O instituto da Integração curricular na democratização do ensino do Direito

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Resumo: A crise no ensino jurídico é consequência de uma educação tecnicista e dogmática pautada em valores engessados, que não são capazes de acompanhar o desenvolvimento da sociedade e as necessidades e problemas do mundo real. Diante da crise estatal, se faz necessário a reflexão e a discussão a cerca da educação do direito. Para isso, o presente trabalho tem por objetivo uma análise do instituto da integração curricular, a fim de demonstrar de que forma esse instituto poderia colaborar na formação social dos acadêmicos do curso de direito. A pesquisa dar-se-á mediante consulta bibliográfica em obras de autores renomados do direito como, James Aires Beane (2003), Alice Ribeiro Casimiro Lopes (2008), Boaventura de Sousa Santos (1994), José Geraldo Sousa júnior (2008), Luis Alberto Warat (2005), além de pareceres do Ministério da Educação. Dessa forma, através do artigo poder-se-á compreender de que forma essa concepção de ensino interagiria com o mundo, promovendo a integração social democrática entre os jovens.[1]

Palavras-chave: Ensino Jurídico; Integração curricular; Direito; Interdisciplinaridade; Formação Humanística.

Abstract: The crisis in legal education is a result of a technical and dogmatic education based on casts values, which are not able to follow the development of society and the real-world needs and problems facing this state crisis is necessary reflection and discussion about the right to education. For this, the present work aims at an analysis of the institute curriculum integration in order to demonstrate how the institute could help in the social education of students from the law school. The research will be given by bibliographical research in works of renowned authors of the law as James Aires Beane (2003), Alice Ribeiro Casimiro Lopes (2008), Boaventura de Sousa Santos (1994), José Geraldo de Sousa Junior (2008) Luis Alberto Warat (2005), and the Ministry of Education's opinions. Thus, through the article can be will understand how this teaching design interact with the world, promoting democratic social integration among young people.

Keywords: Legal Education; curriculum integration; Right; interdisciplinarity; Humanistic training.

Sumário: Introdução 1. Integração Curricular. 1.1. A diferença de interdisciplinaridade e Integração curricular. 1.2. Integração curricular e extensão universitária. 1.3. Integração curricular e formação humanística. Considerações finais. Referências.

INTRODUÇÃO

A crise do ensino jurídico tem relação com a própria crise do Direito e do Estado, visto que esta superou as barreiras etnocêntricas e o estado deixou de ser o centro, com o surgimento do pluralismo jurídico. O que, de certa forma, abriu portas para discussões descentralizadas, inclusive de ordem jurídicas não advindas do estado. Dessa forma, em uma era em que a globalização surge como uma potência através dos meios de comunicação em massa, o princípio da legalidade passa por um enfraquecimento, causando uma crise na soberania estatal. Devido a isso, o acesso à justiça se tornou ineficaz, pois a codificação não consegue acompanhar a evolução da sociedade nos conflitos supraindividuais ou intergrupais. (BISSOLI FILHO, 2002)

O ensino jurídico traz na sua essência, ainda hoje, valores engessados que não são capazes de enfrentar uma mudança na prática jurídica dos direitos do homem, diante disso nos deparamos com a produção institucional de uma subjetividade padronizada, consequência de um discurso positivista fracassado. Fato este, que evidencia a necessidade de uma construção alternativa sugerindo uma visão nova do direito.

Diante disso, a presente pesquisa tem a finalidade de investigar novas propostas capazes de aproximar a teoria da prática, a fim de promover a função social da Universidade dentro da formação do ensino do direito. Tratar-se-á da integração curricular e interdisciplinaridade, com a intenção de trazer a definição de cada instituto e sua diferença. Por fim, será avaliado se a extensão universitária é capaz de proporcionar a integração curricular do ensino jurídico, possibilitando uma formação aos bacharéis do direito com uma base humanística.

