondera que:

“(…) há uma discussão muito presente sobre a concessão ou não do habeas corpus nas transgressões disciplinares militares, principalmente quando cerceadoras da liberdade, mesmo havendo vedação expressa na Constituição Federal de descabimento a sua concessão, contudo, contrariando a mesma garantia constitucional de apreciação do judiciário de qualquer ameaça ou lesão a direito”.

Gregio (2007, p. 1) diz que o assunto “habeas corpus”, por si só gera vários questionamentos, e se torna ainda mais debatido, quando se trata de prisão oriunda da transgressão disciplinar militar. E complementa dizendo que “é um tema controvertido, divisor de opinião entre juristas, sobre o prisma da possibilidade de cabimento ou não do instituto nessas transgressões, uma vez que os militares são dotados de regime jurídico próprio diferenciado dos regimes civis”.

Assis (2005, p. 1) explica que a questão do cabimento do habeas corpus nas punições disciplinares militares é “tortuosa, e tem atormentado, a um só momento no Brasil, os aplicadores do direito, os comandos militares e, os próprios militares que entendem estarem ameaçados de restrição a sua liberdade individual em face da apuração de eventual falta disciplinar”.

Ademais, quanto ao cabimento do habeas corpus nas punições disciplinares militares, o autor supramencionado, afirma existir três correntes distintas, a saber: a primeira, que simplesmente inadmite o cabimento do remédio constitucional nas transgressões disciplinares militares; a segunda, diz que o habeas corpus pode ser utilizado nas punições disciplinares, sendo vedada a sua impetração para analisar o mérito do ato disciplinar; já a terceira corrente, entende que a concessão de habeas corpus é ilimitada, permitindo se analisar não só os aspectos legais do ato disciplinar, mas também o próprio mérito do ato administrativo militar.

Ribas (2011, p. 38) aduz que a primeira corrente estabelece a inadmissibilidade do habeas corpus nas transgressões disciplinares militares por conta da aplicação dos princípios da hierarquia e disciplina, que regem a organização militar, onde os seus adeptos entendem que “os militares são sujeitos especiais, ligados pelos princípios da hierarquia e disciplina, e por esse motivo devem sujeitar-se a penalidades maiores, justificando assim a impossibilidade de cabimento do habeas corpus”.

Cretella Júnior, citado por Pereira (2004, p. 32), e adepto da primeira corrente, assegura que o habeas corpus é um remédio constitucional que sofre exceção em relação a punições disciplinares militares, dessa forma, exclui-se da proteção de tal remédio, “todos os casos em que o constrangimento ou a ameaça de constrangimento à liberdade de locomoção resultar de punição disciplinar”.

Seguindo também a primeira corrente, Ceneviva, mencionado por Almeida (2009, p. 9), afirma que “por razões ligadas aos conceitos de hierarquia e disciplina, não cabe o habeas corpus para as punições militares de caráter disciplinar”.

Silva, aludido por Fabro (2012, p. 05) relata que não há viabilidade de impetração de habeas corpus ao militar punido administrativamente, in verbis:

“Não se confundem, como se vê, hierarquia e disciplina, mas são termos correlatos, no sentido de que a disciplina pressupõe relação hierárquica. Somente se é obrigado a obedecer, juridicamente falando, a quem tem poder hierárquico. Onde há hierarquia, com superposição de vontades, há, correlativamente, uma relação de sujeição objetiva, que se traduz na disciplina, isto é, no rigoroso acatamento pelos elementos dos graus inferiores da pirâmide hierárquica, às ordens, normativas ou individuais, emanadas dos órgãos superiores. A disciplina é, assim, um corolário de toda organização hierárquica. Essa relação fundamenta a aplicação de penalidades que ficam imunes ao habeas corpus, nos termos do art. 142, § 2º, que declara não caber aquele remédio constitucional em relação a punições disciplinares militares”.

A segunda corrente é denominada de mitigada por entender que num dado momento o habeas corpus será inexequível quanto às punições disciplinares militares, porém, em outro, esta vedação estará dirigida apenas ao mérito do ato disciplinar, que por sua vez é de natureza administrativa, não ficando impedida a análise quanto à legalidade da punição aplicável. (ASSIS, 2005).

Dentre os adeptos da segunda corrente está Ackel Filho, indicado por Pereira (2004), onde defende que o impedimento referente à aplicação do habeas corpus, deve ser parcialmente admitido, pois a vedação à concessão do remédio constitucional, diz respeito aos casos de punição disciplinar regular, assim, por exemplo, se a punição for imposta por autoridade manifestamente incompetente ou contrária as normas regulamentares que vinculam a ação do superior responsável pela punição, a ação de habeas corpus será seguramente cabível.

