O inadimplemento culposo e suas implicações no âmbito dos contratos administrativos

Resumo: Os contratos administrativos possuem sua execução normal na conformidade com tempo, lugar e prazo avençados no corpo do contrato. Todavia, deve-se considerar que imperfeições podem ocorrer no decorrer da prestação das obrigações, havidas pela Administração Pública ou pelo particular contratado. Cuida-se do inadimplemento culposo, desconsiderados, portanto, eventos cuja realização escape ao alcance das partes. A Administração é dotada da prerrogativa de rescindir unilateralmente os contratos por ela firmados, o que não significa que o particular não será ressarcido pelos prejuízos que lhe forem causados, assim como pelas prestações executadas até então, pelo fato de a função precípua da Administração atrelar-se ao interesse público. De igual forma, tendo o particular realizado prestação diversa da pactuada, deverá indenizar a Administração pelos danos a ela causados. O inadimplemento é exceção que implica na regra geral de necessária e exigível reparação na forma da lei.


Palavras-chave: Contratos administrativos. Inadimplemento culposo. Reparação de danos. Interesse Público.


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Abstract: Administrative contracts have its regular execution in consonance with time, place and stated period previously agreed at the body of the contract. However, one must consider that imperfections caused by the Public Administration or private contracting party could happen in the meantime of the obligations installments. This is about the negligent contract inexecution, being not considered, nevertheless, events whose realization comes to be far beyond the reach of the contracting parties. The Public Administration is given the prerogative to unilaterally dissolve its once settled contracts, what does not mean that the private contracting party won’t be repaired for the caused damages and for the executed installments up to that time, because the Public Administration must essentially link itself to the public interest in an equal manner. Having the private contracting party made installments, other than the ones which had been previously agreed, it must repair the Administration for the damages caused. The contract inexecution is an exception which implies the general rule of the necessary and exigible compensation, as regulated by law.


Key-words: Administrative contracts. Negligent inexecution. Damage reparation. Public interest.


Sumário: 1. Considerações iniciais. 2. O inadimplemento e seu alcance. 3. A questão da exceptio non adimpleti contractus. 4. A rescisão por interesse público: regra absoluta? 5. Indenização ao particular: faculdade da administração?. 6. Indenização das perdas e danos da administração. 7. Retenção de valores. 8. Ponderações finais.


1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS


No cerne da compreensão acerca dos contratos administrativos, tem-se que, por força de lei, de cláusulas pactuadas ou do tipo de objeto, a manutenção do vínculo que interliga Administração à terceiro, assim como as condições preestabelecidas estão suscetíveis a cambiáveis imposições de interesse público, excetuados os interesses patrimoniais do contratante privado.


O trabalho que ora vem a lume tem por pretensa investigar as conseqüências acarretadas pelo inadimplemento culposo de quaisquer das partes pactuantes, as hipóteses autorizadas pela lei para que se possa levar ao extremo da rescisão contratual, não se olvidando a devida reparação dos danos que o cumprimento eivado de defeito ou a ausência de execução da prestação ensejam.


Através de um levantamento doutrinário, e amparo jurisprudencial em questões controversas, buscou-se verificar as situações comportadas pela Lei n. 8.666/93 quando da inadimplência em contratos administrativos, mitificando a justificação do interesse público nas rescisões contratuais no seio administrativista, com supedâneo no caso concreto. Há que se mencionar que, ainda que justifique sua decisão rescindenda, a Administração não se exime dos prejuízos que deverá ressarcir ao particular.


Trata-se, mais que um contrato que cria e obriga, de um verdadeiro jogo de interesses, que tendem a caminhar, pari passu, em mesma sintonia. Quando da superveniência de evento passível de acarretar uma quebra ou desvirtuamento desse andamento normal, o jogo de interesses transmuta-se em sopesamento valorativo das circunstâncias fáticas e de direito a elas correspondentes, pelo que inadimplemento e reparação dos danos andam de mãos dadas, no exato molde dado pela lei, muito embora, por vezes, dos moldes à obra-prima final – no caso, a execução da prestação indenizatória – muitos percalços sejam encontrados.


