No ordenamento jurídico brasileiro, o instituto da convalidação está expressamente previsto no artigo 55 da Lei nº 9.784/99 (regula o processo administrativo no âmbito federal), ensejando a possibilidade de a Administração aproveitar os atos administrativos com vícios superáveis, confirmando-os integral ou parcialmente. No entanto, a convalidação do ato administrativo deve observar os princípios fundamentais que regem a Administração Pública, devendo, pois, ser aplicada com ponderação, após minucioso estudo do caso concreto.
De acordo com Lucas Rocha Furtado (Curso de Direito Administrativo, Editora Fórum, Belo Horizonte, 2007, p. 329), “admitir que atos administrativos possam ser convalidados importa em permitir que as falhas presentes no ato possam se corrigidas com eficácia retroativa. Convalidado o ato, ele passa a ser considerado válido desde sua origem. Isto é, a convalidação opera eficácia ex tunc. Esta é a grande importância da convalidação e a razão que a distingue da simples anulação do primeiro ato e a prática de novo ato. Praticado novo ato, ele somente produziria efeitos deste momento em diante. Convalidado o ato, a convalidação retroage e lhe confere validade desde sua origem”.
Ato contínuo, o doutrinador segue aduzindo que (p.330), “a possibilidade de convalidação dos atos administrativos somente foi reconhecida em caráter definitivo com a vigência da Lei nº 9.784/99. Em seu art. 55, foi admitida a possibilidade de a Administração Pública sanar vícios verificados em seus atos desde que presentes os seguintes requisitos: – a decisão não lese o interesse público; – não haja prejuízo a terceiro; e – o ato contenha defeitos sanáveis”.
Ressalte-se que a convalidação se dará ou não dependendo do vício que atinge o ato, ou seja, dependendo de qual elemento do ato administrativo está eivado de defeito que pode invalidar o ato jurídico. Se este estiver no sujeito ou na forma, o ato é perfeitamente convalidável. Também é possível convalidar atos com vício no objeto ou conteúdo, mas apenas quando se tratar de questão plúrima, ou seja, quando a vontade da administração se preordenar a mais de uma providência administrativa no mesmo ato. Neste diapasão, será viável suprimir ou alterar alguma destas providências e aproveitar o ato quanto às demais não atingidas por qualquer defeito que eventualmente venha a invalidar o ato jurídico.
Por sua vez, Jorge Ulisses Jacoby Fernandes (Tribunais de Contas do Brasil, 2ª ed. Editora Fórum, Belo Horizonte, 2005, p. 57-58), ao dispor sobre a convalidação, expõe em sua obra que “consiste na prática de um ato administrativo que tem por finalidade validar ato já praticado, objetivando conformá-lo com a ordem jurídica. As principais características da convalidação podem ser assim destacadas: – exige o reconhecimento expresso da Administração Pública. Não há convalidação tácita ou por decurso de tempo; – só pode ser praticada por órgão ou agente competente. O órgão de controle não pode imiscuir-se nessa seara. Por esse motivo, a convalidação é um instrumento típico do autocontrole; – embora não seja uniforme na doutrina, deve existir ato anterior sobre o qual incidirá a convalidação. Isso porque, nas situações de fato, constituídas se ato, pode haver reconhecimento de direitos, em homenagem, por exemplo, à boa-fé, mas não convalidação de fato em ato; – o vício do ato originário, de cuja convalidação se cuida, há de ser de legalidade. Não é adequado o uso da convalidação para rever conveniência e oportunidade; – a convalidação deve operar-se, segundo as regras vigentes ao tempo da convalidação, com atendimento integral dos requisitos legais; – são inconvalidáveis os atos que não podem ser reproduzidos validamente na atualidade; – o ato a ser convalidado não pode ser utilizado em favor de quem, por má-fé, deu causa ao vício de legalidade. Aplicação prática do princípio de que a ninguém é dado valer-se da própria torpeza; – a convalidação resguarda os direitos constituídos pelo ato inválido, aproveitando os efeitos produzidos; – admite-se a convalidação dos efeitos do ato anterior, quando, constituindo situações jurídicas, ficaram essas limitadas no tempo”.
Apresentadas as principais características do instituto da convalidação, mister se faz destacar o fato de que a Administração não pode, ao seu bel prazer, anular atos sem se ater às consequências por este já produzidas, sob o pretexto de se estar obedecendo o princípio da legalidade. Caso isso ocorra, restariam feridos os princípios da segurança jurídica e boa-fé.
A questão é a de que quando a Administração possui a pretensão de anular ou convalidar um ato viciado, os princípios da segurança jurídica e boa-fé devem ser analisados conjuntamente, na busca por uma ponderação atinente ao caso concreto.
Ademais, vale salientar que a convalidação tem por escopo retirar do ato o vício que o torna ilegal, adaptando-o aos termos da lei, bem como preservando as consequências de fato e de direito decorrentes daquele ato.
Veja-se que no exemplo inserto no artigo 37, § 2º, da CF/88, o legislador determina que o ato de provimento de cargo sem observância do concurso público é nulo, impossibilitando a sua convalidação pelo decurso de tempo. No entanto, como já dito, o administrador deve utilizar da ponderação e observações então citadas por Jacoby, pois há casos em que os efeitos dos atos nulos são mantidos pelo fato de não ser de interesse do ordenamento jurídico desfazê-los, como por exemplo as ações diretas de incostitucionalidade.
Assim, após o estudo do caso concreto, uso da ponderação e observância, principalmente, dos princípios da segurança jurídica e boa-fé, a convalidação pode ser realizada e constituir-se definitiva na busca pelo resguardo dos efeitos já produzidos.
Advogada, assessora do Tribunal de Contas do Estado de Goiás – TCE, professora do curso de Direito da Universidade Católica de Goiás – UCG, especialista em Direito Civil e Processo Civil e mestranda em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento
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