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O Pacto de São José da Costa Rica e as células-tronco embrionárias


No longínquo ano de 1969, porém recente em se falando de tratados internacionais, foi firmado na Costa Rica o mais significativo dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos. Esse Tratado foi ratificado pelo Brasil em 1992 (Decreto Legislativo nº 27), tendo o Governo brasileiro determinado sua integral observância em 6 de novembro seguinte (Decreto n. 678), ou seja, o Brasil aceitou tais cláusulas e aderiu a elas, fazendo com que o tratado se tornasse lei aqui dentro. Este tratado diz:


“Os Estados Americanos signatários da presente Convenção, reafirmando seu propósito de consolidar neste Continente, dentro do quadro das instituições democráticas, um regime de liberdade pessoal e de justiça social, fundado no respeito dos direitos humanos essenciais. Reconhecendo que os direitos essenciais da pessoa humana não derivam do fato de ser ela nacional de determinado Estado, mas sim do fato de ter como fundamento os atributos da pessoa humana, razão por que justificam uma proteção internacional, de natureza convencional, coadjuvante ou complementar da que oferece o direito interno dos Estados Americanos (…)”


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Inicialmente, antes de entrar no cerne da questão, resolvemos grifar a parte do texto acima para deixar claro que o Brasil é signatário de um Tratado que manifesta e legisla em favor da pessoa humana e seus direitos essenciais. É bom lembrar, também, que o voto do Sr. Ministro Carlos Brito sequer citou o referido tratado, relegando-o a nada.


Obviamente que a vida é direito essencial, caso contrário os outros direitos sequer viriam a existir, pois quase tudo advém dela.


Portanto parece claro que o texto trata de pessoa humana. Fiquemos por hora com essa conclusão.


Continuando dentro do texto do referido tratado:


“(…) Convieram o seguinte:


(…) Artigo 4º


Direito à vida


§1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção.”


Pois bem, “desde momento da concepção” parece estar bem claro. Não muito o que discutir. O que discutem com relação a esse tratado, e que foi, inclusive alvo de ataque de um dos advogados que sustentaram oralmente a favor do uso das células-tronco embrionárias, é justamente, o entre-vírgulas, “em geral”.


Afinal de contas o que vem a ser esse “em geral”?


Muito simples a resposta. Não sei se todos tem consciência disso mas nossa Constituição tem a pena de morte em seu texto legal, assim como quase todas. A questão é que a pena de morte aqui só acontece em casos excepcionalíssimos. Aqui, no Brasil, esse caso excepcionalíssimo é a guerra declarada.


É claro que o tratado não poderia engessar os Estados signatários dessa forma. Em alguns casos, e cada país define esse caso excepcional, o país tem o direito de utilizar-se da pena de morte.


Acontece que no Brasil essa pena é extremamente excepcional, está inclusa em um rol limitadíssimo, a ponto de a maioria da população se assustar quando afirmamos que existe pena de morte no Brasil.


O “em geral” diz respeito justamente a isso, as situações excepcionais. A pergunta que fica é: pesquisas com embriões (vidas) que podem ser feitas de outras formas sem o assassínio desses pequenos seres humanos, são casos excepcionais?


Desafio qualquer pseudo-interpretador a rasgar tal cláusula.


Mas, para que não nos esbarremos apenas no argumento do agora profícuo “em geral”, podemos trazer a lume o que o legislador internacional quis com o Tratado, colacionando outras partes:


“§1. Os Estados Membros nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma, por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social.”


A parte do parágrafo primeiro foi grifado, justamente no texto em que os países signatários, entre eles o Brasil, aceitaram respeitar as liberdades e direitos, garantindo seu livre exercício a toda pessoa humana.


O que se entende por pessoa humana? Com a palavra o próprio Ministro Carlos Brito em seu voto.


“Por este visual das coisas, não se nega que o início da vida humana só pode coincidir com o preciso instante da fecundação de um óvulo feminino por um espermatozóide masculino.” (Grifos Originais) (Parágrafo 30 do Voto do Ministro Carlos Brito na ADIN 3510 do STF. Documento encontrado em: http://www.stf.gov.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/adi3510relator.pdf)


Ora, a frase é completa, sem recortes e sem interpretações dúbias. Foi exatamente isso que o Ministro disse em seu voto. É necessário lembrar que o que o STF manifesta em seus votos tem efeito erga omnes, ou seja, atinge a todos.


Pois bem, se a vida humana “coincide com o preciso instante da fecundação”, então ali começa a vida, ali tem origem a pessoa humana.


O Tratado do qual o Brasil é signatário define pessoa humana da seguinte forma:


“§2. Para efeitos desta Convenção, pessoa é todo ser humano.”


Consideramos bem óbvio que vida humana, pessoa humana e ser humano, são afinal, a mesma coisa? Ou vão querer me convencer do contrário?


A interpretação não é das mais complicadas, o Pacto de São José da Costa Rica diz expressamente que “pessoa é todo ser humano”, sem fazer qualquer distinção entre o ser humano em sua vida intra e extra-uterina e, sem mesmo fazer qualquer rodeio ou abrir espaço para interpretações diversas A expressão “desde o momento da concepção” nos obriga a perceber que a palavra “pessoa” se aplica também ao nascituro, pois ser humano.