Ferreira, citado por Almeida (2009), acode que será possível à concessão do habeas corpus nas punições disciplinares militares, nos casos em que a sanção for decidida por autoridade incompetente, não estiver em conformidade com a lei ou excedendo os limites desta.

Miranda, aludido por Pereira (2004, p. 33), adverte que a transgressão disciplinar refere-se, necessariamente, a:

“a) hierarquia, através da qual flui o dever de obediência e de conformidade com instruções, regulamentos internos e recebimento de ordens;

b) poder disciplinar, que supõe a atribuição de direito de punir, disciplinarmente, cujo caráter subjetivo o localiza em todos, ou em alguns, ou somente em alguns dos superiores hierárquicos;

c) ato ligado à função;

d) pena susceptível de ser aplicada disciplinarmente, portanto sem ser pela justiça como justiça.”

O autor adverte ainda, que não pode faltar hierarquia entre o punido e o que puniu, porquanto constitui pressuposto necessário, bastando que se prove inexistir tal hierarquia, para que seja possível impetrar o remédio constitucional. Além disso, se o ato praticado pelo militar for inteiramente alheio à função, faltará o requisito essencial caracterizador da transgressão disciplinar, cabendo, no entanto, a aplicação do habeas corpus.

Segundo Pereira (2004), também seguidor da segunda corrente, a hierarquia e a disciplina, indubitavelmente, são os pilares das Forças Armadas, contudo é prudente ponderar se não se sobrepõe naquilo que a Constituição consagrou como direito fundamental, que é a liberdade, protegida, dentre outros, pelo habeas corpus, impetrado contra atos ilegais ou abusivos.

O autor supracitado destaca que não é coerente vedar o uso do remédio constitucional nas punições disciplinares militares simplesmente com a desculpa da necessidade de conservação da hierarquia e disciplina, vez que a perturbação dos postulados da hierarquia e disciplina de uma instituição militar, surge com a constatação da ilegalidade e o abuso de poder, e nunca com a ingerência do Poder Judiciário, que, por sua vez, certamente põe limite ao conflito e às incoerências presentes nas decisões das Organizações Militares.

Quanto à última corrente, Assis (2005), destaca ser dotada de liberalidade, pois permite a concessão ilimitada de habeas corpus em sede de transgressões disciplinares militares, podendo o Poder Judiciário analisar não apenas os aspectos legais do ato disciplinar atacado, mas, inclusive, o próprio mérito do ato administrativo militar.

Ribas (2011, p. 39), explica que a terceira corrente é a mais aberta de todas, por entender que “o habeas corpus é um direito de todos os cidadãos e deve ser concedido em qualquer hipótese, adentrando não só nas questões referentes à legalidade da punição disciplinar militar, como também no mérito do ato atacado”.

Outrossim, Pereira (2004) destaca que diante da interpretação gramatical dos artigos 142, §2º e 5º, LXVIII, da Constituição Federal, conclui-se que o habeas corpus não é aplicado quando o cerceamento da liberdade for decorrente de punição disciplinar militar, o que se faz presumir que estariam permitidas a ilegalidade ou o abuso de poder.

Segundo Fernandes (2006, p. 32):

“(…) se fizermos uma interpretação apressada desses dispositivos, podemos concluir que, em relação às transgressões militares, a Constituição estaria consagrando o arbítrio e a ilegalidade, o que não ocorre, pois a maioria da doutrina e jurisprudência tem entendido que, apesar do disposto no § 2º, do artigo 142, caberá habeas corpus quanto às punições disciplinares, considerando que no artigo 5º, LXVIII, a Constituição não fez restrições à aplicação desse instituto. No entanto, a matéria não é pacífica.”

Dessa forma, Pereira (2004) assevera que tais dispositivos não podem ser interpretados de forma isolada, pois se há uma regra que coíbe e em contrapartida outra que permite é certo que a regra restritiva ficou limitada à regra concessiva, configurando o cabimento da ação de habeas corpus nas punições disciplinares militares.

Para Bellido (2007), o artigo 142, §2º, da Constituição Federal é entendido no sentido de que o Poder Judiciário não deve questionar o mérito do ato administrativo punitivo, em atendimento ao Princípio da Independência entre os Poderes, protegendo com isso, a hierarquia e a disciplina militares.

