O instituto da prescrição penal

I – INTRODUÇÃO

A prescrição, objeto de estudo do presente trabalho, se faz necessário para não atribuir ao Estado um direito ilimitado de investigar, processar, julgar e aplicar a pena ao indivíduo, impedindo assim que sejam cometidas injustiças surgidas em virtuda da inércia estatal.

II – CONCEITO E FUNDAMENTO

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É a perda do direito Estado de punir, pelo decurso de tempo. Considera-se que não há mais interesse estatal na repressão do crime, considerando não apenas o decurso temporal, mas também a adaptação do infrator à vida social, configurada pela não reincidência.

Existem duas maneiras de computar a prescrição: 1) pela pena em abstrato; 2) pela pena em concreto. No primeiro caso, não tendo havido a condenação, inexiste pena determinada e definitiva para servir de base ao juiz ao cálculo da prescrição. Portanto, a pena máxima em abstrato prevista para o delito é utilizada. No caso de haver incidência de causa de aumento de pena, aplica-se o máximo do aumento; se houver causa de diminuição, por sua vez, aplica-se o mínimo. [1]

Por sua vez, as circunstâncias atenuantes e agravantes não serão utilizadas no cálculo. E isso se dá por uma razão muito simples: elas não majoram ou diminuem a pena, acima ou abaixo do determinado por lei.

Havendo condenação com trânsito em julgado para a acusação, a pena torna-se, assim, concreta e passa a servir de cálculo para a prescrição. Nesse sentido é a Súmula 146 do STF: “A prescrição da ação penal regula-se pela pena concretizada na sentença, quando não há recurso da acusação”.

NUCCI, em sua obra, expõe as várias teses fundamentando a existência da prescrição em diversos ordenamentos jurídicos, inclusive no nosso[2]:

Teoria do esquecimento: baseia-se no fato de que, após certo decurso de tempo, que varia conforme a gravidade do delito, a lembrança do crime apaga-se da mente da sociedade, não mais existindo o temor causado pela sua prática, deixando de haver, por isso, motivo para a sua punição;

Teoria da expiação moral: funda-se na idéia de que, com o decurso do tempo, o criminoso sofre a expectativa de ser, a qualquer momento, descoberto, processado e punido, o que já seria a sua punição, sendo dispensáo, sendo dispensiçdonto, descobertomotivo para a sua puniçe do delito,  a lembrança do crime apaga-se dvel a aplicação da pena.

Teoria da emenda do delinqüente: baseia-se no fato de que o decurso do tempo, por si só, traz mudanças no comportamento do indivíduo, presumindo-se a sua regeneração e demonstrando a desnecessidade da aplicação da pena.

Teoria da dispersão das provas: tem por base a idéia de que o decurso do tempo provoca a perda das provas, tornando quase impossível realizar um julgamento justo. Nesse caso, haveria maior possibilidade de ocorrência de erro judiciário.

Teoria psicológica: funda-se na idéia de que o decurso do tempo traz alterações no modo de ser e de pensar no criminoso, o que o torna pessoa diversa daquela que cometeu o delito, motivando a não aplicação da pena.

NORONHA assim fundamenta o instituto: “O tempo, que tudo apaga, não pode deixar de influir no terreno repressivo. O decurso de dias e anos, sem punição do culpado, gera a convicção da sua desnecessidade, pela conduta reta que ele manteve durante esse tempo. Por outro lado, ainda que se subtraindo à ação da justiça, pode aquilatar-se de sua intranqüilidade, dos sobressaltos e terrores que passou, influindo esse estado psicológico em sua emenda ou regeneração”.[3]

E conclui: “(…) é indisfarçável que, ao menos aparentemente – e, portanto, com reflexos sociais nocivos – a pena tão tardiamente aplicada surgiria sem finalidade, e antes como vingança.”[4]

Para NUCCI, todas as teorias, em conjunto, explicam a razão de existência da prescrição, que não de deixa de ser benéfica, diante da inércia do Estado em exercer sua função, investigar e apurar o crime. [5]

De fato, seria inadmissível que alguém, eternamente, viva sob a ameaça da ação penal, ou sujeito indefinidamente aos seus efeitos, antes ou após a prolatada a sentença.

