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O inquérito policial e o termo circunstanciado

O inquérito policial, com tal denominação, surgiu em nossa legislação,
pela Lei nº 2.033 de 20 de setembro de 1871, regulamentada pelo decreto-lei nº
2.824, de 28 de novembro de 1871. O texto legal definia no artigo 42, que o
inquérito policial consistia nas diligências necessárias para o “descobrimento dos fatos criminosos, de suas
circunstâncias e de seus autores e cúmplices, devendo ser reduzido a  instrumento escrito
”.

Para iniciar qualquer escrito sobre o inquérito policial,
há de se verificar seu posicionamento legal, pois o inquérito está previsto no
art. 4º, do CPP, que estabelece exatamente o seguinte: “A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no
território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das
infrações penais e de sua autoria
”.

Já as atividades da polícia civil estão previstas
constitucionalmente  no texto da Carta
Magna, inserida no art. 144, § 4º, estabelecendo: “Às polícias civis dirigidas por delegados de  polícia de carreira, incumbem, ressalvadas a
competência da União, as funções de polícia judiciária e apuração de infrações
penais, exceto as militares
”.

Nasceu no Rio Grande do Sul, pela voz de seu Secretário de Justiça,
Paulo Bisol, proposta, no mínimo polêmica, na qual advoga-se a eliminação do
Inquérito Policial e um dos argumentos para tal, é a necessidade da repetição
da maioria das provas nele produzidas, que se reiteram na fase judicial.

Tal proposta ganhou alguns adeptos em vários pontos do país, dentre
membros da magistratura e do Ministério Público, reforçando a posição de que o
inquérito policial é dispensável, mas não esclarecendo qual forma seria
estabelecida para substituí-lo, levando à conclusão que o procedimento não
seria substituído.

Fico a meditar sobre a origem do inquérito policial, sua utilidade e
conveniência e invariavelmente concluo por sua indispensabilidade como
supedâneo a enfeixar as provas que são produzidas durante esta importante fase,
que é preliminar ao processo criminal, aliás, talvez a fase que justifique o próprio
processo.

Parece-nos evidente a importância do inquérito policial e apesar dos
movimentos contrários a sua permanência, a sociedade brasileira jamais poderá
eliminá-lo. Trata-se de uma peça informativa muito importante, pois na verdade
é a coleta de provas realizada pelo delegado de polícia que as encontra ainda
latentes, pois com o tempo torna-se difícil a obtenção dessas provas, senão até
impossível, quando se verificam provas perecíveis.

Da mesma forma que a obtenção da prova fora do inquérito policial é
difícil, um inquérito policial mal conduzido dificilmente será consertado, pois
o momento é de extrema valia para se reviver a cena pretérita, objetivo máximo
do processo penal, a fim de se estabelecer a culpa do infrator.

Assim, o inquérito policial é uma peça de relêvo e sendo dirigida por
uma autoridade policial, objetiva, principalmente, a apuração dos fatos com
imparcialidade, porquanto o delegado de polícia que o preside, jamais acusa,
como também não defende, pois busca-se uma autoridade imparcial.

Essa autoridade pode coletar provas favoráveis ou desfavoráveis ao
indiciado, e dessa forma convém que seja o presidente deste feito
pré-processual, alguém distante da ação penal.

O relêvo deste procedimento administrativo reside no fato de, ao final,
poder supedanear um  eventual
oferecimento da denúncia, eventual propositura de uma ação penal pelo órgão do
Ministério Público.

Procedimento administrativo investigatório, de caráter até então
inquisitorial, sofre hoje discussão doutrinária sobre a possibilidade do
afastamento do mecanismo inquisitorial — o qual não enseja possibilidade de
defesa –, para dar oportunidade ao contraditório, vale dizer, para
possibilitar que o acusado realize sua defesa pré-processual, exigindo a
participação de advogado.

Inaugurado pela lei nº 9.099/95, dos juizados especiais criminais,
incluindo neles os delitos cuja pena máxima cominada seja de até um ano, a nova
liturgia processual, esse novo rito, afastou a realização do procedimento
administrativo preliminar, exigindo tão somente o termo circunstanciado, vale
dizer, um Boletim de Ocorrência mais completo.

O resultado prático dessa mudança, a nosso ver, foi desastroso, pois
para propiciar uma suposta celeridade processual, mutilou o mecanismo de busca
de prova, e mais, afastou a cerimônia que compõe a aura da Justiça. Na verdade,
todos os componentes da Justiça, enraizados na tradição jurídica e nos
formalismos indispensáveis, dão suporte ao respeito que o povo deve ter para
com a Justiça.

Não foi
à toa, que em recente pesquisa realizada na Inglaterra, com o povo inglês,
consultando-o sobre a conveniência da manutenção das perucas para os
magistrados ingleses, a resposta foi por sua manutenção, face ao simbolismo que
ela encerra.

Da mesma forma, ao lado da utilidade para obtenção da prova, o
inquérito policial é realizado num rito, dentro de uma, digamos, “informal cerimônia”, a estabelecer um
respeito e um pequeno ônus a quem o suporta, sem falar do indiciamento.

Nessa linha, com a lei nº 9.099/95, afastado o inquérito policial, o
informalismo foi total, e o descrédito no trabalho da polícia também, em
destaque para os delitos de trânsito, que hoje não intimidam ninguém, e tal não
ocorre pela quantidade de pena, pois a reprimenda fora elevada, mas pelo rito
estabelecido no Código de Trânsito brasileiro, o da lei nº 9.099/95.

Assim, nos poucos casos em que o inquérito policial foi dispensado,
observamos um descrédito na polícia e na Justiça, aumentando a sensação de
impunidade, tão alardeada no país.

Ora, dessa forma, advogar a eliminação do procedimento administrativo
policial, penso ser um desserviço à nação, pois por meio do Inquérito é que se
dá o suporte às provas produzidas e mais, por ele se revela uma cerimônia
pré-processual, que tenho como indispensável à credibilidade da Justiça, ou no
dito popular, pelo inquérito policial o povo verificará que “a coisa é séria”,
afastando a leviana idéia de que hoje, cometer crime no Brasil, “não dá em
nada”!

Afastada a idéia da eliminação do inquérito policial, reforcemos os mecanismos
de investigação no bojo desse procedimento, melhorando-o e aperfeiçoando-o, com
o fito de prestigiar a própria Justiça.


Informações Sobre o Autor

Luíz Flávio Borges D’Urso

Advogado Criminalista, Presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas – ABRAC, Mestre e Doutor em Direito Penal pela USP, Presidente da Academia Brasileira de Direito Criminal – ABDCRIM, foi Presidente do Conselho Estadual de Política Criminal e Penitenciária de São Paulo e foi Membro do Conselho Penitenciário Nacional, é Conselheiro e Diretor Cultural da OAB/SP, e integra o Conselho Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça.


Equipe Âmbito Jurídico

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