Todavia, para Gomes (2011, p. 2):

“(…) tal argumento não procede quando se analisa a legalidade ou o abuso de poder, pois a própria Constituição Federal estabelece no inciso XXXV do art. 5º que a “lei não pode excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. E fazendo-se uma interpretação mais detalhada desse dispositivo (art. 5º inciso XXXV CF) conclui-se que toda e qualquer lesão ou ameaça a direito pode ser apreciada pelo Poder Judiciário, cabendo a este decidir quanto à legalidade do ato. Portanto, não há que se falar em limitações ao Judiciário na hipótese de direito lesionado. Lesionado ou ameaçado o direito, surge para o Poder Judiciário o dever de apreciá-lo, quando requerido pela parte prejudicada.”

O autor supracitado argumenta que o §2º do artigo 142 da Constituição Federal, deve ser interpretado sistematicamente, não sendo visto de forma absoluta, o que pode incorrer em tratar de forma desigual alguns cidadãos brasileiros, no caso os militares. Portanto, a todos os cidadãos deve ser assegurado o direito a liberdade individual, visto que em âmbito social a regra é a liberdade, sendo a prisão uma exceção.

Corrêa, citado por Pereira (2004), manifesta que a vedação do uso do habeas corpus nas punições disciplinares militares, prevista no §2º do artigo 142 da Constituição Federal, trata-se de uma proibição limitada pela própria constituição, por meio do artigo 5º, LXVIII. Assim sendo, basta que se constate que a punição disciplinar tenha sido sobreposta, por exemplo, por autoridade militar sem poderes para tal, ou que o tempo de punição seja além do que os regulamentos disciplinares preveem, para que a ordem da ação de habeas corpus seja concedida.

Destarte, de acordo com Pereira (2004), os dispositivos constitucionais em debate, necessitam de interpretação jurídica mais cautelosa para evitar o cometimento de possíveis iniquidades contra os militares, a quem são conferidas missões tão imponentes, mas também não se penetre no mérito das punições disciplinares e provoque a desestabilização dos pilares fundamentais concebidas pela hierarquia e disciplina. Vez que medidas arrojadas podem gerar insegurança na ordem interna e externa das Forças Armadas, a quem compete à defesa da Pátria, além da garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem.

Portanto, a corrente majoritária entre os autores que debatem a matéria argumenta sobre o cabimento do habeas corpus nas prisões oriundas de transgressão disciplinar militar. E afirma que o militar constrangido na sua liberdade de locomoção por ilegalidade ou abuso de poder, por suposta prática de transgressão disciplinar militar, estará livre para propor perante o Tribunal militar competente a ação de habeas corpus. (RIBAS, 2011).

5.2 POSIÇÃO JURISPRUDENCIAL

Em conformidade com a corrente majoritária tratada no item anterior, assiste alguns julgados dos Tribunais Regionais Federais, senão vejamos:

“EMENTA: PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PUNIÇÃO DISCIPLINAR MILITAR. Embora não caiba habeas corpus para controle do mérito da punição disciplinar militar (ar. 142, § 2º – CF), o writ pode ser manejado para o controle dos pressupostos de legalidade do ato punitivo, inclusive no que se relaciona com o devido processo legal.” (TRF1 – 3ª Turma. RCHC: 1997.01.00.028570-9/AM – Rel. Juiz Antonio Ezequiel, 03/11/2000, p. 4).

“PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO DE HABEAS CORPUS. PUNIÇÃO DISCIPLINAR MILITAR. ATO ADMINISTRATIVO. EXAME DOS REQUISITOS FORMAIS. Conquanto os arts. 142, §2º, da Constituição Federal e 647, do Código de Processo Penal, prevejam expressamente não ser cabível habeas corpus para discutir punição disciplinar militar, a jurisprudência tem entendido que, caracterizando-se como ato administrativo, seus aspectos formais podem ser analisados pelo Poder Judiciário, sendo vedado apenas o exame do mérito da punição disciplinar militar.” (TRF1 – 4º Turma. RCHC: 2001.34.00.000844-7/DF – Rel. Juiz Ítalo Mendes, 30 /08 /2001, p. 161).

“EMENTA: PROCESSUAL PENAL. RECURSO DE HABEAS CORPUS. PRISÃO DISCIPLINAR MILITAR. CONTROLE JUDICIAL. 1. Tem entendido a jurisprudência, interpretando o § 2º do art. 142 da CF ("Não caberá habeas corpus em relação a punições disciplinares militares"), que o controle judicial da punição disciplinar militar na via do habeas corpus restringe-se à sua legalidade (competência, forma, devido processo legal etc), não se estendendo ao segmento de mérito, radicado na conveniência e na oportunidade da punição. 2. "Ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente" (CF – art. 5º, LXI), exceto nos casos de transgressão militar. 3. Improvimento do recurso”. (TRF1 – 3ª Turma. RCHC: 2002.34.00.035931/DF – Rel. Des. Federal Olindo Menezes, 11/03/2003, p. 32).

