Categories: CrônicasRevista 11

O interrogatório por teleconferência: uma desagradável justiça virtual

Trata-se
de uma novidade, é o interrogatório explorativo “on line”, experiência que está
sendo levada a efeito em
São Paulo.

Embora o
novo interrogatório, que seria realizado por computador, estando de um lado, no
Fórum, o magistrado e de outro lado da linha numa teleconferência, no presídio,
o acusado, sem contudo um contato pessoal entre ambos, para o idealizador, é
maneira de agilizar, desburocratizar, trazendo economia para a Justiça, e
evitando-se dessa forma as escoltas arriscadas e custosas.

Vozes de
todos os cantos do país levantam-se contra essa experiência, pois sob o manto
da modernidade e da economia, revela-se perversa e desumana, afastando o
acusado da única oportunidade que tem para falar ao seu julgador, trazendo
frieza e impessoalidade a um interrogatório.

A
ausência da voz viva, do corpo e do “olho no olho”, redunda em prejuízo para a
defesa e para a própria Justiça, que terá de confiar em terceiros, que farão a
ponte tecnológica com o julgador.

A
informática tem prestado relevantes serviços à Justiça, notadamente à Justiça
Criminal, todavia, há carência que a tecnologia avançada até hoje não foi capaz
de sanar, como por exemplo, um controle nacional sobre todos os presos no país,
trazendo a agilização pretendida, sem que seja necessário afastar o homem
acusado dos Tribunais.

Tudo
isso pode ser um enorme sucesso tecnológico, mas é um flagrante desastre
humanitário!

Para
invocar o eminente Professor, René Ariel Dotti, estamos diante de uma
“cerimônia degradante”, e o ilustre paranaense prossegue, dizendo que a coisa
não pára por aí, pois existe uma conspiração de circunstâncias a ampliar o
projeto da teleaudiência, levando a uma verdadeira justiça virtual, distante,
ficta, fria, gélida até.

Na
doutrina o momento do interrogatório é sempre visto como um momento muito
importante, pois além de meio de prova, mais que isso, é meio de defesa,
conforme se verifica.

O interrogatório é ato público e realizado
dentro de um estabelecimento penitenciário, por mais que se diga
contrariamente, jamais será público.

Por
último, há quem diga que hoje o juiz não vê o rosto – tampouco as expressões
corporais – do acusado, quando o interrogatório é realizado por carta
precatória. Não é bem assim, pois no caso das cartas precatórias, embora o
contato do acusado não seja com o juiz da causa, certamente terá oportunidade
de contato com um magistrado, o que lhe garante ser ouvido, inclusive sobre
fatos que, dentro das paredes das prisões, a lei do silêncio o impediria.

Assim,
não há porque advogar-se a tese dessa forma de interrogatório “on-line”.

O ato
tem importância, não só para exame de eventual liberdade provisória que se
possa conceder, mas também e até para uma pena que se irá impor.

É pelo interrogatório que o Juiz mantém
contato com a pessoa acusada e propicia ao julgador o conhecimento da
personalidade do acusado e lhe permite, também, ouvindo-o, cientificar-se dos
motivos e circunstâncias do crime. É personalíssimo. Não admite representação.
Interrogado tem que ser o próprio réu e ninguém por ele.

O
interrogatório é a grande oportunidade que tem o juiz para formar juízo a
respeito do acusado, de sua personalidade, da sinceridade, de suas desculpas ou
de sua confissão.

Por tudo
isso, não se admite qualquer retrocesso em termos humanitários, de forma que o
réu tem direito de ter sua voz ouvida e não lida, sua imagem presente e não
transmitida.

Além
disso, pensamos que a tese não resiste há uma análise de constitucionalidade,
porquanto nossa Carta Magna consagra a ampla defesa (art. 5º, LV, CF), bem como
o Brasil subscreveu pactos internacionais, nos quais, entende-se que não há
devido processo legal, se não houver apresentação do acusado ao juiz (Convenção
Americana sobre Direitos Humanos).

Por tudo
isso, acreditamos que não estamos – e talvez nunca estaremos, preparados para
isso. Há de se aperfeiçoar as garantias legais e humanas e o sagrado direito do
acusado de estar diante, pessoalmente e falando com seu julgador, mesmo que num
único ato.

Mesmo
que a imagem transmitida pela tela do computador, seja em tempo real, ausente
estaria o calor do olhar, pois ausente o réu, que muito embora “plugado” à
máquina, ainda estará dentro da penitenciária e sobre todos os influxos desta.

Por fim,
se ainda resta o argumento do risco e do custo da escolta do preso, tal pode
ser resolvido com a presença do juiz na unidade prisional para o ato, com toda
segurança para ambos.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Luíz Flávio Borges D’Urso

 

Advogado Criminalista, Presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas – ABRAC, Mestre e Doutor em Direito Penal pela USP, Presidente da Academia Brasileira de Direito Criminal – ABDCRIM, foi Presidente do Conselho Estadual de Política Criminal e Penitenciária de São Paulo e foi Membro do Conselho Penitenciário Nacional, é Conselheiro e Diretor Cultural da OAB/SP, e integra o Conselho Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça.

 


 

Equipe Âmbito Jurídico

Recent Posts

Prejuízos causados por terceiros em acidentes de trânsito

Acidentes de trânsito podem resultar em diversos tipos de prejuízos, desde danos materiais até traumas…

2 dias ago

Regularize seu veículo: bloqueios de óbitos e suas implicações jurídicas

Bloqueios de óbitos em veículos são uma medida administrativa aplicada quando o proprietário de um…

2 dias ago

Os processos envolvidos em acidentes de trânsito: uma análise jurídica completa

Acidentes de trânsito são situações que podem gerar consequências graves para os envolvidos, tanto no…

2 dias ago

Regularize seu veículo: tudo sobre o RENAJUD

O Registro Nacional de Veículos Automotores Judicial (RENAJUD) é um sistema eletrônico que conecta o…

2 dias ago

Regularize seu veículo: como realizar baixas de restrições administrativas

Manter o veículo em conformidade com as exigências legais é essencial para garantir a sua…

2 dias ago

Bloqueios veiculares

Os bloqueios veiculares são medidas administrativas ou judiciais aplicadas a veículos para restringir ou impedir…

2 dias ago