III – PRAZOS PARA O CÁLCULO DA PRESCRIÇÃO

O artigo 109 do Código Penal regula os prazos para cálculo da prescrição, nos seguintes termos:

a) em 20 anos, se o máximo da pena não for superior a 12;

b) em 16 anos, se o máximo da pena não for superior a 8 e não exceder 12;

c) em 12 anos, se o máximo da pena for superior a 4 e não exceder 8;

d) em 8 anos, se o máximo da pena for superior a 2 e não exceder 4;

e) em 4 anos, se o máximo da pena for igual ou superior a 1 e não exceder 2;

f) em 2 anos, se o máximo da pena for inferior a 1 ano.

Os prazos previstos no referido artigo servem para o cálculo da prescrição da pretensão punitiva e da executória. E, no parágrafo único, está estabelecido que as penas restritivas de direitos, que são substitutivas das privativas de liberdade, prescrevem no mesmo prazo das substituídas.

A prescrição não ocorrerá, conforme expressa previsão constitucional, em dois crimes: racismo e terrorismo. (art. 5º, incisos XLII e XLIV).

Importante ressaltar que há duas variações nos prazos do artigo 109: quando o réu for, na época do fato menor de 21 anos, ou, maior de 70 na data da sentença, o prazo será cortado pela metade. Será, ainda, aumentado de um terço quando o condenado for reincidente, envolvendo nesse caso apenas a pretensão executória do Estado (artigo 115 do Código Penal).

Quanto à reincidência, dispõe a súmula 220 do STJ: “A reincidência não influi no prazo da prescrição punitiva.”

Quanto à pena de multa, seus prazos prescricionais estão descritos no artigo 114 do Código Penal. Prescreve em dois anos a multa quando esta for a única pena cominada ou aplicada. No entanto, se for cominada ou cumulativamente aplicada com a pena privativa de liberdade, a prescrição ocorrerá no mesmo prazo que ocorrerá pela da pena desta.

Outra consideração a ser feita, é que, conforme dispõe o artigo 118 do Código Penal, as penas mais leves prescrevem com as mais graves.

IV – MODALIDADES DE PRESCRIÇÃO

A transcrição pela pena em abstrato é a perda da pretensão punitiva do Estado, calculada pela pena máxima em abstrato cominada para o crime. É utilizada enquanto o Estado não possui a pena concreta.

Transitada em julgado a sentença condenatória, pelo menos para a acusação, a pena in concreto regula a prescrição. Isso porque, mesmo que haja recurso da defesa, o montante da pena jamais será superior, podendo somente baixar na instância superior (o sistema brasileiro não permite a reforma da sentença para maior, quando somente o réu recorre).

A prescrição da pretensão punitiva, por sua vez, é a perda do direito de punir do Estado, considerando-se prazos anteriores ao trânsito em julgado em definitivo.

A prescrição retroativa é a perda do direito do Estado de punir, e, para o seu cálculo, utiliza a pena aplicada em concreto, com o trânsito em julgado para a acusação, levando-se em conta os prazos anteriores ao da sentença.

Prescrição intercorrente, também chamada de superveniente, é a perda do Estado de punir, com o trânsito em julgado da própria sentença para a acusação e cujo lapso de contagem é após a data da sentença até o trânsito em julgado para a defesa.

Há ainda a prescrição da pretensão executória, que é a perda do direito do Estado de aplicar a pena, tendo como base de cálculo a pena em concreto, com o trânsito em julgado para as partes, cujo lapso de contagem tem início com o trânsito em julgado até o efetivo cumprimento da pena ou ocorrência da reincidência.

V – TERMOS INICIAIS DA PRESCRIÇÃO

Os marcos iniciais da prescrição da pretensão punitiva do Estado é o da data em que o crime se consumou, consoante determina o artigo 111, inciso I do Código Penal.

A prescrição, quando tratar-se de tentativa, está regulada pelo inciso II do mesmo artigo, que determina que será iniciada a sua contagem quando da data em que cessou a atividade criminosa.

No caso dos crimes continuados, conta-se a prescrição a partir da data da consumação de cada uma das ações que compõe a continuidade. [6] Sobre o mesmo tema, determina a Súmula 497 do Supremo Tribunal Federal: “Quando se tratar de crime continuado, a prescrição regula-se pela pena imposta na sentença, não se computando o acréscimo decorrente da continuação”.