“EMENTA: PENAL. RECURSO DE ‘HABEAS CORPUS’. MILITAR. PUNIÇÃO DISCIPLINAR. CONTROLE JUDICIAL. REQUISITOS FORMAIS. AUSÊNCIA. MANTIDA A CONCESSÃO DA ORDEM. A punição disciplinar militar não está isenta de apreciação jurisdicional, tampouco pode prescindir dos requisitos da motivação e razoabilidade que devem fazer parte dos atos administrativos. O comandante militar, embora tenha competência para punir, deve pautar sua conduta pelos ditames da Lei e da Constituição. Em face dos princípios da hierarquia e disciplina – que são inerentes às organizações militares – ao Poder Judiciário é vedado o exame do mérito da sanção aplicada – oportunidade e conveniência – mas não dos aspectos referentes à legalidade da punição, tais como competência da autoridade para o ato, observância das normas, oportunidade de defesa, etc”. (TFR4 – 4º Turma. RCHC: 2003.71.02.009643-9/ RS. Rel. Élcio Pinheiro de Castro, 15/09/2004, p. 7).

É, também, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), professado nos seguintes julgados:

 “EMENTA: RECURSO EM HABEAS CORPUS. PUNIÇAO DISCIPLINAR MILITAR. PRISÃO. COMPETÊNCIA PARA APLICAÇAO DA SANÇAO. CONHECIMENTO E DENEGAÇAO DA ORDEM. A restrição é limitada ao exame do mérito do ato administrativo, sendo viável, portanto, a utilização do remédio tutelar constitucional da liberdade de locomoção, relativamente aos vícios de legalidade, entre os quais, a competência do agente, o direito de defe”sa e as razões em que se apoiou a autoridade para exercer a discricionariedade. (STJ – RCHC: nº 27.897/PI (2010/0049054-8). Rel. Min. Hamilton Carvalhido. Brasília, 02 de setembro de 2010, p. 14).

“EMENTA: HABEAS CORPUS. MILITAR. SANÇÃO DISCIPLINAR (PRISÃO). PACIENTE REFORMADO. COAÇÃO ATUAL E IMINENTE INEXISTENTE. AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. 1. A punição disciplinar por transgressão militar tem a natureza jurídica de ato administrativo, e o seu exame, por meio de Habeas Corpus, embora possível, fica restrito à regularidade formal do ato (competência, cerceamento de defesa, cumprimento de formalidades legais). 2. A ação de Habeas Corpus só pode ser instaurada quando se constatar coação ilegal atual e iminente à liberdade de ir e vir, o que não ocorre no caso concreto, pois, segundo ressai do acórdão proferido pela autoridade ora apontada como coatora, o paciente foi reformado. 3. Destarte, não sendo atual ou iminente; ao contrário, sequer se divisando a possibilidade de cumprimento da referida punição, falece interesse na presente impetração. 4. Habeas corpus não conhecido, em consonância com o parecer ministerial.” (STJ – RCHC: nº 80.852/RS (2007.30.00.003491-0). Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Brasília, 27/03/2008, p. 6).

Sendo, ainda, a posição da mais alta corte castrense, qual seja, o Superior Tribunal Militar (STM), que assim se pronunciou:

“EMENTA: HABEAS CORPUS. PUNIÇÃO DISCIPLINAR MILITAR. A vedação do art. 142, parágrafo segundo da CF, não afasta o controle judicial do ato disciplinar em habeas corpus. Verificação cabível dos pressupostos da ação do mérito da punição disciplinar. Pedido do qual não se conhece. Unânime”. (HC: nº 33167-0/DF, Rel. Ministro Paulo César Cataldo).

Fortunato, citado por Pereira (2004), explica que o Superior Tribunal Militar, terminantemente afirma que não se pode afastar da apreciação do Poder Judiciário a ação de habeas corpus que verse sobre punição disciplinar, quando verificadora da legalidade desta punição e, sendo esta ilegal, poderá se pedir o relaxamento da prisão com fundamento no disposto no artigo 5º, LXV, da Constituição Federal, que assim dispõe: “a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária”.

