Resumo: O presente trabalho tem por objetivo a análise do parágrafo único do artigo 1º da Lei 8.137/90, que trata dos crimes contra a ordem tributária. A abordagem se limitará na reflexão acerca da validade da mencionada norma sob a égide do ordenamento jurídico vigente, bem como as interpretações pretorianas e doutrinárias que a ela se tem dado.
Palavras-chave: Crimes tributários. Prova contra si mesmo.
Sumário: 1. Introdução. 2. Evolução histórica. 3. Legislação atual. 4. O Direito de não produzir prova contra si mesmo. 5. Posição doutrinária. 6. A visão dos Tribunais. 7. Conclusão. 8. Referências Bibliográficas.
1. INTRODUÇÃO
Preliminarmente, cumpre afastar qualquer estranheza acerca do tema escolhido para um trabalho de conclusão de especialização focada em direito empresarial. Com efeito, o título acima pode sugerir, em uma primeira análise, maior afinidade com os estudos da área penal. Todavia, por se tratar a lei 8.137/90 de norma especialmente elaborada para tipificar condutas contrárias à ordem tributária, há aspectos de particular interesse aos operadores do direito empresarial.
Desta forma, ainda que o estudo por vezes careça socorrer-se de institutos próprios do direito penal, assim o fará com vistas à realidade das práticas empresariais, mais especificamente, ainda, no âmbito do direito tributário.
Ademais, a luz que se pretende lançar sobre determinado ponto da Lei 8.137/90 tem sua matiz determinada mais pelo direito constitucional que os prismas apenas dos direito penal, administrativo, empresarial ou tributário.
O caput do art. 1º da Lei 8.137/90, do qual derivam cinco incisos e, ao final, o parágrafo único em estudo, apresenta como condição para a consumação do crime tributário que haja supressão ou redução de tributo, contribuição social ou qualquer acessório.
Assim, antes mesmo de se refletir se tal prática não afrontaria o princípio segundo o qual ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo, é indispensável se demorar no estudo acerca do real alcance da norma.
Dito de outro modo, bastaria a simples recusa em entregar eventuais documentos solicitados ou seria necessário que da recusa resultasse diretamente um prejuízo ao erário?
Não há dúvida que o simples fato de o contribuinte: I – omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias; II – fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal; III – falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável; IV – elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato; V – negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação não constitui, de per si, ilícito penal, se de quaisquer das ações acima não houver nenhum prejuízo ao erário.
São todas hipóteses de crimes materiais, haja vista que a consumação somente se dá com o efetivo prejuízo ao Estado, na forma prevista no caput do artigo 1º.
No entanto, o parágrafo único parece estar divorciado da condicionante do caput, uma vez que afirma que a falta de atendimento da exigência da autoridade, no prazo de 10 (dez) dias, que poderá ser convertido em horas em razão da maior ou menor complexidade da matéria ou da dificuldade quanto ao atendimento da exigência, caracteriza a infração prevista no inciso V, ou seja, reclusão de dois a cinco anos.
Não pode ser desprezada a dúvida do intérprete quanto a “exigência” do parágrafo único estar relacionada com a obrigação acessória de fornecer nota fiscal ou documento equivalente quando da venda de mercadoria ou prestação de serviço, conforme previsto no inciso V, do mesmo artigo.
Outra hipótese seria atrelar o apontado parágrafo único ao caput do artigo 1º, de modo que a ocorrência de crime tributário somente se daria mediante a supressão ou redução de tributo.
Também não se verá rara a interpretação segundo a qual o parágrafo único consiste em tipo autônomo e, mais que isso, um crime omissivo próprio, de modo que a consumação se daria única e exclusivamente com a inércia do agente em entregar os documentos solicitados, quer se trate ou não documentos que constituam obrigação tributária acessória e sem importar se dessa omissão resulte ou se busque suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social ou qualquer acessório.
Embora outras teorias possam ser aventadas, cumpre apenas salientar que o debate revela o possível dilema ao qual o contribuinte ficará sujeito quando, hipoteticamente, tiver de decidir em entregar documento eventualmente comprobatório de um ilícito penal tributário ou recusar sua entrega e, por isso, correr o risco de ser penalizado criminalmente.
