Resumo: Dentro das crises por que já passou o pensamento político, talvez a mais expressiva tenha sido a passagem do Estado Liberal ao Estado Social. Um modelo de reflexão criativa, derivado do consenso, afigurou-se no Estado Social do Constitucionalismo Democrático, da segunda metade do século XX, esse mais adequado a concretizar a universalidade dos interesses coletivos. O Estado, então, passou à condição de principal formulador de políticas de desenvolvimento. Disso decorre o princípio da subsidiariedade. É, então, substituído o mecanismo de coerção pelo sistema de gestão consensual e coletiva. As intervenções se mostram essenciais e na economia, a atividade de fomento, através de incentivos fiscais e tributários, se mostra ferramenta importante para impulsionar aquilo que seja de interesse público. Mas o Estado Constitucional Social Democrático decorre da Constituição de 1988, principiológica e compromissada com os direitos fundamentais e, nesse contexto, a legalidade, em especial na seara tributária, ganha relevância inafastável.
Palavras-chave: Constituição; Fomento; Incentivos fiscais e Legalidade.
Abstract: Within the crisis that has passed the political thought, perhaps the most significant was the transition of the Liberal State to the Welfare State. A model of creative thinking, derived from the consensus, it appeared in the Social Democratic Constitutionalism State, at the second half of the twentieth century, this one more appropriate to achieve the universality of collective interests. The State then became a leading proponent of development policies. From this, comes the principle of subsidiarity. The coercion system was replaced by the collective management. The interventions proved essential in the economy and, the activity of promotion, through fiscal and tax incentives, showed as an important tool to boost what is of public interest. But the Social Democratic Constitutional State follows the 1988 Constitution, based on principles and committed to the fundamental rights and, in this context, the legality, especially in the tax field, becomes relevant unremovable.
Keywords: Constitution; Development; Tax incentives; Legality.
Sumário: 1. Introdução; 2. A Ruptura de Paradigma; 3. A Administração Pública e o Estado Constitucional Social Democrático; 4. Os Incentivos Fiscais Tributários como Ferramentas de Fomento (intervenção); 5. O Princípio da Legalidade no Contexto Tributário; 6. Conclusões.
1. INTRODUÇÃO
Pode-se dizer que todo o Direito surge e segue desenvolvendo-se ao passo de atender questões socialmente importantes e que clamam por soluções. A par dessa necessidade, há uma estruturação do aparelhamento, do que se pode chamar de Estado, de modo a construir um verdadeiro “plano de ação” em consonância ao plano constitucional, com a intenção primordial de buscar a harmonia das questões sociais, colocadas como marcos a serem moldados e assimilados.
Não é difícil constatar que essa mudança de rumo provoca, ou desencadeia, uma faceta regida por lutas, encantamentos e desencantamentos que acabam por deixar marcas no seio de toda uma nação politicamente organizada, podendo-se dizer, com base nessa toada, que no Estado brasileiro, todos os valores que compete, então, ao Direito assegurar, nasceram a partir de questões sociais, tais, que ansiaram por uma solução.
A Constituição, portanto, não é algo apartado da realidade, eis que entre ela e a realidade político-social há um condicionamento recíproco. A Constituição é mais que “apenas um pedaço de papel”, como eram nas palavras de FERDINAND LASSALE[1]. Ela representa mais do que simples reflexos das condições fáticas de sua vigência, na medida em que procura imprimir ordem e conformação às realidades política e social.[2]
A assertiva tem propósito na medida em que dentro das crises pelas quais já passou o pensamento político, econômico e mesmo social, talvez a mais expressiva tenha sido a passagem do Estado Liberal ao Estado Social. Era de se imaginar que após anos na “escuridão”, os que viveram sob a égide do liberalismo, acreditaram ter edificado um “mundo melhor”, banhado na utopia revolucionária dos direitos do homem.
De certa forma, ao que tudo indica, o ideal liberal, pode-se dizer, até foi humanizado e democratizado na Idade Moderna, mas acabou morrendo com o declínio do capitalismo e ao redor dele iniciaram-se as disputas que até hoje acontecem. A ofensiva se deu a partir dos socialistas, especialmente na visão de KARL MARX contra os liberais.[3]
Na realidade, o fato é que as hierarquias individualistas, calcadas na tradição individualista do passado, cederam espaço ao ideal de libertação do Homem, sempre com respaldo nos ideais de liberdade e igualdade.
As disputas entre os modelos de estado foram “violentas”, mas buscaram, sem dúvida, ajustar o corpo social às novas categorias de exercício do poder que ansiavam por um novo sistema econômico. O modelo de faceta marxista apresentava-se totalitário e incapaz de atingir seus objetivos. Mas, um modelo de reflexão criativa, derivado do consenso e de efeitos graduais afigurou-se no Estado Social do Constitucionalismo Democrático.
Há que se ressalvar, por sua vez, que esse modelo não retrata aquele de características puramente sociais e cunho fortemente intervencionista, que decorreu da Revolução Industrial, quando da busca pela eliminação de abusos de poder de mercado.
O modelo atual, constitucional social democrático, ultrapassou os conhecidos marcos que alimentavam conflitos entre capital e trabalho, cada vez mais evidentes. Uma nova premissa rompeu o modelo que vinha sendo cultivado, de modo que se impôs ao Estado novas exigências.