1. INTEGRAÇÃO CURRICULAR

Nesta pesquisa, parte-se da premissa de que, ao lado do conteúdo, a forma de transmitir o conhecimento jurídico e a sua construção são, também, de suma importância para o sucesso do ensino jurídico. Neste ínterim, será analisado o instituto Integração Curricular que na sua essência não está preocupado em reunificar um conhecimento científico fragmentado, mas, sim, integrar o conhecimento escolar e, através deste, "aumentar as possibilidades para a integração pessoal e social através da organização do currículo em torno de problemas e de questões significantes" (BEANE, 1997, p. 10).

Para Beane, (1997) na integração curricular as atividades não são categorizadas de acordo com as diferentes áreas disciplinares. Em vez disso, o conhecimento é integrado no contexto dos temas. O autor explica que o conhecimento um propósito imediato, uma vez que, quando o aluno indaga “qual é a importância desse conhecimento?”, a resposta não seja “prepará-lo para o futuro”, mas relacione as necessidades para as quais deve preparar-se agora. Dentro da sala de aula, os centros organizadores são os problemas que ligam o currículo com o mundo em geral, ou seja, a integração da teoria com a prática.

Esse autor por sua vez, cita que o conhecimento é desenvolvido de acordo com a sua disposição curricular para explorar os centros organizadores. Deste modo, o currículo e o conhecimento são propostos de forma a interessar e instigar o aluno, por ser significativo e acessível. Partindo daí, a possibilidade de trazer a esses uma compreensão profunda de si e do mundo em geral, mesmo que toda concepção curricular traga como necessidade a capacidade de criar determinados tipos de relações de outra espécie, com o passado, com a comunidade, integrando disciplinas.

O que se pretende neste estudo é abordar uma concepção de ensino que procure interagir com o mundo em todas as direções, por isso denominado de integração curricular. Esse instituto tem como base duas vertentes subjacentes a esta ideia de integração curricular: “Por um lado, ajudar os jovens a integrar as suas próprias experiências; por outro lado, promover a integração social democrática entre os jovens. ”(BEANE, 1997, p. 94)

De acordo com Lopes, (2008, pg. 45) “o conhecimento científico neste início de século é compreendido como cada vez mais inter-relacionado, em sua busca da resolução de problemas sociais complexos e no processo de constante associação de conteúdos disciplinares as suas tecnologias”.

Isto é, as quebras de rupturas associadas à ciência contemporânea são consideradas geradoras de um rompimento das barreiras disciplinares, a autora explica que as ciências de modo fragmentado não são suficientes para que o aluno saiba lidar com os saberes, buscando a partir disso a resolução dos problemas.

Diante de uma sociedade democrática é dever da escola providenciar experiências educacionais comuns ou partilhadas por jovens. Segundo Beane, (1997, p. 96) “a ideia feita de tais experiências tem estado há muito ligada ao conceito de integração através da ênfase num currículo que promove algum sentido sobre valores comuns ou de um bem comum”.

Pretende-se abordar a integração como um currículo que seja organizado em torno de questões pessoais e sociais, trazendo à tona o diálogo entre professor/aluno corroborando, dessa forma, para integração do conhecimento dentro de uma sala de aula democrática.

 O autor relata que: “De fato, uma das várias críticas à abordagem por disciplinas é que esta inclui quase apenas o conhecimento que reflete os interesses das elites sociais e acadêmicas da alta cultura. Como a divisão do conhecimento por disciplinas se centra apenas nos tópicos situados no interior das próprias disciplinas, outro tipo de questões e de conhecimento é impedido de entrar no currículo planificado. Por outro lado, quando se organiza o currículo em torno de questões sociais e pessoais e se bebe do conhecimento que lhes é pertinente, o conhecimento que é parte da vida quotidiana, bem como o que frequentemente se denomina por “cultura popular”, também entra no currículo. A adição do conhecimento popular e do dia a dia não só fornece novos significados ao currículo, como também refresca os pontos de vista, uma vez que, frequentemente, reflete interesses e compreensões de um espectro muito mais amplo da sociedade do que apenas as disciplinas escolares”. (BEANE, 1997, p. 97-98)

Partindo desse pensamento, percebe-se que as disciplinas são propostas de modo a restringir uma camada popular, visto que o conhecimento é disposto de forma que lhes é conveniente. Acontece que o conhecimento é apresentado de maneira acabada, sem a possibilidade de transcender a este a crítica, como se representasse um “capital” acumulado a serviço apenas da cultura dominante, o que leva os jovens a serem persuadidos a acreditar que conhecimento é abstrato e não tem capacidade de interagir com a sociedade democrática e com o mundo em geral, logo retirando desses a possibilidade de aprender a utilizá-lo de forma a trabalhar as questões sociais. De tal modo, os educadores tornam-se produtores de um conhecimento que não só é redutor e incompleto, como também sem ética.

