Direitos humanos e garantias constitucionais

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Já afirmei,
várias vezes, que uma das qualidades dos velhos advogados é a memória.
Transformam-se os antigos, na verdade, em testemunhas discordantes, às vezes,
dos livros encomendados 
pelas autoridades para as escolas de ensino básico e médio.
Acontece isso a alguns sobreviventes dos idos de 1964. Quanto a mim, tenho,
entre outras, uma beca muito antiga, presenteada por um amigo que já a herdara
do pai. Aquele pano pregueado exibe contra a luz alguns pontos esgarçados pelo
tempo. É meu preferido. Sempre me deu sorte. Protege-me assemelhadamente
às armaduras cheias de mossas cobrindo os antigos cavaleiros andantes,
ajustando-se as fivelas ao corpo a poder da muita usança. Utilizei-a na
Auditoria de Guerra, em
São Paulo, defendendo alguns estudantes (não muitos, o
suficiente para me fazerem notado nos escaninhos da polícia política). Andei
com aquele pano pelo Brasil, enquanto o habeas corpus
perdia valor. Sacudi as aldravas da rua Tutóia, buscando companheiros presos. Senti no peito o dedo
indicador do Sargentão, expulsando-me sem explicação qualquer. Almocei lá
dentro, na 36.ª, porta dos fundos, enquanto
apresentava um jovem fugitivo que aproveitava, para fazê-lo, o dia seguinte à
morte de Wladimir Herzog. Devo confessar, entretanto,
que durante aquele tempo soturno não houve um “milico” sequer, em tribunal algum, que desconsiderasse aquela beca toda cerzida. Os  militares eram duros
e malcriados, mas as auditorias de guerra conheciam os limites da acusação e
respeitavam  os advogados. Torturava-se.
Ocasionalmente, os peixes devoravam um ou outro dissidente atirado ao mar
depois de drogado. Tratava-se, entretanto, de um jogo aberto em que os
defensores sabiam o que tinham à frente. Enfrentavam ou não a refrega, mas sem
ilusões. A corrupção veio lá adiante. Toda ditadura, sabe-se bem, apodrece por
falta de censura.  Aquela também se
transformou no panorama putrefato gerador das marchas pela redemocratização, da
carta aos brasileiros, etc. 
Depois do enforcamento (?) de Herzog,
reconciliaram-se, devagar,  as autoridades
e os princípios democráticos. Quando os primeiros clarões da libertação
ressurgiram no horizonte da pátria, os advogados estavam  na linha de frente, abraçados com o
povo, saudando o Brasil novo que surgia .

