Resumo: A Constituição da República Federativa do Brasil, assim como grande parte das Cartas Políticas contemporâneas, abriga uma espécie de norma denominada Princípio Constitucional. Até pouco tempo atrás, parca atenção era conferida – de forma geral – às normas principiológicas seja por parte da doutrina ou da jurisprudência. Hodiernamente, é reconhecido que o estudo dos princípios constitucionais é de suma importância para qualquer e todo ramo do direito, sendo, ainda, oportuno lembrar que tais normas são alvo de calorosos debates no meio acadêmico, mais precisamente no que concerne ao seu grau de eficácia e concretização. Nesta senda, não há como perder de vista que o moderno Direito Tributário também tende para a construção de uma teoria voltada para a realização dos valores constitucionalmente reputados como fundamentais. Necessitando-se, também, aduzir que isto só será possível através da observância dos pilares do ordenamento jurídico-tributária, ou seja, por meios dos princípios, tais como o Princípio da Isonomia, que é o tema deste trabalho. É de se notar que as normas principiológicas não somente formam a base de todo o ordenamento jurídico-positivo – pairando sobre todas as demais normas de comportamento – de um determinado Estado, mas também dão ao mesmo estrutura e coesão. Certamente, não se pode compreender de forma adequada o ordenamento jurídico se não se conhece seus pilares básicos, ou seja, é clarividente que o menoscabo por um Princípio vai importar a quebra de todo o sistema jurídico. Tudo se converge, deste modo, a indicar que as leis e os demais atos normativos de igual ou inferior valor, além de deverem obediência aos Princípios, precisam também ser interpretados e aplicados de acordo com os cânones previstos em nossa Constituição Federal. Por conseguinte, ressalta-se a importância que se deve conferir ao estudo dos Princípios, em especial do Princípio da Isonomia no Direito Tributário, podendo-se, ainda, afirmar que o não conhecimento da teoria dos princípios jurídicos implica um conhecimento parcial ou precário da nossa realidade jurídico. Eis, então, a finalidade pretendida com a elaboração deste trabalho: realçar a importância do estudo dos princípios constitucionais tributários, em especial o Princípio da Isonomia, de modo a buscar a construção de uma ordem jurídico-tributária voltada à observação das normas principiológicas.
Palavras-chave: 1. Constituição; 2. Sistema; 3. Princípios; 4. Isonomia.
Abstract: The Constitution of the Federative Republic of Brazil, as well as great part of the Constitutions contemporaries, shelters a species of norma called Constitutional Principle. A few years ago, little attention was conferred – in general form – to the principles by part of doctrine or jurisprudence. Nowadays, is recognized that the study of the constitutional’s principles it is very important to any part law, being, still, opportune to remember that such norms are intensely debated in the universities, mainly the topics related with the level of effectiveness and accomplishment. In this way, it doesn’t have to forget that the modern tax law also tends for the construction of a theory directed for accomplishment of the reputed constitutionally basic values. It’s necessary to say, still, that this will only be possible through the observance of the pillars of the legal-tax order, it means that, by the principles, such as the Principle of the Isonomy. It’s important to allege that the principles norms not only form the base of all the order legal-positive – being the base of all others norms – of one determined State, but also give its structure and cohesion. Certainly, it’s impossible to understand adequately the legal system if doesn’t know its basic pillars, being unquestionable that disdain of a Principle goes to destroy all the legal system. Everything converge, thats way, to indicate that the laws and the normative acts, needs to obey the Principles and to be interpreted and applied in accordance with the Federal Constitution. Therefore, detach the importance of the study of the Principles, in special the Isonomy’s Principle in the Tax Law, being correct that the unknowledge of the legal principles’ theory imply in a precarious knowledge of the legal reality. So, the main point of this work is defined: to enhance the importance to study the principles constitutional of the tax law, in special the Isonomy’s Principle, to seek the construction of a legal-tax order directed to the concretition of the Principles.
Key-words: 1. Constitution; 2. System; 3. Principles; 4. Isonomy.
Sumário: Considerações iniciais. I. Limitações constitucionais ao poder de tributar. 1.1. O Poder de Tributar. 1.2. Escorço Histórico. 1.3. Conceito de Limitações ao Poder de Tributar. II. Princípios jurídicos. 2.1. Conceito de Princípio e Evolução Doutrinária. 2.2. Regras e Princípios como Espécie do Gênero “Norma Jurídica”. 2.3. A Constituição como em Sistema Aberto de Princípios e Regras e Evolução Social. III. Princípio da isonomia tributária. 3.1. Princípio da Isonomia Não Especificamente em Matéria Tributária. 3.1.1. Evolução histórica. 3.1.2. A Isonomia nas Constituições Brasileiras. 3.1.3. O Princípio da Igualdade na Atual Constituição Federal Brasileira. 3.2. Princípio da Isonomia Especificamente em Matéria Tributária. 3.2.1. Conteúdo; 3.2.2. Proibição de Desigualdade. 3.2.3. Destinatários do Princípio. 3.2.4. Princípio da Uniformidade. Considerações finais. Referências bibliográficas.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O grande desafio da presente pesquisa consiste em apresentar os principais contornos do Princípio da Isonomia Tributária, de forma a estabelecer o papel que as normas principiológicas exercem na relação jurídico-tributária em nosso país, bem como para realçar a necessidade de sempre estar buscando a construção de uma ordem jurídico-tributária voltada à observação do conteúdo normativo dos princípios.
Para tanto, primeiramente, sendo os Princípios Constitucionais Tributários verdadeiras Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar, foi preciso fazer (capítulo I) um apanhado geral do que seriam estas limitações, com destaque para seu delineamento histórico, seu conteúdo e seu conceito.
Ao depois, entrou-se na seara dos princípios jurídicos propriamente de maneira geral. Neste momento, estudou-se conceituação da palavra “princípio”, seu iter evolucional e normatividade, a distinção entre princípios e regras, a noção de sistema jurídico, bem como a importância dos princípios no que diz respeito à evolução da sociedade.
O capítulo seguinte é o ponto crucial do presente estudo, eis que é onde se aborda o Princípio da Isonomia em si. Tal capítulo será dividido em duas partes. Na primeira vai ser abordada a igualdade de maneira ampla, sem adentrar na seara específica do Direito Tributário e serão estudados temas como sua evolução histórica, a isonomia das Constituições brasileiras etc.
Finalmente, na segunda parte do capítulo analisar-se-á o Princípio da Isonomia especificamente em matéria de Direito Tributário, onde serão abordados temas como o conteúdo jurídico do princípio da isonomia, a proibição de desigualdade, os destinatários do princípio etc.
I. LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS AO PODER DE TRIBUTAR
Primeiramente, em razão de os Princípios Constitucionais Tributários serem uma espécie de limitação constitucional ao poder de tributar, é conveniente que se faça um breve apanhado acerca de limitações constitucionais à tributação.
Neste passeio, serão analisados vários pontos relacionados com as limitações constitucionais ao poder de tributar, tais como a conceituação, os aspectos históricos, a evolução, a classificação, etc.
Convém, por fim, mencionar que – em razão de o escopo primordial deste trabalho não ser o estudo das limitações constitucionais de maneira ampla, mas especificamente do Princípio Constitucional da Isonomia Tributária – neste capítulo não serão explanados com profundidade todas as espécies de limitações constitucionais ao poder de tributar.
1.1. O Poder de Tributar
Como nação politicamente organizada, o Estado é uma entidade soberana, eis que, no plano internacional, representa a nação no inter-relacionamento com outras nações e, também, não se subordina a nenhuma delas e, no plano interno, tem o poder de governo sobre aqueles que se encontrem em seu território.
Uma parcela da soberania exercida internamente pelo Estado se caracteriza pelo poder de exigir de quem estiver sob sua subordinação contribuições pecuniárias necessárias a consecução de seus fins. É o denominado Poder de Tributar, que pode ser conceituado como “o exercício do poder geral do Estado aplicado no campo da imposição de tributos”[1], ou seja, nada mais é que a aptidão para instituir tributos.