Ademais, o Superior Tribunal Militar, não está solitário quanto a sua decisão acerca da possibilidade de o Judiciário analisar a legalidade da punição disciplinar militar, pois o Supremo Tribunal Federal (STF) proferiu decisão similar, firmando o seguinte entendimento:

“EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. INFRAÇAO DISCIPLINAR. PUNIÇAO IMPOSTA A MEMBRO DAS FORÇAS ARMADAS. CONSTRIÇAO DA LIBERDADE. HABEAS CORPUS CONTRA O ATO. JULGAMENTO PELA JUSTIÇA MILITAR DA UNIAO. IMPOSSIBILIDADE. INCOMPETÊNCIA. MATÉRIA AFETA À JURISDIÇAO DA JUSTIÇA FEDERAL COMUM. INTERPRETAÇAO DOS ARTS. 109, VII, e 124, § 2º. I – A Justiça Militar da União compete, apenas, processar e julgar os crimes militares definidos em lei, não se incluindo em sua jurisdição as ações contra punições relativas a infrações (art. 124, § 2º, da CF). II – A legalidade da imposição de punição constritiva da liberdade, em procedimento administrativo castrense, pode ser discutida por meio de habeas corpus [sem grifo no original]. Precedentes. III – Não estando o ato sujeito a jurisdição militar, sobressai a competência da Justiça Federal para o julgamento de ação que busca desconstituí-lo (art. 109, VII, CF). IV – Reprimenda, todavia, já cumprida na integralidade. V – HC prejudicado”. (STF – RHC 88543/SP. Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 03/04/2007).

Por fim, verifica-se que a jurisprudência pátria, é manifestadamente pacífica quanto à possibilidade de impetração do habeas corpus em relação às punições disciplinares, mas com ressalvas, pois, conforme se verificou nos julgados dos tribunais, a aplicação do remédio constitucional é relativizada, podendo, adentrar nas questões atinentes à legalidade do ato punitivo. Contudo, devido à independência entre os poderes, o Poder Judiciário não pode invadir questões de âmbito administrativo, já que esta função é prerrogativa dos Comandantes das Organizações Militares, especialmente no que se refere às infrações disciplinares militares. (RIBAS, 2011).

6 METODOLOGIA

Antes de adentrar nos instrumentos de pesquisa utilizados na execução do trabalho, faz-se necessário definir o que se entende por pesquisa. Deste modo, segundo Reis (2010, p. 55), pesquisa é “o meio pelo qual o pesquisador busca de forma organizada, sistemática e objetiva novas respostas para problemas e fenômenos com o objetivo de compreendê-los e explicá-los”.

A atividade de pesquisa é balizada por elementos gerais que são comuns a todos os processos de conhecimento com pretensão de realizar-se. Porém, surgem diferenças significativas no modo de se praticar a pesquisa, em virtude da diversidade de perspectivas epistemológicas que se pode adotar e de enfoques diferenciados que se podem assumir no trato com os objetos pesquisados e eventuais aspectos que se queira destacar. (SEVERINO, 2007).

Portanto, conforme Reis (2010, p. 55):

“Para que a pesquisa possa ser considerada científica ela precisa estar estruturada e buscar solução de problemas de natureza teórica e aplicada. Isso significa que pesquisar induz interferir de forma crítica e criativa na realidade, usando métodos e técnicas específicas, podendo ser desenvolvidas tanto por técnicas de pesquisa indireta (lato sensu) como direta (stricto sensu).”

A pesquisa teve como método a forma de abordagem qualitativa, de modo que as informações que foram obtidas no que diz respeito ao habeas corpus e a controvérsia existente no seu uso diante das punições disciplinares não são quantificáveis, pois não se baseia em números para garantir sua representatividade, sendo, assim, houve ao longo desse estudo uma interação qualitativa na interpretação dos aspectos jurídico-sociais referentes ao estudo em questão. (MARCONI; LAKATOS, 2009).

Destarte, Reis (2010, p. 67), a abordagem qualitativa “tem como objetivo interpretar e dar significados aos fenômenos analisados sem empregar os métodos e as técnicas estatísticas como base do processo de análise de um problema”.

Quanto aos objetivos, foi utilizada a pesquisa exploratória, que tem como propósito “proporcionar maior familiaridade com o problema, no intuito de torná-lo mais explícito, por meio de levantamento bibliográfico”. (GIL, 2010, p. 124).

Reis (2010), explica que a pesquisa exploratória é utilizada quando o tema abordado é pouco explorado, o que dá ensejo à busca pelo pesquisador de características e abordagens novas. Sendo, assim, a pesquisa exploratória é concretizada por meio de levantamento bibliográfico, palestras, conferências, entrevistas.

Também, esteve empregada a pesquisa descritiva, pois “procura descobrir, com a precisão possível, a frequência com que um fenômeno ocorre, sua relação e conexão com outros, sua natureza e características”. (CERVO; BERVIAN, 2002, p 37).

Segundo Duarte (2012), além da pesquisa descritiva pretender narrar às características de uma população, de um fenômeno ou de uma experiência, ela vislumbra, também, detectar se o assunto trabalhado já é conhecido, almejando, assim, contribuir, unicamente, para uma nova visão sobre esta realidade já existente.