2 O INADIMPLEMENTO E SEU ALCANCE


A idéia inicial que deve estar incutida na mente dos contratantes é corolário do brocardo romano pacta sunt servanda, segundo o qual o contrato faz lei entre as partes, colocando-se como regra geral a noção de que os contratos devem lograr ser cumpridos da maneira como foram avençados. As obrigações dele resultantes engendram no mundo fático para ter vida um tanto quanto efêmera, transitória. Conquanto sejam cumpridas, exaurem sua finalidade no campo social.


Ocorre que não se obsta a que, no iter de existência do contrato, surjam controvérsias ou acontecimentos passíveis de influenciar o perfeito cumprimento do contrato. Uma obrigação que não seja cumprida, ou não o seja de forma satisfatória, ou ainda o atraso em seu cumprimento, prostra-se como célula doente no organismo social, de forma tal a acarretar latente perigo de contaminação ao organismo como um todo. Na lição de Orlando Gomes,


“O inadimplemento da obrigação principal constitui vicissitude mais comum da relação obrigacional, devendo-se entender como tal a não-realização da prestação liberatória, sem que o direito do credor se tenha satisfeito por outra via ou cumprido o dever de prestar a cargo do obrigado”. (GOMES, 2007, p. 204)


Cada uma das partes deve intentar, em conformidade com o estipulado, cumprir suas prestações na forma, tempo e lugar previstos, nos moldes a preservar a estruturação material criada. Há a aplicação do dies interpellat pro homine, tornando-se prescindível um ato formal destinado a constituir em mora o devedor inadimplente. A inexecução contratual autoriza responsabilização nos âmbitos penal, civil e administrativo dos sujeitos responsáveis, ensejando igualmente as conseqüências discriminadas na lei, no ato convocatório e no âmbito do próprio contrato.Quaisquer das partes que vierem a descumprir cláusula contratual incorrem nas penalidades cominadas no próprio corpo do contrato, bem como naquelas previstas em lei, com especial enfoque ao disposto no art. 389 do Código Civil. Esta disciplina, na lição de José dos Santos Carvalho filho,


“alcança todos os contratos, inclusive os contratos administrativos, eis que inexiste previsão a respeito de qualquer prerrogativa especial relativa aos efeitos da inadimplência contratual. Por outro lado, não se pode considerar o Estado devedor privilegiado sem que haja expressa disposição legal. Se for inadimplente, deve arcar com todos os ônus decorrentes do seu inadimplemento.” (CARVALHO FILHO, 2008, p. 190)


No seio do Direito Administrativo, de forma mais severa do que averbado no âmbito privativista, a inexecução dos contratos, quer em sua integralidade, quer parcialmente, propicia sua rescisão, assimilando-se a inexecução parcial à total a fim de que sejam observadas as implicações jurídicas decorrentes da inexecução, uma vez que se prima pelo interesse público, consoante o percuciente ensinamento de Marçal Justen Filho (1998, p. 540),“a indisponibilidade do interesse público não se compadece com a incerteza ou insegurança do cumprimento das prestações impostas ao particular.”


Não se pretende, com isso, dizer que todo e qualquer descumprimento a um dever contratual esgote as possibilidades de solução por outro meio idôneo, levando de imediato à rescisão contratual. Deve-se entender que, em se tratando de contratos nos quais figure em um dos pólos da relação um ente da Administração Pública, tais devem ser analisados com a devida cautela, a fim de se manter incólume o interesse público a ser tutelado, assim como para que tal pretensa não venha a causar ônus deveras alto para o particular contratante.


É inarredável a natureza instrumental que deve ser atribuída às formalidades e exigências, as quais não se bastam nem se encerram em torno de si mesmas. Assim posto, a rescisão contratual, em específico no âmbito dos contratos administrativos, é fruto da concretização de um evento sério e forte o bastante para colocar em risco o interesse público, nos moldes e hipóteses do art. 78 da Lei n. 8.666/93. A rescisão, por si só, não exaure o conjunto de medidas possíveis quando do inadimplemento do contrato, acarretando, outrossim, reparação do ano e responsabilização em outros campos do direito.