No caso dos crimes permanentes (art. 111, inciso III), o prazo inicia na data em que cessou a permanência, ou seja, no dia em que o agente cessou a sua conduta.

Quanto aos delitos habituais, deve-se contar a prescrição da data que cessou a habitualidade, que pode ser considerada encerrada tanto pela finalização das atitudes do agente, quanto pelo instante em que há o ajuizamento de ação penal contra o autor do delito. [7]

Por fim, o inciso IV regulamenta o termo inicial do prazo da prescrição, no caso dos crimes de bigamia e nos crimes de falsificação ou alteração de assentamento do registro civil, que correrá a partir da data em que o fato se tornou conhecido.

Nesse último caso, surge a dúvida se o aludido conhecimento é presumido pelo uso notório do documento falsificado, ou depende de notícia formal, à autoridade de policial. DELMANTO segue a primeira orientação, a do conhecimento presumido, pois a lei não exigiu expressamente a notícia à autoridade. [8]

NUCCI tem o mesmo entendimento: nesses delitos, a prescrição corre da data em que o fato se tornou conhecido da autoridade competente para apurar e punir o infrator, seja de modo presumido ou de modo formal. [9]

Os marcos iniciais para a prescrição da pretensão executória, estão no artigo 112 do Código Penal.

O início da contagem, nesses casos, tem início no dia que transita em julgado a sentença condenatória para a acusação (art. 112, inciso I) e no dia em transita em julgado a decisão que revoga a suspensão condicional da pena ou o livramento condicional.

Tem início, ainda, a partir do dia em que se interrompe a execução, exceto quando o tempo de interrupção deva computar-se como cumprimento da pena (artigo 112, inciso II). Isso ocorre quando o condenado deixa de cumprir a pena que lhe foi imposta por motivo de fuga, abandono do regime aberto ou ainda, quando deixa de seguir as restrições de direito.

No caso de fuga ou revogação do livramento, consoante determina o artigo 113 do Código Penal, a prescrição será regulada pelo tempo que resta a ser cumprida, e não mais pela pena a que foi condenado.

VI – CAUSAS SUSPENSIVAS DA PRESCRIÇÃO

A suspensão é a paralisação do curso da prescrição, sem que ocorra a perda do tempo já computado.

O Código Penal, em seu artigo 116, prevê três hipóteses de ocorrência da suspensão: enquanto não for resolvida, em outro processo, questão prejudicial da qual dependa o reconhecimento da existência do crime; enquanto o agente cumpre pena no estrangeiro e, por fim, depois da ocorrência do trânsito em julgado da sentença condenatória, durante o tempo em que o condenado estiver preso por outro motivo.

As questões prejudiciais estão previstas nos arts. 92 e 93 do Código de Processo Penal. No art. 92 estão previstas as causas obrigatórias suspensão da prescrição, enquanto não se decide a questão em outro processo, quando disserem respeito ao estado das pessoas. São facultativas quando disserem respeito a qualquer outro tema. [10]

A questão prejudicial precisa estar conectada à prova da existência do crime e não de meras circunstâncias que o volteiam. [11]

NUCCI prevê outras situações que, embora não expressamente previstas na lei, decorrem da lógica e impossibilitam fazer valer a sanção penal. São elas: se o acusado está preso no estrangeiro, distante da jurisdição brasileira, é preciso aguardar sua soltura; se está preso por outro motivo, igualmente deve-se esperar que termine a pena ou prisão provisória para que se possa executar a pena a outra pena aplicada. [12]

Existem, ainda, as causas suspensivas da prescrição que não estão previstas no Código Penal. São elas: durante o período de cumprimento da suspensão condicional do processo (art. 89, parágrafo 6º, da Lei 9.099/95); enquanto o processo está suspenso em virtude da citação por edital do réu (art. 366 do CPP); enquanto se cumpre carta rogatória (art. 368 do CPP) e; se for suspenso processo contra parlamentar, atento à imunidade processual (art. 53, parágrafo 5º da CF). [13]

VII – CAUSAS INTERRUPTIVAS DA PRESCRIÇÃO

Ocorrendo uma das causas de interrupção, conforme determina o parágrafo segundo do artigo 117, todo o prazo começa a correr novamente.