Quanto a esse assunto Lopes (2008, pg. 47) afirma que “a integração das disciplinas escolares é capaz de facilitar o trabalho com conteúdos culturais mais relevantes, situados nas fronteiras das disciplinas, bem como de analisar problemas e construir suas soluções”. Diante disso, é evidente que a partir da integração curricular o aluno se tornaria mais crítico e com capacidade para analisar os problemas sociais e delimitar solução para esses.

Para Beane, (1997, p. 98) “a integração de conhecimento e o seu uso como instrumento para a abordagem de problemas reais, é um sinal do significado mais profundo subjacente à ideia de integração curricular, (…) para dar vida à democracia na vida escolar”.  Ou seja, o seu verdadeiro intuito é dar atenção sobre determinadas questões, problemas e preocupações que são vivenciados e existem em uma sociedade democrática

Além do mais, se o professor promover espaços capazes de possibilitar o diálogo transversal entre aluno/sociedade/professor, serão trabalhados problemas reais e a partir daí surgirão às soluções inteligentes. E para este propósito, a integração de conhecimento é especialmente adequada. Destarte, “colocando a ênfase nas unidades temáticas centradas em determinados problemas, planificadas colaborativamente pelos professores e pelos estudantes, enquadradas por uma comunidade de sala de aula democrática” (BEANE, 1997, p. 108).

1.1. A diferença de interdisciplinaridade e Integração curricular

Para Aires, (2011, p.226) “a Interdisciplinaridade parece estar mais relacionada com a epistemologia das disciplinas científicas, com o ensino superior e a pesquisa, enquanto que a Integração Curricular parece estar mais relacionada com a epistemologia das disciplinas escolares.” No entanto, Lopes, (2008, p. 75) fala que “a interdisciplinaridade pressupõe considerar a classificação disciplinar e, ao mesmo tempo, conceber formas de inter-relacionar as disciplinas a partir de problemas e temas comuns situados nas disciplinas de referência.”

Nesse sentindo, o pensamento da autora reitera que o ensino perante a interdisciplinaridade se constitui de maneira a submeter-se ao campo científico especializado. Defende-se nesse estudo que esse instituto não contribui para formação crítica, porque o conhecimento não é problematizado diante das suas vertentes educacionais. Sucede que a interdisciplinaridade, por ter seu enfoque reduzido a estrutura disciplinar, aduz uma concepção curricular incompatível com a integração da teoria com a prática. (LOPES, 2008)

Segundo Aires, (2011, p.226) “outra diferença, para além do que se considerava nos discursos a favor da Interdisciplinaridade, havia uma preocupação com a resolução de problemas sociais, econômicos, éticos, da sociedade Moderna”. Já na Integração Curricular a autora diz que a integração social, para além da educação geral baseada num conjunto de disciplinas, que constituem o que os alunos devem saber, diz respeito a uma formação que promova valores relativos ao bem comum de uma sociedade democrática.

