Sumário: Introdução. Bibliografia. Poderes instituídos. Poder Executivo na Carta de 1937. Autoridade suprema do Estado. Competência privativa do Presidente da República. Prerrogativas do Presidente da República Atos oficiais e referendo ministerial. “Presidente substituto”. Vacância da Presidência da República/Condições de elegibilidade. Vacância da Presidência da República/Período do mandato presidencial. Condições de elegibilidade/Impedimento temporário. Colégio Eleitoral do Presidente da República/Eleição do Presidente Provisório. Constituição do Colégio Eleitoral/Vacância da Presidência da República. Reuniões do Colégio Eleitoral da Presidência da República. Ministros de Estado. Conclusão.
Introdução
O artigo pretende mostrar ao leitor o ponto distintivo da Carta de 1937 que, diferentemente de todas as demais Constituições da República Federativa do Brasil, não utilizava a expressão Poder Executivo. Revelar-se-á, entretanto, que mesmo assim, as demais disposições da mesma Constituição determinavam como seria a atuação do mesmo.
Poderes instituídos
Em meados do século XX Seabra Fagundes já explicava a respeito das funções de Estado constitucionalmente previstas denominadas de Poderes Instituídos. Para o autor, os poderes constitucionalmente instituídos eram o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, segundo a terminologia universalmente adotada e a tradição do direito público pátrio.[1] Entretanto, a Carta de 1937 não usava, em título especial, a expressão Poder Executivo como nas demais Constituições republicanas.
Poder executivo na Carta de 1937
Das Constituições de 1891 até a de 1988, a única a não utilizar a expressão Poder Executivo foi a de 1937. Nela, o Presidente da República, os ministros de Estado e todos os elementos a eles subordinados pela hierarquia exerciam, normal e principalmente, atribuições que se enquadravam dentro da natureza do Poder Executivo. A investidura e as prerrogativas do Presidente da República estavam dispostas nos artigos 73 a 84 da Carta. Os ministros de Estado, por sua vez, tinham previsões nos artigos 88 e 89.
Autoridade suprema do Estado
Da sua outorga até a Lei Constitucional nº 9, de 28/02/1945, estava expresso que no art. 73 que o Presidente da República, autoridade suprema do Estado, coordenaria a atividade dos órgãos representativos, de grau superior, dirigiria a política interna e externa, promoveria ou orientaria a política legislativa de interesse nacional, e superintenderia a administração do País.
A partir de fevereiro de 1945, no entanto, o Presidente da República não mais coordenaria a atividade dos órgãos representativos, de grau superior. Esta mudança era visivelmente consequência, digamos assim, do enfraquecimento do então ditador Getúlio Vargas.
Competência privativa do Presidente das República
Por sua vez, o artigo 74, responsável pela competência privativa do Presidente da República manteve a redação original quanto aos atos de sancionar, promulgar e fazer publicar as leis e expedir decretos e regulamentos para sua execução.
A competência de expedir decretos-lei passou a ser nos termos dos artigos 12, 13 e 14. A inclusão posterior do artigo 14 representou mudança advinda da própria alteração da redação deste mesmo artigo.
Inicialmente, em 1937, o artigo 14 previa que o Presidente da República podia expedir livremente decretos-leis sobre a organização do Governo, Administração Federal e o supremo e a organização das forças armadas. Com a reforma de 1945, o artigo 14 excluiu a palavra governo da mesma previsão. Entretanto, tal modificação pode ser qualificada como de menor importância por ser uma questão conceitual do vocábulo governo e da expressão administração pública porque, sabe-se, não diferenciam significativamente.
O inciso c que previa a competência do Presidente de manter relações com os Estados estrangeiros foi substituída pela possibilidade do mesmo, a partir daquele momento, dissolver a Câmara dos Deputados nos casos de defesa do interesse do Estado brasileiro. A mesma competência inicial foi prevista, então, no inciso “e” do mesmo artigo.
A possibilidade de celebrar convenções e tratados internacionais ad referendum do Poder Legislativo foi substituída pela previsão do poder do mesmo adiar, prorrogar e convocar o Parlamento.
A previsão inicial de exercer a chefia suprema das forças armadas da União, administrando-as por intermédio dos órgãos do alto comando passou a ser denominada no inciso “g”.
No inciso “h”, a antiga competência de decretar a mobilização das forças armadas ganhou nova redação: “decretar a mobilização”.
A competência de declarar a guerra após autorização pelo Poder Legislativo, e, independentemente de autorização, em caso de invasão ou agressão estrangeira, deixou o inciso “g” e passou para o inciso “i”.