Nesse passo, é possível entender que o paradigma atual, que contempla o Estado Social do Constitucionalismo Democrático, atribuiu à Constituição a característica de ser compromissória e principiológica, admitindo, em seu âmago, temas antes reservados apenas à esfera privada.
Isso tem reflexo direto com a intervenção[4] do Estado na economia e, considerando a premissa do modelo constitucional social democrático, tal intervenção representa um papel positivo, eis que busca conformar as diretrizes econômicas às necessidades sociais, “…cabendo ao direito intervir para construir e conformar uma ordem econômica.”[5]
Essa ordem econômica representa mais que regramentos e diretrizes no campo econômico. Isso, pois, tem a responsabilidade de representar o “modo de ser” de uma dada economia, disciplinando suas atividades numa sistemática de “dever ser,” que acaba por orientar os caminhos a serem percorridos, sempre, por óbvio, tendo por guia o Texto Constitucional.
Mas há preceitos que orbitam a ordem econômica, que são considerados valores supremos, não podem ser deixados de lado. Dentre eles, destaque para a livre iniciativa,[6] que efetivamente inaugura, no Texto constitucional, a Ordem Econômica.
Em que pese, porém, esse princípio nos leve as bases da Revolução Francesa, a livre iniciativa num Estado Constitucional Social Democrático assegura a liberdade dos indivíduos de exercerem as atividades que lhes são inerentes, mas, permite, em contrapartida, que o Estado imponha limites a essa liberdade, seja para desmontar abusos, seja para fomentar, no viés constitucional, dada atividade.
Há, contudo, que se argumentar acerca dessa intervenção estatal no campo privado, haja vista que não se contradiz a importância do papel do Estado na intervenção da seara privada, mas, desde que calcada em preceitos constitucionais, em especial na legalidade, principalmente quando o assunto trata dos incentivos fiscais tributários como ferramentas de fomento da Administração Pública.
2. A RUPTURA DE PARADIGMA
Como leciona PAULO BONAVIDES, entre os séculos XVIII e XX, o mundo todo passou por duas grandes revoluções: a da liberdade e a da igualdade, as quais foram seguidas por duas outras não tão explicitas, “mas de importância ímpar ao desenvolvimento mundial”: a da fraternidade e a da revolução do Estado Social que concretizou, constitucionalmente, a liberdade e a igualdade.[7]
A sensibilidade das economias menos desenvolvidas permitiu a mais clara magnitude dos efeitos na mudança dos paradigmas, que veiculavam seus ideais por décadas. A dignidade humana e a luta por melhores condições de vida intensificaram a busca por um modelo de Estado ideal aos anseios sociais. Nessa toada, passaram o modelo liberal, o modelo social e depois aquele que representava o Estado Social Constitucional que, por sua ordem, permitiu que o constitucionalismo absorvesse o pluralismo de direitos diante da crise dos paradigmas.
Na realidade o fato é que as hierarquias individualistas, tradição herdada do passado, deram espaço ao ideal de libertação do Homem, sempre calcadas nos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade. Isso retrata o Homem cidadão sucedendo o homem súdito, ou seja, é a tríade: liberdade, fraternidade e igualdade decretando os rumos futuros das civilizações.
O Estado Moderno não comportava aquela noção medieval onde era regra o modo feudal de produção. O que o Mundo Moderno pôde trabalhar, e assim o fez, foi no processo de eliminação da sociedade feudal, de modo que o Poder se concentrasse nas mãos do príncipe, sempre com o auxílio da Soberania[8].
Este processo trouxe como conseqüência, contudo, um modelo de Estado absolutista. Isso levou CLÈMERSON CLÈVE a afirmar que o “Estado Moderno não passa de uma redefinição do primeiro Estado Absolutista. Das entranhas do Estado absoluto nasceu o estado liberal, o qual, por sua vez, permitiu a emergência do Estado social.”[9]
O homem passa a ocupar o centro de toda a teleologia do Poder sobre a sociedade e isso é reflexo direto da grande “revolução espiritual” do século XVIII, ou melhor, da Revolução Francesa que representou a passagem do Mundo Medieval para o Mundo Moderno, ou seja, aquele modelo totalitário típico do Estado liberal.
A Revolução representou a busca pela implementação do modelo do constitucionalismo concretizador de direitos fundamentais. Abriram-se as fronteiras a fim de que fosse institucionalizado o respeito à humanidade e aos direitos fundamentais, ponto de partida para as futuras Constituições que afirmavam o Homem como alicerce central.
Na doutrina liberal, o Estado sempre foi inimigo que aterrorizava o indivíduo, e, em contra partida, o poder, de que não pode prescindir o ordenamento estatal, era o maior inimigo da liberdade. Foi com base na antinomia entre Estado e liberdade que os doutrinadores do liberalismo travaram as discussões.
A Revolução na França, ao que tudo indica, representou o primeiro Estado jurídico responsável pela manutenção das liberdades individuais. O problema é que quando a burguesia tomou as rédeas e os rumos da revolução, os ideais foram esquecidos e deixados de lado[10], razão pela qual não houve mais tanto interesse pela manutenção das práticas de universalidade, tendo sido essa a grande contradição dialética do Estado Moderno[11].