É curial salientar que tal relação de tributação não é simples relação de poder, mas sim relação jurídica fundamentada na soberania estatal[2]/[3], ou seja, numa relação tributária não há lugar para autoritarismo dos governantes, que devem sempre atuar em conformidade com o ordenamento jurídico, sem nunca se olvidar de resguardar as garantias dos indivíduos.
1.2. Escorço Histórico
Ao longo de sua evolução, o Estado se valeu do poder de tributar como forma de garantir o desempenho de suas funções básicas, ou seja, para manter-se em pleno funcionamento, o Estado necessitou auferir receitas e, para tanto, como foi dito acima, utilizou-se do poder de tributar[4], sendo certo que, ao longo dos tempos – e conforme a evolução do conceito de Estado – também evoluíram as formas de arrecadação de receitas.
Pode-se resumir a evolução das maneiras de arrecadar em cinco fases, de acordo com o magistério do ilustre professor Aliomar Baleeiro, senão vejamos:
“Já se pretendeu firmar um retrospecto da evolução das receitas com fases características, presumidamente sucessivas, muito embora possam coexistir e apresentar tipos recessivos. Essas fases seriam redutíveis a cinco padrões: a) parasitária (extorsão parasitária contra os povos vencidos); b) dominial (exploração do patrimônio público); c) regaliana (cobrança de direitos realengos, como pedágio etc.); d) tributária; e) social (tributação extrafiscal sócio-política)”.[5] (destaque do autor)
Como se pode constatar, “nem sempre as exações fiscais constituíram as principais fontes de receitas do Estado”[6], sendo, inclusive, oportuno mencionar que – mesmo quando a tributação funcionou como principal fonte de arrecadação do Estado – não ocorreu uma imposição tributária de maneira congruente, tendo em vista que excluía do âmbito de incidência tributária algumas categorias ou classes, tais como sacerdotes, nobres etc., não se podendo falar, desta forma, até a formação do Estado moderno, em limitações ao poder de tributar, eis que tal poder era pleno, sem limites, imposto ao alvedrio dos soberanos.
De acordo com os ensinamentos do insigne professor Roque Antonio Carrazza:
“No passado, a tributação era realizada de modo tirânico: o monarca ‘criava’ os tributos e os súditos deviam suportá-los. Mesmo mais tarde, com o fim do feudalismo, quando ela passou a depender dos “Conselhos do Reino” ou das “Assembléias Populares”, os súditos não ficaram totalmente amparados contra o arbítrio.”
“Foi só com o surgimento dos modernos Estados de Direito […] que começaram a ser garantidos, de modo mais efetivo, os direitos dos contribuintes. A partir daí, o “poder de tributar” passou a sofrer uma série de limitações, dentre as quais destacamos a que exige seu exercício por meio de lei.”[7] (destaques originais)
Como se observa, somente com a criação dos Estados Modernos[8] – momento que, praticamente, se confunde com o aparecimento das constituições escritas – é que as Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar passam a existir no cenário jurídico.
Nesta senda, é esclarecedor o ensinamento de Marcos Aurélio Pereira Valadão:
“A evolução das formas de Estado e a conformação do Estado moderno, cujo marco é a revolução francesa, fizeram-se acompanhar, também, do desenvolvimento das técnicas de tributação. As garantias individuais, os direito do homem, aplicam-se também à questão tributária, implicando, portanto, uma limitação ao poder de tributar do Estado, já que coíbem a arbitrariedade e a ilegalidade. Neste contexto, vale destacar que, em França, no ano de 1735, os estados gerais postularam a faculdade de postular impostos, e que esta regra integrou a Declaração de Direitos (1789) e a Constituição francesa de 1791.”[9]
Assim, pode-se dizer que as limitações ao poder de tributar são fruto da instituição dos Estados modernos e, conseqüentemente, do surgimento das constituições escritas, eis que, como foi acima observado, a formação destes três institutos é, praticamente, simultânea.
1.3 Conceito de Limitações ao Poder de Tributar
É notório que a competência tributária – poder de instituir tributos – não é absoluta, ou seja, tem limites. Tal competência é restringida pela Constituição Federal[10] em detrimento, algumas vezes, do interesse dos contribuintes e, em outras, do interesse do relacionamento entre as próprias entidades impositivas. Tais restrições podem ser chamadas de limitações constitucionais ao poder de tributar.
As limitações constitucionais ao poder de tributar são, “como o próprio nome acentua, restrições ou mesmo verdadeiras inibições ao exercício da competência tributária”[11], ou, como preconiza Luciano Amaro, “conjunto de traços que demarcam o campo, o modo, a forma e a intensidade de atuação do poder de tributar”[12], aliás, além de funcionarem como meio de inibição e de demarcação, pode-se aduzir que as limitações ao poder de tributar são verdadeiras garantias constitucionais dispostas em favor dos contribuintes.
Em nosso Sistema Constitucional Tributário, as limitações ao poder de tributar são encaradas de maneira muito abrangente de forma a englobar os princípios, as imunidades, a distribuição da competência tributária e, também, a repartição de receitas tributárias. E é com base nesta assertiva que alguns autores dividem as limitações constitucionais ao poder de tributar – em sentido estrito (imunidades e princípios) e em sentindo amplo (normas de competência e repartição das receitas tributárias), sendo interessante, neste sentido, colacionar os ensinamentos do insigne Marcos Aurélio Pereira Valadão:
“De maneira resumida, entende-se que há duas categorias de normas constitucionais que regem o Sistema Tributário Nacional: as normas de competência, que fixam a discriminação das rendas tributárias (competência para instituir tributos e os critérios de partição de receitas), e normas que impõem limitações ao poder de tributar, limitações constitucionais ao poder de tributar em sentido estrito. Essas últimas compreendem as limitações genéricas, de natureza principiológica e as imunidades (de natureza normativa).”[13]
Não obstante as limitações constitucionais açambarcarem um leque muito amplo de institutos jurídicos, o presente trabalho tem o escopo de analisar somente os Princípios Constitucionais Tributários, razão pela qual se teceram apenas estes breves comentários acerca de imunidades, de competência tributária e, também, de repartição das rendas tributárias.
Concluído o estudo das limitações constitucionais ao poder de tributar de maneira ampla, passa-se ao tópico referente aos princípios jurídicos.
II. PRINCÍPIOS JURÍDICOS
Ultrapassado o estudo das limitações constitucionais ao poder de tributar de maneira ampla, passa-se ao estudo dos princípios jurídicos, isto é, pretende-se fazer uma abordagem dos princípios de forma genérica, de modo a, ainda, não adentrar na seara do Princípio Constitucional da Isonomia Tributária propriamente dita.
Deste modo, neste capítulo, apreciar-se-á a conceituação da palavra “princípio”, seu iter evolucional e normatividade, a distinção entre princípios e regras, a noção de sistema jurídico, bem como a importância dos princípios no que diz respeito à evolução da sociedade.
