O parcelamento e a extinção da punibilidade nos crimes fiscais

Muito se tem discutido sobre a ocorrência ou não da extinção da
punibilidade pelo pagamento parcial do débito antes do recebimento da denúncia.

Indaga-se se ensejam a extinção da punibilidade o parcelamento do
débito e o pagamento da primeira ou das primeiras parcelas.

A doutrina e a jurisprudência não são pacíficas,
tendo se formado 03 (três) correntes.

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A primeira sustenta que o parcelamento do tributo não acarreta a
extinção da punibilidade, salvo se antes do recebimento da denúncia já houver
sido integralizado o total do débito.

A segunda posição, predominante nos tribunais, é a que, se o pagamento
do parcelamento for iniciado antes do recebimento da denúncia, extingue-se a
punibilidade.

Já a terceira corrente sustenta que o parcelamento da dívida fiscal é
apenas causa suspensiva da extinção da punibilidade, sendo que só fica afastada
a responsabilidade penal se houver o cumprimento total da obrigação.

A despeito dos demais entendimentos, acredita-se que esta última
posição é a que melhor resolve a questão da extinção da punibilidade em caso de
parcelamento de dívidas fiscais.

Não se pode perder de vista que a lei não prevê a extinção da
punibilidade somente em função do parcelamento do débito fiscal e do pagamento
de algumas parcelas. Necessário é o pagamento integral da dívida tributária e,
não sendo isso possível, razoável é que, em caso de parcelamento, seja suspensa
a extinção da punibilidade, até ocorrer o pagamento total da dívida.

Cabe assinalar, aliás, que o artigo 151, inciso VI, do Código Tributário
Nacional (acrescentado pela Lei Complementar nº 104, de 10/01/2001), prevê
justamente o parcelamento como uma das causas de suspensão da exigibilidade do
crédito tributário. Ora, se o parcelamento suspende a exigibilidade da dívida
fiscal, porque também não deve suspender a decretação da extinção da
punibilidade dos crimes de mesma natureza até que haja o integral cumprimento
da obrigação?

Os que divergem dessa solução argumentam, em regra, que o parcelamento
fiscal enseja a novação da dívida, extinguindo-a e fulminando de vez o direito de
punir estatal. Nada mais desarrazoado. Em verdade, o parcelamento não cria uma
nova dívida fiscal, mas apenas divide em parcelas aquele débito já existente.
Também não se substitui uma dívida por outra, não surgindo uma nova obrigação,
assim como não há substituição de devedor ou de credor.

Entretanto, ainda que se admita, apenas por hipótese, que se opera a
novação, há de se reconhecer que não produz ela efeitos na esfera penal, isso
porque a lei exige o pagamento do imposto
sonegado para se ensejar a extinção da punibilidade.

Ademais, admitir que o simples parcelamento do débito já é suficiente
para a extinção da punibilidade significa criar um precedente perigoso.

Quantos agentes de crimes tributários graves, envolvendo inclusive
pagamento de propina a fiscais, falsificação de notas fiscais, de guias de
arrecadação e de carimbos, ficarão impunes se prevalecer que o mero parcelamento
da dívida e o pagamento de uma parcela já é o bastante para se extinguir a
punibilidade?

Em verdade, mantendo-se o entendimento ora combatido, haverá um incentivo
aos sonegadores que, parcelando a dívida e pagando uma única parcela, ver-se-ão
livres da responsabilidade penal.

Ora, a posição aqui sustentada não afasta o parcelamento da dívida
fiscal, mas o tem como condição suspensiva da extinção da punibilidade, de modo
que, se ocorrer o pagamento total, a punibilidade será extinta, caso contrário,
o agente deverá ser responsabilizado penalmente. Nesse sentido, aliás, já
decidiu o Superior Tribunal de Justiça: RHC nº 3973-6/RS, 6ª Turma, Rel. Min.
Vicente Cernicchiaro, Diário da Justiça, Seção I, 15/05/95, p. 13.446.

A Lei Federal nº 9.249, de 26/12/1995, em seu artigo 34, restaurou a
causa extintiva da punibilidade pelo pagamento do tributo antes do recebimento
da denúncia. Veja-se: “Artigo 34.
Extingue-se a punibilidade dos crimes definidos na Lei nº 8.137/90 e na Lei nº
4.729/65, quando o agente promover o pagamento do tributo ou
contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia”.
(grifos
do autor)

Por conseguinte, não se
pode admitir que o simples parcelamento do tributo sirva para afastar a
responsabilidade penal desde logo, já que há a possibilidade de se aguardar o
cumprimento total da obrigação, fazendo-se retornar aos cofres públicos os
valores, às vezes vultosos, que foram sonegados.

A propósito, importante registrar o entendimento do Supremo Tribunal
Federal, para quem “a punibilidade é extinta quando o agente promove o
pagamento integral do débito antes do recebimento da denúncia, o que não ocorre
enquanto não solvida a última prestação de pagamento parcelado, possibilitando,
neste período o recebimento da denúncia. Precedentes” (STF – 2ª T. HC 76.978 –
Rel. Maurício Corrêa – j. 29/09/98 – RTJ 168/250).

Note-se que a corrente
doutrinária ora sustentada não afasta do direito de pagar ou parcelar o débito,
como também não cria benesses de forma a fortalecer a crença de que vale a pena
praticar a evasão fiscal.

É preciso, portanto, que as autoridades competentes, especialmente as
da Administração Tributária, do Ministério Público e do Poder Judiciário,
passem a adotar posturas que, ao invés de incentivar a sonegação fiscal, desencorajem
a prática de ilícitos contra a Fazenda Pública, garantindo-se uma atuação mais
justa e equilibrada do fisco, permitindo, quem sabe, em futuro próximo, uma
sociedade mais igualitária, mais solidária e, quiçá, mais feliz.


Informações Sobre o Autor

Flávio da Silva Andrade

ex-Juiz de Direito do TJAC e Promotor de Justiça no Estado de Rondônia


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Equipe Âmbito Jurídico

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