2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA
A tipificação criminal para a tentativa de burlar o fisco ou, até mesmo, a mera resistência em fazer os recolhimentos devidos aos cofres públicos não é recente e, nem tampouco, exclusividade de nosso direito.
Embora a lei em estudo ainda esteja na iminência de completar duas décadas em vigor, os objetivos nela contidos já estão presentes nos ordenamentos jurídicos desde longa data, ora com mais ou menos severidade.
Para se pontuar apenas como a questão tem sido tratada em terras brasileiras, há que se mencionar que as práticas hoje equivalentes ao contrabando poderiam resultar em penas que variavam do confisco e perdimento do bem até o degredo e a morte, tudo à luz das Ordenações do Reino, sob o Reinado de D. João VI, ainda na época do Brasil Colônia.
Apesar de a pena capital acima mencionada soar escandalosa em nossos dias, revelava-se compatível com o ordenamento jurídico então vigente. E é exatamente esse o mote para a análise do parágrafo único do artigo 1º da Lei 8.137/90, ou seja, sua adequação às normas e princípios constitucionais hoje vigentes.
Ao fazer um estudo comparado com legislação sobre o tema da Alemanha, Argentina, Bélgica, Bolívia, Chile, Costa Rica, Espanha, Estados Unidos da América, França, Holanda, Inglaterra, Itália, México, Paraguai, Peru, Portugal, Suécia, Suíça, Uruguai e Venezuela, Cinthia Rodrigues Menescal Palhares conclui que:
“A maioria das legislações examinadas considera como delitos a defraudação e a sonegação fiscal e, algumas vezes, outros delitos correlatos, fiscais (selos, estampilhas e marcas), falsificação de inventários, entre outros e, num plano de menor gravidade, infrações formais ou relativas às determinações da autoridade fiscal.”[1] (grifamos)
E de todos os países abordados, ainda segundo do estudo de Cinthia Palhares, apenas a Suíça apresenta hipótese de pena decorrente de “violações de determinações da autoridade”.
Feita a introdução, vejamos a legislação brasileira.
3. LEGISLAÇÃO ATUAL
Publicada no apagar das luzes do ano de 1990, aos 28 dias do mês de dezembro, a Lei 8.137/90 passou a integrar o ordenamento jurídico nacional, de modo a derrogar a Lei 4.729/65, a fim de “modernizar” a definição dos crimes contra a ordem tributária, econômica, bem como os crimes contra as relações de consumo.
Apenas o que a lei diz a respeito dos crimes contra a ordem tributária será objeto de análise neste trabalho. São os seguintes os artigos em foco:
“Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:
I – omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;
II – fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;
III – falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável;
IV – elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato;
V – negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação.
Pena – reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
Parágrafo único. A falta de atendimento da exigência da autoridade, no prazo de 10 (dez) dias, que poderá ser convertido em horas em razão da maior ou menor complexidade da matéria ou da dificuldade quanto ao atendimento da exigência, caracteriza a infração prevista no inciso V.”[2]
E, ainda mais especificamente, a atenção deste trabalho recairá sobre o parágrafo único do artigo 1º.
Ainda cabe destacar que, não obstante relevantes, não serão tratados neste trabalho os aspectos relacionados à conveniência e utilidade da existência das leis tipificadoras de crimes tributários. Também não se pretende aferir se o tema foi abordado com a melhor técnica legislativa. O tema do trabalho, insista-se, limita-se a questionar a constitucionalidade do parágrafo único do artigo 1º da Lei 8.137/90.
E mistério não seja feito. O cerne é verificar se, à luz da ordem constitucional vigente, poderia ser o contribuinte obrigado a entregar documentos que lhes sejam desfavoráveis, sob pena de a simples recusa culminar em sua reclusão por até cinco anos.
4. O DIREITO DE NÃO PRODUZIR PROVA CONTRA SI MESMO
Ponto elementar para o desenvolvimento deste estudo é identificar a extensão e aplicação do princípio nemo tenetur se detegere no direito brasileiro.
Num primeiro momento é fácil identificar o princípio na Lei Maior, quando, por força do seu artigo 5º, inciso LXIII, é assegurado ao preso o direito de permanecer calado.
A inclusão desse inciso no rol dos direitos e garantias individuais é indicativo óbvio de sua natureza de direito humano fundamental, ou seja, trata-se de positivação do princípio nemo tenetur se detegere.