Como reprimenda, surgiram utopias socialistas e enfim, o modelo marxista que pleiteou o fim do aparelho de coerção da sociedade. A crença era a de que era preciso a apropriação social dos meios de produção, eis que pertencentes à coletividade. Fato é que na União Soviética aconteceu a ditadura do proletariado, e isso se apresentou de maneira tão negativa para as liberdades humanas, quanto haviam sido aquelas formas que os pensadores se propuseram a abolir.
Era preciso um modelo de Estado social contemporâneo, ou melhor, algo que pudesse albergar as variações pluralistas (históricas, políticas, sociais): faltava a democracia.
A Revolução Francesa havia feito triunfar o liberalismo, mas não a democracia. A burguesia havia criado um modelo de Estado de Direito através da garantia dos direitos inerentes à liberdade. Isso permitiu que a classe burguesa mantivesse-se no poder, uma vez que a democracia, nem mesmo através do sufrágio, manifestava-se. A vontade do Estado era a vontade estatal apenas.
A reposta veio a partir dos primeiros teóricos da primeira idade do constitucionalismo. Montesquieu tornou pública e levou ao mundo a solução do problema de limitar a soberania estatal: a divisão dos poderes como técnica para proteção dos direitos da liberdade.[12] Fato é que, desde Aristóteles já se propunha uma forma de governos que pudesse alcançar o equilíbrio político mediante a limitação de poder, ponto esse que leva CLÈMERSON CLÈVE a assertiva de que “…a formulação acabada da teoria da separação dos poderes é fruto da construção histórica. Muito se deve a Monstesquieu, mas não a exclusividade da idéia por ele formulada.”[13]
O problema, bem colocado na obra de PAULO BONAVIDES, é que com o fim da economia dirigida, poderia acontecer um culto exacerbado à economia de mercado capitalista, sendo possível que isso representasse uma espécie de retorno ao liberalismo, o que, até certo ponto, contradizia a essência do Estado social.[14]
A solução foi reorganizar a estrutura política através de um documento fundamental que pudesse delimitar a atuação estatal e ao mesmo tempo promover os direitos individuais reclamados pela sociedade: a Constituição.[15] Foi preciso um modelo derivado do consenso social e isso foi possível no “Estado Social do Constitucionalismo Democrático,” da segunda metade do século XX. O homem passou a seguir esse ideal e, com isso, cada vez mais se exigiu conteúdos destinados a fazer valer as liberdades concretas e dignificadoras da personalidade humana.
O importante é concretizar direitos e fazer do Direito uma ferramenta transformadora da sociedade e não reguladora apenas.[16] Hoje, ao que tudo indica, por conta do constitucionalismo, o Direito não é mais ordenador como na fase liberal, tampouco provedor como no “welfare state”; mas é transformador da realidade e garantidor de direitos fundamentais democráticos.
Não se admite discricionariedades, o que se busca são respostas adequadas com base na Constituição e com isso, vale dizer que o modelo democrático do Estado Social é incompatível com desmandos do Estado ou outra qualquer postura assentada em valores antidemocráticos como decisões decisionistas.
Como ensina LENIO STRECK, em sua obra Verdade e Consenso[17], a Constituição representaria o poder absoluto do rei e ao mesmo tempo o mecanismo indispensável de contenção do poder estatal, sendo esse o paradoxo do constitucionalismo. Até porque, não de pode pensar num modelo democrático onde não haja preocupação com a concretização de valores fundamentais calcados na Constituição.
Como pontua EMERSON GABARDO, o poder ordenador perde espaço e “o afastamento da autotutela parece uma exigência sociocultural típica da condição humana.”[18] O Estado deixa de ser mero interventor esporádico e passa à condição de interventor institucionalizado e isso não é diferente na economia. SÍLVIO LUÍS FERREIRA DA ROCHA é muito oportuno ao consignar que “a intervenção é presente em todo sistema econômico, mas o grau de sua ingerência depende do modelo de Estado (liberal ou Social).”[19]
GABARDO coloca que a Revolução Industrial, por sua vez, teria implicado em abusos de poder no mercado. As desigualdades acentuam-se e isso teria dado a idéia de desaparecimento da liberdade efetiva. A partir de 1860 apareceram os grandes oligopólios e o capitalismo industrial deu lugar ao surgimento do capitalismo financeiro. Os trabalhadores passam a sofrer e, em resposta, se unem na busca por dignidade, sendo que na última década do século XIX, tanto os Estados Unidos como a Europa, passaram a editar normas de controle de mercado (Sherman Act).[20]
O Direito assumiu, portanto, fundamental papel nas determinações dos fins do estado e isso desenvolveu ambiente para que esses estados adotassem um modelo dotada de princípios, que determinassem o funcionamento da atividade econômica. Foi preciso, então, uma ordem de valores e de princípios morais que o tempo consagrou. Nesse contexto é impossível negar uma dimensão constitucional, até porque estado, política e economia, não podem ser entendidos separadamente.