2.1 Conceito de Princípio e Evolução Doutrinária
Consoante estabelecido nos léxicos, a palavra princípio advém do termo latino principium, principii, principiu e, em sentido vulgar, que dizer início, começo, origem, base, ponto de partida, causa primária, preceito, germe etc., senão vejamos:
“1. Momento ou local ou trecho em que algo tem origem; 2. Causa primária; 3. Elemento predominante na constituição de um corpo orgânico; 4. Preceito, regra, lei; 5. Base; germe; 6. Fonte ou causa de uma ação; 7. Proposição que se põe no início de uma dedução, e que não é deduzida de nenhuma outra dentro do sistema considerado, sendo admitida, provisoriamente, como inquestionável. […]”[14]
Em que pese a grande dificuldade em buscar uma definição ideal do que vem a ser “princípio”, cabe afirmar que, em acepção jurídica e em termos bem genéricos, pode-se conceituá-lo como a idéia-mestra do sistema, ou seja, trata-se da diretriz[15] magna que se irradia sob diferentes normas, “compondo-lhes o espírito e servindo de critério para a exata compreensão e inteligência delas, exatamente porque define a lógica e a racionalidade do sistema normativo.”[16]
Neste mesmo sentido, Celso Antônio Bandeira de Mello ensina que:
“Princípio […] é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para a sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome de sistema jurídico positivo”.[17]
Ainda, acerca dos princípios, também são valiosas as palavras de André Ramos Tavares:
“Os princípios caracterizam-se por serem a base do sistema jurídico, os seus fundamentos últimos. Neste sentido é que se compreende sua natureza normogenética, ou seja, o fato de serem fundamento de regras, constituindo a razão de ser, o motivo determinante da existência das regras em geral. […] Os denominados princípios (constitucionais) são normas que consagram valores que servem de fundamento para todo o ordenamento jurídico, e irradiam-se sobre este para transformá-lo em verdadeiro sistema, conferindo-lhe a necessária harmonia”.[18]
Como se observa, os princípios são normas que apresentam alto grau valorativo ou, no dizer de Paulo de Barros Carvalho, “são impregnados de valor”[19] e, em virtude de seu imensurável conteúdo axiológico, além de serem normas, os princípios “acabam exercendo significativa influência sobre porções do ordenamento jurídico, informando o vetor de compreensão de múltiplos segmentos.”[20]
Cumpre, também, aduzir que o termo “princípio”, no âmbito da ciência do direito, pode assumir quatro denotações diversas, consoante o ensinamento de Paulo de Barros Carvalho, vejamos:
“a) como norma jurídica de posição privilegiada e portadora de valor expressivo; b) como norma jurídica de posição privilegiada que estipula limites objetivos; c) como os valores insertos em regras jurídicas de posição privilegiada, mas considerados independentemente das estruturas normativas; e, d) como o limite objetivo estipulado em regra de forte hierarquia, tomado, porém, sem levar em conta a estrutura de norma”.[21]
De qualquer modo, o certo é que os princípios são linhas diretivas que dão lume à compreensão dos demais setores do ordenamento jurídico, de forma a imprimir-lhes o caráter de unidade e servir como meio de agregação num dado feixe de normas.
É oportuno lembrar que a concepção de princípios, natureza jurídica, importância e normatividade vai cambiar de acordo com o pensamento jurídico no qual estão insertas. Destarte, mesmo sem ingressar em todos eles, é deveras salutar analisar ao menos as três mais importantes correntes, a saber: o Jusnaturalismo, o Positivismo e o Pós-Positivismo.
Seguindo o indicado, para os sequazes da teoria Jusnaturalista[22] do Direito – onde este “corresponde a uma necessidade humana e é inseparável da própria vida do homem”[23] – há um condicionamento da ordem jurídica elaborada pelo Estado a outra ordem superior e transcendental, isto é, acima das leis estatais existe o direito natural. Nesta fase, os princípios estão localizados nesta ordem supralegal, de tal modo que não integram as leis humanas.
Contudo, apesar de não fazerem parte do ordenamento estatal, de acordo com os seguidores desta corrente, os princípios encerram valores máximos, que correspondem a um ideal de Justiça e de Direito, assumindo, deste modo, roupagem de axiomas jurídicos universais advindos da natureza humana e revelados pela reta razão.
É certo que neste pensamento, por se situarem nesta esfera tão abstrata e distante, os princípios possuem uma normatividade basicamente nula e duvidosa, conforme expõe Paulo Bonavides: “a primeira – a mais antiga e tradicional – é a fase jusnaturalista; aqui os princípios habitam ainda esfera por inteiro abstrata e sua normatividade, basicamente nula e duvidosa, contrasta com o reconhecimento de sua dimensão ético-valorativa de idéia que inspira os postulados de justiça.” [24]
A partir do advento Escola Histórica do Direito e do processo de codificação das leis, o Positivismo Jurídico – “simples redução do Direito à ordem estabelecida”[25] – ganha corpo, abandonando-se a idéia de um Direito supraestatal que conferia validade e legitimidade às normas estabelecidas pelo Estado.
Buscando diferenciar as doutrinas jusnaturalistas das positivistas, Bobbio aduz o seguinte:
“A teoria oposta à jusnaturalista é a doutrina que reduz a justiça à validade. Enquanto para um jusnaturalista clássico tem, ou melhor dizendo, deveria ter, valor de comando só o que é justo, para a doutrina oposta é justo só o que é comandado e pelo fato de ser comandado. Para um jusnaturalista, uma norma não é válida se não é justa; para a teoria oposta, uma norma é justa somente se for válida”.[26]
Como se pode notar, no Positivismo existe tão-somente uma ordem jurídico-normativa: aquela advinda da vontade do Estado, onde há uma verdadeira primazia da lei na solução dos conflitos[27], ou, como ensina Marco Berberi, “o direito se reduz exclusivamente à norma; o chamado conteúdo social da regra jurídica.”[28]
Note-se que, neste momento, os princípios estão insertos no ordenamento jurídico positivo, fazendo parte dele, não havendo necessidade de se falar em princípios supralegais. Nesta corrente, os princípios ocupam um lugar secundário, aparecendo no cenário jurídico somente em casos de vazios normativos.
A concepção positivista perde força, a partir da segunda década do século XX, dando lugar ao chamado Pós-Positivismo. Nesta fase, os princípios deixam de assumir papel secundário e passam a ostentar o traço essencial da normatividade, apresentando-se, agora, como verdadeiras normas jurídicas, conforme se pode observar da própria conceituação dos princípios.
Acerca do tema, Paulo Bonavides leciona que:
“A terceira fase, enfim, é a do pós-positivismo, que corresponde aos grandes momentos constituintes das últimas décadas no século XX. As novas Constituições promulgadas acentuam a hegemonia axiológica dos princípios, convertidos em pedestal normativo sobre o qual assenta todo o edifício jurídico dos novos sistemas constitucionais.
Mas, antes das formulações jurisprudenciais contidas em recentes arrestos das Cortes Constitucionais, é de assinalar que deveras importante para o reconhecimento precoce da positividade ou normatividade dos princípios em grau constitucional, ou melhor, juspublicístico, e não meramente civilista, fora já a função renovadora assumida precocemente pelas Cortes Internacionais de Justiça, tocante aos princípios gerais de direito, durante a época em que o velho positivismo ortodoxo ou legalista ainda dominava incólume nas regiões da doutrina”.[29]
Finalmente, cumpre arrematar observando que com a disseminação das Constituições escritas, respaldando Estados Democráticos de Direito, os princípios emigraram dos códigos para os textos constitucionais, ou seja, estes passam a ser Princípios Constitucionais. Desta forma, com ainda mais razão, neste momento, as normas principiológicas são dotadas de cogência e imperatividade, sempre devendo ser reverenciadas como bases ou pilares do ordenamento jurídico.[30]
Cabe, então, passar ao estudo dos princípios e das regras como espécies do gênero “norma jurídica”.
2.2 Regras e Princípios como Espécie do Gênero “Norma Jurídica”
Primeiramente, é imperioso frisar que os princípios não se confundem com as regras, podendo-se afirmar que ambos são espécies do gênero norma jurídica.
Luís Roberto Barroso e Ana Paula de Barcellos corroboram a assertiva acima ao afirmar que “a Dogmática moderna avaliza o entendimento de que as normas em geral, e as normas constitucionais, em particular, enquadram-se em duas grandes categorias diversas: os princípios e as regras.”[31]
Neste mesmo sentido, confirmando o caráter normativo dos princípios, Norberto Bobbio diz que:
“Para sustentar que os princípios gerais são normas, os argumentos vêm a ser dois, e ambos válidos: antes de mais nada, se são normas aquelas das quais os princípios gerais são extraídos, através de um procedimento de generalização sucessiva, não se vê por que não devam ser normas também eles: se abstraio de espécies animais obtenho sempre animais, e não flores ou estrelas. Em segundo lugar, a função para a qual são abstraídos e adotados é aquela mesma que é cumprida por todas as normas, isto é, a função de regular um caso. E com que finalidade são extraídos em caso de lacuna? Para regular um comportamento não-regulamentado: mas então servem ao mesmo escopo a que servem as normas expressas. E porque não deveriam ser normas?”[32]
De tal modo, partindo do pressuposto de que os princípios e regras são espécies do gênero norma, vários são os autores que buscaram diferenciar princípios de regras, utilizando-se, para tanto, dos mais diversos critérios[33], razão pela qual – e em virtude de esta não ser a meta fundamental deste trabalho – buscou-se tão-somente delinear de maneira objetiva os principais traços distintivos entre aqueles e as regras jurídicas.