Com efeito, Alexandre de Moraes define os direitos fundamentais como:
“O conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano, que tem por finalidade básica o respeito à sua dignidade, por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal e o estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana.”[3]
Nem se alegue que o inciso acima mencionado protege apenas o direito ao silêncio do réu, não abarcando toda e qualquer forma de ação estatal que pudesse compelir o cidadão a produzir prova contra si próprio.
Em razão do princípio da máxima efetividade das normas definidoras dos direitos e garantias individuais, a interpretação do inciso LXIII do art. 5º da Constituição Federal deve ser no sentido de que se trata de direito à não auto-incriminação em sentido amplo, e não apenas direito ao silêncio.
Ademais, por força da Emenda Constitucional 45/04, que incluiu o parágrafo 3º no art. 5º, o direito de não produzir prova contra si mesmo foi mais uma vez positivado, dada a ratificação do Brasil ao chamado Pacto de São José da Costa Rica.
No referido documento, que passou a integrar o direito positivo brasileiro com status de norma constitucional, à pessoa acusada é assegurado o “direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada” (art. 8º, parágrafo 2º, alínea “g”, da Convenção Americana sobre Direito Humanos).
Uma vez demonstrada a plena aplicação do princípio nemo tenetur se detegere, cabe verificar sua compatibilidade com o parágrafo único do artigo 1 da Lei 8.137/90. Antes, porém, de indagar-se qual a leitura a doutrina e os tribunais vem dando à norma.
5. POSIÇÃO DOUTRINÁRIA
Forçoso é reconhecer que a doutrina, de modo geral, não dispensa muita atenção ao tipo penal em estudo ou, quando o faz, não lhe dedica a merecida importância.
O primeiro aspecto a chamar atenção do parágrafo único do artigo 1º em relação aos demais tipos do artigo primeiro é quanto à dúvida que pode surgir com relação à desnecessidade do primeiro depender de efetivo prejuízo ao erário ou se se trata de crime meramente formal
Para Roberto dos Santos Ferreira trata-se de crime omisso próprio, pelo que a consumação se daria com o mero desatendimento à exigência da autoridade, formulada por escrito, após o decurso do prazo assinado. No entanto, prossegue afirmando que:
“Para a caracterização do tipo, além do dolo, vontade consciente de não atender às exigências feitas pela autoridade, exige-se que o agente tenha o objetivo de suprimir ou reduzir o tributo, contribuição social ou qualquer acessório. Inexistindo o especial fim de agir, expresso no caput do artigo 1º, a conduta subsumir-se-á ao tipo da desobediência, prevista no art. 330 do Código Penal.”[4]
A interpretação, data venia, parece equivocada, senão contraditória. Embora não seja o escopo deste trabalho o aprofundamento dos aspectos essencialmente penais da norma em apreço, é sabido que a nota característica dos crimes omissivos próprios é que sua consumação prescinde de qualquer outro comportamento do agente, senão a omissão descrita no tipo penal.
Assim, ao tomar o tipo descrito no parágrafo único do artigo 1º da Lei 8.137/90 como crime omissivo próprio, a exemplo do que também faz o Ministério Público Paulista, não se pode condicionar a consumação a qualquer outra vontade do agente para, por meio de sua omissão, pretender realizar alguma das ações descritas no caput do artigo 1º. A condição sugerida pelo citado autor acaba por desvirtuar o tipo em crime omissivo impróprio, ou seja, a depender de mais de uma conduta do agente.
Já na interpretação de Alécio Adão Lovatto, trata-se de norma que busca:
“Cercear a atividade omissiva de contribuinte que, intimado a entregar os livros ou documentos fiscais, não atende em razão de que, ao entregá-los, dá ciência ou possibilita ao agente fiscal descobrir ter ele reduzido ou suprimido tributo ou acessórios.”[5]
E prossegue acrescentando que a norma não se contém, unicamente, no parágrafo, pois há que ser conjugada com o caput, ou seja, é necessário que tal conduta tenha por elemento subjetivo do injusto a vontade de reduzir ou suprimir tributo.