Há o argumento, de alguns, dentro do que chamamos no direito de jus sperniandi, de que os efeitos desse termo e dessa interpretação que acabamos de fazer servem apenas “para os efeitos desta Convenção”. Não percebem, porém, que é justamente isso. Quais são os efeitos dessa Convenção? Logicamente que são vários, mas um dos principais e primordiais é justamente o da obrigatoriedade dos Estados-partes ou signatários de obedecerem a suas regras.


A partir de 6 de novembro de 1992, data em que a Convenção se fez direito interno brasileiro, toda “pessoa” (que, para os efeitos da Convenção, é todo ser humano), passou a ter direito ao reconhecimento de sua personalidade jurídica conforme alude o artigo 3º da referida Convenção.


Artigo 3º – Toda pessoa tem direito ao reconhecimento de sua personalidade jurídica.


Dessa feita, a primeira parte do artigo 4°, CC/1916, vigente a época e que não reconhecia personalidade jurídica ao nascituro, foi revogada por força de uma lei posterior.


Com relação a entrada em vigor do Código Civil de 2002, poderia o interlocutor afirmar que trata-se do mesmo argumento, já que esse Código é posterior à Convenção e, por isso, a revogou conforme o que consta no artigo 2º do mesmo Código:


Art. 2º A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.


Acontece que, na Convenção em seu artigo 2º foi firmado pelo Brasil o seguinte compromisso:


“… adotar, de acordo com suas normas constitucionais e com as disposições desta Convenção, as medidas legislativas ou de outra natureza que forem necessárias para tornar efetivos tais direitos e liberdades.”(art. 2º da Convenção).


O Brasil está, portanto, desobedecendo a uma norma de que é signatário, atingindo os direitos humanos ali pactuados e, desobedecendo, ainda, normas internas de hierarquia de leis.


Todos sabemos que os Tratados Internacionais são, hierarquicamente superiores à leis federais. Diferente não poderia ser, caso contrário não precisaríamos assinar Tratados Internacionais, mas sim, apenas aprovar leis Ordinárias ou Complementares que atinjam os grau de vontade política dos Estados Nacionais ao assinarem Tratados.


Sem olvidar ou desmerecer das decisões do STF, se continuarmos a atacar os Tratados Internacionais da forma como fazemos, não respeitando e dando interpretações diversas a eles, melhor será que o Brasil não mais assine qualquer Tratado, uma vez que lei sem obrigatoriedade de cumprimento não passa de papel de rascunho.


Houve, entretanto, infelizmente, uma grande negligência dos doutrinadores e outros juristas no tocante ao alcance do Pacto de São José da Costa Rica. Depois da vigência do Pacto, nenhum doutrinador poderia dizer (mas muitos continuaram dizendo) que o nascituro é mera “expectativa de pessoa” (spes personae), gozando apenas de “expectativas de direitos”. Negligência ou imperícia?


Por fim, nos recorremos à Constituição Federal, chamada cidadã em seu artigo 5º, caput que traz a inviolabilidade do direito à vida.


Ora, o guardião da Constituição, por meio de um dos seus Ministros, manifestou claramente que a vida humana “coincide com o preciso instante da fecundação”. Como é que pode haver autorização para que essa vida humana seja eliminada se a própria Constituição afirma que é inviolável?


Se o STF considerar constitucional o Artigo 5º da Lei 11.105, o que será que deveremos rasgar primeiro, a cláusula “pétrea” que estabelece em nossa Constituição a “Inviolabilidade do Direito à vida” ou o “Tratado Internacional de Direitos Humanos” que o país ratificou em 1992?


Por fim, ad argumentandum, temos que o direito que se pretende proteger que é o direito a dignidade humana das pessoas portadoras de algum mal, o qual existe uma possibilidade, de essas pesquisas suprirem, tal direito é menor do que o que se pretende atacar, que é a vida.


Topificando, temos o seguinte:


1-O Brasil tem uma Constituição que há quase 20 anos estabelece o direito à vida inclusive para os embriões;


2-É signatário de um Tratado Internacional que também reconhece o direito à vida “DESDE O MOMENTO DA CONCEPÇÃO” ipsis literis;


3- A LEI 11.105 em seu Artigo 5º (Lei de Biossegurança) está em total contradição com a Constituição e o Tratado Internacional o qual o Brasil assinou;


4 – O Ministro relator, Carlos Brito, foi incoerente ao afirmar que a vida humana começa na concepção e permite sua destruição;


5 – O bem atacado, a vida, é infinitamente maior do que o bem a ser protegido, o bem estar de alguns, mesmo que esses alguns sejam muitos;


6- Se os senhores ministros do STF julgarem que é legítimo manipular e destruir vidas humanas embrionárias para fins de pesquisas científicas estarão indo contra o que está em nossa Constituição e também no Tratado.


Isso abrirá precedentes sérios, hoje serão embriões utilizados em laboratórios, amanhã (???) quiçá os anencéfalos, afinal utilizarão os idosos e os doentes em coma como cobaias?



Informações Sobre o Autor

Emanuel de Oliveira Costa Junior

Advogado militante, consultor jurídico, especialista em Direito Público, especializando em Docência do Ensino Superior, sócio fundador do escritório Costa & Sousa Advogados Associados S/S e Costa & Sousa Eventos Jurídicos, confeccionou e publicou vários artigos científicos nas mais respeitadas revistas jurídicas de alcance nacional e em portais jurídicos na internet


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Equipe Âmbito Jurídico

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