Nesta senda, valendo-se, principalmente, dos ensinamentos de Joaquim José Gomes Canotilho, procurou-se diferenciar as regras dos princípios.
Assim, consoante propõe o mencionado autor, pode-se apresentar diversos critérios de distinção entre as referidas espécies, a saber:
“a) grau de abstração: os princípios são regras com um grau de abstração relativamente elevado; de modo diverso, as regras possuem uma abstração relativamente reduzida.
b) grau de determinabilidade na aplicação do caso concreto: os princípios por serem vagos e indeterminados, carecem de mediações concretizadoras (do legislador? do juiz?), enquanto as regras são suceptíveis de aplicação directa.
c) caráter de fundamentalidade no sistema das fontes de direito: os princípios são normas de natureza ou com um papel fundamental no ordenamento jurídico devido à sua posição hierárquica no sistema das fontes (ex.: princípios constitucionais) ou à sua importância estruturante dentro do sistema jurídico (ex.: princípio do Estado de Direito).
d) «proximidade» de idéia de direito: os princípios são «standards» juridicamente vinculantes radicados nas exigências de «justiça» (Dworkin) ou na «idéia de direito» (Larenz); as regras podem ser normativas vinculativas com um conteúdo meramente funcional.
e) natureza normogenética: os princípios são fundamento das regras, isto é, são normas que estão na base ou constituem ratio de regras jurídicas, desempenhando, por isso, uma função normogenética fundamentante.”[34] (conforme o original)
Ainda sobre o assunto, Canotilho afirma que a diferenciação é bastante complicada e aduz que tal complexidade surge em razão de não haver resolução prévia de dois questionamentos fundamentais, quais sejam: “(1) saber qual é a função dos princípios […]; 2) Saber se entre os princípios e regras existe um denominador comum […].”[35]
Contudo, procurando responder aos questionamentos aludidos, bem como estabelecer uma diferenciação entre princípios e regras, o doutrinador citado estabelece, a priori, uma distinção entre princípios hermenêuticos e jurídicos. Sendo que os princípios hermenêuticos desempenham uma função meramente argumentativa, ao passo que os princípios jurídicos devem ser entendidos como verdadeiras normas de condutas, distintas das outras categorias de normas (regras) de forma qualitativa.
A partir da constatação aludida, J.J. Gomes Canotilho aduz que:
“As diferenças qualitativas traduzir-se-ão, fundamentalmente, nos seguintes aspectos. Em primeiro lugar, os princípios são normas jurídicas impositivas de uma optimização, compatíveis com vários graus de concretização, consoante os condicionamentos fáticos e jurídicos; as regras são normas que prescrevem imperativamente uma exigência (impõem, permitem ou proíbem) que é ou não cumprida (nos termos de Dworkin: aplicable in all-or-nothing fashion); a convivência entre os princípios é conflitual (agrebelsky), a convivência entre regras é antinómica; os princípios coexistem, as regras antinômicas excluem-se.”[36] (destaques do autor).
E arremata afirmando que os princípios se relacionam, intrinsecamente, com uma idéia de valor ou peso e as regras se ligam ao âmbito da validade, conforme se passa a transcrever:
“Conseqüentemente, os princípios, ao constituírem exigências de optimização, permitem o balanceamento de valores e interesses (não obedecem, como as regras, à lógica do «tudo ou nada»), consoante o seu peso e a ponderação de outros princípios eventualmente conflitantes; as regras não deixam espaço para qualquer outra solução, pois uma regra vale (tem validade) deve cumprir-se na exata medida das suas prescrições, nem mais nem menos.”[37] (destaques do autor)
Diante de todo o exposto, pode-se concluir que as regras são, na maioria das vezes, relatos objetivos, descritos de determinadas condutas e aplicáveis a um conjunto delimitado de situações. Ocorrendo a hipótese prevista no seu relato, a regra deve incidir pelo mecanismo tradicional da subsunção: enquadram-se os fatos na previsão abstrata e produz-se uma conclusão. A aplicação de uma regra opera-se na modalidade do tudo-ou-nada: ou ela regula a matéria em sua inteireza ou é descumprida. No caso de conflito entre duas regras, só uma será válida e irá prevalecer.
Os princípios, por sua vez, contêm relatos com maior grau de abstração, não especificam a conduta a ser seguida e se aplicam a um conjunto muito amplo, por vezes indeterminado, de situações. Em uma ordem democrática, os princípios freqüentemente entram em tensão dialética, apontando direções diversas. Por essa razão, sua aplicação deverá se dar mediante ponderação: à vista do caso concreto, o intérprete irá aferir o peso que cada princípio deverá desempenhar na hipótese, mediante concessões recíprocas e, preservando o máximo de cada um, na medida do possível.
2.3 A Constituição como um Sistema Aberto de Princípios e Regras e Evolução Social
Outro importante ponto a ser abordado trata da análise, em uma concepção sistêmica, de como os princípios e as regras estão inseridas em nosso ordenamento jurídico, mormente em nossa Constituição Federal, e sua inter-relação com a evolução social.[38]
Confirmando a importância do tema, Paulo Bonavides aduz que “compreendendo a Ciência do Direito como ciência da direção e da regulação dos processos sociais, a teoria sistêmica poderá sem dúvida abrir caminho para uma investigação mais ampla e eficaz acerca da natureza do sistema constitucional.”[39]
Desta feita, cabe iniciar conceituando o que é um sistema jurídico. Para tanto, nos valeremos do magistério de Juarez Freitas, para o qual:
“Sistema jurídico é uma rede axiológica e hierarquizada de princípios gerais e tópicos, de normas e de valores jurídicos cuja função é a de, evitando ou superando antinomias, dar cumprimento aos princípios e objetivos fundamentais do Estado Democrático de Direito, assim como se encontram consubstanciados, expressa ou implicitamente na Constituição”.[40]
Em outras palavras, pode-se afirmar que sistema jurídico é um conjunto de normas (princípios e regras) harmônicas entre si que regem a vida do Estado, preordenadas de forma hierarquizada, onde os princípios dão norte e validade a todo o ordenamento jurídico.
Tendo-se conceituado sistema jurídico, cumpre passar ao estudo de que viria a ser sistema constitucional.
Nesta linha de pensamento, primeiramente, é imperioso alocar a Constituição como último elemento de validade semântica de nosso ordenamento, irradiando efeitos para todo ele, isto é, a Constituição Federal fundamenta toda a ordem jurídica, dada a condição de superioridade hierárquica de seus princípios e regras, iluminadores de todo o ordenamento.
É importante também dizer que idéia de um ordenamento como verdadeiro sistema jurídico foi paulatinamente sendo disseminada em nosso país, tendo atingido seu ápice, principalmente, após a promulgação da Constituição da República de 1988.
A partir deste momento, a percepção da ciência jurídica como conjunto de regras que, necessariamente, devem estar em harmonia com uma série de princípios, sob uma perspectiva global e unitária, encontrou sedimentação plena, eis que foram subjugados os posicionamentos em contrário e solidificado o entendimento de que as normas principiológicas são hierárquica e axiologicamente superiores às demais espécies legislativas, devendo, por isso, informar e dar lume à interpretação e à aplicação destas.