A leitura que Lovatto faz do parágrafo único pode parecer a mesma dada por Ferreira. Todavia, ao associar o referido parágrafo ao caput o autor afasta o tipo da classificação daqueles tidos como omissivos próprios, uma vez que sua consumação não se aperfeiçoa com uma única e isolada conduta do agente, qual seja, a omissão. Dito de outro modo, a mera omissão, tomada por si só, não bastaria para subsumir a conduta ao tipo penal, segundo a interpretação de Lovatto.
Ao abordar o tema, Hugo de Brito Machado o faz mais com olhos de tributarista e lastreado na Constituição, o que é natural, dada a especialidade do mestre, e até mais afinado com a linha deste artigo.
Sem descer às minudências da ciência penal, mas com o rigor científico que lhe é peculiar, Machado afirma que:
“As informações, cuja prestação constitui dever do contribuinte, e em alguns casos até de terceiros, e cuja omissão ou falsidade configuram crime, nos termos do dispositivo citado, são apenas as necessárias ao lançamento regular dos tributos. Não quaisquer outras informações necessárias ao exercício da fiscalização tributária. Tal compreensão concilia o dever de informar ao Fisco com o direito ao silêncio, assegurado constitucionalmente a todos os acusados. O dever de informar precede a configuração do crime contra a ordem tributária. Cometido este, seu autor não tem o dever de prestar informação alguma, útil para a comprovação desse cometimento, que configuraria auto-incriminação.”[6]
Desse modo, o consagrado tributarista faz uma criativa interpretação segundo a qual o indigitado parágrafo único estaria ligado não ao caput do artigo 1º, mas ao inciso I e / ou V que lhe antecede. Ou seja, somente a exigência da autoridade que determinasse a apresentação de informações, ou, ainda, o fornecimento (quando obrigatório) de nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, poderia ensejar a incidência da norma penal em foco. E, ainda, desde que tais documentos e / ou informações não implicassem em prova de crime tributário.
A solução, embora cativante, não parece resistir a apenas uma única observação quanto à sua lógica jurídica.
Com efeito, não faria sentido criar um tipo penal em um parágrafo cujo resultado prático seria a mera repetição de incisos anteriores. Mutatis mutandis, seria como se, na hipótese do artigo 314 do Código Penal (extraviar livro oficial ou qualquer documento que tem a guarda em razão do cargo; sonegá-lo ou inutilizá-lo parcialmente) acrescentasse, o legislador, a esse artigo um parágrafo único, afirmando que “nas mesmas penas incorre aquele que, intimado por autoridade para apresentar tais livros, não o faça no prazo de 10 dias”.
6. A VISÃO DOS TRIBUNAIS
Embora os Tribunais superiores do país já tenham experimentado a oportunidade de se manifestar acerca do tema, a questão parece ainda não estar pacificada.
No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, o eminente Ministro Arnaldo Esteves Lima, por ocasião do julgamento do habeas corpus nº 113.603 – PR (2008/0181139-2), realizado em outubro de 2008, consignou que:
“(…) 3. Na hipótese em exame, a conduta praticada pelo paciente amolda-se à figura descrita no parágrafo único do art. 1º da Lei 8.137/90, que visa obrigar o contribuinte a apresentar determinados documentos necessários à fiscalização tributária. Trata-se de crime omissivo próprio, que não exige para sua configuração outra circunstância senão a recusa do contribuinte em apresentar a documentação solicitada.
4. O delito previsto no referido parágrafo é autônomo e consuma-se com o desatendimento à exigência da autoridade fiscal, após transcorrido o prazo de 10 dias por ele fixado, não se exigindo para seu reconhecimento que haja a supressão ou redução de tributo.
5. A conduta descrita no parágrafo único é autônoma em relação caput do art. 1º da Lei 8.137/90, razão por que é prescindível o procedimento administrativo-fiscal para que ocorra a exigibilidade da obrigação fiscal.” (grifamos)
Por outro giro, mais recentemente, o Ministro Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ/SP) ao julgar o Recurso Especial Nº 1.113.460 – SP (2009/0060428-2) proferiu a decisão nos seguintes termos:
“(…) filio-me à corrente doutrinária que entende ser o delito definido no
parágrafo único, do art. 1º, da Lei nº 8.137/90, de natureza material (ou de resultado), necessário, portanto, para sua configuração, que haja a redução ou supressão de tributo, como definido no seu caput.”