O que acontece é que a integração curricular está fundamentada na perspectiva de preparar o aluno para lidar com problemas reais encontrados na durante a sua vida, isto é, num primeiro momento, no entanto, o centro de interesse deve estar relacionado a situações da sua vivência cotidiana. Segundo a autora: “É justamente pelo fato de a Integração Curricular estar relacionada com as problemáticas reais do cotidiano do aluno que consideramos ser está a principal característica que a distingue da Interdisciplinaridade. A explicação para esse argumento consiste no fato de que a Interdisciplinaridade pressupõe a organização curricular por disciplinas e que, fundamentalmente, as barreiras entre estas devem ser quebradas. Já a Integração Curricular não parte das disciplinas, mas dos centros de interesse, e só depois de levantados quais conhecimentos serão necessários para a resolução daquele determinado problema é que serão buscadas as respectivas disciplinas. Portanto, consideramos que a principal diferença entre os dois termos consiste no fato de que a Interdisciplinaridade (seja na concepção hegemônica ou crítica) está relacionada ao aspecto interno da disciplina, ou seja, ao conteúdo. Enquanto que a Integração Curricular está relacionada ao aspecto externo à disciplina, ou seja, à problemática.” (AIRES, 2011, p.226).

Já a integração curricular tem a faculdade de preparar o aluno/indivíduo fornecendo a este, percepções críticas capazes de encontrar soluções inteligentes e lidar com os problemas reais da sociedade democrática. Menciona Lopes, (2002, p.94) “a interdisciplinaridade vai aproximar as disciplinas. O raciocínio e a capacidade de aprender serão mais importantes do que a memorização”, ou seja, a interdisciplinaridade pressupõe inter-relacionar as disciplinas a partir de problemas e temas comuns situados nas disciplinas de referência.

1.2. Integração curricular e extensão universitária

A presente pesquisa tem a pretensão de demonstrar que a integração curricular pode ser concretizada, através da extensão universitária. Para isso, Warat (2005, p.187) faz alusão à participação dos educadores nessa tarefa árdua, “o expert digno é aquele que tem uma atitude clínica para conosco, que se inclina em nosso leito de dor para poder ajudar-nos a diagnosticar. Precisamos de uma escola tornada rua. Para conseguir isso precisamos da ajuda dos experts dignos”. Segue o pensamento do autor: “Meu sonho, talvez o único sonho que ainda posso realizar, é de poder estabelecer relações de ajuda fora dos estabelecimentos Universitários, ajudar a muitas pessoas para que aprendam esta atitude, para que multipliquem a ajuda, se capacitem na desinstalação da ideologia escolarizante, reinstalem comunidades livres de pesquisa, procurem outras alternativas do que se pode entender como escola. Ajudar a muitas pessoas para que entendam que não se aprende Direito para se formar cartoralmente como advogado, juiz, promotor ou defensor público, que se aprende direito para realizar uma justiça comunitária e a cidadania. Pessoas que atendam que aprender direitos é aprender de gente, de vínculos, de afetos, de solidariedade.” (WARAT, 2005, p.190)

Para o autor as pessoas, também podem aprender direito, pois o ensino jurídico não deve estar somente a disposição dos futuros operadores do direito, ao passo que a ideia não é contribuir para uma formação de bacharéis em série, remete aqui à denominada “Aprendizagem desescolarizada”. Sendo assim, esses terão a possibilidade de escolher o que querem aprender do Direito, da cidadania, da democracia, da justiça comunitária. (WARAT, 2005)

A proposta segundo Souza Jr., (2008, p.175), é “articular o ensino jurídico com a exigência científica (…) para a apreensão de categorias aptas a organizar uma prática de ensino na qual a disponibilidade de artefatos científicos operacionais e de hipóteses relevantes de conhecimento.” Portanto, o aluno seria capacitado para a produção de seus próprios resultados, capaz de funcionar como bloqueio de substitutivos de visões repetidas acerca dos fenômenos estudados. Vale trazer o conceito de integração do conhecimento proposto pela autora Beane, (2002): “Quando o conhecimento é visto como uma simples coleção de fragmentos e retalhos de informação e destrezas organizados por disciplinas separadas, a sua utilização e o seu poder estão confinados pelas suas próprias fronteiras e, por isso mesmo, diminuídos. Por exemplo, a definição de problemas e os meios de os abordar estão limitados ao que é conhecido e considerado problemático no seio de determinada disciplina. Quando se perspectiva o conhecimento de uma forma integrada, torna-se possível definir os problemas de um modo tão amplo tal como existem na vida real, utilizando um corpo abrangente de conhecimento para os abordar.” (BEANE, 2002, p.97)

Pretende-se enfatizar que o conhecimento científico, tecnológico e artístico presenciado dentro das instituições de ensino não são os únicos, uma vez que existem outras formas de conhecimento advindas da prática de pensar e agir dos diversos segmentos da sociedade ao longo de gerações. Portanto, mesmo que surgido de outras vertentes, tal conhecimento é legítimo e deve ser encarado dentro da universidade como um possível agente transformador.