Já a competência de fazer a paz ad referendum do Poder Legislativo, outrora no inciso “h”, passou a ser prevista no inciso “j”.
A competência do inciso “i”de permitir, após autorização do Poder Legislativo, a passagem de forças estrangeiras pelo território nacional foi para o inciso “k”.
O inciso “j”, que previa a competência do Presidente da República intervir nos Estados e neles executar a intervenção, nos termos constitucionais foi substituída e recolocada no inciso “l”.
O inciso “k” previa a competência para decretar o estado de emergência e o estado de guerra nos termos do art. 166. Tal disposição foi removida para o inciso “m” com supressão da referência aos termos do art. 166.
O art. 166 da Constituição passou por dois momentos: outorga e revisão em 1938. Inicialmente, em caso de ameaça externa ou iminência de perturbações internas ou existências de concerto, plano ou conspiração, tendente a perturbar a paz pública ou pôr em perigo a estrutura das instituições, a segurança do Estado ou dos cidadãos, poderia o Presidente da República declarar em todo o território do Pais, ou na porção do território particularmente ameaçado, o estado de emergência. Desde que se tornasse necessário o emprego das forças armadas para a defesa do Estado, o Presidente da República declararia em todo o território nacional ou em parte dele, o estado de guerra. Para nenhum desses atos era necessária a autorização do Parlamento nacional, nem este poderá suspender o estado de emergência ou o estado de guerra declarado pelo Presidente da República.
A reforma de 1938, praticamente só acrescentou um parágrafo ao texto original no sentido de que declarado o estado de emergência em todo o país, poderia o Presidente da República, no intuito de salvaguardar os interesses materiais e morais do Estado ou de seus nacionais, decretar, com prévia aquiescência do Poder Legislativo, a suspensão das garantias constitucionais atribuídas à propriedade e à liberdade de pessoas físicas ou jurídicas, súditos de Estado estrangeiro, que, por qualquer forma, tivessem praticado atos de agressão de que resultassem prejuízos para os bens e direitos do Estado brasileiro, ou para a vida, os bens e os direitos das pessoas físicas ou jurídicas brasileiras, domiciliadas ou residentes no País.
O inciso “l” que previa a competência para prover os cargos federais, salvo as exceções previstas na Constituição e nas leis foi transferido para o inciso “p”.
O inciso “m” que previa a competência de autorizar brasileiros a aceitar pensão, emprego ou comissão de governo estrangeiro foi mudado para o inciso “q” com a redação seguinte: q) autorizar brasileiros a aceitar pensão, emprego ou comissão de Governo estrangeiro.
O inciso “n” tratava da competência de determinação que entrassem provisoriamente em execução, antes de aprovados pelo Parlamento, os tratados ou convenções internacionais, se a isto o aconselhassem os interesses do País. Tal determinação passou para o inciso “r” com redação idêntica.
O inciso “o” do artigo foi acrescentado à Carta de 1937 em 1945 pela redação da Lei Constitucional nº 9. Sua previsão era a da competência presidencial de nomear ministros de Estado.
O inciso “p” previa competência presidencial de prover os cargos federais, salvo as exceções previstas na Constituição e nas leis.
Os incisos “q” previam competência presidencial de autorizar brasileiros a aceitar pensão, emprego ou comissão de Governo estrangeiro e “r” determinar que entrem provisoriamente em execução, antes de aprovados pelo Parlamento, os tratados ou convenções internacionais, se a isso o aconselhassem os interesses do País.
Prerrogativas do Presidente da República
O art. 75 determinava as prerrogativas do Presidente da República de: a) indicar um dos candidatos à Presidência da República; b) dissolver a Câmara dos Deputados no caso do parágrafo único do art. 167; c) nomear os Ministros de Estado; d) designar os membros do Conselho Federal reservados à sua escolha; e) adiar, prorrogar e convocar o Parlamento; f) exercer o direito de graça.
Verifica-se que tal artigo perdeu a sua vigência a partir da Lei Constitucional nº9, de 1945, sendo algumas das prerrogativas transferidas para o artigo da competência privativa do Presidente da República como dissolver a Câmara dos Deputados, nomear Ministros de Estado e conceder o direito de graça.
Atos oficiais e referendo ministerial
Os atos oficiais do Presidente da República eram referendados pelos seus Ministros, salvo os expedidos no uso de suas prerrogativas, os quais não exigiam referenda até a revisão constitucional de 1945. A partir deste momento, simplesmente previu-se que os atos oficiais do Presidente da República seriam todos referendados pelos Ministros de Estado.
“Presidente substituto”
O art. 77 inicialmente previa que nos casos de impedimento temporário ou visitas oficiais a países estrangeiros o Presidente da República designaria, dentre os membros do Conselho Federal, o seu substituto.