3  A QUESTÃO DA EXCEPTIO NON  ADIMPLETI  CONTRACTUS


No cerne dos contratos administrativos, o princípio da exceptio non adimpleti contractus recebe uma configuração particular, distinta da usualmente levantada no ramo civilista. Pela exceptio deve-se entender uma forma de defesa para as partes pactuantes, trata-se, em verdade, de uma exceção de mérito por meio da qual o contratante busca se defender contra o outro contratante inadimplente. No escólio de Orlando Gomes (2007, p. 109), traduzindo a idéia deste princípio, “(…) nenhum dos contratantes pode, antes de cumprida sua obrigação, exigir a do outro. (…) Se não cumpre a obrigação contraída, dado lhe não é exigir do outro contraente que cumpra a sua.”


Ocorre que, no campo dos contratos administrativos, regra geral, a Administração Pública não tem o dever de cumprir suas obrigações sem que o particular contratado o faça anteriormente. Pode-se depreender desta prerrogativa, mais que exceção, uma garantia à Administração de que não se sujeitará a prejuízos que porventura  existiriam se, cumprindo sua parte a priori, o particular não o faria, a posteriori. Cuida-se, deveras, de um apanágio a ela atribuído em função de suas incumbências e missão primeira de resguardar o interesse público.


Faz-se mister que se compreenda que não é dada ao particular a faculdade de promover recusa ao adimplemento de suas prestações sob alegação de que a Administração não se mostra disposta a executar sua parte no avençado. É inadmissível, regra geral, que o particular condicione sua prestação ao adimplemento prévio das obrigações assumidas pela Administração Pública.


Não é este um ponto que deva ser tomado como absoluto. O particular pode, em casos autorizados por lei, se valer da exceptio para deixar de cumprir sua parte no contrato realizado com a Administração. Nesse sentido, quando a prestação do particular dependa, numa relação de causalidade, de prestação anterior da Administração Pública, não pode ele ser constrangido a fazê-lo, autorizando, desta feita, o art. 78, XVI da Lei n. 8.666/93 a rescisão contratual na hipótese de  manutenção desse estado de coisas. Tal dispositivo prevê as situações nas quais uma atuação prévia da Administração se mostra necessária para que o particular possa efetuar sua obrigação decorrente da avença, como se pode inferir da leitura do disposto, in verbis:


“Art. 78. Constituem motivo para rescisão do contrato: (…)


XVI. A não liberação, por parte da Administração, de área, local ou objeto para execução de obra, serviços ou fornecimento, nos prazos contratuais, bem como das fontes de materiais naturais especificados no projeto.”


A doutrina considera cabível, ainda, a recusa do particular em efetivar sua prestação, integrando exceção à prerrogativa geral da Administração, quando esta deixa de cumprir determinação legal. Há de se observar que está incorporada no seio da exceptio non adimpleti contractus em relação ao particular, a hipótese contida no inciso XV do art. 78 da lei supracitada, pelo qual se admite que o particular interrompa execução daquilo que estipulara no contrato, quando a Administração Pública incorrer em atraso superior a 90 (noventa) dias nos pagamentos decorrentes de obras, serviços ou fornecimento, ou nas parcelas destes. Como percucientemente pondera Marçal Justen Filho,


“Supõe-se a hipótese de um contrato de execução continuada, em que a Administração deva realizar os pagamentos proporcionalmente à execução das prestações. Deve reconhecer-se ao particular o direito de suspender a execução do contrato quando o inadimplemento da Administração, em contratos de execução continuada, representar a imposição de ônus insuportável ou a criação de dever de financiamento não previsto contratualmente”. (JUSTEN FILHO, 1998, p. 562-563)


Nesse âmago, pode optar o particular contratado pela suspensão do contrato, em detrimento da rescisão autorizada por lei, em casos de calamidade pública, grave perturbação da ordem interna ou guerra, retomando a execução de sua obrigação quando da normalização da situação que deu ensejo à suspensão.


A aplicação da exceptio non adimpleti contractus deve estar atrelada às concepções imbricadas pelo Estado Democrático de Direito e pelos princípios constitucionais. Na medida em que assegura a propriedade privada, a Constituição Federal traz medidas protetivas desse direito, reprimindo a expropriação de bens particulares sem indenização prévia, impondo distribuição eqüitativa das cargas públicas, construindo uma conjuntura sólida de limites à atuação estatal. Assim sendo, é inaceitável que a Administração intente, a propósito de pôr término aos pagamentos devidos ao contratado, apropriar-se do patrimônio privado, usurpando-se de suas atribuições, munindo-se para tal de sua função precípua, a de fornecer o manto protetivo e acalentador do interesse público.