São causas interruptivas da prescrição:

O recebimento da denúncia ou da queixa (art. 117, inciso I do Código Penal), seja em 1ª ou em 2ª instância. Nesse caso, a prescrição deverá ser contada a partir da data constante da decisão de recebimento da denúncia ou da queixa e não o da publicação ato do recebimento. Todavia, havendo dúvida quanto a esta data, deve prevalecer a data de sua entrega em cartório pelo juiz, salvo se prejudicar o agente.[14]

Outro aspecto a ser considerado é o da decisão de recebimento prolatada por juiz incompetente. Caso se tratar de incompetência absoluta, a decisão não tem força de interromper o prazo prescricional. Por outro lado, se tratar-se de incompetência relativa, será interrompida a contagem do prazo prescricional. [15]

A pronúncia também é causa interruptiva da prescrição (art. 117, inciso II do CP), mesmo que ocorra a posterior desclassificação, conforme decisão já sumulada pelo STF.

A impronúncia e a absolvição sumária, por sua vez, não interrompem a prescrição.

A sentença condenatória recorrível (art. 117, inciso IV do CP), é causa interruptiva da prescrição e computa-se a partir de sua publicação. [16]

O acórdão pode ser considerado “sentença recorrível”, se for a primeira decisão condenatória proferida no processo. Se aceito o acórdão como marco interruptivo, será contado a partir da data da sessão de julgamento. [17]

Por fim, são duas as causas interruptivas da pretensão executória: o início ou continuação do cumprimento da pena (art. 117, inciso V do Código Penal) e a reincidência (art. 117, inciso VI do Código Penal).

VIII – PRESCRIÇÃO EM LEIS ESPECIAIS

Deverão ser respeitados os prazos especiais previstos para a prescrição em leis especiais. Não havendo disposição específica, aplica-se as normas previstas no Código Penal.

 

Bibliografia
Código Penal. 7 ed. São Paulo: Revista Editora dos Tribunais, 2005.
Código penal comentado / Celso Delmanto … (et. al) – 6. ed. atual. E ampl.- Rio de Janeiro: Renovar, 2002. 1.151 p; 23 cm.
NORONHA, E. Magalhães, Direito Penal – São Paulo: Saraiva, 2001
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal: parte geral: parte especial – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2005
Notas:
[1] Nucci, Guilherme de Souza. Manual de direito penal: parte geral: parte especial – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2005.p. 530
[2] Op. Cit. p. 531
[3] Noronha, E. Magalhães, Direito Penal – São Paulo: Saraiva, 2001.pág. 362
[4] Op. Cit.
[5] Nucci, Guilherme de Souza. Manual de direito penal: parte geral: parte especial – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2005.p. 531
[6] Código penal comentado / Celso Delmanto … (et. al) – 6. ed. atual. E ampl.- Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
[7] Nucci, Guilherme de Souza. Manual de direito penal: parte geral: parte especial – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2005.p. 539
[8] Código penal comentado / Celso Delmanto … (et. al) – 6. ed. atual. E ampl.- Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
[9] Nucci, Guilherme de Souza. Manual de direito penal: parte geral: parte especial – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2005.p. 541
[10] Op. Cit. p. 542
[11] Op. Cit.
[12] Op. Cit.
[13] Op. Cit.
[14] Código penal comentado / Celso Delmanto … (et. al) – 6. ed. atual. E ampl.- Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
[15] Nucci, Guilherme de Souza. Manual de direito penal: parte geral: parte especial – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2005.p. 544
[16] Código penal comentado / Celso Delmanto … (et. al) – 6. ed. atual. E ampl.- Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
[17] Nucci, Guilherme de Souza. Manual de direito penal: parte geral: parte especial – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2005.p. 545

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Anna Carolina Franco Coellho

 

Estudante de Direito na Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, de São Paulo/SP. Estagiária de Direito na França Ribeiro Advocacia Ltda. – Estagiária de Direito na área Contenciosa Tributária Federal Battaglia & Kipman Escritório de Advocacia – Estagiária nas áreas: Cível e Trabalhista. ADEPI (Associação de Defesa da Propriedade Intelectual) – Estagiária de Direito na área de Defesa da Propriedade Intelectual); Guilherme Sant’anna Advocacia

 


 

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Equipe Âmbito Jurídico

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