É salutar, ainda, asseverar que a Constituição, enquanto um elemento sistêmico harmônico, não traduz uma completude, em virtude de ser um sistema aberto de princípios e regras.
Isso ocorre, fundamentalmente, em razão da grande diversidade de situações que o cotidiano nos apresenta e, também, do demasiado aumento de demandas que chegam ao Judiciário, podendo-se afirmar que querer regulamentar todas as situações da vida que possam gerar conflitos de interesses é tarefa muito difícil, para não dizer “impossível”. Isto é, no que toca a este aspecto, os princípios resolvem determinados casos onde existem lacunas normativas que necessariamente devem ser colmatadas pelo intérprete e pelo julgador.
Portanto, é forçoso aduzir que a Constituição não pode ser concebida tão-somente como um sistema meramente prescritivo de regras, no qual se procure regular de forma exaustiva todas as condutas humanas capazes de gerar conflitos, tornando o sistema completo, posto que é impossível ao legislador acompanhar a dinamicidade do cotidiano, sendo, portanto, inimaginável um sistema exaurir em regras a regulação das condutas humanas.
Contudo, é certo que um modelo idealizado desta forma produziria uma sensação de plena segurança jurídica, porém desfalcado de maleabilidade para trabalhar tais regras e, por conseguinte, buscar um melhor balanceamento dos valores e interesses dos quais a sociedade realmente necessita.
De outro lado, um modelo constitucional estribado exclusivamente em princípios corresponderia a um sistema indeterminado, em demasia impreciso e carente de uma imperiosa regulamentação específica, tornando, inclusive, a segurança jurídica um fenômeno quase inexistente.
Vale colacionar, neste sentido, o pensamento de Canotilho:
“A existência de regras e princípios, tal como se acaba de expor, permite a descodificação, em termos de um «constitucionalismo adequado» (Alexy: gemässigte Konstitutionnalismus), da estrutura sistêmica, isto é, possibilita a compreensão da constituição como sistema aberto de regras e princípios.
Um modelo ou sistema constituído exclusivamente por regras conduzir-nos-ia a um sistema jurídico de limitada racionalidade prática. Exigiria uma disciplina legislativa exaustiva e completa – legalismo – do mundo e da vida, fixando, em termos definitivos, as premissas e os resultados das regras jurídicas. Conseguir-se-ia um «sistema de segurança», mas não haveria qualquer espaço livre para a complementação e o desenvolvimento de um sistema, como o constitucional, que é necessariamente um sistema aberto. Por outro lado, um legalismo estrito de regras não permitiria a introdução dos conflitos, das concordâncias, do balanceamento de valores e interesses, de uma sociedade pluralista e aberta. Corresponderia a uma organização política monodimensional (Zagrebelsky).
O modelo ou o sistema baseado exclusivamente em princípios (Alexy: prinzipien – Modell des Rechtssystems) levar-nos-ia a conseqüências também inaceitáveis. A indeterminação, a inexistência de regras precisas, a coexistência de princípios conflituantes, a dependência do «possível» fático e jurídico, só poderiam conduzir a um sistema falho de segurança jurídica e tendencialmente incapaz de reduzir a complexidade do próprio sistema. Daí a proposta aqui sugerida. Qualquer sistema jurídico carece de regras jurídicas […]. Contudo, o sistema jurídico necessita de princípios (ou os valores que eles exprimem) […].”[41] (destaque do autor)
Assim, a Constituição deve sempre corresponder a um sistema aberto de regras e princípios, em razão da imprescindibilidade da existência de dispositivos constitucionais estabelecendo as condutas a serem seguidas, v.g., a não-incidência de determinado tributo às exportações; de outra banda, é necessário que existam normas consagrando princípios, como o da isonomia, por exemplo.
Caso não fosse deste modo, ou seja, se existisse um sistema formado apenas por regras, estaria condenado a ser fechado, gerando uma inútil e ilusória sensação de segurança jurídica. De forma contrária, isto é, se fosse apenas dotado de princípios, estaria fadado ao relativismo, sem um mínimo de segurança jurídica.
Vale dizer, ao invés de um emaranhado de leis, é somente através da escorreita aplicação dos princípios que se pode construir um ordenamento jurídico dotado de cientificidade, justamente em razão de os princípios serem diretrizes com alto grau de abstração que alicerçam não só a hermenêutica jurídica, mas também possuírem marcante ingerência sobre a própria ordem normativa, vez que são impregnados de força normativa.
Desta forma, servem os princípios como veículo para uma percepção sistemática do ordenamento jurídico, razão pela qual, se diz que conhecer as normas jurídicas sem uma compreensão dos princípios que as norteiam é como conhecer o particular sem ter a noção do todo, primando pela individualidade em detrimento do conjunto. É como disse Bobbio: “as normas jurídicas não existem isoladamente, mas sempre em um contexto de normas com relações particulares entre si.”[42]
Com isso, é claro que todo sistema deve ser aberto e composto de princípios e regras, devendo estar apto a sempre assimilar a dinâmica evolução da sociedade.
Superado o estudo dos princípios jurídicos de forma geral, é oportuno passar à explanação do que vem a ser a concorrência em bem genérico, para então passar ao estudo da Livre Concorrência como Princípio da Ordem Econômica, inserido na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, cerne e principal escopo desta pesquisa.
III. PRINCÍPIO DA ISONOMIA TRIBUTÁRIA
Ultrapassadas as noções introdutórias acerca dos princípios, chegamos à verdadeira razão de ser deste trabalho, isto é, fazer a análise do Princípio da Isonomia (Igualdade) no Direito Tributário brasileiro.
Para tanto, na primeira parte deste capítulo será abordada a igualdade de maneira genérica, sem adentrar na seara específica do Direito Tributário e serão estudados temas como sua evolução histórica do Princípio da Igualdade, a isonomia das Constituições brasileiras etc.
Já na segunda parte do capítulo será analisar-se-á o Princípio da Isonomia especificamente em matéria de Direito Tributário, e serão abordados temas como o conteúdo jurídico do princípio da isonomia, a proibição de desigualdade, os destinatários do princípio etc.
3.1 Princípio da Isonomia Não Especificamente em Matéria Tributária
3.1.1 Evolução histórica
Antes de qualquer coisa, conforme ensina Bernardo de Morares, insta salientar que:
“O princípio da igualdade nasceu para abolir a estrutura social do século XVIII, onde existiam privilégios de nascimento, regalias de toda ordem e diferenciações sociais. Propugnava-se, então, uma completa igualdade entre os homens, isto é, pela absoluta abolição de vez, dos privilégios e regalias então reinantes”.[43]
Nesta senda, para que se possa compreender a real noção do Princípio da Igualdade, deve-se fazer um estudo de sua evolução histórica.
É conveniente principiciar aduzindo que o conceito de igualdade ao longo dos tempos provocou inúmeras discussões, não se tendo chegado a um consenso entre os doutrinadores. Assim, pode-se dividir o iter evolutivo do Princípio da Igualdade em três fases distintas, quais sejam: a nominalista; a idealista; e a realista.
Na fase nominalista, havia a defesa de que a desigualdade era uma característica do próprio universo, de forma que as pessoas nasceriam desiguais e assim continuariam até morrer. Neste período, “a igualdade não passaria de um simples nome, sem significação no mundo real.”[44]
Acerca de tal momento, Cármen Lúcia Antunes Rocha assevera o seguinte:
“[…] a sociedade cunhou-se ao influxo de desigualdades artificiais, fundadas, especialmente, nas distinções entre ricos e pobres, sendo patenteada e expressa a diferença e a discriminação. Prevaleceram, então, as timocracias, os regimes despóticos, asseguraram-se os privilégios e sedimentaram-se as diferenças, especificadas em leis. As relações de igualdade eram parcas e as leis não as relevavam, nem resolviam as desigualdades”.[45]
Com isso, a sociedade dominante da época, valendo-se da desigualdade proveniente do próprio universo, construiu um sistema baseado em leis injustas, de forma que, quem mais detivesse poder e riqueza, sempre continuasse nessa posição privilegiada.