“Elaborava-se, assim, uma terceira direção…” “…surge o modelo misto consolidado como o Estado Social.” Um Estado composto de princípios cuja força normativa foi cada vez mais sendo reconhecida. “Princípios que passam a visar uma conformação político-social positiva, o que exige uma ultrapassagem de mera restrição dos fins estatais” [21]
No que tange a ordem econômica, a Constituição de 1988 não é neutra. Em que pese não tenha privilegiado um dado sistema econômico, fez questão de cunhar a Ordem Econômica na valorização do trabalho e da livre iniciativa, tudo com base no valor supremo da justiça social. Isso importa dizer que a Constituição enuncia diretrizes, modelos, programas e, em especial, fins a serem alcançados, efetivamente, pelo Estado. Isso teria feito esse Estado assumir a condição de ferramenta social, ou melhor, “instrumento de alcance de fins”.[22]
Mas o problema, como já se colocou, no que concerne as intervenções estatais através da Administração Pública, parece ser o limite dessa intervenção na iniciativa privada. Isso, principalmente, se consideradas forem as transformações pelas quais passou o Estado, que “deixou de ser órgão de confrontação de duas ou poucas classes dominantes para se tornar pluralista.”[23] Continua DIOGO MOREIRA NETO, “…surge assim uma tendência admirável, na linha do princípio da subsidiariedade.” “… Estado subsidiário, provavelmente um modelo dominante de organização política no próximo século.”[24]
Subsidiariedade representa complementariedade e é, ao que parece, atributo típico do Estado Social Constitucional Democrático e justificável como característica da intervenção publica, além de, em que pese não o único, um dos pontos de destaque na questão econômica.
A eficiência, portanto, torna-se o critério fundamental de legitimação das ações do Estado.
3. A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E O ESTADO CONSTITUCIONAL SOCIAL DEMOCRÁTICO
Importante salientar que a subsidiariedade não é e não pode ser neutra.
“Tradicionalmente, no Brasil, a atuação estatal na ordem econômica parte do pressuposto de que a regulação é função típica do Estado, mas que a intervenção direta no mercado só deve ser realizada de forma subsidiária. Dessa forma, fica patente que a subsidiariedade torna-se elemento comum na fundamentação da pretensão interventiva do Estado.”[25]
Bem pontua MARÇAL JUSTEN FILHO, quando faz referencia no sentido de que a “subsidiariedade é critério prevalecente a justificar a intervenção direta do Estado na economia.” Todavia, afirma ser ela “legitima apenas quando a iniciativa privada for incapaz de solucionar de modo adequado e satisfatório certa necessidade.”, ou seja, o Estado atuaria diretamente na economia, apenas quando presentes os motivos específicos e justificáveis.[26]
Trata-se da essência do princípio da livre iniciativa, bem posto por SILVIO DA ROCHA, como fundamental para limitar a Administração Pública na intervenção de atividades dos particulares e, também, para definir as condições pelas quais a Administração vai agir na atividade econômica.[27]
Fato é que, ao que tudo tem indicado, não há como se equiparar a Administração Pública a um particular, no contexto econômico, sob pena de se estar negligenciando a própria Constituição, na medida em que o Texto Maior impede, taxativamente, que o Estado atue como empresário. Esta é a regra geral e que é excepcionada em alguns específicos casos.
Disso decorre que somente na presença de interesse público, o Estado pode atuar de forma plena na economia. Fora isso, o Estado fica expressamente proibido de agir em decorrência do princípio da livre iniciativa. Mas ele nunca se afasta por completo, eis que deve intervir sempre que necessário para resguardar o equilíbrio do sistema.
Como já fora exposto, a Constituição de 1988 não é neutra quanto à ordem econômica, na medida em que tem como respaldo o valor maior da justiça social. Nesse contexto, a Carta Magna enuncia diretrizes e programas a serem alcançados pelo Estado, ou seja, o Estado atuando na promoção de políticas publicas para alcançar os fins estabelecidos na Constituição.[28]
Mas até onde, respeitando a Constituição, pode o Estado intervir na iniciativa privada e, em especial, na economia? No Brasil[29], foi possível estabelecer a interferência até no controle de preços sem que isso representasse ofensa à livre iniciativa. Todavia, parece importante, mas também dificultoso, estabelecer tais limites. Do exposto, é perceptível que, muito embora a Constituição tenha fomentado “uma vocação social à ordem econômica”[30] não há como deixar de lado a livre iniciativa como um dos valores supremos da ordem econômica.
O próprio artigo 173, da Constituição Federal, expõe tal especialidade quando da intervenção estatal na economia, na medida em que fica evidente que ao administrador público cabe intervir na atividade econômica apenas excepcionalmente.[31] Mas não se pode negar a importância dessa intervenção, desde que, por óbvio, respeitadas as orientações constitucionais, até porque, como bem ressalta PRISCILIA SPARAPANI, a “intervenção é fundamental para a sobrevivência do sistema”.[32]
4. OS INCENTIVOS FISCAIS TRIBUTÁRIOS COMO FERRAMENTAS DE FOMENTO (INTERVENÇÃO)
Como nos ensina EROS GRAU, toda a atuação estatal é expressiva de um ato de intervenção[33] e, no campo do domínio econômico, o Estado o faz sempre em busca de soluções de desenvolvimento e de justiça social.