No que tange os procedimentos técnicos, utilizou-se especificamente a pesquisa bibliográfica, elaborada a partir de materiais já publicados, como: livros, jornais, artigos científicos e decisões judiciais, os quais explicam e discutem o tema. (SEVERINO, 2007).

Conforme Vilela (2011), a pesquisa bibliográfica institui a metodologia fundamental para o desenvolvimento dos trabalhos monográficos, que são utilizados no intuito de dominar certo assunto já em voga.

7 ANÁLISE DOS DADOS

Ao analisar as informações obtidas acerca da controvérsia existente no uso do habeas corpus diante de punições disciplinares no âmbito das Forças Armadas, percebe-se que o assunto é tema de grandes debates tanto na literatura jurídica quanto nos Tribunais, além de preocupar os comandos militares e os próprios militares que entendem estarem ameaçados de restrição na sua liberdade individual.

É sabido que a Constituição Federal é o fundamento para todas as demais normas, cabendo a estas observarem os dizeres constitucionais, sob pena de não produzirem nenhum efeito por contrariar o Texto Maior. Entretanto, percebe-se que algumas autoridades militares não aceitam que princípios como o da reserva legal, do devido processo legal, da razoabilidade e da proporcionalidade, da inafastabilidade da jurisdição, dentre outros, interfiram na apuração das punições decorrentes de transgressão disciplinar, pois entendem que a autoridade militar deve ter o máximo de discricionariedade para punir seus subordinados.

As Forças Armadas são instituições organizadas constitucionalmente e vinculadas aos princípios da hierarquia e da disciplina, de onde se fundamenta uma série de procedimentos e comportamentos exigidos pela rigidez da vida militar, especialmente, no que diz respeito ao regime jurídico peculiar, pois os pilares da hierarquia e disciplina demandam uma postura ética diferenciada do modo tradicional de pensar, crer e agir dos civis.

A disciplina se resume na imposição de comportamentos absolutamente afinados aos imperativos da autoridade militar, isto é, o poder que têm os superiores hierárquicos de impor condutas e dar ordens aos inferiores, cabendo a estes obediência. Enquanto, que a hierarquia, diz respeito ao vínculo de subordinação escalonada e graduada de inferior a superior, onde o comando supremo cabe ao Presidente da República, além da relação hierárquica interna de cada Arma, seja na Aeronáutica, na Marinha ou no Exército.

Os militares estão submetidos a Regulamentos Disciplinares Militares, aprovados por meio de Decretos Presidenciais, que por sua vez são criados com a finalidade de resguardar suas normas de organização e funcionamento, assim, ficarão sujeitos às punições disciplinares quando não acolherem os deveres que lhes são impostos pelos referidos regulamentos, pois tais deveres se não observados constituirão transgressão disciplinar militar, a qual terá como pronta resposta da administração uma punição disciplinar, e dependendo da gravidade da transgressão, existe a possibilidade da punição ser cerceadora de liberdade, isto é, detenção ou prisão.

Com a análise dos dados coletados fica evidente que o militar transgressor pode ter a sua prisão administrativa decretada por uma autoridade militar sem qualquer autorização judicial neste sentido, todavia, somente após um regular processo administrativo, no qual devem ser assegurados a ampla defesa e o contraditório, o militar poderá ser punido com o cerceamento da liberdade a ser cumprida em estabelecimento militar.

Questiona-se entre os juristas a constitucionalidade de tais regulamentos, visto que a Constituição Federal vislumbra a possibilidade de prisão por transgressão disciplinar militar sem o imperativo de flagrante delito ou ordem judiciária, desde que prevista em lei, no entanto, as transgressões estão taxadas em meros regulamentos disciplinares instituídos por meio de decretos.

Além disso, alguns autores, como por exemplo, Gomes (2011) e Silva Júnior (2002), relatam que os regulamentos disciplinares militares conservam em seus textos disposições que afrontam a Constituição Federal de 1988, por trazerem tipos abertos, considerando transgressão todas às ações, omissões ou atos não especificados no rol das transgressões, podendo, assim, o cidadão militar ser preso por violar uma conduta não tipificada como transgressão, dependendo exclusivamente e apenas do livre arbítrio da autoridade militar competente para punir.

Entretanto, a Constituição Federal de 1988 regulamenta no seu artigo 5º, LXVIII, o remédio constitucional do habeas corpus, e estabelece sua concessão sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder. Porém, a própria Constituição Federal veda em seu artigo 142, §2º, a possibilidade de impetração de habeas corpus contra as punições disciplinares militares.

