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O “polícia” e o “acordo” com a marginalidade

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Passados os momentos de aguda tormenta trazidos para a vida social protagonizados por conhecido grupo criminoso, surgiram interpretações de todo tipo a respeito do episódio. O mais sinistro deles: teria havido um acordo entre o governo e os marginais para por fim às ações terroristas.

Essa suspeita que se levanta contra a administração superior das polícias civil e militar só pode ser aceita por quem não conheça nada de nada de polícia.

A polícia não pactua com bandidos. Ao longo de minha experiência no Ministério Público e como professor de cursos de preparação para concursos públicos pude sempre testemunhar o amor à Causa Pública que devotam praticamente todas as pessoas que abraçam a carreira policial.

Quem escolhe como caminho de vida profissional uma atividade carregada de riscos de todo tipo (e a morte à espreita é apenas o mais extremo deles) é quase sempre um vocacionado. Quantos e quantos alunos me mostram, com um revelador brilho nos olhos, que “desde sempre” manifestaram o desejo de “Ser Polícia”.

E assim mesmo: “Ser Polícia” em lugar de “ser policial”, uma evidência de tratar-se de uma vocação de pertencer a uma instituição e não apenas exercer uma determinada função policial.

Há um fosso imenso e praticamente intransponível entre os policiais e os marginais. Achar que a Polícia de São Paulo se prestaria ao ridículo papel de curvar-se ao poder do crime constitui um escárnio aos policiais em geral e em particular à memória daqueles que não apenas por estes dias mas desde a criação da instituição policial tombaram no cumprimento do dever.

Os cursos de preparação aos concursos públicos estão lotados de pessoas ávidas em tomar em suas mãos a bandeira que era segura pelos que caíram. Uma bandeira identificadora daqueles que vêem no exercício das funções policiais não um meio de enriquecer mas de realização pessoal e concretização do bem comum.

Para quem não conhece o polícia de perto, que aceite um testemunho de quem viveu o dia-a-dia no contato com policiais civis e militares paulistas: trata-se de pessoas dispostas a imolar-se para poder atingir o objetivo pessoal de salvar alguém, de libertar um refém ou de combater com eficácia o crime e privar de liberdade o criminoso.

Falo com o conhecimento de quem teve um avô e um pai na Polícia e conviveu décadas com policiais. Expresso com certeza o pensamento de incontáveis policiais civis e militares hoje aposentados e que, atônitos, assistiram estes recentes episódios, mas bem gostariam de agora, armados, estar enfrentando na trincheira avançada os infelizmente muitos marginais que infernizam a normalidade da vida quotidiana dos cidadãos de bem.

Todos esses policiais – de hoje, de ontem, falecidos ou não no exercício da função – se orgulham, apesar de todas as muitas agruras (baixa remuneração, falta de recursos para o desempenho das funções, a morte batendo sempre à porta, incertezas várias quanto ao acompanhamento do desenvolvimento da vida em família) da atividade que desempenham, têm consciência inteira de serem depositários da confiança da população, querem fazer-se merecedores dessa confiança, têm noção completa de seus deveres éticos, são leais e são honestos.

Os poucos que transpõem as fronteiras da legalidade se expõem a riscos de toda ordem derivados do envolvimento com a criminalidade, mas sobretudo, ficam expostos à suprema desonra: o desprezo dos colegas de polícia.

É este o resumo do verdadeiro policial: uma pessoa humana que pensa em si, pensa nos seus, mas sente um irresistível chamamento à glória maior de combater o crime em todas as suas manifestações. No fundo o polícia é o verdadeiro altruísta. Alguém que por prazer se dedica à higienização social, exatamente por pensar no bem de seus semelhantes e por saber que uma vida em sociedade sem os perigos do crime é uma vida com muito mais qualidade. E neste aspecto é, como tantos de nós, um incorrigível e romântico sonhador.

Esse polícia vocacionado, guarda as regras da ética mesmo no confronto com bandidos. Não atira pelas costas. Só tira a vida em legítima defesa ou no estrito cumprimento do dever legal. Não age com covardia. Quanta diferença do que a sociedade pôde testemunhar por estes dias: bandidos forçando policial de folga e desarmado, a deitar no chão, executando-o com tiros (no plural mesmo) na nuca. Facínoras tirando pelas costas a vida de um carcereiro que em seus horários de folga ajudava o pai como perueiro. Bandido é covarde, não tem pudor nem ética. O verdadeiro polícia sabe que o PCC é hoje uma espécie de “partido” que conta com ideário e organização, mas que precisa e deve ser enfrentado. E sabe, a julgar pela conduta dos membros desse “partido”, que PCC deve ser, na verdade, pelo jeito, sigla de “Partido de Criminosos Covardes” que inclusive pensam em eleger, nas próximas eleições, dois deputados…

Por isto mesmo, falar em “acordo” da polícia com malfeitores é uma grande ofensa à Polícia (instituição) e a cada um de seus componentes. É um escárnio. Um imenso despautério. Uma estupidez. Uma insensatez sem tamanho, própria de pessoas que ignoram por inteiro o que seja efetivamente um polícia.

Afinal, polícia é polícia e bandido é bandido. Falam linguagens inteiramente diferentes, têm comportamentos diametralmente opostos e criam em suas mentes imagens inteiramente diversas quanto àquilo que possa e deva vir a ser uma sociedade ideal que todos deixaremos para os pósteros.

Que se calem, portanto, os que por desconhecimento ou por interesse querem passar para a sociedade uma imagem da instituição policial que em nada condiz com a realidade que está no ideário e no comportamento de cada um dos tantos e tantos policiais que hoje não titubeiam um segundo em enfrentar com coragem os mais sanguinários e covardes criminosos.

A sociedade não pode desconfiar de seus policiais. Tem o dever de cidadania de confiar no polícia, esse abnegado cujo mais recôndito desejo é ver triunfar o bem e os valores que constroem uma sociedade mais justa.

Que a sociedade não combata, portanto, a polícia. Esta já tem inimigos suficientes. Descrer das instituições policiais é fazer o jogo da criminalidade. Cada cidadão descrente é um motivo de satisfação para o bandido. É um sorriso que ilumina a face penumbrada do delinqüente, este sim o verdadeiro inimigo.

É o momento de solidarizar-se com as instituições de defesa social. Hora de prantear os honrados caídos, prestando-lhes as honras de estilo e de augurar boa sorte aos novos que serão recrutados, serão preparados, os substituirão e levantarão a bandeira que já não pode mais ser segura pelos que perderam as forças e a vida. Uma bandeira cujo peso vem de sua história, dos valores que representa e do dever ético a cumprir.

Os bons que se foram torcem por nós. E ficarão orgulhosos por nos ver fortes, corajosos, confiantes nos polícias e dedicados às causas nobres pelas quais eles lutaram e morreram.

Precisamos deixar um mundo melhor para nossos descendentes. Precisamos acreditar que isto seja possível, porque efetivamente é. E isto não alcançaremos senão com competência, inteligência, coragem, disciplina e ética. Com todos aqueles valores, em suma, que os membros de grupos criminosos organizados não têm, por serem próprios apenas de pessoas de bem.

In memoriam do André, Policial Militar, vocacionado, valoroso, corajoso, morto covardemente, pelas costas, em frente ao Hospital Mário Gatti ao tentar prender criminosos fugitivos do 2º. Distrito Policial de Campinas e como homenagem a todos os demais “Andrés” que sempre existirão nas instituições policiais.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

João Luiz P. G. Minnicelli

 

sou professor de direito penal

 


 

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Equipe Âmbito Jurídico

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