4 A RESCISÃO POR INTERESSE PÚBLICO: REGRA  ABSOLUTA?


É cediça a relevância que se atribui ao chamado interesse público , sendo este, no Direito Administrativo, a base fundante de toda sua órbita doutrinária e regulamentadora. Deve ser compreendido, conforme preleciona Celso Antônio Bandeira de Mello (2004, p. 53), como “(…) o interesse resultante do conjunto dos interesses que os indivíduos pessoalmente têm quando considerados em sua qualidade de membros da Sociedade e pelo simples fato de o serem.”


Isso posto, dadas suas prerrogativas de zelo e atendimento ao interesse público naquilo que lhe incumbe, a Administração Pública, ao ajustar contrato com o particular, deve fazê-lo em prol da coletividade e daquilo que se mostra mais conforme à prestação de uma atuação positiva por parte do Poder Público na consecução das necessidades daquela, ou ainda em nome de si próprio, de forma que se estabeleça um aparato idôneo a que a Administração possa lograr êxito em suas atribuições.


Todavia, tecer comentários acerca do interesse público e sua influência sobre os contratos administrativos exige cautela. Não é dado permitir que o administrador alegue a toda e qualquer sombra o interesse público como alicerce justificador de seus atos. É preciso que haja proporcionalidade ao analisar o conceito levantado alhures. A Lei n. 8.666/93 teve cuidado especial no que tange a esse aspecto, reduzindo o âmbito de liberdade da Administração Pública para extinguir o contrato mediante invocação do interesse público.


Vive-se sob a égide do Estado Democrático de Direito, pelo que se tem precisamente a transmutação de fenômenos de poder em Direito. As decisões e atos da Administração cristalizam-se necessariamente na consonância com os ditames legais. Esse paradigma inaugurado obsta a que o administrador pratique a conduta que melhor lhe aprouver, fazendo uso, para tal, de uma mera rotulação simplificante do que seja interesse público. É necessário, em verdade, mais que uma simples invocação despretensiosa  que oculte os reais motivos determinantes do ato. Faz-se preciso que haja real comprovação de atendimento dos anseios da coletividade.


Se colocado como simples válvula de escape, acabar-se-ia por desnortear a concreta significação do interesse público, podendo, por conseguinte, a Administração Pública fazer e desfazer contratos com a freqüência e no momento que lhe conviesse. Deve-se ter em mente os ensinamentos de Marçal Justen Filho (1998, p. 554), ao ponderar que “a eliminação do arbítrio equivale à necessidade das decisões administrativas serem relacionadas e proporcionais a um interesse público definido e concreto.”


Demonstra-se que, não obstante o particular contratado estar cumprindo fidedignamente o avençado, a Administração pode promover a rescisão do contrato, com supedâneo em que, ainda que o objeto contratual esteja sendo executado da forma que fora estipulado, tal contratação não mais interessa à Administração, não mais importa às necessidades da coletividade, as quais seriam  satisfeitas por outra contratação.


Deve-se entender este ponto com os devidos limites. Promover a rescisão de um contrato administrativo por inconveniência deste, em dado momento e dadas as circunstâncias, requer do administrador o esforço calcado da justificação e concreta comprovação de desvinculação entre a causa que deu origem ao contrato, com a exigência e manutenção deste mesmo. 


Ora, a rescisão de um contrato, em específico daquele que havia sendo executado em acordo com as determinações nele impostas, implica em um prejuízo que atinge não só a esfera do particular contratado, que tinha expectativa na continuidade do serviço até findo prazo estipulado, outrossim, da Administração Pública, agente promotora da rescisão, a qual arcara com as despesas efetuadas até então, quando do cumprimento do contrato, e deve necessariamente suportar a indenização devida ao particular.