 Tais disposições adversas constituem tema de grandes debates no meio jurídico e militar, pois se percebe inicialmente que há um conflito aparente de normas constitucionais. Sendo, que uma norma veda a concessão do remédio constitucional nas transgressões disciplinares militares e a outra rege que haverá a concessão do habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.

Assim, diante de uma simples leitura desatenta dos artigos 142, §2º e 5º, LXVIII, da Constituição Federal, ultima-se que o habeas corpus não seria aplicado quando o cerceamento da liberdade fosse decorrente de punição disciplinar militar, desse modo, em tese, estaria permitido à ilegalidade ou o abuso de poder nas penas privativas de liberdade decretadas pelos comandantes das Forças Armadas.

Destarte, há autores, como Cretella Júnior (1995), Ceneviva (1989) e Silva (2007), que defendem a inadmissibilidade total do habeas corpus nas transgressões disciplinares militares por conta da aplicação dos princípios da hierarquia e disciplina, que regem a organização militar, pois entendem que os militares estão sujeitos a regime jurídico especial, baseado nos pilares da hierarquia e disciplina, e por esse motivo devem sujeitar-se a penalidades maiores, justificando assim a impossibilidade de cabimento do habeas corpus.

Alguns juristas, conforme explica Assis (2005) e Ribas (2011), apoiam a liberalidade da concessão ilimitada do habeas corpus em sede de transgressões disciplinares, podendo o Poder Judiciário analisar não apenas os aspectos legais do ato disciplinar atacado, mas, inclusive, o próprio mérito do ato administrativo militar, por entender que o remédio constitucional é um direito de todos os cidadãos e deve ser concedido em qualquer hipótese, adentrando não só nas questões referentes à legalidade da punição disciplinar militar, como também no mérito do ato atacado.

Contudo, a maioria dos autores, sustenta a mitigação ou não da concessão de habeas corpus em punição disciplinar militar, por entender, que ao mesmo tempo em que o remédio pode ser inviável às punições disciplinares, afirma que esta vedação está dirigida apenas ao mérito do ato disciplinar, que por sua vez é de natureza administrativa, não estando impedido o exame quanto à própria legalidade da punição a ser aplicada.

Dentre os autores que argumentam sobre a concessão do habeas corpus nas punições disciplinares militares visando analisar a legalidade da punição cerceadora da liberdade do militar, estão Ferreira Filho (2002), Miranda (1962), Pereira (2004), Assis (2005), Ribas (2011), Bellido (2007) e Gomes (2011). Ambos entendem que o artigo 142, §2º, da Constituição Federal deve ser entendido no sentido de que o Poder Judiciário não deve questionar o mérito do ato administrativo punitivo, em atendimento ao Princípio da Independência entre os Poderes, protegendo com isso, a hierarquia e a disciplina militares. Todavia, o militar que tiver a sua liberdade de locomoção desrespeitada por meio de ilegalidade ou abuso de poder, em decorrência de presumida transgressão disciplinar militar, poderá propor perante o Tribunal militar competente a ação constitucional de habeas corpus, para restabelecer o status quo ante, ou seja, a liberdade.

Observa-se que o artigo 142, § 2º, da Constituição Federal de 1988, não veda a concessão do habeas corpus quando se está diante de um ato punitivo disciplinar praticado por autoridade incompetente, sem observância das formalidades legais e sem os pressupostos funcionais, quais sejam: hierarquia; poder disciplinar; ato ligado à função e pena susceptível de ser aplicada.

Nesse sentido, verifica-se que a simples constatação de que a punição disciplinar tenha sido aplicada, por exemplo, por autoridade militar sem poderes para tal, ou que o tempo de punição seja além do que os regulamentos disciplinares preveem, é suficiente para que a ordem da ação de habeas corpus seja concedida, porquanto, constitui pressuposto necessário, a prova da ilegalidade ou abuso de poder, a exemplo da inexistência de hierarquia, para que seja possível chamar o remédio constitucional.

Nessa esteira, tem se posicionado os Tribunais brasileiros por meio de julgados, dos quais se extrai que embora não caiba habeas corpus para controle do mérito da punição disciplinar militar, como previsto no artigo 142, §2º, da Constituição Federal, o remédio constitucional poderá ser dirigido ao controle dos pressupostos de legalidade do ato punitivo, inclusive no que se relaciona com o devido processo legal.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), em vários julgados explana que a restrição do artigo 142, §2º, da CF/88, é limitada ao exame do mérito do ato administrativo, sendo viável, portanto, a utilização do remédio constitucional protetor da liberdade de locomoção, relativamente aos vícios de legalidade, dentre os quais, a competência do agente, o direito de defesa e as razões em que se apoiou a autoridade para exercer a discricionariedade.