Indagar-se-á qual a razão
da melancólica lembrança. É simples. Restaurada a democracia, expurgados os
carrascos (sobram ainda alguns vivos), promulgada a Constituição alvissareira,
julgava-se que o povo teria o asseguramento das
garantias postas no papel, respeitando-se, principalmente, o equilíbrio entre a
acusação e a defesa. Não se contava, entretanto, com intercorrências,
hoje muito presentes, respeitantes ao aumento da criminalidade violenta, ao
influxo de provocações alienígenas e ao contágio, não exorcizado, do
autoritarismo anterior. À margem disso, o denominado Estado Democrático assumiu
contornos de verdadeiro império, subjugando-se o cidadão com carga tributária
que transformou o país num dos mais escorchantes do
mundo. No entremeio, uma enorme separação entre ricos e pobres, sobrando o ouro
para uns poucos e faltando pão para os demais. Medrando em profusão, ressurgiu
o fator corruptivo, transbordando a concupiscência
aurífera dos gavetões múltiplos da administração
pública. Sarney ocupou o trono. Hoje representa o Acre no Senado e é romancista
famoso (v. Marimbondos de Fogo – Há mais um, parece). Collor ultrapassou a
barreira do som. Só não andou de submarino, porque aquele que o Brasil tem não
pode submergir. Afunda. Ademais, após sofridos oito
anos, volta Fernando com força total, pleiteando a coroa alagoana, para
desespero de Helena (não a de Tróia, mas a Heloísa). Surgiu Itamar, com seu
topete apontando para o infinito. Criou outro Fernando, I e Único, rei do
Brasil, detentor de um discutível passado antiditadura.
A bruxaria da corrupção envolveu todos. Aumentou a pobreza. Decuplicou-se a
carga tributária. Multiplicaram-se os crimes violentos. Protegendo-se contra a
ilicitude dos bandidos, o Estado se transformou, também, em delinqüente. Aquelas
mesmas garantias desprezadas pelos “milicos” são hoje aviltadas todos os dias
pelos arautos da Constituição. Os presos chafurdam na podridão de celas
superlotadas. A defesa é recebida com indisfarçável desprezo por grande parte
da magistratura. O Ministério Público recebe poderes nunca vistos, bafejado
pela benevolência da Jurisdição quanto ao excesso de muitos, convencidos,
estes, de serem os santos guerreiros de uma nova época. Alvoroçados, prepostos
da administração prisional inventam novas técnicas de repressão e
aprisionamento. Invadem-se lares. Viola-se a privacidade da comunicação
telefônica, havendo, a justificar a intromissão, o garrancho de um magistrado
desatento. Entremeando o intento atrabiliário,
descobriram os agentes que um dos principais elementos a dificultar o combate
ao crime é representado pelo advogado. Este aborrece, fiscaliza, reclama,
denuncia, arremete contra o poder, desconsidera o império policial, atrapalha o
segredo das investigações, enfrenta o minotauro. É
preciso desmoralizar a advocacia sim, expondo-a aos olhos do povo como se fosse
uma atividade deletéria. Daí, tomam-se providências
restritivas e inconstitucionais contra a atividade defensiva, dificultando-se o
contato entre o preso e seu defensor. Alguns advogados são acusados de crimes.
São quatrocentos e cinqüenta mil. Há ovelhas desgarradas sim, pouquíssimas aliás, a exemplo do que ocorre na Polícia, na Magistratura,
no Ministério Público, nas Forças Armadas e quejandos,
muitos santos e alguns demônios. São os advogados, entretanto, os fiéis de uma
balança que o autoritarismo teima por desequilibrar, reatando os laços com o
passado ditatorial. Fenômeno esquisito este: o “milico” torturava, prendia
ilegalmente, atirava gente aos tubarões e renegava o direito à liberdade. Mas
os tribunais militares respeitavam o advogado. Durante anos de exercício da
advocacia criminal na ditadura, nunca houve um coturno a chegar perto deste
advogado, exigindo-lhe contas da atividade profissional. E era o tempo
cavernoso dos tiranos. Hoje é muito pior. Ameaça-se o profissional, dificulta-se-lhe o caminhar, processa-se-o por desacato e crimes outros,
tudo em nome da segurança e da necessidade de combate ao crime, prestando-se a
tanto um ou outro becado, trânsfuga do respeito ao
estatuto profissional. A segurança, veja-se bem, é a pedra de toque dos
políticos à beira da eleição. Lembrem-se, entretanto, de que as agressões à
integridade da beca são cobradas nas urnas. Há, no Estado de São Paulo,
duzentos mil advogados atentos à conduta do Governo do Estado e de suas
Secretarias. Pouco importa, no caso, a sigla do vencedor, mas sim, o
comportamento daquele que respeitar mais – ou menos – o sagrado direito de
defesa.

Há, num romance de
folhetim, frase profética dita por um nobre a um padre, antes de matá-lo: “– A pena de um poeta é mais perigosa do que o fio da
espada”. – Assim seja.


Informações Sobre o Autor

Paulo Sérgio Leite Fernandes

Advogado criminalista em São Paulo e presidente, no Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, da Comissão Nacional de Defesa das Prerrogativas do Advogado.


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