Disso se depreende que a Administração Pública deve sopesar sua escolha, haja vista que, por vezes, o ônus que suportará poderá ser superior à preservação do contrato até  seu término. Esta hipótese de rescisão apenas deverá ser invocada quando a continuidade do contrato repercutir em lesões superiores às causadas aos cofres públicos, quando da decisão rescindenda. Tal ato, reitere-se, urge ser precedido de todos os levantamentos necessários e idôneos a comprovar, nos limites do conhecimento dominado, a efetiva imperiosidade de rescisão do contrato.


5 INDENIZAÇÃO AO PARTICULAR: FACULDADE DA ADMINISTRAÇÃO?


A Administração Pública é dotada, dados os seus atributos, do poder de rescindir unilateralmente os contratos por ela firmados com os particulares, restringindo-se às possibilidades previstas em lei, com amparo no disposto nos artigos 78 e 79, inciso I, da Lei n. 8.666/93, devendo a decisão ser motivada e precedida de ampla defesa, não se olvidando a indenização cabível pelos prejuízos comprovados que houver sofrido.


As hipóteses de rescisão unilateral sem culpa do contratado, por conveniência da Administração Pública, se circunscrevem tão somente a decisão de manter ou não a execução do contrato, não havendo discricionariedade quanto à indenização, seja em sua existência, seja no que tange à apuração e ao pagamento. Não se pode admitir que a Administração decrete, por decisão de sua conveniência, rescisão unilateral do contrato, e se recuse a indenizar o particular. É o que vem decidindo os tribunais, mais fortemente após a promulgação da Constituição Federal de 1988:


“A rescisão do contrato de obras, ausentes os motivos que eximem a Administração de qualquer responsabilidade, tem como conseqüência a reparação dos prejuízos dela decorrentes, ainda que se alegue razão de interesse público.”[1]


“DIREITO ADMINISTRATIVO. CONTRATO DE EXECUÇÃO DE OBRAS. PARALISAÇÃO DOS SERVIÇOS DE EXECUÇÃO POR ATO DO CONTRATANTE. PREJUIZOS DA CONTRATADA. 1 – A PARALIZAÇÃO DE CONTRATO ADMINISTRATIVO PARA A EXECUÇÃO DE OBRAS, SEM MOTIVO DE CASO FORTUITO OU FORÇA MAIOR, GERA PARA A PARTE CONTRATADA DIREITO A RECEBER INDENIZAÇÃO PELOS PREJUIZOS DECORRENTES DE TAL PROCEDER. 2 – A AUSENCIA DE COMPROVAÇÃO QUANTITATIVA DOS PREJUIZOS ENSEJA A DETERMINAÇÃO DE QUE OS DANOS SEJAM APURADOS POR OCASIÃO DA EXECUÇÃO DA SENTENÇA, EM LIQUIDAÇÃO POR ARTIGOS”.[2]


Nos moldes do disposto no §2º do art. 79 da Lei n. 8.666/93, incorpora-se o entendimento de que a rescisão antecipada, havida sem culpa do contratado, incorre no ressarcimento a que faz jus dos prejuízos que sejam regularmente comprovados. Há que se indagar o que seriam tais prejuízos, qual a real esfera que albergam. Compreende-se que, ao se referir a “prejuízos”, a lei quis fazer menção não só aos danos emergentes, aquilo que efetivamente perdeu, outrossim, aos chamados lucros cessantes, o que razoavelmente deixará de ganhar.


O contrato realizado gera expectativas para ambas as partes, pelo que a rescisão unilateral atinge o valor do lucro que seria auferido pelo particular na hipótese de o contrato permanecer vigente. Isso ocorre porque a proposta realizada pelo particular no passado, e aceita pela Administração, tinha como propósito a execução do contrato em sua totalidade. A decisão unilateral rescindenda ultrapassa o âmbito das prestações devidas até então, atingindo o futuro, consubstanciado nos lucros que poderiam ser percebidos, os quais devem integrar a concepção do que seriam os “prejuízos”.


A lei faz alusão, ainda, a que, além do dever de indenizar o particular pelos prejuízos a ele causados, gera-se a este o direito de ter devolvida sua garantia, corrigida monetariamente nos contornos do §4º do art. 56 da Lei n. 8.666/93, consoante defende Carlos Pinto Coelho Motta (2005, p. 531). Parte da doutrina defende que a referência à devolução da garantia é inócua, uma vez que se trata de uma decorrência lógica levando-se em consideração que a rescisão operara sem que o particular tivesse incorrido em culpa.


