O poder geral de cautela é instituto que atua como poder integrativo de eficácia plena da atividade jurisdicional e que está estritamente ligado à discricionariedade do julgador.
Para o doutrinador Humberto Teodoro Júnior (Curso de Direito Processual Civil, vol. 2, 42ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 543):
“É instrumental a função cautelar, porque não se liga à declaração de direito, nem promove a eventual realização dele; e só atende, provisória e emergencialmente, a uma necessidade de segurança, perante uma situação que se impõe como relevante para a futura atuação jurisdicional definitiva.”
Tal providência provisória consubstancia-se em atendimento adotado com vistas a garantir uma situação jurídica ou a efetividade da proteção do direito material, retratando medida de urgência tendente a evitar dano irreparável ou de difícil reparação.
Veja o que dizem Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero (Código de Processo Civil: comentado artigo por artigo. São Paulo: RT, 2008, p. 739) acerca do tema:
“A tutela cautelar é um instrumento que visa a assegurar a viabilidade da obtenção da tutela do direito ou a assegurar uma situação jurídica tutelável, conforme o caso… É caracterizada pela instrumentalidade e pela referibilidade.”
Portanto, a medida cautelar vem, de forma provisória, amparar direito ameaçado que, se não resguardado com urgência, pode se perder em decorrência de acometimento de dano grave de difícil reparação.
Com base em requisitos consubstanciados no fumus boni juris e periculum in mora, o Judiciário tem decidido acautelar os direitos numa tentativa de evitar iminentes danos que venham a lesar o requerente ou mesmo a Administração Pública. Aliás, o entendimento não só abarca as demandas de competência judiciária como também tem se estendido à aplicação das medidas cautelares pelos Tribunais de Contas.
Assim, verifica-se que o Poder Geral de Cautela tornou-se inerente às atribuições e competências fiscalizadoras dos Tribunais de Contas.
Ministra-se, na espécie, a Teoria dos Poderes Implícitos que apóia-se na concepção de que para cada prerrogativa concedida pela Carta Magna a um determinado ente estatal, concede-se-lhe ao mesmo tempo e de forma subentendida, amplos poderes para a efetivação desse poder. Desta forma, a atribuição constitucional de um poder a um determinado órgão está acompanhada, automaticamente, da possibilidade do uso dos meios e instrumentos conducentes ao seu exercício.
Por oportuno, colaciona-se julgamento do STF referente ao Mandado de Segurança nº 26.547 MC/DF, de 23.05.2007:
“TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. PODER GERAL DE CAUTELA. LEGITIMIDADE. DOUTRINA DOS PODERES IMPLÍCITOS. PRECEDENTE (STF). Consequente possibilidade de o Tribunal de Contas expedir provimentos cautelares, mesmo sem audiência da parte contrária, desde que mediante decisão fundamentada. Deliberação do TCU, que, ao deferir a medida cautelar, justificou, extensamente, a outorga desse provimento de urgência. Preocupação da Corte de Contas em atender, com tal conduta, a exigência constitucional pertinente à necessidade de motivação das decisões estatais. Procedimento administrativo em cujo âmbito teriam sido observadas as garantias inerentes à cláusula constitucional do due process of law (…).”
Nessa ocasião, o Relator, Ministro Celso de Mello, entendeu:
“Com efeito, impende reconhecer, desde logo, que assiste, ao Tribunal de Contas, poder geral de cautela. Trata-se de prerrogativa institucional que decorre, por implicitude, das atribuições que a Constituição expressamente outorgou à Corte de Contas.
Entendo, por isso mesmo, que o poder cautelar também compõe a esfera de atribuições institucionais do Tribunal de Contas, pois se acha instrumentalmente vocacionado a tornar efetivo o exercício, por essa Alta Corte, das múltiplas e relevantes competências que lhe foram diretamente outorgadas pelo próprio texto da Constituição da República.
Isso significa que a atribuição de poderes explícitos, ao Tribunal de Contas, tais como enunciados no art. 71 da Lei Fundamental da República, supõe que se reconheça, a essa Corte, ainda que por implicitude, a possibilidade de conceder provimentos cautelares vocacionados a conferir real efetividade às suas deliberações finais, permitindo, assim, que se neutralizem situações de lesividade, atual ou iminente, ao erário (…).
Na realidade, o exercício do poder de cautela, pelo Tribunal de Contas, destina-se a garantir a própria utilidade da deliberação final a ser por ele tomada, em ordem a impedir que o eventual retardamento na apreciação do mérito da questão suscitada culmine por afetar, comprometer e frustrar o resultado definitivo do exame da controvérsia (…).” (g.n.)
A prática cautelar franqueada às Cortes de Contas, todavia, tem de ser executada em harmonia com o Princípio do Devido Processo Legal (artigo 5º, LIV, CF/1988), mediante homenagem, em regra geral, ao contraditório e ampla defesa. Contudo, é lícita a concessão da providência cautelar inaudita altera parte, pelas mesmas razões que a autorizaram em sede judicial.
Ademais, destaque-se que a concessão de medida cautelar, nos moldes da jurisprudência do STF, somente se justifica quando configurados os requisitos encartados no artigo 7º, II, da Lei nº 1.533/1951, vale dizer: plausibilidade jurídica da pretensão (fumus boni juris) e risco de lesão irreparável ou de difícil reparação (periculum in mora). É indispensável, portanto, que a decisão do Tribunal esteja devidamente fundamentada, expondo as razões que lhe servem de suporte.
Advogada, assessora do Tribunal de Contas do Estado de Goiás – TCE, professora do curso de Direito da Universidade Católica de Goiás – UCG, especialista em Direito Civil e Processo Civil e mestranda em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento
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