Embora mais recente, ainda não se pode afirmar ser essa a posição a prevalecer na referida Corte.
Quanto ao STF, foi possível identificar apenas uma decisão monocrática, da lavra do Ministro Marco Aurélio de Melo, o qual adere à corrente segundo a qual a famigerada norma encerraria crime omissivo próprio. Por assim pensar, o eminente Ministro apresentou decisão praticamente idêntica à do Ministro Arnaldo Esteves Lima, do STJ:
“a) a conduta em tese praticada pelo paciente amolda-se à figura descrita no parágrafo único do artigo 1º da Lei nº 8.137/90, que objetiva obrigar o contribuinte a apresentar determinados documentos necessários à fiscalização tributária. Trata-se de crime omissivo próprio, que não exige, para configuração, outra circunstância senão a recusa do contribuinte em entregar a documentação solicitada.
b) o delito previsto no referido parágrafo revela-se autônomo e consuma-se com o desatendimento à exigência da autoridade fiscal, após transcorrido o prazo de dez dias fixado, não se exigindo, para o reconhecimento da infração, que tenha havido
supressão ou redução de tributo.
c) a conduta descrita no parágrafo único é autônoma em relação à cabeça do artigo 1º da Lei nº 8.137/90, fazendo-se prescindível, então, o procedimento administrativo-fiscal.”
Verifica-se, portanto, que, curiosamente, nem mesmo a Suprema Corte vislumbrou, ao menos até o momento, a violação da Constituição contida no parágrafo único do artigo 1º da Lei 8.137/90, consistente na afronta ao princípio nemo tenetur se detegere, positivado como cláusula pétrea e direito fundamental na Lei Maior.
7. CONCLUSÃO
Por força de toda breve análise que até aqui se fez resta claro que se está diante de uma situação na qual o contribuinte é compelido a apresentar, ou seja, produzir prova contra si mesmo, pois se assim não o fizer, essa mera recusa é tipificada como crime com a mesma pena do suposto crime que se investiga.
Note-se que não é a recusa do documento solicitado pela autoridade administrativa que resulta em prejuízo tributário ao estado, mas sim uma prática lesiva ao erário que pode ser comprovada pelo referido documento.
A despeito do silêncio pretoriano sobre o tema, temos que o parágrafo único do artigo 1º da Lei 8.137/90, seja qual o significado e extensão que se pretenda dar a ela, padece de manifesta inconstitucionalidade por pretender impingir o contribuinte a produzir prova contra si mesmo, em afronta ao art. 5º, inciso LXIII da Constituição Federal, bem como ao art. 8º, parágrafo 2º, alínea “g”, da Convenção Americana sobre Direito Humanos, que – ratificada pelo Brasil em 1992 – foi incorporada ao ordenamento pátrio com status de norma constitucional.
De tudo aquilo que se pode depreender do presente trabalho, a conclusão mais significativa é que, se a doutrina, ainda que timidamente, avançou no estudo da norma em apreço para, não apenas buscar seu melhor sentido, mas também para, uma vez extraído seu significado, aferir se tal significado é compatível com a ordem constitucional vigente, a jurisprudência ainda não chegou nesse ponto.
Conforme visto, nas oportunidades que o STJ ou STF pronunciaram-se a respeito, ainda que por meio de decisões monocráticas de seus ministros, destaca-se não a oscilação dos entendimentos acerca do significado da norma, mas a completa ausência de qualquer discussão acerca da constitucionalidade do parágrafo único do artigo 1º da Lei 8137/90.
Tratando-se de legislação em vigor há praticamente viente anos, é legítimo suspeitar que ainda se demorará para o amadurecimento do tema nos Tribunais. Isso menos pela relevância da discussão que por questões de política tributária, uma vez que – como é sabido – o pagamento do tributo, à parte de qualquer debate acerca da repercussão e natureza penal desse fato, indubitavelmente acarreta no desinteresse do Estado na condução de qualquer processo criminal com o mero intuito de aplicar uma sanção penal ao contribuinte, que já nada mais deve aos cofres públicos.
bacharel em ciências jurídicas pela Universidade Metodista de Piracicaba – UNIMEP. Advogado inscrito na OAB/SP desde 1999. Professor eventual de Direito e Legislação do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial – SENAC, em Piracicaba.
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