Sendo, também, a posição da mais alta corte militar, isto é, o Superior Tribunal Militar (STM), que se pronuncia sobre a vedação do uso do habeas corpus em punições disciplinares militares, afirmando não haver o afastamento do controle judicial do ato disciplinar em sede de habeas corpus.

Ademais, a Corte Suprema, isto é, o Supremo Tribunal Federal (STF), vem reiterando decisões nas quais afirma que não há violação ao artigo 142, §2º, da CF/88, se a concessão de habeas corpus, impetrado contra punição disciplinar militar, volta-se tão somente para os pressupostos de sua legalidade, excluindo a apreciação de questões referentes ao mérito.Portanto, vê-se que a jurisprudência brasileira é pacífica quanto à possibilidade de impetração do habeas corpus em relação às punições disciplinares militares, no que diz respeito à análise da legalidade do ato punitivo, não podendo invadir o mérito do ato administrativo, visto que o juízo de conveniência e oportunidade é inerente aos administradores públicos, no caso em questão, aos Comandantes das Forças Armadas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Hodiernamente, os direitos fundamentais são considerados o núcleo da proteção da dignidade humana, sendo instrumentos de garantia das condições mínimas de vida e desenvolvimento do ser humano, pois visam garantir o direito à vida, à liberdade, à igualdade e a dignidade, para o pleno desenvolvimento social, no entanto, esta proteção deve ser reconhecida pelas normas jurídicas que compõem o ordenamento jurídico brasileiro.

Quanto à liberdade do indivíduo, tem-se, dentre outros remédios constitucionais, o habeas corpus, destinado a proteger o direito de locomoção. Trata-se, portanto, de uma garantia individual ao direito de ir, vir e permanecer da pessoa, adquirindo essa identidade por meio de uma ordem dada pelo juiz ou Tribunal à autoridade coatora, fazendo cessar a ameaça ou coação à liberdade de locomoção do indivíduo.

Entretanto, reza a Constituição Federal, que não caberá habeas corpus contra punições disciplinares militares, constituindo tema de grandes debates em âmbito jurídico e militar, dividindo opiniões sobre o prisma da possibilidade de cabimento ou não do instituto nessas punições, uma vez que às Organizações Militares são dotadas de regime jurídico próprio.

Há quem defenda a inadmissibilidade total da concessão do remédio constitucional nas transgressões disciplinares militares; outros afirmam que o cabimento do habeas corpus é ilimitado, permitindo se analisar não só os aspectos legais do ato disciplinar, mas também o próprio mérito do ato administrativo militar; já outros autores, sustentam que o habeas corpus pode ser utilizado nas punições disciplinares para analisar a legalidade do ato punitivo, sendo vedada a sua impetração para avaliar o mérito do ato disciplinar.

Todavia, verifica-se a prevalência do último entendimento da literatura jurídica, segundo a qual será possível à concessão do habeas corpus nas punições disciplinares, entretanto, o cabimento do remédio constitucional, não deve ser aferido de forma absoluta, podendo, assim, haver o questionamento judicial de alguns requisitos do ato administrativo que instruiu a punição disciplinar, como por exemplo, a competência, a legalidade e as formalidades da medida restritiva de liberdade, não adentrando-se, portanto, no mérito administrativo.

Ademais, os Tribunais têm se manifestado no sentido de que a punição disciplinar militar não está isenta da apreciação jurisdicional, porém, também não pode prescindir dos requisitos de validade dos atos administrativos, pois a autoridade militar, embora tenha competência para punir, deve pautar sua conduta pelos ditames legais. Assim, em face dos princípios da hierarquia e da disciplina, que são inerentes às organizações militares, ao Poder Judiciário é vedado o exame do mérito da sanção aplicada, isto é, adentrar no juízo de oportunidade e conveniência, mas não nos aspectos referentes à legalidade da punição.

Ao término deste trabalho, pode-se concluir que tanto a literatura jurídica quanto a jurisprudência majoritários possuem entendimento consolidado de que há possibilidade de aplicação do habeas corpus em punições disciplinares cerceadoras da liberdade do militar, no que concerne à averiguação quanto à legalidade da punição imposta.

 

Referências
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Nota:
[1] Monografia apresentada junto ao Curso de Bacharelado em Direito da Faculdade Estácio da Amazônia, como requisito para a obtenção do título de Bacharel. Orientadora: Yngryd de S.N. Machado.

Informações Sobre o Autor

Suiane Marques Piancó

Bacharel em Direito pela Faculdade Estácio da Amaznia advogada em São Miguel do Oeste – SC cursando Pós-Graduação em Direito Público na instituição de ensino Luis Flávio Gomes – LFG


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Equipe Âmbito Jurídico

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