No entanto, o autor explica que a extensão universitária, “por não ser caracterizada como científica, é desprovida de legitimidade institucional.” (SANTOS, 1994, p. 170). Mesmo assim, defende-se que a prática da extensão é o retorno para a comunidade através da “prestação de serviços, de divulgação de técnicas, de educação popular nas diversas áreas do conhecimento. E, ao mesmo tempo significa, sobretudo a possibilidade de problematizar o conteúdo dos currículos universitários, confrontando-os com a realidade social.

Para Santos, (1994, p. 178) “a universidade foi criticada, por raramente ter cuidado de mobilizar o conhecimento acumulados a favor de soluções de problemas sociais”. Por isso, tem-se como pretensão utilizar a integração curricular, ou seja, empregar as teorias acumuladas e escondidas dentro dos muros da universidade, a fim de trazer uma discussão livre e desinteressada a serviço dos grupos sociais dominados e seus interesses, possibilitando a prática através da busca colaborativa entre professor/aluno/comunidade de resoluções de problemas sociais.

A reivindicação da responsabilidade social da universidade, afirma Santos, (1994) assumiu tonalidades distintas, alguns trazendo à tona a crítica referente ao isolamento da universidade e a ausência do intercâmbio com a sociedade em geral. Para outros o isolamento da universidade foi apenas aparente, a fim de ocultar o envolvimento em favor dos interesses das classes dominantes. No entanto, para o autor havia outro viés, se para alguns a universidade devia se comprometer com problemas mundiais, para outros o compromisso era com problemas nacionais, como a criminalidade, o desemprego, a degradação das cidades, o problema da habitação.

 Ou até mesmo com os problemas regionais da comunidade, assim como a deficiente assistência jurídica e assistência médica, entre outros. Por isso, defende-se a importância de trabalhar os problemas locais, que são problemas reais e que precisam de soluções imediatas. Para isso, a intenção é usar do instrumento da prática jurídica, a fim de agregar para a extensão universitária a reivindicação de responsabilidade social para as universidades, com o respaldo na integração entre teoria e prática.

1.3. Integração curricular e formação humanística

Os problemas encontrados no currículo jurídico levam-nos a pensar em possibilidades novas para enfrentar a crise no ensino do Direito. Com isso, o estudo é pautado na integração curricular exercida dentro da extensão universitária, o que essa poderia contribuir no perfil do graduando, no que tange a formação humanista, conforme consta nas Diretrizes Curriculares do curso de graduação em direito, bacharelado, a serem observadas pelas instituições de educação superior.

De acordo com Cenci e Fávero (2008, p.3) “embora todo ser humano nasça numa determinada sociedade, não nasce preparado para viver em sociedade. Quem o prepara para tal é o processo educativo ou formativo e não há nenhuma certeza a priori acerca do êxito de tal intento.” O autor explica que uma formação humanística estaria relacionada com a preparação do indivíduo para vida em sociedade, sem deixar de considerar algumas dimensões fundamentais, como “a dignidade pessoal, o reconhecimento do próprio valor como pessoa e do valor dos outros, o desenvolvimento da autonomia pessoal e um projeto de vida coerente e exitoso para si, o respeito aos semelhantes e ao meio ambiente”. Vale citar o Plano Nacional de Extensão Universitária: “Tem-se hoje como princípio que, para a formação do profissional cidadão, é imprescindível sua efetiva interação com a sociedade, seja para se situar historicamente, para se identificar culturalmente e/ ou para referenciar sua formação técnica com os problemas que um dia terá de enfrentar. A extensão, entendida como prática acadêmica que interliga a universidade nas suas atividades de ensino e de pesquisa com as demandas da maioria da população, possibilita essa formação do profissional cidadão e se credencia cada vez mais junto à sociedade como espaço privilegiado de produção do conhecimento significativo para a superação das desigualdades sociais existentes.” (BRASIL, 1987)