“De sorte que, para o gozo de uns e o exercício de outros, o Estado impõe limites e prescreve regras, visando dificultar, ou mesmo obstar, qualquer comportamento anti-social dos administrados e satisfazer as exigências da comunidade. Nesse mister, se necessário à satisfação do interesse público, o Estado pode intervir na propriedade particular e no domínio econômico.”[34]
Como ilustra o professor DIOGENES GASPARINI, quando necessário, o Estado não só pode atuar na função interventiva, mas deve desse modo agir, através de seus atos de império, para que os anseios sociais coletivos sejam cumpridos. A ingerência do Estado, por sua vez, pode, como visto acima, ocorrer através da intervenção da propriedade privada ou agir na intervenção da economia.
A primeira modalidade é usualmente presente na via dos cidadãos, assim como a segunda, mas de modo mais evidente e comum, tanto é que representa a desapropriação e as servidões administrativas. A segunda modalidade surte seus efeitos através do controle de abastecimento, do planejamento e dos incentivos, mas propriamente através dos incentivos fiscais tributários.[35]
EROS ROBERTO GRAU, em obra já citada, ainda que apoiado nas idéias expostas por Gerson Augusto da Silva, refere-se a três modalidades de intervenção estatal na economia. Dentre elas, destaca a “intervenção por indução” a qual, em consonância com as diretrizes constitucionais a serem desenvolvidas, permite ao Estado “manipular os instrumentos de intervenção em consonância e na conformidade das leis que regem o funcionamento dos mercados.” [36]
Trata-se de mecanismo que estimula a economia e que, na visão do Supremo Tribunal Federal[37], “leva os destinatários aquela dada opção econômica”. A intervenção por indução não detém a carga cogente como a modalidade interventiva dita “por direção” [38], em que pese seja estabelecida por normas dispositivas que, na maioria das vezes, acabam por influir na vontade dos destinatários como um convite. Isso acontece através de estímulos e incentivos oferecidos pela lei, desde que preenchidos alguns requisitos também dispostos em leis.
São as isenções tributárias, as reduções de tributos e outros subsídios tributários, por exemplo. Na mesma linha segue SILVIO LUIS FERREIRA DA ROCHA ao enunciar que a intervenção do estado pode se dar, no domínio econômico, por indução ”quando o Estado a promove mediante estímulos positivos ou negativos.”[39]
O exemplo ilustrativo e auto-explicativo apresentado por EROS GRAU é justamente o caso onde um dado imposto é onerado para que aquele exato comportamento pretendido pelo Estado seja subsumido pelo cidadão contribuinte. O que não se pode deixar de lado é o fundamento macro da intervenção no domínio econômico, ou seja, a intervenção tem sempre respaldo na idéia de proteção dos interesses da sociedade.
Mas o que muitos autores ressaltam (SILVIO LUIS FERREIRA DA ROCHA, PIRSCILIA SPARAPANI, DIOGENES GASPARINI, EMERSON GABARDO), quando da análise do tema é, justamente, as dificuldades para se estabeler os limites desta intervenção, ou melhor, até onde o Estado pode intervir na economia e, em especial, através de incentivos fiscais como ferramentas de fomento econômico e social.
Como leciona GILBETO BERCOVICI, “o Estado é o principal formulador das políticas de desenvolvimento”[40] e a concretização de direitos ocorre pela implementação dessas políticas que, muitas vezes, se desenvolvem de forma mais criativa e sem a rotineira cogência das regras publicas de intervenção diretiva.
A modalidade acima referenciada, “intervenção por indução”, nos revela uma atividade administrativa com vistas a satisfazer necessidades coletivas. Trata-se do fomento, medida que busca a implementação de finalidades definidas constitucionalmente, mas de modo auxiliar através de, por exemplo, incentivos fiscais tributários.
“A atividade administrativa de fomento pode ser definida como a ação da Administração com vista a proteger ou promover as atividades, estabelecimentos ou riquezas dos particulares que satisfaçam necessidades publicas ou consideradas de utilidade coletiva sem o uso da coação e sem a prestação de serviços públicos; ou, mais concretamente; a atividade administrativa que se destina a satisfazer indiretamente certas necessidades consideradas de caráter público, protegendo ou promovendo; sem empregar coação, as atividades dos particulares.” [sic][41]
Trata-se de conseqüência do desenvolvimento do modelo estatal, no qual o aumento considerável de intervenções necessárias do Estado, na via particular, proporciona um papel mais ativo do Estado, agindo, inclusive, como sujeito da ação econômica.[42]
SÍLVIO LUÍS FERREIRA DA ROCHA é bem taxativo ao colocar a prática de fomento como ferramenta que procura alcançar os fins constitucionais estabelecidos através das atividades do próprio particular, que, nesse contexto, age mediante promoção, no caso dos incentivos fiscais, sem qualquer forma de intervenção direta. “A atividade do particular é prestada por própria decisão dele”[43] que, incentivado, procura agir daquela determinada forma.
Como fora referido anteriormente, um dos fundamentos que justificam a intervenção é justamente a proteção dos interesses da comunidade, em especial através de ingerências no domínio econômico e, nesse diapasão, nada mais coerente que agir não de modo cogente e ordenador, mas sim de maneira indutiva, fomentando a atividade do particular para canalizar suas ações de uma maneira ou de outra, sempre tendo por fundamento a economia financeira através de políticas de desoneração: nesse caso, através de incentivos fiscais.