Sentido faz tecer comentários no que concerne à devolução da garantia, na hipótese de esta devolução acarretar ônus ao particular, pelo que a Administração deverá, no escólio de Marçal Justen Filho, indenizar o custo referente ao período faltante para a extinção do contrato. Melhor seria interpretar esta hipótese de forma a imperar como razão determinante o menor custo para a Administração. Traria maior prejuízo aos cofres públicos indenizar o custo faltante até o término do contrato, ou arcar com o ônus que sobrestaria ao particular quando da devolução da garantia? É uma questão que deve ser respondida à luz do caso concreto, perquiridas as circunstâncias e as possibilidades menos danosas ao interesse público.


Ademais, a lei integra à indenização devida ao particular o chamado custo da desmobilização, o qual se encontra abarcado, em regra, nos valores remanescentes estipulados no contrato. Dado que o contrato se encerra em momento anterior ao avençado, não sendo auferido o valor que receberia se não o fosse, o particular deverá ser indenizado  pelos custos da desmobilização, atinentes à liberação do maquinário, bem como da liquidação do passivo trabalhista.


Cuida-se aqui de medidas protetivas da iniciativa privada, haja vista que, ao elaborar e dar execução a um contrato, impõe esforços no sentido de cumprir suas obrigações no que fora avençado, gerando uma esperança de continuidade do contrato até que finde o prazo. Não pode a Administração se munir da prerrogativa de rescindir unilateralmente o contrato, ampliando-a no desiderato de não indenizar o particular que se encontrava executando sua prestação de boa-fé. É implicação da Constituição Federal o dever de indenizar o particular, não é mera faculdade da Administração.


6 INDENIZAÇÃO DAS PERDAS E DANOS DA ADMINISTRAÇÃO


O particular contratado também está passível de equívocos quanto à prestação contratual que lhe cabe, podendo, inclusive, estar cumprindo defeituosamente uma obrigação contratual, ou ainda estar deixando de cumprir diretamente seus deveres, seja de forma intencional, seja nas hipóteses de haver indícios concretos de que condições supervenientes constituirão entrave à execução da obrigação. Tais casos autorizam rescisão unilateral por parte da Administração, sem que, por este ato, deva-se indenizar o particular. É o parecer específico da Consultoria-Geral da República:


“A rescisão, por ato unilateral, de contrato administrativo, motivada pelo descumprimento de cláusula contratual por parte do particular contratado, é rescisão unilateral vinculada, realizada pela Administração no exercício de competência vinculada, de poder-dever funcional (…); na indicada rescisão administrativa, não há que falar em indenização à parte inadimplente, pelo só ato decisório.”[3]


Pela análise das hipóteses levantadas, pode-se inferir que pode haver, em algumas, danos emergentes a serem reparados, noutras, não os há, uma vez que a Administração nem ao menos recebera prestação que exigisse reparo ou desfazimento. Estão incluídos nesses danos emergentes devidos pelo particular à Administração as despesas que a rescisão acarretará ao erário público, tais como as decorrentes da publicação de novos atos convocatórios, bem como o custo de processamento de uma novel licitação.


A prestação não realizada, ou mal executada pelo particular, enseja a que a Administração reclame por lucros cessantes, não só pelo fato de ser parte lesada e ter uma espectativa frustrada, outrossim, por se considerar que esta espectativa está fundada na consecução do interesse público. Na lição do ilustre Justen Filho (1998, p. 572), os lucros cessantes cabíveis à Administração Pública devem ser entendidos da seguinte forma:


“Correspondem ao montante a maior que a Administração será obrigada a desembolsar para obter a execução da prestação que devia ser executada pelo particular. A diferença entre o que o contrato anterior previa como devido e o valor que, posteriormente à rescisão, a Administração estiver sujeita a desembolsar, corresponderá aos lucros cessantes.”


Não se pode olvidar, ademais, que o próprio contrato pode trazer em seu corpo o pagamento de multa em decorrência de rescisão motivada. A multa não se confunde com perdas e danos, todavia, podendo assumir caráter compensatório destas últimas, pelo que restaria absorvida qualquer indenização. Eis um ponto que gera certa controvérsia na doutrina, uma vez que a multa, em certos casos, pode ter natureza de perdas e danos, sem que o seja, propriamente.