Ainda, para o autor, uma formação humanística estaria pautada em uma construção de uma visão de mundo coerente e crítica. Na universidade a formação humanística diz respeito, ainda, à inserção social do profissional, uma vez que toda profissão é uma prestação de serviço à sociedade. Além disso, essa formação estaria associada ao fato de que o profissional precisaria estar preparado para exercer a sua profissão e lidar com a questão social advinda da prática. Por isso é fundamental fornecer a esse uma formação sólida para que ele desenvolva uma postura ética, responsável e comprometida, capaz de uma compreensão crítica e profunda da sociedade em que vive, visto que é ali que atuará profissionalmente. (CENCI; FÁVERO, 2008)

Diante disso que se dá a importância de dimensionar as especificidades, a natureza e as finalidades do conhecimento acadêmico. Para isso, a prática efetuada dentro da extensão universitária estaria entrelaçada a um compromisso social e político com os problemas que precisam ser coletivamente enfrentados, uma vez que a formação profissional e técnico-científica, sem formação humanística, pode facilmente dar margem à indigência cultural, à incapacidade para compreender a si, os outros e o mundo em que vive, bem como a não-percepção clara do sentido de sua própria profissão.

A Universidade sem o cuidado com a sensibilidade humanitária acaba por formar um profissional sem abertura para o mundo, estética e social, não possui estatuto pleno de cidadania. O ensino jurídico, como prática produtora de dimensões comprometidas com os direitos do homem, tem que responder pela formação de uma pedagogia da dignidade e da solidariedade social, preocupando-se com a existência do outro e participando de suas lutas transgressoras. Dessa forma, com a luta pela dignidade que o discurso docente perderá a suas características, a fim de atingir uma postura não alienada. (WARAT, 2005)

Para Cenci e Fávero, (2008, pg.7) “corre-se o risco de a formação humanística ser reduzida a um aglomerado de informações humanísticas, levadas adiante de forma linear, fragmentária e desconectada da formação específica dos alunos. “Nesse sentido, poder-se-ia falar em diferentes níveis da formação humanística os quais, apesar de distintos, funcionariam simultaneamente e de modo complementar: (a) nível específico, que envolveria conhecimentos de filosofia, sociologia, ética, literatura, estética, psicologia, etc; (b) nível atitudinal, que seria desenvolvido mediante a postura que o licenciando vai construindo na graduação através da convivência com professores e colegas, práticas planejadas e orientadas pelo curso no sentido da formação humanística, experiências acadêmicas pessoal e humanamente significativas, prática sociais em que os conhecimentos aprendidos seriam estendidos à sociedade, etc; (c) nível institucional, que se trata do ambiente constituído dentro do curso de graduação e da instituição, envolvendo o estímulo aos estudos, ética e comprometimento com a prática profissional, clima de co-responsabilidade, respeito, diálogo, pesquisa, formação permanente, etc. Neste nível pesam muito a postura e a qualificação dos professores do curso.” (CENCI; FÁVERO, 2008, Pg.7)

“A perspectiva teórico-prática do humanismo dialético obtém reconhecimento de autores que associam suas pesquisas a uma perspectiva teórica que lhes possibilite uma construção social do conhecimento jurídico e da prática do Direito.” Com isso, uma proposta de trabalho teórico-prático deve conter os mecanismos fornecidos pela Universidade, isto é, pesquisa, ensino e extensão possibilitando uma formação ampla com uma base humanística sólida. Assim, o ensino jurídico será um meio de transformação social com a participação expressiva do povo. (COSTA; SOUSA JR; DELDUQUE; OLIVEIRA DALLARI, 2009, p 25)

Por isso, o estudo em tela traz a integração curricular, a partir da atividade de educação popular articulada dentro da extensão universitária, por ser uma importante experiência para a formação humana e intelectual do estudante de Direito.