Na segunda fase de evolução do conceito de igualdade – i.e., a idealista[46] – existia a idéia de um “igualitarismo absoluto entre as pessoas. Afirmava-se, em verdade, uma igual liberdade natural ligada à hipótese do estado de natureza, em que reinava uma igualdade absoluta.”[47] Desta maneira, havia a noção de que todas as pessoas eram iguais perante a lei, ou seja, que a lei deveria ser aplicada de modo idêntico aos membros da sociedade.
Cumpre aduzir que tal noção de igualdade surge primordialmente com o descrédito do modelo estatal vigente à época (monarquias absolutistas), sendo de bom alvitre colacionar o magistério de Cármen Lúcia Antunes, neste sentido:
“[…], a sociedade estatal ressente-se das desigualdades como espinhosa matéria a ser regulamentada para circunscrever-se a limites que arrimassem as pretensões dos burgueses, novos autores das normas, e forjasse um espaço de segurança contra as investidas dos privilegiados em títulos de nobreza e correlatas regalias no Poder. Não se cogita, entretanto, de uma igualação genericamente assentada, mas da ruptura de uma situação em que prerrogativas pessoais decorrentes de artifícios sociais impõem formas despóticas e acintosamente injustas de desigualação. Estabelece-se, então, um Direito que se afirma fundado no reconhecimento da igualdade dos homens, igualdade em sua dignidade, em sua condição essencial de ser humano. Positiva-se o princípio da igualdade. A lei, diz-se então, será aplicada igualmente a quem sobre ela se encontre submetido. Preceitua-se o princípio da igualdade perante a lei.”[48]
Como se pode ver, a igualdade (igualdade formal) surgida com o Estado liberal é incapaz de criar uma isonomia efetiva, real, material, eis que era tão-somente concebida no sentido de equalizar os membros de uma dada casta social, subsistindo, conseguintemente, a desigualdade entre as classes.
Após tal fase, surge uma posição, denominada por realista, que reconhece que os “homens são desiguais sob múltiplos aspectos, mas também entende ser supremamente exato descrevê-los como criaturas iguais, pois, em cada um deles o mesmo sistema de características inteligíveis proporciona, à realidade individual, aptidão para existir”[49], e, caso não fosse assim, os homens não seriam seres da mesma espécie.
É importante notar que a igualdade acima proposta não exclui a possibilidade de existir desigualdades entre as pessoas, convindo ressaltar, como muito bem lembrou Cármen Lúcia Antunes Rocha, que:
“Não se aspira uma igualdade que frustre e desbaste as desigualdades que semeiam a riqueza humana da sociedade plural, nem se deseja uma desigualdade tão grande e injusta que impeça o homem de ser digno em sua existência e feliz em seu destino. O que se quer é a igualdade jurídica que embase a realização de todas as desigualdades humanas e as faça suprimento ético de valores poéticos que o homem possa desenvolver. As desigualdades naturais são saudáveis, como são doentes aquelas sociais e econômicas, que não deixam alternativas de caminhos singulares a cada ser humano único.”[50]
Atualmente, é buscada uma visão material da igualdade, em contraposição a sua visão formal. Desta forma, não basta tão-somente que a lei declare que todos são iguais, mas sim que a mesma declare e propicie os mecanismos eficazes para o cumprimento de tal igualdade, assumindo o Estado, com isso, um papel fundamental para garantir aos membros da sociedade uma efetivação da isonomia.
Como afirmou Rui Barbosa, ao discursar para os formandos em Direito da Universidade Federal de São Paulo em 1920, e resgatando a proposta de igualdade pugnada por Aristóteles, que “a regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente os desiguais, na medida em que se desigualam. Nessa desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade.”[51]/[52]
O que, no estágio atual de interpretação do Princípio da Igualdade, é buscado, desta forma, que “a igualdade perante a lei signifique igualdade por meio da lei, vale dizer, que seja a lei o instrumento criador das igualdades possíveis e necessárias ao florescimento das relações justas e equilibradas entre as pessoas.”[53]
3.1.2 A Isonomia nas Constituições Brasileiras
A primeira constituição a mencionar o Princípio da Igualdade foi a Constituição Republicana de 24 de fevereiro de 1891, dispondo o seguinte:
“Art. 72 – A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:
§ 1º – Ninguém pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.
§ 2º – Todos são iguais perante a lei.
A República não admite privilégios de nascimento, desconhece foros de nobreza e extingue as ordens honoríficas existentes e todas as suas prerrogativas e regalias, bem como os títulos nobiliárquicos e de conselho.”[54] (destaque nosso)
Como se depreende da análise do texto constitucional transcrito, pode-se verificar que o Princípio da Igualdade “era um dos meios de implementação dos direitos à liberdade, à segurança individual e à propriedade. Não era sequer o primeiro da lista a fazer tal efetivação. Vinha inferiorizado em relação ao Princípio da Legalidade.”[55]
As emendas promovidas no ano de 1926 não alteraram o texto neste aspecto, sendo certo que se iniciaram pequenas inovações com a Carta Política de 1934, quando o Princípio da Igualdade ganhou destaque em relação ao da Legalidade, senão vejamos:
“Art. 113 – A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:
1) Todos são iguais perante a lei. Não haverá privilégios, nem distinções, por motivo de nascimento, sexo, raça, profissões próprias ou dos pais, classe social, riqueza, crenças religiosas ou idéias políticas.
2) Ninguém será obrigado a fazer, ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei.”[56] (destacamos)
O artigo 122, 1º, da Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937, de igual forma, previu o Princípio da Igualdade eis que preconizava que “a Constituição assegura aos brasileiros e estrangeiros residentes no País o direito à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: 1º – todos são iguais perante a lei; […].”[57]
De modo não diferente, a Carta Magna de 1946 previu o Princípio da Isonomia como um dos princípios basilares do ordenamento jurídico da época, notadamente como meio de garantia do direito à vida, à liberdade, à segurança individual e à propriedade (art. 141, § 1º). Sendo interessante, nesta senda, transcrever o magistério de Francisco Campos:
“A cláusula relativa à igualdade da lei vem em primeiro lugar na lista dos direitos e garantias que a Constituição assegura aos brasileiros e estrangeiros residentes no país. Não foi por acaso ou arbitrariamente que o legislador constituinte iniciou com o direito à igualdade a enumeração dos direitos individuais. Dando-lhe o primeiro lugar na enumeração, quis significar expressivamente, embora de maneira tácita, que o princípio da igualdade rege todos os direitos em seguida a eles enumerados.”[58]
A Constituição da República Federativa do Brasil, de 24 de janeiro de 1967, em seu artigo, também consignou expressamente o Princípio da Igualdade:
“Art 150 – A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
§ 1º – Todos são iguais perante a lei, sem distinção, de sexo, raça, trabalho, credo religioso e convicções políticas. O preconceito de raça será punido pela lei.”[59]
Por fim, insta salientar que a Constituição Federal de 1988 também contemplou o Princípio da Igualdade, sendo correto aduzir que tal princípio foi amplamente consagrado, eis que, além da igualdade genérica (arts. 3º e 5º), também previu a isonomia tributária (art. 150, II).
3.1.3 O Princípio da Igualdade na Atual Constituição Federal Brasileira
A Constituição da República Federativa do Brasil adota como um de seus alicerces o Principio da Igualdade de direitos, assegurando a todos os cidadãos a plena isonomia, isto é, todos têm o direito de tratamento isonômico pela lei, de acordo com o preconizado pelo ordenamento jurídico.
É certo que, na Carta Política de 1988, encontram-se claramente os conceitos de igualdade formal e material[60], nos termos anteriormente estudados. Ao dizer que todos são iguais perante a lei, na cabeça de seu artigo 5º, a Magna Carta consagra a idéia de igualdade meramente formal, ou seja, aquela em que a lei deve ser indistintamente aplicada a todas as pessoas.