O fomento por meio de incentivos fiscais, por sua vez, não se pode dar arbitrariamente ou mediante diretrizes, critérios ou escolhas dos agentes públicos. Como reflete DIOGENES GASPARINI, a atuação é sempre pautada na Constituição “e regulamentada por lei, no que se refere ao modo e à forma de sua exação.” Isso, pois, “…qualquer comportamento público desgarrado desse limite torna nula a intervenção e enseja a responsabilidade do agente.”[44]
“A intervenção do Estado que vimos estudando deve observar certos limites. Com efeito, circunscreve-se a ação interventiva, de um lado, pela proteção dos interesses da comunidade e, de outro, pela observância dos direitos e garantias dos administrados. Na conciliação dessas duas necessidades residem os limites da intervenção do Estado na propriedade e no domínio econômico.”[45]
Não é estranho afirmar que o Estado é o principal formulador de políticas de desenvolvimento, e, por conta disso, acaba por introduzir a dimensão política no cálculo econômico, sempre em prol da constituição de um sistema econômico condizente com os anseios sociais. GILBERTO BECOVICE chega a dizer que a concretização de direitos se faz por meio de prestações positivas do Estado, principalmente se o objetivo for eliminar desigualdades[46] e isso pode ser alcançado, pode se dizer, através, também, dos incentivos fiscais nos setores em que se justifica a intervenção.
Mas há que se ressaltar que a atividade de fomento não é uma atividade de prestação obrigatória por parte da Administração; eis que “são meramente facultativas, de modo que o fomento pode ser pretendido ou solicitado por seus possíveis beneficiários, mas exigido juridicamente.”[47]
Nesse contexto, é possível entender que o Estado pode fomentar, através de incentivos ficais, certas atividades econômicas que não vêm sendo desenvolvidas em consonâncias com os interesses públicos. Ainda, porém, que não seja obrigatória, ou mesmo que haja certa discricionariedade na opção por incentivas essa ou aquela atividade, lembra-nos HELENO TAVARES TORRES, que “a interpretação econômica não pode subverter a ordem jurídica construída sob cânones de segurança jurídica, por finalismo que outrora já se definiu como de torpe e odioso meio de superação aos direitos fundamentais”.[48]
Notório reconhecer que a atividade de incentivo fiscal é atividade administrativa e, como tal, tem por escopo alcançar certas finalidades que lhes são próprias. Quando há um incentivo fiscal, portanto, há uma atividade administrativa em curso e, portanto, há que haver a subsunção, sempre, ao regime jurídico administrativo que, dentre muitos limites, contempla a legalidade.
CÉLIA CUNHA MELLO lembra que “no Brasil, os limites da interferência estatal são ditados pela ‘principiologia’ constitucional.”[49] Afinal, como bem coloca THIAGO LIMA BREUS, “Os princípios desempenham, desse modo, para além da função integrativa, as funções de fundamentação, interpretação e direção do ordenamento jurídico.”[50]
“Por isso é que os princípios representam, no atual estágio de desenvolvimento do ordenamento jurídico, critérios ou diretrizes basilares do sistema jurídico, traduzindo-se em disposições hierarquicamente superiores do ponto de vista axiológico,… Sendo linhas mestras de acordo com as quais deverá guiar o intérprete quando se defrontar com antinomias jurídicas.”[51]
Nessa linha, é afiançável dizer que o princípio de destaque é justamente o princípio da legalidade, principalmente nos casos onde o fomento se concretiza por incentivos fiscais e tributários tais como reduções de alíquotas tributárias, isenções, desonerações, dentre outras modalidades.
5. O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE NO CONTEXTO TRIBUTÁRIO
“A legalidade decorre do princípio do Estado de Direito”[52] e, por conta disso impõem a subordinação da atividade de incentivos fiscais à função legislativa.
Ao passo que “não há sombra de dúvida de que ao jurista, voltado para a compreensão do direito posto vigente, e no anseio de contribuir para a ciência futura, não é dado olvidar as experiências pretéritas,”[53] cumpre repassar um breve contexto histórico, ainda que de maneira muito breve, da legalidade tributária.
É de certa forma pacifico entre estudiosos do direito[54], o fato do princípio da legalidade, na esfera específica dos tributos, ter sido inaugurado formalmente no ano de 1.215, na Inglaterra, com a promulgação da “Magna Charta Libertatum” do Rei João Sem Terra. É de se ressalvar, por oportuno, que Uckmar[55] traz diversos eventos anteriores a esse. Mas ainda assim é grande o número de estudiosos que vêem a Magna Carta como o documento inaugural da legalidade, talvez pela generalidade e abstração do texto que permitia uma atuação mais abrangente.
A necessidade de consentimento popular, por sua vez, acabou se traduzindo no princípio da legalidade expresso na Constituição Federal de 1988, na modalidade genérica, em seu artigo 5º, inciso II. Essa modelagem estabeleceu um arquétipo que apareceu não só no Brasil, mas em outros diversos documentos constitucionais. Todavia, o que se pode extrair é que o princípio da legalidade é o conceito inevitável nos modelos constitucionais de estados modernos, tendo surgido, justamente, como conseqüência de disputas tributárias.
Trata-se de instrumento constituído como um dos “traços de maior essencialidade na caracterização dos Estados de Direito de nosso tempo.”[56] No contexto atinente aos tributos, por sua vez, a contextualização não é diferente eis que o Sistema Constitucional Tributário detém característica que o colocam na condição de peculiar, na medida em que trata da matéria tributária de modo singular, não contendo somente princípios, mais também regras de caráter não principiológico.