Também, contribuindo para despertar uma sensibilidade pedagógica no profissional do Direito de amanhã, problematizando os instrumentos jurídicos, discutindo os aspectos políticos dos conflitos sociais, tomando ambos – elemento popular e intelectual – sujeitos da transformação social. Para que essa vivência desenvolva no jurista, a partir de sua função social, uma sensibilidade para perceber a realidade concreta, o saber popular, necessária a fim de sentir os anseios populares e traduzi-los para a linguagem jurídica. Cabe ao jurista comprometido com a transformação social produzir o saber jurídico entrelaçado pelos sentimentos elementares do povo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo foi proposto com a finalidade de tratar da Educação jurídica sob uma vertente Humanística, com a pretensão de abordar a integração curricular exercida dentro da extensão Universitária, como um método para compreender a função social da Universidade através da prática jurídica. Para elucidar a pesquisa, foram trazidos alguns conceitos como integração curricular, interdisciplinaridade e extensão universitária. 

Procurou-se evidenciar a importância do diálogo entre alunos e sociedade, na busca de uma forma crítica de compreensão do fenômeno jurídico. Além disso, buscou-se demonstrar que o ensino do Direito é um instrumento que possibilita a busca de algo em sua razão, isto é, a luta pelos interesses e direitos do povo e das minorias, promovendo, a partir disso, o empoderamento dos envolvidos.

Bem como, uma prática produtora de um diálogo humanista, colaborando para uma sociedade democrática, na qual todos e todas serão libertados das amarras dogmáticas. Por fim, é necessário que a universidade e sociedade atuem juntos, de forma que o ensino do direito cumpra de maneira adequada e satisfatória o seu papel social e educador.

 

Referências
Ações Socioambientais nas comunidades de Rio Grande. Disponível em: http://issuu.com/extensaoufrgs/docs/revistaextensao_04?e=3950560/2879415<Acesso em 27.03.2015>.
BEANE, James A. Integração curricular: a essência de uma escola democrática. Currículo sem Fronteiras, v.3, n.2, pp. 91-110, Jul/Dez, 2003.
CENCI, Angelo Vitório. FÁVERO, Altair Alberto. Revista Pragmateia Filosófica – Ano 2 – Nº 1 – Out. 2008 – ISSN: 1982-1425.
CNE. Resolução CNE/CES 9/2004. Diário Oficial da União, Brasília, 1º de outubro de 2004, Seção 1, p. 17.
COLAÇO, Thais Luzia. Novas perspectivas para a antropologia jurídica na América Latina: o direito e o pensamento decolonial / Thais Luzia Colaço, Eloise da Silveira Petter Damázio. – Florianópolis: Fundação Boiteux, 2012. 224p.
DIAS, Renato Duro. Relações de poder e controle no currículo do curso de direito da FURG. Tese de doutorado. Programa de pós-graduação em educação. Pelotas: UFPEL, 2014.
FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação. 7º. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.
HERKENHOFF, João Baptista. Direito e Utopia. São Paulo: Acadêmica, 1990.
JOANEZ A. Aires. Integração Curricular e Interdisciplinaridade: sinônimos? Educ. Real., Porto Alegre, v. 36, n.1, p. 215-230, jan./abr., 2011. Disponível em: http://www.ufrgs.br/edu_realidade.
LOPES, Alice Ribeiro Casimiro. Políticas de integração curricular. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2008. 184 p.
LYRA FILHO, Roberto. O direito que se ensina errado (sobre a reforma do ensino jurídico).
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SOUSA JÚNIOR, José Geraldo de. Direito como liberdade: o Direito achado na rua: experiências populares emancipatórias de criação do Direito. 2008. 338 f. Tese (Doutorado em Direito) – Universidade de Brasília, Brasília, 2008.
WARAT, Luis Alberto. Epistemologia e ensino do direito: o sonho acabou. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2005.
Nota
[1] Trabalho orientado pelo Prof. Dr. Renato Duro Dias – Coordenador do Curso de Direito e do Centro de Referência em Direitos Humanos – CRDH / FURG

Informações Sobre o Autor

Carolina Duarte Flores

Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande – FURG


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Equipe Âmbito Jurídico

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