Caso a Constituição Federal se limitasse tão-somente ao que está preconizado no caput do artigo 5º, ou seja, em afirmar que, perante a lei, todos são iguais, haveria uma sociedade retrógrada que entende que a igualdade dos homens seria apenas uma formal declaração da lei, sem qualquer garantia efetiva para a concretização deste princípio.
Contudo, como é clarividente, a Constituição da República, ao longo de todo o seu texto normativo, demonstra nítida preocupação com o Princípio da Igualdade em sua forma material e efetiva. Assim o fez em seu Preâmbulo, que previu a instituição de um Estado Democrático destinado a assegurar a igualdade e a justiça como macro valores de nossa república.
Pode-se também encontrar o Princípio da Igualdade material no artigo 3º da Lei Maior[61], que prevê como objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: 1) “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”; 2) “promover o bem de todos sem preconceitos, de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.
Há ainda inúmeros outros exemplos encontrados na Constituição Federal[62] onde é albergado a igualdade material, v.g., o inciso XXXII do artigo 5º (“o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”), o inciso XXXI, do artigo 7º (“a sucessão de bens de estrangeiros situados no País será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do ‘de cujus’”) e outros.
Com isso, em nosso ordenamento jurídico, o Princípio da Igualdade deve ser entendido de forma efetiva, onde os desiguais são tratados desigualmente, na justa medida de suas desigualdades, sendo vedada somente a diferenciação arbitrária, as distinções estapafúrdias, tendo em vista que o tratamento desigual dos casos desiguais é atributo do próprio conceito de Justiça.
Reforçando a idéia de desigualdade[63], cumpre aduzir que a desigualdade na lei se produz no momento em que a norma diferencia de modo não razoável ou arbitrário um tratamento específico a pessoas diversas, ou seja, como afirma Alexandre de Moraes:
“Para que as diferenciações normativas possam ser consideradas não discriminatórias, torna-se indispensável que exista uma justificativa objetiva e razoável, de acordo com critérios e juízos valorativos genericamente aceitos, cuja exigência deve aplicar-se em relação à finalidade e efeitos da medida considerada, devendo estar presente por isso uma razoável relação de proporcionalidade entre os meios empregados e a finalidade perseguida, sempre em conformidade com os direitos e garantias constitucionalmente protegidos”.[64]
É imperioso afirmar a tríplice finalidade limitadora do Princípio da Igualdade, ou seja, a limitação ao legislador, ao intérprete/autoridade pública e ao particular. O legislador, em seu mister constitucional de elaboração de normas, deverá sempre ter em mente o Princípio da Igualdade, não podendo dele nunca se afastar, sob pena incorrer em inconstitucionalidade, ou seja, toda norma que criar desequiparações fortuitas e injustificadas será incompatível com a Constituição Federal.
Quanto ao intérprete/autoridade pública, cabe aduzir que, em nenhuma hipótese, estes poderão infligir leis aos casos concretos de forma a criar ou aumentar desigualdades não consoantes com o Princípio da Isonomia. Cabe acrescentar que, principalmente o Poder Judiciário, em sua atividade jurisdicional, “deverá utilizar os mecanismos constitucionais no sentido de dar uma interpretação única e igualitária às normas jurídicas.”[65]
Por fim, cabe ao particular ter conduta no sentido de nunca agir de forma preconceituosa, racista ou discriminatória, sob pena de responder civil e penalmente, nos termos legais.
3.2 Princípio da Isonomia Especificamente em Matéria Tributária
3.2.1 Conteúdo
Insta iniciar o estudo do Princípio da Isonomia com o brilhante magistério de Masset Lacombe, no qual ele enfatiza a grande importância do aludido princípio:
“A isonomia é o princípio nuclear de todo o nosso sistema constitucional. É o princípio básico do regime democrático, não se pode mesmo pretender ter uma compreensão precisa de Democracia se não tivermos um entendimento real do alcance do Princípio da Isonomia. Sem ele não há Republica, não há Federação, não há Democracia, não há Justiça. É a cláusula pétrea por excelência. Tudo o mais poderá ser alterado, mas a isonomia é intocável.”[66]
A partir do magistério acima colacionado, é possível perceber a grande importância do Princípio da Igualdade, podendo-se chegar até mesmo a dizer que ele perpassa os limites de um mero princípio constitucional. Na verdade, ainda, é correto afirmar que a regra Igualdade “é […] um princípio geral de todo o Direito, que deve existir em qualquer sistema constitucional.”[67]
Quanto ao Princípio da Isonomia Tributária em si, cabe aduzir que, consoante o artigo 150, inciso II, da Magna Carta, que é o que traz a baila o aludido princípio, é vedado que seja instituído “tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos.”[68]
Como se pode notar, o Princípio da Isonomia Tributária é o contraponto fiscal, sob forma negativa, do Princípio da Igualdade proclamado genericamente, e de forma afirmativa, no caput, do artigo 5º, da Constituição Federal.
É importante aduzir que “o Princípio da Isonomia é vazio, pois recebe o conteúdo de outros valores, como a justiça, a utilidade e a liberdade”[69], ou seja, isso equivale a dizer que somente será proibida a desigualdade se a mesma não for fundamentada na justiça ou na utilidade social. Ricardo Lobo Torres vai além ao afirmar que:
“As desigualdades só serão inconstitucionais se não conduzirem ao crescimento econômico do País e à redistribuição da renda nacional ou se discriminarem em razão de raça, de cor, religião, ocupação profissional, função, etc. entre pessoas com igual capacidade contributiva, tudo o que implicará em ofensa à igual liberdade de outrem.”[70]
Para Celso Antônio Bandeira de Mello, ao comentar o Princípio da Igualdade:
“As discriminações são recebidas como compatíveis com a cláusula igualitária apenas e tão-somente quando existe vínculo de correlação lógica entre a peculiaridade diferencial acolhida por residente no objeto, e a desigualdade de tratamento em função dela conferida, desde que tal correlação não seja incompatível com interesses prestigiados na Constituição”.[71]
É importante aduzir que os Princípios da Igualdade e da Capacidade Contributiva andam de mãos dadas, ou seja, para que realmente seja respeitado o Princípio da Igualdade Tributária, é necessário que aqueles que tenham igual capacidade contributiva sejam tratados de forma igual, enquanto aqueles que não têm igual capacidade contributiva devem ser tratados de forma desigual. Só assim o Princípio da Isonomia Tributária será realmente efetivo.
3.2.2 Proibição de Desigualdade
O Princípio da Isonomia, ou seja, a Proibição de Desigualdade prevista no artigo 150, inciso II, da Constituição Federal, de acordo com Ricardo Lobo Torres, pode ser expressado sob dois aspectos principais: a) proibição de privilégios odiosos; b) proibição de discriminação fiscal.
O privilégio nada mais é que a permissão para fazer ou deixar de fazer alguma coisa que se contraponha ao direito imposto a todos. No que toca ao privilégio odioso, cabe aduzir que o mesmo consiste em pagar tributo menor que o previsto para os demais contribuintes ou não pagá-lo, isso em razão de características pessoais. Vale salientar que nossa Constituição Federal de 1988, em seu artigo 150, inciso II, proibiu genericamente os privilégios odiosos e permitiu os não-odiosos.
Já as discriminações odiosas são desigualdades infundadas que prejudicam a liberdade do contribuinte, ou seja, “qualquer discrime desarrazoado, que signifique excluir alguém da regra tributária geral ou de um privilégio não-odioso.”[72]
3.2.3 Destinatários do Princípio
Quando o Princípio da Isonomia encerra que, diante de determinada lei, todas as pessoas que se enquadrem na hipótese prevista legalmente ficarão sujeitas ao mandamento legal, o mesmo está se dirigindo ao aplicador na norma, significando que este não pode criar diferenças entre as pessoas, “para efeito de ora submetê-las, ora não, ao mandamento legal (assim como não se lhe faculta diversificá-las, para o fim de ora reconhecer-lhes, ora não, benefício outorgado pela lei).”[73] Em suma, todos são iguais perante a lei.[74]
Há, também, outro aspecto do Princípio da Isonomia que deve ser analisado. Tal aspecto se refere à destinação da norma, também, ao legislador, vedando que o mesmo atribua tratamento diverso para situações iguais ou equivalentes, ou seja, dirigido o princípio da igualdade ao legislador, estar-se-á sempre diante da questão de se saber qual critério poderá utilizar para estabelecer discriminações.