Cabe frisar que o princípio da legalidade não é exclusividade do direito tributário, porque se projeta sobre todo o ordenamento através de disposições que foram albergadas no rol dos direitos individuais, dentro do Título que trata dos direitos e garantias fundamentais. Em contrapartida, por sua vez, “o princípio da legalidade é um das mais importantes colunas sobre as quais se assenta o edifício do Direito tributário.”[57]
Não bastasse a previsão constitucional que representa a raiz da legalidade no Brasil, fato é que o legislador constituinte, preocupado em resguardar tal direito fundamental do contribuinte, foi além deixando marcas desse princípio no campo tributário, notadamente no artigo 150, inciso I.
“O princípio da legalidade teve sua intensidade reforçada no campo tributário e graças a este dispositivo constitucional, a lei – e só ela – deve definir, de forma absolutamente minuciosa, os tipos tributários. Sem essa precisa tipificação de nada valem atos normativos infralegais: por si sós, não têm a propriedade de criar ônus ou gravames para os contribuintes.”[58]
Nesse contexto, a par dos contornos do princípio da legalidade, cabe delimitá-lo no campo dos direitos fundamentais, eis que, dentre os direitos tributários fundamentais, o da legalidade “é uma forma de preservação da segurança”,[59] e por conta disso a relação entre a legalidade e tributação é uma questão jurídica, sendo oportuno afirmar que sua inobservância “abre a possibilidade de sanções. A relação é jurídica precisamente porque os atos nela envolvidos devem ser praticados com observância das normas que a regulam.”[60]
Importante trazer à baila as lições de MARCELO MARTINS ALTOÉ[61], que, em seus apontamentos, leciona que os principais valores a serem preservados foram positivados como princípios constitucionais, normas dotadas de materialidade e eficácia previstas no próprio documento constitucional, notadamente os valores jurídicos. Tais princípios contemplam as normas que prevêem os direitos e garantias constitucionais.
Importante pontuar, dentro do contexto até aqui esboçado, que quando da manifestação pública acerca de qualquer atividade de fomento administrativo, ligada a incentivos fiscais e tributários, o princípio da legalidade deve ser norte na medida em que o Sistema Tributário o tem como princípio de aplicação cogente.
THIAGO BREUS, em obra já citada, expõem que a dimensão contemporânea elencada pelo modelo atual de Estado Constitucional Social Democrático, agrega preocupações materiais ao Estado que antes eram despercebidas. Dessa idéia sobressaem aquelas preocupações atinentes aos valores fundamentais estabelecidos na Constituição, não apenas para permitir a organização do Estado, mas para permitir o próprio desenvolvimento do Estado.[62]
O princípio da legalidade, nesse contexto onde a amplitude de discussão alberga os incentivos fiscais com influência direta no campo do Sistema Constitucional Tributário, representa a própria legitimação da Administração Pública no desenvolvimento de suas atividades.
No campo do Direito Administrativo a legalidade é o primeiro princípio de destaque, não sendo diferente no contexto tributário. Entretanto, no âmbito tributário esse mesmo princípio ganha envergadura sob a condição de diretriz essencial.[63]
“Em seu sentido contemporâneo, o que o princípio da legalidade quer significar é que não se pode submeter à administração apenas à lei formal, mas sim a todo o ordenamento e seu poder normativo, que contempla a democracia, a soberania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e a livre iniciativa, o pluralismo político, com vistas a constituir uma sociedade melhor e mais justa, um Estado de Direito Material, isto é, um Estado Constitucional… Como visto, a legalidade decorre do princípio do Estado de Direito…“[64]
Nas palavras de SACHA CALMON[65], “onde houver Estado de Direito haverá respeito ao princípio da reserva de lei e matéria tributária” e isso retrata o ideal de que tal princípio é intransponível à atuação do Estado.
Ao tratar de incentivos fiscais, ainda que cumprindo metas atinentes ao interesse público, deve a Administração agir com a máxima cautela e respaldo constitucional. Dos ensinamentos consagrados a partir de IVES GRANDRA,[66] é possível entender que as normas inerentes a tributação, no caso os incentivos fiscais, “ou são legais ou são ilegais”.
“Se ilegais, todo o processo elisivo é ilegal também, mesmo com o exclusivo intuito de reduzir tributos. Se não, a ilegalidade decorre de desconformidade do comportamento do pagador de tributos em relação à lei, neste caso sendo conduta punível.”[67]
E, ainda que parte da doutrina entenda[68] haver exceção a tal princípio, há que se salientar que se trata de postulado imprescindível. Não há exceção ao princípio da legalidade. O texto constitucional pode até, em algumas raras exceções, atribuir ao Executivo a condição de definir alíquotas dentro de determinadas condições e limitações, mas isso não modifica a premissa de que a Constituição não outorga ao Executivo, poderes para descrever elementos essenciais, nem para estabelecer, livremente, aspectos quantitativos que determinem o valor a pagar. Afinal, “no Brasil, referido princípio possui natureza estrita, não havendo flexibilização…”[69]
Como já bem discorrido anteriormente, mesmo nos casos onde haja interesse público e os incentivos fiscais sejam incrementados em prol do desenvolvimento de uma dada comunidade, é certo que, no Brasil, há que haver obediência ao princípio da legalidade em prol da manutenção do Estado Constitucional Democrático de Direito. Tal respeito ao princípio é questão estrita, de modo que a Administração deve observar a lei, não podendo subverter seus anseios ou mesmo permitir ao Executivo uma atuação fora dos contornos instrumentais.