Nesse sentido, a questão acerca da possibilidade de cumulação da multa contratual com a indenização por perdas e danos parece encontrar seu viés solucionador na caracterização precípua da natureza da multa, tarefa que não se mostra de fácil operação no caso concreto. A doutrina leciona que, em havendo fixação da multa sem que exista vínculo com a prestação contratual, deve-se falar em multa administrativa; entretanto, na ocorrência de interligação entre a multa e a prestação decorrente do contrato, como que um percentual sobre esta, há uma estipulação prévia das perdas e danos.


Se atribuído à multa um caráter pré-estimatório das perdas e danos, não cabe cumulação com indenização, uma vez que esta restaria absorvida. Exclui-se a possibilidade de cobrança de valores diversos a propósito de perdas e danos. Em outro plano, entendida com natureza de penalidade administrativa, a multa contratual é plenamente cumulável com indenização por perdas e danos, pelo que a multa se coloca como forma de desestimular uma conduta lesiva à Administração.


Há, ainda, para a Administração, a possibilidade de execução da garantia contratual, prevista no inciso III do art. 80 da Lei n. 8.666/93. Quando da rescisão contratual por falta do contratado, a Administração Pública deverá perquirir o montante do prejuízo auferido, definindo o valor das perdas e danos sofridos. Tal procedimento não escapa aos ditames principiológicos que devem nortear os atos administrativos, sendo devido haver contraditório e ampla defesa.


Consta que, fixado o valor do prejuízo a ser pago à Administração pelo particular, pode este pagar de forma espontânea, ou não fazê-lo. Nesta hipótese negativa, deve-se atentar ao fato de a Administração não se munir do atributo da executoriedade de suas decisões, devendo recorrer ao Poder Judiciário, em especial no que tange à execução de garantia real, haja vista se obstar à Administração que se aproprie da garantia real ou a execute da forma que melhor lhe aprouver. É uma decisão que, em verdade, incumbe às vias judiciais, assim como a cobrança do valor das perdas e danos.


7. RETENÇÃO DE VALORES


O aparato de que se mune a Administração Pública para proteger-se das implicações resultantes de uma rescisão contratual, quando o particular contratado incorre em falta, atinge ainda a retenção dos créditos decorrentes do contrato até o limite dos prejuízos causados, consoante dispõe o inciso IV do art. 80 da Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Trata-se de mais uma faceta de proteção à Administração, muito embora hajam condicionantes para que se verifique tal retenção.


Corresponde ela, nos dizeres de Justen Filho (1998, p. 573), à apropriação dos valores devidos ao particular contratado, tendo em vista os créditos contra ele, e são estes os créditos da Administração havidos em virtude das perdas e danos a que faz jus. Deve-se visualizar a existência de créditos para ambas as partes contratantes: de um lado, a Administração Pública, cujo crédito é fruto da indenização devida a ela pelo particular faltoso; de outro, o particular, com créditos pela execução das prestações executadas até a rescisão.


A compensação entre esses créditos é efetuada pela Administração, podendo atingir a garantia contratual apenas na hipótese de os créditos do particular somarem quantia inferior aos créditos existentes contra ele, percebidos a título de perdas e danos. Seria um tanto quanto perigoso, nesta hipótese, que a Administração liquidasse espontaneamente seus débitos, permanecendo sob os auspícios de que o particular irá pagar a indenização, uma vez que existe o risco de, posteriormente, não encontrar bens suficientes em poder dele idôneos à satisfação das perdas e danos. É esta uma possibilidade concreta a qual a Administração Pública não deve assujeitar-se.


A retenção ocorre por autorização legal e na pendência de averiguação do inadimplemento, não podendo, pois, ser arbitrária, tampouco seu valor estabelecido sem a devida motivação, sob os percalços de incorrer em abuso de poder. É lição doutrinária que a retenção dos valores tutela a proteção não só da Administração Pública, mas intenta cristalizar o cumprimento de um dever, sem que acarrete, com isso um ônus ilegal para quaisquer das partes.