Desta forma, tanto o aplicador, diante da norma, quanto o legislador, ao ditar a lei, não podem fazer discriminações, visando, portanto, “o princípio à garantia do indivíduo, evitando perseguições e favoritismos.”[75]
3.2.4 Princípio da Uniformidade
O Princípio da Uniformidade se trata de uma expressão especializada do Princípio da Isonomia, ocorrendo em certas situações relacionadas com tributos federais, tributos estaduais ou tributos municipais. Tal princípio se desdobra em vários outros, quais sejam: Uniformidade Geográfica, Não-Discriminação da Tributação da Renda, Vedação de Isenção Heteronômica e Não-Discriminação em Razão da Procedência ou Destino.
Em primeiro lugar, a Carta Magna estabelece a uniformidade dos tributos federais em todo o território nacional e proíbe instituição de distinção ou preferência em relação a Estado, ao Distrito Federal ou a Município, em detrimento de outro (art. 151, inc. I), sendo relevante ressaltar que é possível permitir a concessão de benefícios regionais, destinados a promover do desenvolvimento econômico entre as diversas regiões do País, “com fundamento em que desuniformes não podem ser tratados de modo uniforme.”[76]
Essa faceta do Princípio da Uniformidade significa que o tributo deve ser geograficamente uniforme (Princípio da Uniformidade Geográfica), ou seja, deve incidir a mesma alíquota e base de cálculo sobre idênticos fatos geradores em qualquer lugar de nosso território.
De acordo com o artigo 151, inciso II, da Constituição Federal, fica vedado à União “tributar a renda das obrigações da dívida pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como a remuneração e os proventos dos respectivos agentes públicos, em níveis superiores aos que fixar para suas obrigações e para seus agentes”[77], é o chamado Princípio da Não Discriminação da Tributação da Renda.
Acerca do artigo 151, inciso II, da Magna Carta, é curial transcrever o pensamento de Luciano Amaro:
“A primeira parte do inciso busca uniformizar o tratamento tributário dos títulos públicos (aparentemente admitindo, de modo implícito, que os títulos privados possam ter tratamento desuniforme).”
“A segunda parte do inciso é ociosa e odiosa; de um lado repete, no particular, a geral proibição de discriminar já contida no art. 150, II; de outro, parece fazer crer (a contrario sensu) que os rendimentos ou proventos que não sejam de funcionários públicos podem ser tributados em “níveis superiores”, o que é terminantemente proibido pelo art. 150, II. Ademais, admite a estapafúrdia conclusão, também a contrario sensu, de que os níveis de tributação dos agentes estaduais ou municipais poderiam ser inferiores aos dos federais (conclusão absurda, é claro, que se chocaria igualmente com o art. 150, II).”[78] (o autor destacou)
Já o artigo 151, inciso III, da Constituição Federal, veda que a União institua isenções de tributos de competência dos Estados, do DF ou dos Municípios, ou seja, com tal dispositivo a CF veda a instituição de isenções heteronômicas[79] (Princípio da Vedação de Isenção Heteronômica), i.e., a concessão de isenção pelo Poder Legislativo de uma Pessoa Jurídica de Direito Público que não tem competência para instituir o tributo.
Vale salientar que, para muitos autores, tal preceito é despiciendo, sendo clarividente que a União não pode invadir a competência dos demais entes federados, necessitando, para tanto, de expressa permissão constitucional.
Contudo, cabe aduzir que, no que toca a isenção de tributos por meio de tratados internacionais, é viável a prática de isenções heteronômicas, entendendo-se que a referida “isenção é possível, pois o dispositivo constitucional que proíbe a concessão de isenção heteronômica se dirige à União, enquanto entidade federativa, e não ao Estado brasileiro. E é o Estado brasileiro que celebra o tratado.”[80]
Por fim, insta dissertar acerca do Princípio da Não-Discriminação em Razão da Procedência ou Destino, cujo conteúdo encontra-se lapidado no artigo 152, da Constituição Federal, e veda aos Estados, ao DF e aos Municípios estabelecer diferença tributária entre bens e serviços, de qualquer natureza, em razão de sua procedência ou destino.
Cuida-se tal princípio de coibir instituição de privilégio em favor de bens e serviços produzidos no Estado ou Município tributante ou de vedação de discrímen contra os bens e serviços produzidos fora dos limites territoriais da entidade tributante.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após este breve passeio – onde foram apresentados os aspectos mais importantes dos princípios em sentido geral e também do Princípio da Isonomia no campo do Direito Tributário brasileiro – é possível chegar a várias conclusões. As principais são as seguintes:
1. A sustentação do sistema jurídico, ou seja, seus alicerces e vigas mestras, são os princípios, que guardam os valores fundamentais de ordem jurídica, lançando sua força sobre todo o mundo jurídico.
2. Os princípios são normas gerais que servem de guia, de norte, de orientação, para o legislador infraconstitucional, que, ao elaborar uma norma, deverá prestar especial atenção aos princípios constitucionais, zelando por não ofendê-los, sob pena de tal norma ser rejeitada pelo sistema, que é um todo coerente e harmônico.
3. Outra função importante dos princípios é servir como critério de interpretação das normas constitucionais, seja aos juízes, no momento da aplicação do direito, ou, ainda, aos próprios cidadãos, no momento da realização de seus negócios. Sendo assim, o princípio jurídico tem grande importância, como diretriz para o hermeneuta, sendo certo que, na valoração e na aplicação dos princípios jurídicos, é que o jurista se distingue do leigo que tenha que interpretar a norma jurídica com conhecimento simplesmente empírico.
4. A necessidade de um sistema composto de princípios ocorre, fundamentalmente, em razão da grande diversidade de situações que o cotidiano nos apresenta e, também, do demasiado aumento de demandas que chegam ao Judiciário, sendo possível afirmar que querer regulamentar todas as situações da vida capazes de gerar conflitos é tarefa muito difícil, para não dizer impossível, e, neste aspecto, são os princípios que resolvem os casos onde existem lacunas normativas.
5. Ao lado disso, ainda se pode acentuar a importância dos princípios como um meio para a transmissão dos valores relevantes para a sociedade, cujo alcance e aplicação são capazes de abranger um número indiscriminado de situações.
6. Os princípios constituem, também, norma jurídica, ou seja, têm normatividade, podendo-se asseverar que não há, no seio da Constituição, disposição que não tenha densidade normativa. A partir daí, tem-se que norma jurídica é gênero de que os princípios e regras são espécies.
7. Não só os princípios que foram aqui explanados, mas também todos os demais princípios que permeiam nossa Carta Política são muito importantes para a produção e aplicação de regras processuais em nosso país, eis que, além de serem a base de todo o ordenamento jurídico-positivo de nosso Estado, também dão ao mesmo estrutura e coesão.
8. Ao lado dos princípios constitucionais gerais, encontramos uma série de outros que são voltados a cada ramo do Direito. Notadamente ligado ao Direito Tributário, ficou constatada a grande importância do Princípio da Isonomia na busca da aplicação uniforme e sem discriminação dos tributos em nosso País.
Advogado no Acre. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Estado do Acre. Especialista em Direito Processual Civil pela PUC-SP. Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie-SP. Pós-graduado em Direito Tributário pela Universidade da Amazônia
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A simulação da aposentadoria é uma etapa fundamental para planejar o futuro financeiro de qualquer…
A paridade é um princípio fundamental na legislação previdenciária brasileira, especialmente para servidores públicos. Ela…
A aposentadoria por idade rural é um benefício previdenciário que reconhece as condições diferenciadas enfrentadas…