Essa, talvez, seja a mais sensível mudança da leitura da legalidade nesse modelo de Estado Constitucional Social e Democrático, haja vista que hoje não se fala apenas na lei ordenadora, estabelecendo em direitos e deveres, mas sim em algo transformador que possa relevar o contexto e disciplinar soluções de interesse coletivo.
Nesse passo, ainda que tais incentivos fiscais sejam respaldados na condição de medidas de fomento, ou mesmo de políticas públicas, fato é que são instrumentos de ação do Estado e, por conta disso, ficam submetidos às finalidades constitucionais e, por conseqüência, ao princípio da legalidade, sob pena de sofrerem as conseqüências da nulidade
6. CONCLUSÕES
Ante a ruptura do modelo estatal, o Estado absorveu a necessidade de não mais aceitar a tese liberal que se apegava, indistintamente, a livre iniciativa e ao direito a propriedade. Tais princípios são essenciais a uma sociedade e, em especial, ao bom desenvolvimento da Ordem Econômica. Entretanto, o constitucionalismo inseriu questões tais como o trabalho e a dignidade da pessoa humana, que acabaram por culminar nos valores supremos do bem estar e da justiça social.
As mudanças foram profundas e deixaram marcas ainda muito evidentes no que chamamos mundo contemporâneo do Estado Constitucional Social Democrático.
A Constituição inaugurou esse modelo. Veio carregada de valores aptos às transformações que precisavam e, de certo modo, foram feitas no seio social. A atuação deixa de ser ordenadora para ser transformadora, ou seja, o Estado assume papel interventivo, mas de forma a assegurar a adequada prestação dos direitos.
A economia ainda, como não poderia deixar de ser, pauta-se na livre iniciativa e no direito de propriedade, mas outros direitos essencialmente fundamentais passam a ser cotejados e até almejados para que as finalidades constitucionais deixem o papel e ganhem espaço material e deontológico.
É disso que trata o paradigma do Estado Constitucional social Democrático. Na Ordem Econômica, a intervenção parece ainda mais evidente e necessária, ao passo de se demonstrar indispensável uma política de fomento calcada, dentre outros, na opção pelos incentivos fiscais.
Se o capitalismo é o regime econômico do momento, não se pode esquecer dos valores cuja opção constitucional fez prevalecer. São os princípios desse modelo que acabam por trazer à Administração Pública preocupações antes em desuso. O momento é o de preocupações materiais relacionadas a valores fundamentais de cunho constitucional.
Na ordem econômica, a ferramenta de fomento, ilustrada pelos incentivos fiscais e tributários, mostra-se vital para sobrepujar o individualismo do modelo liberal. Isso dá mobilidade ao Estado não apenas para organizar o aparato estatal, mas para fazer prevalecer princípios que tem por finalidade não outra senão a função de consecução dos fins sociais.
Mas que limites pesam sobre a Administração Pública nessa toada? Isso é algo que passa pela análise dos princípios constitucionais que nada mais são do que vetores do próprio ordenamento, vetores esses de aplicação cogente nas políticas públicas, sempre com a perspectiva de atingimento do interesse público.
Dentre tantos, o princípio da legalidade tem destaque primordial, principalmente quando se tem em mente a complexidade do Sistema Tributário brasileiro. Isso faz lembrar a noção de “constituição-mãe”, adotada por CANOTILHO, na medida em que deve sempre estar apta a responder todos os problemas que porventura possam aparecer em nosso ordenamento jurídico. O subsistema constitucional tributário segue a mesma linha, uma vez que é tratado de forma singular e até exaustivamente pelo texto constitucional, em especial se tomarmos como cenário o princípio da legalidade.
Disso, ressurge a importância dos princípios constitucionais em matéria tributária, ponto de partida de qualquer assunto que envolva incentivos fiscais e tributários no ordenamento brasileiro. Importante que se diga que alguns princípios, dentre todos, exercem maior influencia no Sistema Tributário Constitucional, razão pela qual, é expressiva a influência do princípio da legalidade quando o assunto são os incentivos fiscais tributários e a necessidade de observância a legalidade estrita.
Isso, porque, a “hermenêutica tributária não é livre na construção de conceitos e tipificações,”[70] a fim de que a ordem econômica possa dar qualquer alento que justifique a violação ao princípio da legalidade. Agir dessa forma é permitir que a interpretação do Direito Tributário, na ótica econômica, vá de encontro ao modelo Constitucional de Estado Social Democrático, algo que não pode ser aceito.
É o que resume HELENO TÔRRES quando pontua que dificuldades financeiras ou burocráticas não podem servir de fundamento pra criação de medidas cautelares cuja execução agrida princípios fundamentais do cidadão. Nesse passo é que se justifica uma exata adequação dos incentivos fiscais aos anseios sociais e a princípios tais como a legalidade tributária. E só!
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