“Por isso, a rescisão do contrato por ato imputável ao particular acarreta a suspensão de sua faculdade de exigir o pagamento por créditos pendentes. Somente de tornará exigível o pagamento após liquidadas as perdas e danos e na medida em que os créditos ultrapassem os seus débitos.” (JUSTEN FILHO, 1998, p. 573)


Do exposto se verifica que a retenção de valores, conquanto medida acautelatória, não pode ser vista como ato prejudicial ao particular, posto que, em verdade, há uma compensação creditória. O fato de estar o particular em posição de inadimplente não é condição que afete negativamente o valor do crédito do particular, valor este que resta inalterado. Ademais, no que concerne às prestações regularmente executadas, deverão ser reajustadas até o momento do pagamento, ainda que haja compensação[4].


8. PONDERAÇÕES FINAIS


A atual concepção do Direito Administrativo concomitantemente com o novo paradigma instaurado com o Estado Democrático de Direito possui como marco balizador a crescente responsabilidade do Estado nos campos econômico, social e contratual. Como corolário, levanta-se a capciosa indagação acerca de uma possível opção discricionária da Administração por conceitos, termos e instrumentos que priorizem seus interesses em detrimento de quaisquer qualidades de partes. É a possibilidade de virem a ocorrer tais atos que se visa coibir. No âmbito nos contratos administrativos, não obstante não haver uma paridade de condições strictu sensu, a Administração Pública deve obediência a certos preceitos, uma vez que também está sujeita a ser inadimplente.


O art. 389 do Código Civil, e os dispositivos correspondentes na Lei n. 8.666/93 – §2º do art. 79 e art. 80 – são dedicados ao tema do inadimplemento de obrigação. Transmitem eles uma noção fundamental, em específico no que tange ao Direito Administrativo, porquanto a Administração Pública pode igualmente assumir, e está reiteradamente sujeita a isso, o caráter de parte devedora – e, num infortúnio, de devedora inadimplente.


É esta uma realidade que salta aos olhos dos mais atentos. Cuida-se de um dos mais visíveis males que acometem a Administração Pública brasileira, o descumprimento de regras atinentes ao controle de execução orçamentária, enfocado no inadimplemento de obrigações previamente pactuadas, que impacta negativamente nas relações contratuais administrativas.


Os dispositivos citados alhures visam não somente a reparação dos danos causados em virtude de inadimplemento culposo de quaisquer das partes pactuantes, outrossim, um desestímulo a essa conduta. Por vezes o descumprimento do contrato podem repercutir em danos a serem arcados pelo inadimplente deveras superiores ao valor mesmo do contrato. Deve-se intentar perquirir o melhor caminho pelo qual caminhará a execução do contrato, e, na superveniência de inadimplemento de uma das partes, incidirão as indenizações cabíveis, não se olvidando que, em se tratando da Administração Pública, suas decisões e atos não escapam à necessária vinculação com os princípios constitucionais e com a indisponibilidade do interesse público, quando de fato o existir.


 


Referências

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 19ª ed. rev. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

GOMES, Orlando. Contratos. 26ª ed. rev e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2007.

JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 5ª ed. rev e atual. São Paulo: Dialética, 1998.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 17ª ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2004.

MOTTA, Carlos Pinto Coelho. Eficácia nas Licitações e Contratos: estrutura da contratação, concessões e permissões, responsabilidade fiscal, pregão – parcerias público-privadas. 10ª ed. rev. e atual. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.


Notas:

6 ApCv. 158.417/ TFR, BLC n. 5, 1990, p. 185.

[2] ApCv 84.096/CE  TRF 5 Região – Segunda Turma. Rel. Des. José Delgado. Julgamento 17/08/1995. DJ 15/09/1995.             p. 61.847.

3 Parecer CR/TH 1/91, DOU 22.03.1991.

4 Considera-se, neste ponto, a retenção como precedente a verificação do montante a ser auferido pela Administração pelas perdas e danos a ela devidos. Tendo ocorrido a retenção desses valores, suspende-se a liquidação dos créditos até que haja definição. Por não se ter idéia de quanto pode durar o procedimento, o particular não pode ficar ao alvedrio do tempo, devendo o seu crédito ser atualizado.

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Ana Maria Padilha


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Equipe Âmbito Jurídico

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