Entretanto, a partir da vigência da Lei Constitucional nº 9, de 28/02/1945, o artigo 77 recebeu nova redação na qual era prevista a realização de sufrágio direto em todo o território nacional para a eleição do Presidente da República.
Vacância da Presidência da República/Condições de elegibilidade
O art. 78 previa a eleição de um Presidente provisório dentre os membros do Conselho Federal da Presidência da República nos casos de vacância da mesma por qualquer motivo. O mesmo convocaria, então, para 40 dias a partir da sua eleição, o Colégio Eleitoral do Presidente da República.
O novo art. 78, entretanto, apenas estabelecia condições de elegibilidade à Presidência da República o ser brasileiro nato e contar com mais de trinta e cinco anos de idade.
Vacância da Presidência da República/Período do mandato presidencial
O art. 79 outrora previa que se fossem decorridos sessenta dias da sua eleição e o Presidente da República não houvesse assumido o poder, o Conselho Federal decretaria vaga a Presidência, procedendo-se a nova eleição.
A nova redação do mesmo dispositivo, entretanto, apenas prevê o período do mandato presidencial de seis anos. É que tal redação provém do antigo art. 80.
A nova redação do art. 80, por sua vez, determinava que a eleição do Presidente da República fosse realizada oventa dias antes de terminado o período do mandato presidencial.
Condições de elegibilidade/Impedimento temporário
Outrora previstas no caput do art. 81 como condições de elegibilidade à Presidência brasileira ser brasileiro nato e maior de trinta e cinco anos, estas condições de elegibilidade cederam espaço à redação segundo a qual, nos casos de impedimento temporário ou visitas oficiais a países estrangeiros, o Presidente da República designasse, dentre os membros do Conselho Federal, o seu substituto.
Colégio Eleitoral do Presidente da República/Eleição do Presidente Provisório
O art. 82 previa anteriormente a composição do Colégio Eleitoral do Presidente da República. Entretanto, após a reforma constitucional de 1945, passou apenas a prever a eleição de um Presidente provisório no caso de vacância da Presidência da República.
Constituição do Colégio Eleitoral/Vacância da Presidência da República
Originalmente prevista a constituição do Colégio Eleitoral noventa dias antes da expiração do mandato presidencial, a partir da revisão de 1945, o dispositivo do art. 83 passou a prever que o mesmo decretasse vaga a Presidência da República, se o Presidente eleito não assumisse o poder até sessenta dias depois de proclamado o resultado da eleição ou de iniciado o novo período presidencial.
Reuniões do Colégio Eleitoral da Presidência da República
O art. 84 foi suprimido pela Lei Constitucional de 1945. Antes, porém, previa que o Colégio Eleitoral reunir-se-ia na Capital da República vinte dias antes da expiração do período presidencial e escolhesse o seu candidato à Presidência da República. Se o Presidente da República não usasse da prerrogativa de indicar candidato, seria declarado eleito o escolhido pelo Colégio Eleitoral.
Se o Presidente da República indicasse candidato, a eleição seria direta e por sufrágio universal entre os dois candidatos. Neste caso, o Presidente da República teria prorrogado o seu período até a conclusão das operações eleitorais e posse do Presidente eleito.
Ministros de Estado
Os arts. 88 e 89 tratavam da atuação dos Ministros de Estado. Os Ministros auxiliavam o Presidente da República na qualidade de agentes de sua confiança, subscrevendo-lhes os atos.
Somente o brasileiro nato, maior de vinte e cinco anos, poderia ser Ministro de Estado.
Os Ministros de Estado não eram responsáveis perante o Parlamento, ou perante os Tribunais, pelos conselhos dados ao Presidente da República, respondendo, porém, quanto aos seus atos, pelos crimes qualificados em lei. Nos crimes comuns e de responsabilidade, eram processados e julgados pelo Supremo Tribunal Federal, e, nos conexos com os do Presidente da República, pela autoridade competente para o julgamento deste.
Conclusão
Diferentes do que se vive hoje no Brasil, as disposições acima mostram bem a realidade do que se viveu àquela época. Autores dizem que a Carta de 1937 não foi cumprida em decorrência de que se vivia apenas uma ditadura. Entretanto, após conquistarmos a Democracia em 1988, nada justifica um retorno a qualquer regime de exceção, seja por qual razão for.
Doutor em direito administrativo pela UFMG, advogado, consultor jurídico, palestrante e professor universitário. Autor de centenas de publicações jurídicas na Internet e do livro “O Servidor Público e a Reforma Administrativa”, Rio de Janeiro: Forense, no prelo.
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